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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.12  Gondomar dez. 2021  Epub 25-Mar-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.25.12.2021 

Caso Clínico

VELHOS PROBLEMAS, NOVOS DESAFIOS PARA O MÉDICO DO TRABALHO: UM CASO DE LARVA MIGRANS CUTÂNEA

OLD PROBLEMS, NEW CHALLENGES FOR THE OCCUPATIONAL DOCTOR: A CASE REPORT OF CUTANEOUS LARVA MIGRANS

A Roque1 
http://orcid.org/0000-0002-8514-7823

S Pimenta2 

R Ribeiro3 

J Ferreira4 

A Correia5 

T Martinho6 

E Perea7 

J Fonnegra8 

1Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. Morada para correspondência dos leitores: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Hospital de Santa Cruz, Av. Prof. Reinaldo dos Santos 2790-134 Carnaxide

2Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

3Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

4Interno de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

5Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Norte.1649-028 Lisboa

6Diretora do Serviço de Saúde Ocupacional do CHLO, Assistente Hospitalar Graduada de Medicina do Trabalho. Assistente Hospitalar de Medicina Interna. 2790-134 Carnaxide

7Assistente Hospitalar em Medicina do Trabalho do CHLO. 2790-134 Carnaxide

8Assistente Hospitalar em Medicina do Trabalho do CHLO. 2790-134 Carnaxide


RESUMO

Introdução

A Larva Migrans Cutânea é uma dermatose infeciosa provocada por parasitas nematoides que infestam o Homem de forma acidental. É uma doença endémica em países tropicais, sendo o diagnóstico pouco comum nos países industrializados. Os autores apresentam o caso clínico de um trabalhador infetado durante uma viagem laboral ao Brasil, tendo como objetivo alertar os trabalhadores que viajam para destinos laborais com praias e climas tropicais sobre o risco de infestação por esta larva e as respetivas medidas preventivas.

Descrição do Caso Clínico

Os autores descrevem o caso de um homem de 32 anos, regressado de uma viagem em trabalho a zona endémica, com lesões pruriginosas, serpiginosas típicas na região plantar do pé direito. Teve evolução favorável com terapêutica oral com Albendazol. Faz-se uma revisão da epidemiologia, manifestações clínicas e opções terapêuticas.

Discussão/Conclusão

As crescentes viagens de lazer, mas sobretudo de trabalho, no contexto português, para as zonas endémicas, obrigam o profissional de saúde, sobretudo o Médico do Trabalho, a estar apto a diagnosticar patologias que cada vez mais deixarão de ser raridades.

Palavras-chave: Larva Migrans Cutânea; Parasitose; Saúde Ocupacional; Medicina do Viajante

ABSTRACT

Introduction

Cutaneous Larva Migrans is an infectious dermatosis caused by nematode parasites that accidentally infest humans. It is an endemic disease in tropical countries, and the diagnosis is uncommon in industrialized countries. The authors present a case report of an infected worker during a work trip to Brazil, aiming to alert workers who travel to work destinations with beaches and tropical climates about the risk of infestation by this larva and the respective preventive measures.

Clinical Case Report

The authors describe the case of a 32-year-old man, who had returned from a work trip to an endemic area, with typical serpiginous, pruritic lesions in the plantar region of his right foot. He had a favourable evolution with oral therapy with Albendazol. The authors review the epidemiology, clinical manifestations and therapeutic options.

Discussion/Conclusion

The increasing leisure travels, but especially for work, in the Portuguese context, to endemic areas, oblige the health professional, especially the Occupational Doctor, to be able to diagnose pathologies that will increasingly cease to be rarities.

Keywords: Cutaneous Larva Migrans; Parasitosis; Occupational Health; Traveller’s Medicine

INTRODUÇÃO

A Larva Migrans Cutânea é uma parasitose, caracterizada por lesões cutâneas serpiginosas, autolimitada, habitualmente provocada por parasitas de animais domésticos que infestam acidentalmente o ser humano. Foi descrita pela primeira vez em 1874 e cinquenta anos depois foi realizada a primeira biópsia cutânea, que comprovou a presença de um parasita nematoide que penetrava a pele e migrava através dela (1).

Endémica em zonas tropicais ou subtropicais, como Ásia, África, América Latina, é pouco comum nos países industrializados, apesar de ser a segunda causa mais comum de morbilidade nos turistas, a seguir à diarreia. O agente mais frequente é a larva Ancylostoma braziliense. As larvas Ancylostoma caninum, Uncinaria stenocephala e Bunostomum phlebotomum são agentes mais raramente envolvidos (2). O seu diagnóstico é clínico, baseando-se não só na anamnese, mas também nas lesões cutâneas típicas ao exame objetivo (1) (3).

O ser humano é um hospedeiro acidental destes nematoides. Uma vez no solo, os ovos originam larvas que permanecem viáveis durante várias semanas. Ao contatarem com solos ou areias contaminadas com os excrementos de animais infetados, os humanos podem tornar-se hospedeiros acidentais devido à capacidade que as larvas têm de penetrar nas camadas superficiais da pele humana através da produção de hialuronidase ou através dos folículos pilosos e glândulas sudoríparas. Após penetrarem a camada córnea, a cada dia, as larvas migram vários centímetros na epiderme, induzindo uma resposta inflamatória. Uma vez que não têm capacidade de completar o seu ciclo de vida nos humanos, os parasitas acabam por morrer após um período médio de oito semanas, explicando o fato de ser uma doença autolimitada. Habitualmente as manifestações clínicas consistem em lesões lineares ou serpiginosas, eritematosas, com cerca de 3 mm de largura. Estas lesões são tipicamente muito pruriginosas e as mãos, cotovelos e peito são mais raramente atingidos. A foliculite e reações vesiculares/bolhosas são formas de apresentação pouco comumente descritas. Apesar de variável, o período de incubação médio é cerca de 15.5 dias. Tendo em conta o contexto epidemiológico e as manifestações clínicas singulares, o diagnóstico clínico da Larva Migrans Cutânea torna-se simples. Analiticamente este quadro pode cursar com hipereosinofilia e aumento dos níveis de IgE. Não está recomendado biopsar a lesão, uma vez que a larva se encontra distanciada alguns centímetros do trajeto visível e além disso as alterações anatomopatológicas não são específicas nem permitem o diagnóstico definitivo (dermatite espongiforme com vesículas contendo neutrófilos e eosinófilos). Em casos atípicos ou nas lesões modificadas por fármacos, a microscopia de epiluminiscência pode permitir a identificação da larva no seu trajeto (2,4). Apesar de habitualmente a infeção estar limitada à pele, foram descritos casos de Síndrome de Loffler com disseminação hematológica (2,3).

Os autores apresentam o caso clínico de um trabalhador infetado durante uma viagem em trabalho ao Brasil, tendo como objetivo alertar os empregados que viajam para destinos laborais com praias e climas tropicais sobre o risco de infestação por esta larva e as respetivas medidas preventivas. No contexto financeiro que se vive atualmente neste milénio, a globalização empresarial e por sua vez dos seus colaboradores tornam-se cada vez mais uma realidade. Assim, e cada vez mais, a Saúde Ocupacional deverá encaixar na vigilância periódica destes trabalhadores a prevenção e alerta para doenças tropicais e outros riscos para a saúde presentes nestes destinos laborais. Neste contexto, é feita uma revisão da doença, relativamente a agentes infeciosos, aspetos clínicos, diagnósticos diferenciais e tratamento.

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

Este caso refere-se a um trabalhador de 32 anos de idade, género masculino, sem antecedentes patológicos relevantes, a exercer em empresa de consultoria.

Em contexto de trabalho é várias vezes solicitado que viaje para países como Brasil, Angola e Moçambique, onde costuma passar pequenas temporadas, normalmente inferiores a um mês.

Cerca de uma semana após regresso de uma viagem de trabalho ao Nordeste Brasileiro, recorreu ao Médico do Trabalho da empresa onde é funcionário, por queixas de prurido intenso na face plantar do pé direito associado a lesões eritematosas. Ao exame objetivo constatou-se lesão eritematopapular, de bordos elevados, trajeto serpiginoso, localizada na planta do pé (Figura 1).

Figura 1 Lesão eritematopapular, de bordos elevados, trajeto serpiginoso, localizada na planta do pé do trabalhador apresentado 

Tendo em conta o contexto epidemiológico e a apresentação clínica das lesões admitiu-se como diagnóstico provável Larva Migrans Cutânea. Foi então encaminhado a consulta de urgência de Dermatologia para segunda opinião, que confirmou o diagnóstico, tendo sido medicado com Albendazol 400 mg/dia durante sete dias, associado à aplicação tópica de Tiabendazol em creme a 15%. Constatou-se melhoria clínica, com regressão das lesões após uma semana de terapêutica, sem recidiva aos doze meses de seguimento.

DISCUSSÃO

Devido à maior frequência de fluxos migratórios na atualidade, as dermatoses tropicais podem tornar-se mais frequentes nos países de clima temperado. A Larva Migrans Cutânea exemplifica bem essa tendência, podendo atingir até cerca de 25% dos turistas que regressam de zonas tropicais (4).

Apesar de habitualmente ter um curso benigno e ser autolimitada, o tratamento da Larva Migrans Cutânea é justificado pelo alívio do prurido, diminuição da duração do quadro e evicção de potenciais complicações tais como impetigo, eczema ou disseminação hematológica (5).

O diagnóstico diferencial deve levar em consideração outras dermatoses que evoluem com lesões lineares ou serpiginosas, como sejam o Granuloma Anular, Poroqueratose de Mibelli e o Eritema Anular Centrifugum, sendo na maioria das vezes possível pela história clínica, sintomatologia e aspetos morfológicos das lesões.

Foram descritas múltiplas opções terapêuticas para a Larva Migrans Cutânea. As modalidades físicas, como a crioterapia ou excisão cirúrgica, são muitas vezes ineficazes uma vez que a larva habitualmente se situa 1 a 2 cm para além das lesões cutâneas visíveis, no entanto mantêm-se como uma alternativa apropriada durante a gravidez (5,6). O tratamento oral é realizado principalmente com derivados do benzimidazol (mebendazol, albendazol) ou ivermectina. O albendazol é recomendado em regime oral de 400mg/dia, produzindo melhora rápida em 24h e resolução completa das lesões em uma a duas semanas. Outra opção é o mebendazol 100mg/dia durante três dias ou dose única de 500mg. A ivermectina oral também é possível na dose de 200μg/kg/dia por um a dois dias, sem efeitos colaterais relatados (6) (7).

CONCLUSÃO

Portugal, pela sua ligação às ex-colónias tem uma vasta experiência no diagnóstico e tratamento das doenças ditas “tropicais”. Embora nos últimos trinta anos a história dos países africanos de expressão portuguesa tenha contribuído para que uma vasta geração de médicos portugueses fosse privada do contato direto com aquele tipo de patologias, a globalização, o aumento crescente de novos emigrantes para aqueles países e o vasto número de viajantes em viagens de negócios, obriga a que o médico esteja cada vez mais atento a sintomatologia que, irremediavelmente se vai tornar progressivamente mais frequente. Desta forma, o Médico do Trabalho tem um papel fundamental, pois inevitavelmente será o primeiro contacto do indivíduo que regressa de uma viagem de trabalho. No caso concreto aqui abordado, o diagnóstico foi de suspeição, baseado na história clínica e na evidência de lesões cutâneas caraterísticas. Levantou-se também a questão de se poder tratar de uma Doença Profissional, uma vez que foi contraída em contexto de viagem de trabalho. Após discussão em equipa, considerou-se não haver lugar para esta notificação, visto que apesar de ser uma viagem em contexto laboral, foi em período de lazer que contraiu a mesma, não estando por isso diretamente ligada à sua atividade profissional.

Em jeito de conclusão, cabe ao Médico do Trabalho alertar os trabalhadores que viajam para destinos laborais com praias e climas tropicais sobre o risco de infestação por esta larva e as respetivas medidas preventivas. Estas passam por evitar andar descalço ou ter a pele em contato direto com solos quentes e húmidos dessas regiões ou de terrenos fertilizados com excrementos de animais (6).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Soares S, Liz C, Cardoso A, Machado A, Cunha J, Machado L. Larva Migrans Cutânea - apresentação típica de dois casos clínicos. Nascer e Crescer- Birth and Growth Medical Journal. 2018, 46-49. [ Links ]

2 Macias V, Carvalho R, Chaveiro A, Cardoso J. Larva Migrans Cutânea - A Propósito de um Caso Clínico. Revista Portuguesa de Dermatologia e Venereologia. 2013, 93-96. [ Links ]

3 Rodrigues F, Silva P, D´Acri A, Martins C. Caso Exuberante de Larva Migrans Cutânea. Revista Portuguesa de Dermatologia e Venereologia. 2019, 161-164. [ Links ]

4 Tremblay A, MacLean J, Gyorkos T, MacPherson D. Outbreak of cutaneous larva migrans in a group of travellers. Tropical Medicine and International Health European Journal. 2000, 5: 330-334. DOI: 10.1046/j.1365-3156.2000.00557.x [ Links ]

5 Blackwell V, Vega-Lopez F. Cutaneous larva migrans: clinical features ad management of 44 cases in the returning traveller. British Journal of Dermatology. 2001, 145(3): 434-7. DOI: 10.1046/j.1365-2133.2001.04406.x. [ Links ]

6 Alves C, Proença V. Larva migrans cutânea - um caso de apresentação típica no viajante. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. 2012, 28(2): 136-8. Disponível em: https://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/10930Links ]

7 Carrasquer-Pirla M, Clemos-Matamoros S. Larva migrans cutánea. A propósito de un caso clínico. Revista Medicina Família Semergen. 2016, 43(4): e51-e52. DOI: 10.1016/j.semerg.2016.07.012 [ Links ]

Recebido: 19 de Novembro de 2021; Aceito: 08 de Dezembro de 2021; Publicado: 25 de Dezembro de 2021

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