INTRODUÇÃO
A infeção pandémica COVID-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, identificado em dezembro de 2019, colocou os sistemas de saúde perante desafios não expectáveis em tempos de paz, para os quais não dispunham dos meios humanos e materiais adequados. A elevada contagiosidade desta infeção revelou-se particularmente impactante nos profissionais de saúde hospitalares, tanto pela necessidade de continuar a assegurar a prestação direta de cuidados de saúde como, principalmente, pela exposição a um elevado número de pessoas infetadas, muitas das quais ainda assintomáticas ou sem diagnóstico etiológico estabelecido. Estas especificidades do trabalho hospitalar, associadas à inconsistência das medidas de proteção coletiva e à manifesta insuficiência de equipamentos de proteção individual adequados nas fases iniciais da pandemia colocaram os serviços de saúde ocupacional na linha da frente da gestão desta crise sanitária. Assim, o reconhecimento das particularidades do exercício profissional na área da saúde determinou que a infeção pelo SARS-CoV-2, entretanto classificada como risco biológico emergente (agente de nível 3), de notificação obrigatória (1), passasse a ser reconhecida como doença profissional (2), no pressuposto de que estivesse associada a funções clínicas com risco potencial de exposição ao agente, não obstante a difícil diferenciação entre cadeias de transmissão intra-hospitalares (etiologia profissional em sentido estrito) e comunitárias extra-hospitalares.
O acervo de conhecimentos entretanto adquirido relativamente ao modo de transmissão, período de incubação, apresentação clínica, complicações e alternativas terapêuticas, não permitiu ainda esclarecer cabalmente a permanência da eficácia antiviral da imunidade adquirida, a longo prazo, nos indivíduos recuperados de COVID-19 aguda (3).
A infeção SARS-CoV-2/COVID-19, clinicamente pleomórfica, apresenta um espetro de gravidade que varia entre um estado de portador assintomático (potencialmente infecioso) (4), de prevalência estimada entre 1,2 e 33% (5), até formas de doença ligeira (influenza-like), moderada, grave ou crítica. As manifestações clínicas podem configurar síndromes autolimitadas, incluindo sintomas ligeiros flu-like do trato respiratório superior, acompanhadas de hipertermia moderada, cefaleias e alterações neuro-sensoriais, até formas progressivamente mais graves, com manifestações agudas das vias aéreas inferiores, evoluindo potencialmente para pneumonia bilateral, síndrome de disfunção respiratória aguda (ARDS) e septicémia (6).
O diagnóstico é confirmado por teste de amplificação de ácidos nucleicos do genoma vírico - Reverse-Transcription Polymerase Chain Reaction (RT-PCR) em amostra de secreções oro/nasofaríngeas (7).
A imunidade adaptativa anti-SARS-CoV-2, refletida na presença de anticorpos neutralizantes específicos do receptor-binding domain (RBD) da proteína coronal do SARS-CoV-2 (spike) (8) e, em contexto investigacional, pela ativação antigénica de linfócitos T específicos, conferirá, provavelmente, imunoproteção sustentada, ainda que parcial, nos casos de reinfeção (9) (10). A imunogenicidade dos determinantes antigénicos da proteína coronal spike, principalmente do RBD que se liga à enzima de conversão da angiotensina 2 (ECA2) presente nas células epiteliais respiratórias, está na origem da síntese de anticorpos IgG neutralizantes RBD-específicos e da ativação linfocitária específica para SARS-CoV-2 (11).
A resposta humoral contra o SARS-CoV-2 segue um padrão clássico mas com ligeiras particularidades, sendo caracterizada pelo rápido aumento de anticorpos específicos IgM (pico em duas a cinco semanas), seguida de uma queda abrupta (em três a sete semanas), até se tornar indetetável; este aumento da IgM é acompanhado pela subida gradual das IgG, cujo pico ocorre entre a terceira e sétima semanas após a infeção, seguido de um planalto (plateau) ou decréscimo com velocidade muito variável interindividual (10), estando documentada atividade neutralizante detetável pelo menos por três meses (12), mantendo-se, nos seis meses subsequentes (13).
O sexo masculino apresenta títulos de anticorpos superiores ao feminino (3) e os títulos de anticorpos anti-S e anti-RBD demonstraram boa correlação com a atividade neutralizante (10) (14) e, na maioria dos casos confirmados, verificando-se seroconversão IgG-específica em mais de 90% das infeções primárias, incluindo em doentes sob terapêutica imunossupressora ou antiretroviral (9) (13). Apesar disso, os dados disponíveis revelam títulos de anticorpos mais baixos em indivíduos assintomáticos ou com doença ligeira (9) (10) pelo que, tendo em conta que 10 a 20% dos infetados com SARS-CoV-2 poderão não ter anticorpos detetáveis (16) e os dados existentes sobre a eficácia da imunidade contra a COVID são ainda limitados (17), estes valores referenciais da imunidade humoral deverão continuar a ser interpretados cautelosamente, não havendo evidência que suporte a sua garantia enquanto “passaporte imunológico” na evicção do contágio e das formas graves da doença (18). O gold standard para a deteção de anticorpos é o método de ELISA, com 94,7% de especificidade e 98% de sensibilidade para os anticorpos anti-S (3).
De acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estado Unidos da América (Centers for Disease Control and Prevention - USA) a obtenção de um RT-PCR positivo nos noventa dias após a infeção representa, provavelmente, uma persistente excreção de remanescentes víricos inviáveis, não representando uma verdadeira reinfeção ou infeção crónica (19). Poderão, ainda, confundir-se reinfeções com estados de long-COVID, em que a positividade no RT-PCR resulta de ciclos de amplificação do RNA muito repetidos (superiores a trinta), na ausência de alterações laboratoriais ou dados compatíveis no rastreio epidemiológico (20). No entanto, à semelhança de outros coronavírus (21), apesar de rara (17), tem sido reportada a reinfeção pelo SARS-CoV-2, sendo necessária a demonstração das diferentes assinaturas nucleotídicas, por sequenciação genética, entre as duas variantes ou sub-variantes víricas (22), confirmação essa frequentemente dificultada pela inacessibilidade às amostras colhidas nas fases iniciais da pandemia.
Este trabalho tem por objetivo a avaliação da resposta humoral natural após a infeção SARS-CoV-2/COVID-19 e obtenção de RT-PCR/SARS-CoV-2 negativo nos profissionais de saúde de um hospital central, ao longo de seis meses de observação.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo longitudinal prospetivo, realizado entre março e dezembro de 2020, que envolveu todos os trabalhadores com RT-PCR positivo para SARS-CoV-2 de um Centro Hospitalar Universitário. Foram inicialmente avaliados em exame de aptidão para regresso ao trabalho, maioritariamente de modo presencial, o qual incluiu o registo de sintomas e a avaliação da gravidade e duração do quadro agudo. Foram informados do projeto de avaliação sequencial dos títulos séricos de anticorpo IgG anti-Spike SARS-CoV-2 (IgG/anti-S), com apresentação do protocolo, metodologia e objetivos do estudo, tendo sido assinado o respetivo consentimento informado de participação.
A gravidade da infeção SARS-CoV-2 foi classificada em cinco níveis, de acordo com os seguintes critérios: assintomática, ligeira quando não interferia com as atividades da vida diária; moderada quando afetava as atividades diárias, mas sem necessidade de internamento hospitalar; grave, quando justificava internamento hospitalar e muito grave, por necessidade de escalar para cuidados intensivos (UCI). A população foi distribuída em dois grupos para comparação das concentrações séricas de anticorpos: idade igual ou superior e inferior a 50 anos (após avaliação por faixas etárias com dez anos de intervalo e verificação de inexistência de diferença significativa nos grupos acima e abaixo desse ponto de corte). Foram comparadas as concentrações séricas de anticorpos em função do sexo e presença e gravidade dos sintomas agudos.
Na classificação dos serviços como de elevado risco de infeção SARS-CoV-2, foram consideradas as áreas adstritas a doentes COVID-19 e as áreas de exposição a doentes potencialmente infetados, nomeadamente os serviços de urgência, as áreas de internamento dedicadas a patologia respiratória infeciosa aguda e as áreas de UCI.
As serologias foram colhidas aos zero, três e seis meses após a cura da infeção, definida como obtenção de dois testes RT-PCR negativos consecutivos até 28 de abril de 2020 e, após essa data, um teste RT-PCR negativo (23). Procurou-se associação entre as diversas variáveis em estudo e os títulos de IgG/anti-S em cada momento. Análise descritiva e inferencial realizada com recurso à versão 25 do SPSS®.
O projeto obteve aprovação da Comissão de Ética e do Departamento de Proteção de Dados da instituição onde foi realizado, sendo autorizada a publicação dos dados sob a forma de artigo científico.
Critérios de inclusão e exclusão
Foram elegíveis para integrar o projeto todos os trabalhadores que contraíram infeção por SARS-CoV-2 e que exerceram funções no Centro Hospitalar Universitário (CHU), no período de março a maio de 2020, independentemente da modalidade de contrato. Incluíram-se também colaboradores externos, habitualmente não observados na Medicina do Trabalho do CHU, nomeadamente os prestadores de serviço a título individual e/ou pertencentes a outras empresas, laborando habitualmente no CHU. Atendendo a estes critérios, foram incluídos 193 casos de infeção SARS-CoV-2 confirmada por RT-PCR num agregado laboral de 4200 profissionais do CHU.
Variáveis
Foram avaliadas variáveis demográficas (sexo e idade), dados laborais (categoria profissional e risco do local de trabalho face à probabilidade de infeção SARS-CoV-2/COVID-19) e dados clínicos relativos à infeção por SARS-CoV-2/COVID-19 (presença de sintomas, duração do isolamento, duração e gravidade da doença aguda).
Serologia anti SARS-CoV-2
A concentração sérica dos anticorpos IgG/anti-S foi medida por um método de imunoensaio por quimioluminescência em amostras de soro humano utilizando o sistema MAGLUMI™ 2019-nCoV IgG (CLIA) incorporando um analisador automático MAGLUMI series. Trata-se de um método indireto, onde a amostra diluída é misturada com o tampão e microesferas impregnadas em antigénio recombinante de SARS-CoV-2, a incubar, formando imunocomplexos, que são precipitados em campo magnético; o sobrenadante é então retirado e submetido a um ciclo de lavagem; adiciona-se ABEI (N-(4-aminobutyl)-N-ethylisoluminol) marcado com anticorpo anti-IgG e incuba-se para formação dos imunocomplexos, precipitados, de seguida, em campo magnético; decantado o sobrenadante, é realizado outro ciclo de lavagem; adiciona-se o starter 1+2 para iniciar uma reação de quimioluminescência; o sinal luminoso é medido por fotómetro, em unidades relativas de luz, sendo este valor proporcional à concentração de IgG/anti-S. Interpretação dos resultados: não reativo, se resultado inferior a 1,0 AU/mL; reativo se resultado ≥ 1,0 AU/mL (sensibilidade: 91,2%; especificidade: 97,3%; combinado com IgM: 96%) (24). Todas as amostras serológicas foram conservadas congeladas, no laboratório de Microbiologia, a destruir dois anos após o término do estudo.
RESULTADOS
Durante a primeira vaga da pandemia SARS-CoV-2, entre março e maio de 2020, o CHU registou 193 casos de infeção por SARS-CoV-2/COVID-19 (confirmadas por RT-PCR) nos seus profissionais, o correspondente a 4,6% do agregado laboral. 76% dos trabalhadores infetados eram do sexo feminino.
Relativamente à distribuição etária, a idade média (
Quanto à categoria profissional, os trabalhadores que prestaram cuidados diretos foram os mais afetados, nomeadamente os assistentes operacionais (23,8%), enfermeiros (48,7%) e médicos (20,2%), representando, em conjunto, 92,8% dos infetados, informação reforçada pelo facto de 94% exercerem funções em serviços de elevado risco. A duração média dos sintomas foi de 12±8,9 dias e o tempo médio de isolamento de 32,2±10,6 [11-66] dias, sendo mais prolongado quanto maior a gravidade clínica (p=0,002). A maioria das situações foi gerida em regime de ambulatório (internamento domiciliário), sendo reportada infeção assintomática em 7,3% dos casos; sintomas ligeiros em 55,4%, com duração
Cerca de 8,3% da população trabalhadora infetada contactada declinou participar no estudo serológico, mas consentiu na avaliação de sintomas, tendo-se incluído 177 profissionais e obtido 445 amostras serológicas.
A tabela 1 resume a informação relativa aos soros obtidos em cada uma determinações, bem como às características da amostra da qual foram obtidos. Em t1 obteve-se adesão de 93,8% da população, em t2 de 94,5% e em t3 de 63,3%.
As figuras 1 e 2 representam graficamente, respetivamente, as amostras serológicas obtidas e a mediana em cada momento, observando-se uma tendência decrescente ao longo do estudo.
Os trabalhadores com cinquenta ou mais anos apresentaram títulos de IgG/anti-S mais elevados nas três avaliações (p<0,001). Na primeira os casos de COVID-19 grave/muito grave apresentaram títulos superiores aos casos ligeiros/moderados (p=0,026). Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os sexos, entre a presença versus ausência de sintomas e os diferentes tempos de duração de doença aguda. Os resultados encontram-se resumidos na tabela 2. Comparando a gravidade da doença, considerando os grupos ligeira/moderada e grave/muito grave, a idade mais avançada foi associada a doença mais grave (p=0,002). Não foi encontrada associação entre a gravidade da doença e o sexo (p=0,308).
DISCUSSÃO
A infeção no CHU estudado afetou um homem por cada três mulheres, mantendo aproximadamente a proporção existente no agregado laboral do CHU. Assim, conclui-se que, contrariamente à maior incidência descrita no sexo masculino (3), a infeção atingiu igualmente ambos os sexos. Apesar dos resultados de Brodin apontarem maior gravidade no sexo masculino (25), na nossa população não foi encontrada diferença significativa da gravidade da doença entre os sexos.
A idade média (
Tal como na população geral, a maioria dos casos de infeção por SARS-CoV-2 foi gerida em regime de ambulatório, por se tratar de casos de gravidade ligeira a moderada, restando um pequeno grupo classificado como assintomáticos (concordante com os valores reportados na bibliografia (5)) e outro como tendo doença grave/crítica (aparentemente superior ao da população geral (27) (28) (29) (30)). Os dados reportados pelo European Centre for Disease Prevention and Control (29) permitiram calcular, em Portugal, uma taxa global de internamento por COVID-19 de 1,2%, dos quais 15% com necessidade de transferência para UCI (31), comparando com os 7,3% e 14,4%, respetivamente, observados na população do CHU. Esta diferença poderá ser explicada pela maior intensidade da exposição ao vírus (27) e/ou por uma maior atenção aos sinais de gravidade da doença. A estimativa inicial da letalidade por COVID-19 em Portugal foi de 3,3% (32), corrigida para cerca de 1,6%, no decurso da pandemia até ao final de 2021 (33), em comparação, não foram registados óbitos no CHU.
Procurou-se associação entre os títulos de IgG/anti-S em cada momento (T1, T2, T3) e as diversas variáveis em estudo. Mais de um quarto das amostras foram negativas na primeira avaliação, superior ao reportado por Figueiredo-Campos et al um mês após os sintomas (3), contudo limitada pelo tamanho da amostra. A proporção de negativos aumentou consideravelmente de seguida, obtendo-se, aos quatro meses, 50% de negativos e, aos oito meses, 72%, aproximando-se dos resultados de um estudo realizado em Singapura, que reporta anticorpos positivos em apenas 29% aos 6 meses (34). O tempo de doença aumentou em concordância com a gravidade do quadro agudo (p=0,002) e a clínica mais grave condicionou maior resposta humoral inicialmente, mas, contudo, sem diferença significativa aos três-seis meses.
Long et al e a revisão de Post et al apresentam maiores títulos de anticorpos nos indivíduos sintomáticos face aos assintomáticos, no entanto, na nossa população não foi encontrada diferença significativa (10) (35). Concordante com a bibliografia, a doença mais grave condicionou períodos de isolamento mais longos e afetou principalmente trabalhadores mais velhos, apresentando os mais novos títulos de IgG/anti-S mais baixos ao longo do tempo (25) (26).
Estas diferenças poderão ser explicadas pelo facto de os profissionais hospitalares estudados serem uma população mais jovem, ativa, maioritariamente saudável e sem comorbilidades relevantes, o que terá contribuído para um curso clínico de menor gravidade, quando comparado com as populações da bibliografia consultada, onde a existência de comorbilidades e idade avançada foram os maiores preditores de doença grave (26).
O estudo desenvolveu-se com medição de serologias a uma população ao longo de nove meses, em três momentos distintos. No entanto, alguns participantes aderiram tardiamente e outros abandonaram (drop-off) o seguimento, mas, dada a ausência de diferenças significativas entre as variáveis demográficas de cada grupo (p>0,05) e o pequeno número de participantes adicionados/retirados, haverá uma influência negligenciável na representatividade das amostras.
O estudo previa inicialmente a colheita de quatro amostras para serologia, a última das quais aos doze meses. O surgimento da vacina contra a COVID e a consequente imunização dos trabalhadores, obviou a colheita da última serologia, dado não ser possível manter a coerência metodológica na determinação da resposta humoral seriada após infeção natural. Inicialmente, os trabalhadores recuperados de infeção por SARS-CoV-2 foram excluídos dos grupos prioritários de vacinação, contudo, dada a queda dos títulos de anticorpos observada neste ensaio, o elevado risco a que se mantêm expostos (36) e à possibilidade de reinfeção (19), os autores defendem a vacinação dos profissionais recuperados, recomendando-se uma dose de vacina, a administrar seis meses após a infeção (37).
Existem ainda outros eventuais vieses/fatores confundidores, sem possibilidade de controlo pelos investigadores, nomeadamente, a incerteza face ao intervalo temporal real entre a infeção e a colheita serológica. Apesar de o RT-PCR positivo garantir, com algum grau de certeza, a evolução cronológica da infeção em indivíduos sintomáticos e apresentando quadro típico de COVID, já nos indivíduos assintomáticos ou pauci-sintomáticos esta evolução temporal é menos precisa, já que a RT-PCR pode ser positiva nos noventa dias após a infeção (19); este viés possível pode ser corrigido, presumivelmente, pela identificação de cadeias de transmissão e, portanto, de uma ligação epidemiológica conhecida (surto no serviço ou contacto pessoal de alto risco). Apesar disso, não é possível excluir a ocorrência de casos de portador viral prolongado (shedding prolongado) (19), situação em que o intervalo temporal entre os sintomas e o resultado serológico pode ser superior ao descrito neste trabalho. Esta questão é ainda mais pertinente se atentarmos ao facto de estes trabalhadores, principalmente os assintomáticos, terem (individualmente) títulos mais baixos de IgG/anti-S (35), podendo alguns representar eventuais casos falsos positivos (38).
Relativamente ao método utilizado para o doseamento serológico, e apesar de existirem, atualmente, ensaios mais sensíveis e específicos, este estudo prospetivo foi iniciado numa fase ainda muito precoce da pandemia, em que, dos métodos disponíveis, este era, indiscutivelmente, o mais validado. Também, por coerência metodológica, uma vez iniciado o estudo, não era possível a adoção de um novo método sem comprometer os resultados comparativos.
CONCLUSÃO
A imunidade humoral parece ter um papel fundamental na defesa anti-SARS-CoV-2 imediata; contudo, os títulos de anticorpos tendem a cair rapidamente, como evidenciado na maioria dos estudos publicados, pelo que o papel dos anticorpos específicos, na sua interação com a imunidade celular, ainda não está totalmente estabelecido.
O nosso projeto evidenciou que trabalhadores infetados por SARS-CoV-2 (confirmado por RT-PCR positiva) apresentaram uma tendência decrescente dos títulos de IgG/anti-S ao longo das três determinações serológicas e, inclusivamente, em cerca de um quarto das amostras, valores abaixo do limiar de positividade logo na primeira avaliação, com subsequente aumento dos soros negativos até aos seis meses. Estes resultados sugerem uma rápida perda de títulos de anticorpos IgG/anti-S gerados por imunidade “natural” pós-aguda, não se conhecendo ainda o verdadeiro impacto deste decréscimo na eficácia da memória imunológica em situações de reinfeção ou, mais relevante ainda, por outras variantes do vírus SARS-CoV-2.
A Organização Mundial de Saúde admite a possibilidade de reinfeção três meses após a convalescença de COVID-19; assim, tendo em consideração os resultados obtidos, a incerteza quanto ao papel protetor conferido pela infeção natural e o maior risco de exposição ao agente, os profissionais de saúde em geral e os hospitalares em particular devem manter o cumprimento rigoroso das recomendações específicas e gerais para a prevenção do contágio e para o controlo da infeção intra-hospitalar, principalmente pela utilização do equipamento de proteção individual, independentemente de terem sido previamente infetados pelo vírus SARS-CoV-2.