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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.13  Gondomar jun. 2022  Epub 21-Jul-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.08.01.2022 

Artigo de Revisão

VIGILÂNCIA DA TUBERCULOSE NOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE COMO CONTRIBUTO NA ERRADICAÇÃO DE UMA PANDEMIA

TUBERCULOSIS SURVEILLANCE IN HEALTHCARE WORKERS AS A TOOL TO ERADICATE TUBERCULOSIS PANDEMIC

S Matos1 
http://orcid.org/0000-0003-3567-8324

A Duarte2 
http://orcid.org/0000-0001-7075-6661

M Almeida3 

I Gonçalves4 

M Miranda5 

M Abreu6 

1Sara Alves de Matos, Interna de formação específica em Medicina do Trabalho, Centro Hospitalar Universitário do Porto; Mestranda em Saúde Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; Internato de Ano Comum, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa; Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa. Colaboração na UC Saúde Ocupacional, ICBAS/UP. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Largo Prof. Abel De Salazar, 4099-001 Porto

2Ana Sofia Duarte, Internato de Ano Comum no Hospital Padre Américo; quatro anos de internato em Ortopedia e Traumatologia CHEDV; interna 1º ano Medicina do Trabalho CHUP. 4405-537 Vila Nova de Gaia-

3Maria José Costa de Almeida, Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho. 4450-676 Matosinhos

4Inês Correia Gonçalves, Interna de Formação Específica em Doenças infeciosas. 4430-094 Vila Nova de Gaia

5Mário Luís Miranda, Assistente Hospitalar Graduado. Consultor em Imunoalergologia e Especialista de Medicina do Trabalho. 4470-825 Porto

6Miguel Vieira Braga Araújo Abreu, Especialista em Doenças Infeciosas; Assistente Hospitalar. 4100-038 Porto


RESUMO

Introdução/Enquadramento

A Tuberculose é uma doença infeciosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis que, apesar do tratamento disponível, constitui uma causa de morbimortalidade global significativa. Pode atingir qualquer órgão, mas afeta principalmente o pulmão, sendo a via aérea, pela inalação de aerossóis ou microgotículas respiratórias contaminadas, a principal forma de infeção. O esforço global nas últimas décadas para um diagnóstico precoce e instituição de tratamento adequado permitiram retirar a Tuberculose das dez principais causas de mortalidade global, em 2019. A incidência mundial média é de dez milhões, provavelmente subestimada, configurando uma pandemia frequentemente esquecida que, contrariamente a outras doenças infeciosas, aumentou a sua incidência enquanto doença profissional.

Metodologia

Trata-se de uma revisão narrativa das orientações nacionais e internacionais sobre Tuberculose em profissionais hospitalares, bem como uma adaptação à realidade portuguesa por comparação a países de incidência semelhante.

Conteúdo

A Organização Mundial de Saúde defende que o benefício individual do rastreio e tratamento da infeção latente suplanta os riscos, recomendando-os sempre que possível. Nesta linha de orientação, a Direção-Geral da Saúde determinou que as instituições de saúde devem adotar procedimentos que permitam a deteção precoce dos casos de Tuberculose e de infeção latente, competindo aos Serviços de Medicina do Trabalho, em parceria com as Comissões de Controlo de Infeção, a avaliação e gestão da exposição profissional a este agente biológico.

O programa The End TB Strategy ambiciona a erradicação global da Tuberculose, até 2035, colocando como principais objetivos operacionais a diminuição de 80% da incidência e 95% da mortalidade, bem como a universalidade do acesso ao tratamento.

Discussão e Conclusões

Os autores defendem que o reforço das medidas de prevenção e controlo de infeção hospitalar, a implementação de programas regulares de vigilância nos profissionais e a contenção imediata dos casos isolados e dos surtos, por meio de rastreios tempestivos, é fundamental para o atingimento das metas traçadas, já que as instituições de saúde podem ser focos potenciais de transmissão comunitária. Os serviços de Medicina do Trabalho são indispensáveis na operacionalização destes programas, aplicáveis à totalidade dos profissionais das instituições, independentemente do vínculo laboral, contribuindo desta forma para o objetivo fundamental de preservação da saúde dos trabalhadores, mas também, e não menos importante, para a proteção da saúde pública. Os autores apresentam, ainda, sugestões de procedimentos e metodologias de abordagem clínica em resposta a dez questões frequentes no âmbito da gestão do risco de Tuberculose em meio hospitalar.

Palavras-chave: Vigilância de Saúde Laboral; Profissionais de Saúde; Prevenção de Doença Profissional; Rastreio; Tuberculose; Infeção Latente.

ABSTRACT

Introduction/Framework

Tuberculosis is an infectious disease caused by Mycobacterium tuberculosis. Despite the available treatment, it’s an important driver of global morbidity and mortality. It reaches mainly the lungs but can reach any organ. The main route of infection is inhalation of aerosolized particles or contaminated micro-droplets. Global efforts for early diagnosis and adequate treatment have made it possible to remove Tuberculosis from the worldwide ten leading causes of death in 2019. The worldwide incidence is around ten million, probably underestimated. Tuberculosis represents an often-overlooked pandemic, which remains an important cause of death from an infectious disease whose, in contrast to other infections, incidence has recently risen as occupational disease.

Methodology

It’s a narrative review of the national and international guidelines about Tuberculosis in healthcare workers, with an adaptation to the Portuguese reality using estimations from countries with a similar disease incidence.

Contents

The World Health Organization argues that the benefit of screening and treating Latent Tuberculosis Infection outweighs the individual risks and therefore should be performed whenever possible.

Following these guidelines, the Portuguese health council (Direção-Geral da Saúde) determined that health institutions, within the scope of health surveillance of their workers, must adopt procedures that allow for the early detection of Tuberculosis and Latent Tuberculosis Infection. Thus, the Occupational Medicine Services are responsible for assessing and manage the professional exposure to this biological agent.

The End TB Strategy program aspires to the worldwide eradication of Tuberculosis by 2035, aiming to reduce Tuberculosis incidence and mortality by 80 and 95%, respectively, as well as universal access to proper treatment.

Discussion and Conclusions

The authors argue that the institutional contribution with the reinforcement of hospital infection control measures, the implementation of regular occupational Tuberculosis surveillance programs and the containment of the disease, through timely screening after unprotected exposure, are essentials measures for the achievement of the ambitious outlined goals. Regardless of their job model, these programs should be applied to all workers, contributing to the maintenance of their health, the main Occupational Medicine’s goal. Finally, the authors share ten common questions from daily basis clinical practice and present methodological suggestions.

Keywords: Labor Health Surveillance; Healthcare workers; Prevention of Occupational Diseases; Screening; Tuberculosis; Latent Tuberculosis Infection.

INTRODUÇÃO

A Tuberculose é uma doença infeciosa de notificação obrigatória causada pelo Mycobacterium tuberculosis (Mt) ou bacilo de Koch (1) (2). A forma pulmonar é a mais frequente, sendo potencialmente infeciosa para os contactos por exposição inalatória a secreções aerossolizadas ou a microgotículas expelidas pelo espirro, tosse ou vocalização em esforço (canto, choro, grito, voz elevada). Apesar de rara, a inoculação direta do bacilo pode também ocorrer (3). Na manipulação de amostras laboratoriais, a infeção pode resultar do contacto com pele não íntegra ou da inoculação direta por material corto-perfurante contaminado, configurando um caso particular de acidente de trabalho (4).

Trata-se de uma doença evitável e com tratamento eficaz. Contrariamente a outras patologias infeciosas, a incidência de Tuberculose reportada enquanto doença profissional aumentou em países como a Alemanha (5). Os esforços empreendidos para o diagnóstico e tratamento precoces permitiram diminuir a incidência mundial de 7,1 para 5,8 milhões de 2019 para 2020. Apesar de ter sido reportada uma diminuição em 30% da mortalidade por Tuberculose em 2019, descendo da 7ª para a 13ª posição no ranking de mortalidade mundial, em 2020 voltou a subir, havendo relato de dez milhões de novas infeções e cerca de um milhão e meio de óbitos. A pandemia de SARS-CoV-2/COVID-19 arrastou consigo um agravamento das limitadas condições de acesso aos meios de diagnóstico e terapêutica e, consequentemente, determinou o relativo insucesso das metas traçadas para 2020, no âmbito da estratégia mundial contra a Tuberculose, mantendo-se como importante causa de letalidade por doença infeciosa, à frente, por exemplo, da infeção por VIH (1).

Índia, China, Indonésia, Filipinas e outros quatro países em desenvolvimento, lideram a incidência de Tuberculose, abarcando dois terços do total anual de novos casos (6). Portugal consta da lista de países com baixa incidência (7), apresentando, em 2019, 18 casos por 100.000 habitantes (70 em 1980 e 43 em 2000), contudo, em algumas regiões subsiste uma incidência ainda semelhante à de alguns países em desenvolvimento, nomeadamente em concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, historicamente afetados de modo endémico (1) (8) (9).

Os doentes com Tuberculose pulmonar infetam, em média, cinco a quinze dos seus contactos próximos ao longo de um ano, sendo que cerca de 45% dos imunocompetentes e quase todos os infetados com VIH morreriam na ausência de tratamento (6). As orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) defendem que o benefício individual do rastreio e tratamento da Infeção Latente por Mt (TBIL) suplantam os riscos, recomendando a sua realização sistemática nos países de baixa incidência de Tuberculose, nos grupos de maior risco (10), onde se incluem os profissionais de saúde (11) (12) (13) (14) (15) (16) (17) (18).

As instituições de saúde (IS) podem ser estratificadas, quanto ao risco de contágio, em nível baixo, médio ou alto, de acordo com o total de camas de internamento, o número de doentes internados com Tuberculose e a manipulação laboratorial de amostras de Mt. A Direção-Geral da Saúde advoga que em todas as IS, no âmbito da vigilância da saúde dos trabalhadores, devem ser adotados mecanismos que permitam a deteção precoce dos casos de Tuberculose e TBIL entre os seus profissionais. Compete aos serviços de MT, a avaliação e gestão da exposição profissional a este agente biológico de nível 3 (13) (19) (20) (21). Independentemente do risco da instituição, todos os profissionais de saúde deverão realizar rastreio de TBIL no exame médico de admissão. Os profissionais em instituições de baixo risco apenas repetem o rastreio se ocorrer exposição desprotegida a um caso de Tuberculose pulmonar, enquanto os trabalhadores de instituições de médio e alto risco, além dos eventuais rastreios de contacto, deverão realizar, também, rastreios periódicos (19).

O programa The End TB Strategy da OMS ambiciona a erradicação mundial da Tuberculose em 2035, colocando como principais objetivos a diminuição em 90% da incidência e em 95% da mortalidade, bem como a garantia da universalidade do acesso ao tratamento (6) (15). Nas IS, os instrumentos necessários à implementação destes objetivos, poderão ser operacionalizados através dos seguintes planos e programas de ação (6) (12) (14) (15) (16) (18) (22):

  • -Programa de prevenção e controlo de infeção hospitalar;

  • -Programa de vigilância epidemiológica regular de Tuberculose em profissionais;

  • -Programa de contenção de surtos institucionais:

  • -Plano de atuação hospitalar face a casos de Tuberculose pulmonar suspeita ou confirmada;

  • -Plano de rastreio de contactos na exposição profissional desprotegida a casos de Tuberculose.

Estes programas/planos deverão ser aplicados a todos os profissionais da instituição, independentemente do vínculo laboral, incluindo os alunos e estagiários. Os rastreios periódicos baseados no risco não eximem os serviços de menor risco da adoção, com carácter de obrigatoriedade, das medidas necessárias ao controlo da transmissão de Mt (13).

A DOENÇA, A INFEÇÃO E O TRABALHADOR

Tuberculose

A Tuberculose é uma doença infeciosa contraída, maioritariamente, pela inalação de microgotículas ou aerossóis contendo Mt. Poderá atingir, virtualmente, qualquer órgão, mas afeta principalmente as vias aéreas superiores e o parênquima pulmonar (70-75%). Pode também ocorrer como infeção extrapulmonar ou, ainda, como doença disseminada (1) (23). O quadro clínico mais comum inclui sintomas constitucionais (febre/febrícula, hipersudorese noturna, astenia, anorexia, emagrecimento) e sintomas específicos do órgão-alvo em que a tosse, frequentemente produtiva e, por vezes, hemoptóica, é a manifestação principal, dada a predominância da forma bronco-pulmonar (6) (24).

Todos os doentes com Tuberculose pulmonar são potencialmente infeciosos e podem transmitir bacilos viáveis aos contactos, mas o grau de infecciosidade depende, nomeadamente, da presença de Mt (visível pela presença de bacilos álcool-ácido resistentes corados pelo método de Ziehl-Neelsen) no exame direto ou baciloscopia; da evidência de cavitação em imagiologia torácica, da capacidade de produção de aerossóis (vocalização forçada, tossir, espirrar, intervenções geradoras de aerossóis), assim como da duração, proximidade e características do meio em que ocorre o contacto. O diagnóstico de Tuberculose extrapulmonar, apesar da baixa probabilidade de contágio pela via aérea, deve levar à exclusão de eventual patologia pulmonar concomitante, ressalvando que, no caso específico da infeção pleural, considera-se o envolvimento pulmonar subclínico, até prova em contrário, dado que estes doentes evidenciaram elevadas percentagens de positividade em exame cultural (meio MGIT [líquido] ou Lowenstein-Jensen [sólido]), mesmo não apresentando imagiologia com evidente envolvimento pulmonar (21) (23) (25).

O diagnóstico definitivo é dado pela identificação de Mt em exame cultural ou, em alternativa, baciloscopia positiva associada a teste de amplificação de ácidos nucleicos positivo. Assim, na suspeita de doença ativa em profissional ou em doente, devem ser iniciadas as medidas de isolamento e as colheitas de amostras de expetoração para baciloscopia, cultura e teste de amplificação de ácido nucleicos, com pesquisa de genes de resistência aos antibacilares (25). Os testes imunológicos apenas indicam uma resposta imunológica celular ao bacilo, mas não auxiliam na distinção entre Tuberculose ativa e TBIL pelo que não devem ser usados como testes de diagnóstico (26).

Na identificação de um novo caso, é imperativo averiguar os contactos com elevado risco de desenvolvimento de Tuberculose ativa (27). Esta avaliação médica é essencial para o diagnóstico precoce e a interrupção das cadeias de transmissão, mas também para a identificação de candidatos a quimioprofilaxia ou tratamento de TBIL.

O tratamento tem como objetivo a cura da doença e a minimização do risco de transmissão comunitária (28). O tratamento padronizado tem a duração mínima de seis meses e divide-se em duas partes: fase inicial (dois meses) para eliminação rápida dos bacilos e melhoria sintomática (56 tomas observadas diárias [TOD] de isoniazida+rifampicina+pirazinamida+etambutol) e fase de continuação (quatro meses) para esterilização das lesões e prevenção de recidivas (126TOD isoniazida+rifampicina), podendo usar-se outros fármacos/esquemas conforme indicação (14) (25) (29) (30). O tratamento não é obrigatoriamente realizado em regime de internamento, devendo este ficar reservado a doentes com insuficiência respiratória grave, comorbilidades que ditem a monitorização de efeitos secundários ou na suspeita de não adesão ao tratamento. Contudo, o trabalhador com Tuberculose terá de manter medidas de isolamento e está inapto para o trabalho até demonstração de cura, através da obtenção de dois exames culturais negativos.

Tuberculose latente

A infeção por Mt sem doença ativa designa-se por Tuberculose latente (TBIL). É um estado não infecioso, com replicação de bacilos viáveis quiescentes, sem sinais e sintomas (SS) ou alterações radiológicas sugestivas de Tuberculose, mas com evidência de resposta imune à exposição a Mt (10).

A TBIL não implica um risco imediato de propagação bacilar mas, considerando que um quarto da população mundial é portadora desta infeção (1), constitui um vasto reservatório para potenciais casos futuros de doença ativa. Assim, é fundamental rastrear e tratar a TBIL, diminuindo para quase nulo o risco de desenvolver Tuberculose (27). O tratamento preferencial era com isoniazida diária por seis a nove meses (6-9H), contudo as orientações mais recentes passaram a recomendar esquemas mais curtos, menos hepatotóxicos, melhor tolerados e com maior taxa de adesão: isoniazida+rifapentina semanal, três meses (3HP); rifampicina diária, quatro meses (4R); isoniazida+rifampicina diária, três meses (3HR) (10) (11). Os efeitos adversos mais frequentes são exantema cutâneo, neuropatia periférica, distúrbios intestinais e alterações das transaminases, afetando habitualmente doentes com comorbilidades e/ou imunocomprometidos, os quais, apesar de poderem realizar esquemas curtos, devem ser cuidadosamente acompanhados por um especialista em Infeciologia ou em Pneumologia, com atenção às possíveis interações medicamentosas, principalmente com os antirretrovirais (24) (25).

Em Portugal, o esquema 6-9H recomenda-se à maioria das pessoas com TBIL. Opta-se pelo esquema 4R, que apresenta eficácia semelhante ao 9H, quando existe toxicidade, intolerância ou resistência à isoniazida, contudo, não está recomentado em grávidas ou pessoas com VIH medicadas com antirretrovirais (que interferem com rifampicina). Existe ainda disponível o 3HP, em toma semanal observada, indicado para todos os adultos, exceto grávidas e pessoas com VIH medicadas com antirretrovirais que interferem com rifapentina (25). O seguimento do trabalhador em tratamento de TBIL passa pela vigilância de eventos adversos (eritema, cefaleias, equimoses fáceis, anorexia, dor abdominal, náuseas, icterícia ou parestesias), com realização hemograma e monitorização mensal de transaminases (10).

Fisiopatologia da infeção por Mycobacterium tuberculosis

A inalação de Mycobacterium tuberculosis e deposição nos pulmões resulta numa de quatro situações possíveis: eliminação imediata do organismo; doença primária - progressão rápida para doença ativa, mais frequente em imunocomprometidos; TBIL - contida sob a forma de granuloma com/sem doença de reativação subsequente; doença de reativação - doença ativa muitos anos após um período de infeção latente (24).

O granuloma é formado por macrófagos, células dendríticas, linfócitos B e T (CD4+ e CD8+), bacilos extracelulares e intra-macrofágicos, contidos no interior de um invólucro de fibroblastos. Os T CD4+ sintetizam interferão-γ, ativador dos macrófagos, os T CD8+ citotóxicos destroem os macrófagos infetados e as bactérias intracelulares. Os linfócitos T e os macrófagos segregam fator de necrose tumoral (TNF). Na depleção linfocitária T CD4+, como na infeção VIH, pode não ocorrer a adequada formação de granuloma, já que a produção de interferão-γ diminui, há menor ativação macrofágica e consequente menor síntese e secreção de TNF, resultando em menor eficácia na defesa contra os bacilos em multiplicação ativa. A ausência de TNF leva também à desregulação das moléculas de adesão celular, tornando as células menos coesas e assim, propiciando o desarranjo estrutural do granuloma. Sem eficazes medidas de contenção, os bacilos multiplicam-se livremente, desenvolvendo-se a doença (29).

Testes imunológicos para deteção de Mycobacterium tuberculosis

Ainda não existe forma de identificar diretamente a infeção pela micobactéria, sendo que as orientações para rastreio e tratamento se baseiam na probabilidade de progressão de TBIL a Tuberculose em grupos de risco (14) (17) (25). Existem dois testes imunológicos disponíveis para TBIL: Teste de Sensibilidade à Tuberculina (TST) e Interferon Gamma Release Assay (IGRA). Ambos são aceitáveis, mas imperfeitos, não havendo evidência a favorecer a utilização de um ou de outro, dado que ambos são incapazes de distinguir Tuberculose de TBIL, sinalizar a reativação ou reinfeção, bem como de prever o risco de progressão para doença ativa (5) (10) (17) (21) (23) (25) (27). A utilização dos dois testes, simultaneamente, não está recomendada, exceto nos imunocomprometidos (10) (17).

O TST consiste na injeção intradérmica de derivado proteico purificado de M. complex (Mt; M. Bovis; outras micobactérias não tuberculosas - MNT), provocando, nos indivíduos previamente expostos, uma reação de hipersensibilidade retardada, a avaliar às 48-72h. Considera-se resposta positiva uma área de induração (não de eritema) superior a 10mm no imunocompetente e superior a 5mm no imunocomprometido. O teste é sensível, mas pouco específico para Mt, reagindo na presença de antigénios do M. complex, com elevado número de falsos positivos e, em consequência, dificultando a distinção entre TBIL, infeção por outras MNT ou resposta a vacinação prévia (BGC). Apresenta, ainda, grande subjetividade de interpretação e necessita de duas deslocações ao posto de saúde (17) (21) (23) (25).

O IGRA baseia-se na determinação da resposta dos linfócitos T quando em contacto com antigénios específicos de Mt (ESAT-6, CFT-10 e TB7.7), pelo doseamento de interferão-γ que libertam. É composto por quatro tubos com amostras sanguíneas (controlo negativo [nil]; TB1 - avalia resposta dos linfócitos T CD4+; TB2 - resposta dos T CD8+; mitogénio - controlo positivo), resumindo-se a interpretação na tabela 1. Apesar de os indivíduos com anergia linfocitária, terem maior taxa de falsos negativos, de ser mais dispendioso e das especificidades da colheita, as vantagens do IGRA sobre o TST incluem maior especificidade (sem falsos positivos por BCG ou MNT), objetividade do teste e implicar apenas uma deslocação (10) (17) (21) (23) (25).

Tabela 1 Interpretação dos resultados do teste IGRA - Quantiferon-TB Gold PLUS® (10) Clique ou toque aqui para introduzir texto.. 

Nil (IU/mL) TB1 menos Nil ou
TB2 menos Nil (IU/ml)
Mitogénio menos Nil (UI/mL) Resultado Interpretação
≤8.0 ≥0.35 e ≥ 25% do Nil Qualquer Positivo Infeção Mt provável
≤8.0 <0.35 ≥0.5 Negativo Infeção Mt improvável
≤8.0 ≥0.35 e <25% do Nil ≥0.5 Negativo Infeção Mt improvável
≤8.0 <0.35 <0.5 Indeterminado Não é possível concluir sobre a probabilidade de infeção por Mt
≤8.0 ≥0.35 e <25% do Nil <0.5 Indeterminado idem
>8.0 Qualquer Qualquer Indeterminado idem

Relativamente à Tuberculose na gravidez, as guidelines são consensuais na defesa do princípio de que a Tuberculose não tratada constitui maior risco para a grávida e para o feto do que os eventuais efeitos adversos do tratamento, pelo que este deve ser iniciado assim que diagnosticada a Tuberculose (25) (30) (32). Relativamente à TBIL, verificando-se conversão após um contacto recente, o tratamento deve realizar-se logo que possível, mas, contudo, poderá protelar-se até dois a três meses depois do parto, de acordo com o risco a avaliar individualmente (10) (14). Podem usar-se vários esquemas para a TBIL, mas a rifampicina diária é o mais curto e mais bem tolerado (10). Já o tratamento de Tuberculose ativa pode incluir dois meses de isoniazida+rifampicina+etambutol, seguido de sete meses de isoniazida+rifampicina. Estreptomicina e pirazinamida não devem ser usadas. A amamentação deve manter-se ao longo do tratamento (10) (14) (25) (30) (31). A legislação portuguesa condiciona a exposição de trabalhadoras grávidas aos agentes biológicos de nível 3, pelo que estas trabalhadoras não devem exercer tarefas que impliquem exposição a Mt (19).

Programa de prevenção e controlo de infeção hospitalar

Uma política institucional preventiva para diminuir a transmissão de Tuberculose, antevendo oportunidades e colocando em prática medidas com vista à minimização do risco da exposição profissional, é altamente recomendada e poderá passar pelo seguinte:

  • -Instalação, manutenção e avaliação dos sistemas de ventilação e da qualidade do ar;

  • -Gestão eficiente dos quartos de isolamento e dos filtros HEPA disponíveis;

  • -Disponibilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI) em áreas onde possam circular pessoas com risco de transmitir Tuberculose;

  • -Rastreio sistemático nos exames de aptidão e disponibilização de terapêutica nos casos indicados (13) (17) (25);

  • -Formação periódica dos trabalhadores, adequada a cada grupo profissional, relativa a controlo de infeções hospitalares (19);

  • -Identificação, investigação e encaminhamento de todos os casos confirmados ou suspeitos de Tuberculose na IS para adequada gestão (17) (18) (25).

Mitigação do risco de exposição profissional a Mycobacterium tuberculosis

Programa de vigilância epidemiológica regular de Tuberculose em profissionais

No âmbito da vigilância de saúde do trabalhador pelo Serviço de MT, deve ser realizado rastreio sistemático de TBIL na admissão, através da realização de IGRA. Por analogia à estratificação de risco das IS, apenas os trabalhadores de serviços onde tenha sido documentada presença de doentes com diagnóstico tardio de Tuberculose (serviços de alto risco) devem repetir IGRA no exame periódico. Nos restantes, o IGRA apenas se repete nos rastreios de contato (10) (13). Classificam-se como serviços de alto risco, tipicamente, os Serviços de Urgência, Medicina Interna, Pneumologia, Infeciologia, Unidade de Cuidados Intensivos e Intermédios. Outros poderão ser incluídos nesta classificação, de acordo com avaliação anual do Serviço de MT e em parceria com as Comissões de Controlo de Infeção Hospitalares. Laboratórios com manipulação de amostras contendo Mt, devem também ser incluídos nos serviços de alto risco, dado que foram demonstradas taxas três vezes superiores nestes profissionais, face aos de laboratórios onde não existe essa manipulação (4).

Um IGRA positivo num trabalhador sem exposição de risco conhecida deve ser repetido. Confirmada a positividade do teste, deverá realizar tratamento de TBIL (10). Nesta situação, o trabalhador que não apresente sintomas de doença ativa (excluída por inquérito de sintomas e radiografia torácica), não tem risco infecioso para terceiros e a aptidão para o trabalho é independente do resultado do IGRA.

Independentemente do serviço, dada a elevada probabilidade de desenvolvimento de doença após contacto com Tuberculose, os trabalhadores dos grupos de risco acima referidos, devem realizar rastreio periódico e tratamento de TBIL (10) (13) (25).

Uma vez que a exposição profissional desprotegida nas IS representa um risco consideravelmente elevado de infeção por Mt, é fundamental que em todos os exames médicos, independentemente do motivo, se exclua Tuberculose ativa, através de inquérito resumido de sinais e sintomas- febre, tosse, emagrecimento, diaforese noturna (25) (33). É importante que se identifiquem os trabalhadores pertencentes aos grupos com elevado risco de contrair Tuberculose/TBIL, para que, numa exposição a Mt, sejam rapidamente identificados para priorização em rastreios de contacto (10), conforme definido adiante. Numa suspeita de Tuberculose adquirida em contexto laboral, o MT deverá afastar o trabalhador do local de trabalho, notificar a doença no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e participar a suspeita de doença profissional (2) (7) (20) (34).

A realização de radiografia torácica no exame de admissão para o trabalho tem sido prática comum nos Serviços de MT portugueses tanto para exclusão de Tuberculose como documentação imagiológica para comparação futura (7), mas, contudo, mantém-se uma questão controversa.

Nos países com alta incidência, o rastreio sistemático de Tuberculose ativa é a prioridade nos exames de admissão. Neste contexto, a radiografia, complementar à avaliação de sintomas, permite aumentar a sensibilidade diagnóstica, uma vez que, isoladamente, se revelaram ambos métodos diagnósticos pouco sensíveis em pessoas assintomáticas (35) (36). Por outro lado, nos países de baixa incidência, o foco está no rastreio da TBIL. Nestes, contudo, a realização periódica de IGRA apenas está indicada em populações de alto risco como os profissionais de saúde, devendo sempre associar-se o rastreio de sintomas para exclusão de doença ativa (14) (25). Sugere-se que a radiografia torácica se reserve para os trabalhadores IGRA-positivo, já que, nestes países, não se demonstrou uma relação custo-risco-benefício que justifique a sua utilização como método de rastreio periódico (36) (37). No caso de trabalhadores sintomáticos e nos rastreios após contacto com caso confirmado de Tuberculose, a imagem do tórax é usada para exclusão de doença ativa (37).

Importante também será promover a informação e educação para a saúde, com o esclarecimento de dúvidas/questões dos trabalhadores sobre esta temática (7).

Programa de contenção de surtos institucionais

Nos países de baixa incidência de Tuberculose está recomendado o rastreio sistemático, com exclusão e tratamento de TBIL, em todas as pessoas que tenham tido contacto desprotegido com um caso de Tuberculose pulmonar. Sempre que se identifique um caso de Tuberculose pulmonar, independentemente da fonte, a IS deve tomar as necessárias diligências para conter o potencial surgimento de novos casos e eventuais surtos, sendo mandatório o rastreio epidemiológico (6) (7) (10) (13) (14) (15). Estas situações são comuns em doentes com diagnóstico de Tuberculose de novo, sem isolamento prévio, e em profissionais que se apresentem sintomáticos nos exames de aptidão. A existência de orientações claras de atuação nestas situações é o principal instrumento organizacional para minimizar o atraso no diagnóstico e conter a propagação intrainstitucional e, assim, contribuir para a erradicação da Tuberculose. Os autores recomendam as seguintes medidas em IS:

Plano de atuação hospitalar face a casos de Tuberculose pulmonar suspeita ou confirmada

Garantir o isolamento físico do doente/caso em área com equipamento para diferencial de pressões ou com formas alternativas de filtração do ar em quarto individual (filtros portáteis de high efficiency particulate arrestance [HEPA]) (7) (18);

Instituir medidas de isolamento da via aérea: colocando máscara cirúrgica com ajuste facial ao doente, sempre que circule fora do quarto e na presença de outras pessoas, e fornecendo aos profissionais com exposição próxima, o EPI adequado, sobretudo o respirador P2, de uso obrigatório (19);

Colher duas amostras de expetoração para estudo micobacteriológico aos casos suspeitos (25);

Informar as entidades responsáveis pelos rastreios na IS, o mais precocemente possível;

Notificar casos suspeitos/confirmados através do SINAVE, para investigação comunitária (2);

Monitorizar a resposta ao tratamento dos casos confirmados para determinação do momento de interrupção do isolamento (6) (25).

Plano de rastreio de contactos na exposição profissional desprotegida a casos de Tuberculose:

No eventual surgimento de um caso de Tuberculose ativa que não estava identificado, e consequentemente, sem isolamento, é urgente iniciar o protocolo de rastreio de contactos profissionais. Sendo necessário avaliar o risco e tempo de contagiosidade do caso, e o risco individual do trabalhador desenvolver doença.

Na avaliação do risco de contagiosidade do caso índice, há que ter em conta que apenas a Tuberculose pulmonar tem potencial de infeção e que o risco de contágio varia em função das características do doente, do ambiente e do tempo de exposição (17) (25). Existe maior risco de transmissão nos casos que apresentam imagem torácica com cavitação ou baciloscopia positiva, considerando-se também as amostras de lavado brônquico, broncoalveolar ou suco gástrico com observação de bacilos álcool-ácido resistentes. Quando a baciloscopia é negativa e o cultural positivo, o risco de contágio é menor (7) (12) (17) (24) (25).

Locais fechados e/ou mal ventilados comportam maior risco para os contactos e o tempo de exposição nestas condições (38) permite a classificação em contactos próximo ou esporádico, conforme descrito abaixo:

Contacto próximo: Profissional em risco de Tuberculose/TBIL, após exposição a um caso confirmado, com:

  • -Exposição superior a oito horas cumulativas, sem EPIs durante período de contagiosidade de doente com baciloscopia positiva;

  • -Exposição superior a quarenta horas cumulativas, sem EPIs, quando doente tem baciloscopias negativas e cultural positivo;

  • -Exposição inadvertida em procedimentos altamente geradores de aerossóis, sem EPI;

  • -Imunocomprometido na categoria de contacto esporádico.

Contacto esporádico: Profissional exposto a um caso confirmado, que não seja qualifique como contacto próximo. Estes têm ínfima probabilidade de infeção e não necessitam de investigação, a menos que seja demonstrada transmissão nos contactos próximos (13).

A maioria das pessoas imunocompetentes infetadas “de novo” não desenvolve Tuberculose. Contudo, a doença poderá manifestar-se em algum momento, no seguimento de uma reativação. Dos contactos, 30% contrai infeção e, destes, 10% progride para doença, acrescendo um risco cumulativo de 5-10% de progressão ao longo da vida (1) (6). O risco de reativação é muito elevado nos dois anos seguintes ao contágio/contacto, mantendo-se elevado até aos sete anos, período após o qual a taxa de conversão é residual em imunocompetentes (17). Não deve, contudo, ser desvalorizando o facto de individuo com TBIL poder desenvolver Tuberculose no seguimento de uma fragilização do sistema imunitário, mais provável quando associada ao tabagismo ou comorbilidades (1) (6).

Existem grupos com elevado risco de progressão para Tuberculose após exposição desprotegida, nomeadamente, os imunocomprometidos- pessoas com infeção VIH, transplantadas ou sob terapêutica imunossupressora (biológica e/ou corticoterapia prolongada com dose diária equivalente ou superior a 15mg de prednisolona, por duas a quatro semanas), com diabetes mal controlada, doença renal crónica/diálise, neoplasias ou silicose (1) (10) (14) (17). Estes grupos devem ter prioridade nos rastreios de contactos, sendo prudente realizar IGRA e TST, de modo a aumentar a sensibilidade do rastreio e iniciar quimioprofilaxia por oito a dez semanas, após exclusão de Tuberculose ativa (25).

O período de contagiosidade do caso índice é uma estimativa temporal a partir do qual o caso seria contagioso, permitindo estabelecer um intervalo para o rastreio, onde devem ser identificados todos os contactos com o caso durante o mês ou nos três meses prévios (12) (16) (24), atendendo às caraterísticas resumidas na tabela 2 (13) (17) (25). O marco inicial é o início dos sintomas, principalmente a tosse ou, na ausência de sintomas, a primeira evidência de doença (imagiológica ou laboratorial).

Tabela 2 Variáveis que condicionam a definição do período de contagiosidade - evidência de doença - clínica, radiológica ou laboratorial (17). 

Presença de sintomas Exame direto /
baciloscopia
Radiologia Período de contagiosidade
Sim Indiferente Indiferente três meses prévios à primeira evidência de doença
Indiferente Positivo Indiferente
Indiferente Indiferente Cavitação
Não Negativo Sem cavitação quatro semanas prévias à colheita da amostra positiva em exame cultural

As Comissões de Controlo de Infeção e os responsáveis dos serviços identificam os contactos, fornecendo a lista dos profissionais expostos e a estratificação do risco do caso, ao serviço de MT que é responsável pela priorização dos profissionais e a realização do rastreio. Numa primeira fase do rastreio, apenas serão investigados os profissionais classificados como contactos próximos e os imunocomprometidos. Se algum destes positivar, deve alargar-se o rastreio aos contactos esporádicos. Não sendo expectável, na fase inicial do rastreio, o diagnóstico de doença ativa em adultos imunocompetentes expostos ao caso índice em avaliação, pelo que, nesta situação, se considera improvável que o caso índice seja o caso fonte (que originou a cadeia de transmissão) e, assim, a investigação deve alargar-se a outros possíveis doentes infetantes (13) (14) (17) (22) (25).

O rastreio tem dois objetivos: o principal é a exclusão de doença ativa, através da realização de RxT e inquérito de SS (13) (33), em que, se algum caso suspeito for identificado, se deve seguir o Programa de contenção de surtos institucionais; o segundo é a pesquisa de TBIL através da realização de testes imunológicos, no período até aos quinze dias após o contacto (25). Os imunocompetentes com IGRA prévio positivo são excluídos desta fase e apenas vigiam SS, devendo ser-lhes proposto tratamento da TBIL, caso ainda não o tenham realizado (16) (17) (22). Os trabalhadores imunocomprometidos ou pertencentes aos grupos com maior risco de desenvolver doença são considerados prioritários no rastreio de contactos de um indivíduo infetado, conforme descrito acima, devendo iniciar quimioprofilaxia, após exclusão de doença ativa (10) (14) (17).

Após infeção, a viragem das provas imunológicas (“positivação”) dá-se entre a segunda e a oitava semanas, pelo que os testes imunológicos devem ser repetidos às oito-doze semanas, avaliando a eventual conversão, indicadora de infeção recente. O inquérito de SS e a RxT devem ser também repetidos para exclusão de Tuberculose ativa (25).

A interpretação dos resultados dos testes imunológicos é diferente conforme o estado imunitário do indivíduo: imunocompetentes com IGRA negativo e os imunocomprometidos com IGRA negativo e TST inferior a 5mm, às oito-doze semanas, têm baixa probabilidade de TBIL, pelo que pode ser encerrado o processo de rastreio e suspensa a quimioprofilaxia dos últimos. Por outro lado, em assintomáticos, uma viragem do IGRA a positivo ou um TST superior a 5mm (nos imunocomprometidos), sugere infeção pelo Mt, estando recomendado o tratamento de TBIL.

Independentemente do período de rastreio, se algum trabalhador desenvolver sintomas compatíveis com Tuberculose deve ser abordado como um caso “de novo” (10) (13) (14) (17) (18) (21) (22) (25).

Apesar de a maioria dos profissionais não vir a ter tempo suficiente de exposição para ser considerado contacto próximo (39), atendendo à fragilidade dos doentes que recorrem às IS (idosos e crianças), o rastreio e tratamento dos profissionais representará uma medida de contenção da infeção nosocomial.

PERGUNTAS FREQUENTES

Perante um rastreio positivo, apenas se deve ponderar a existência de TBIL, após exclusão de doença ativa, conforme sublinhado acima. As questões seguintes refletem problemas diários que os autores identificam nos rastreios dos seus trabalhadores. Apresentam-se propostas para a sua resolução com base na revisão acima exposta. Como atuar perante um trabalhador…?

… que apresente IGRA com resultado “positivo fraco”?

É provável que tenha ocorrido uma falha na técnica de colheita ou conservação das amostras. No caso de uma exposição de risco identificada, considerar teste positivo e atuar em conformidade. Nos trabalhadores com baixa probabilidade pré-teste deve ser colhida nova amostra e repetido o teste (10).

… que apresente IGRA com resultado “indeterminado”?

Este resultado demonstra incoerência entre os quatro tubos da amostra de sangue, nomeadamente, entre os controlos positivo e negativo, pelo que não é passível de interpretação e deve levar à repetição do teste com colheita de nova amostra.

… imunocompetente que apresente IGRA positivo, no exame médico de admissão?

Situação a) Trabalhador em início de funções (recém-licenciado), sem história de exposição a Tuberculose: tem elevada probabilidade de ter contraído a infeção durante o período de formação ou, mais recentemente, após o início das funções; deve ser informado de que tem elevada probabilidade de ser portador de TBIL, sublinhando que não é contagioso, mas salientando os benefícios do tratamento dessa infeção; se concordar, deve instituir-se tratamento sem necessidade de evicção ou de condicionamento laboral.

Situação b) Trabalhador que já exerceu funções noutros hospitais ou que trabalha na área de saúde há mais de cinco anos e que desconhece contacto prévio com Tuberculose: deve ser-lhe explicado que o risco de progressão para doença ativa é maior nos primeiros anos após a infeção, havendo, por isso, recomendação de tratamento. Após esse período e sem conhecimento de exposição prévia, a infeção poderá ser muito antiga, pelo que, apesar de recomendado na generalidade das pessoas, o benefício deverá ser ponderado face aos riscos do tratamento.

Situação c) Trabalhador com história de Tuberculose tratada: não necessita de realizar IGRA, já que é altamente provável que se mantenha indefinidamente positivo, mesmo após tratamento adequado. Deverá manter apenas vigilância de SS e alterações ao estado de saúde que possam comprometer o sistema imunitário.

… imunocompetente que completou adequadamente o tratamento da TBIL?

Tal como após doença ativa, o IGRA deverá manter-se positivo, pelo que não deverá repetir periodicamente IGRA, mesmo após contacto com um caso de Tuberculose. Deve apenas manter vigilância de SS e, eventualmente, RxT. Se o trabalhador passar para um grupo de risco, nomeadamente, por infeção VIH ou início de terapêutica imunossupressora, deve ser-lhe dada prioridade nos rastreios após exposição desprotegida a Tuberculose e iniciada quimioprofilaxia;

… imunocompetente com IGRA negativo prévio e que positiva num rasteiro periódico, sem SS sugestivos de doença e sem exposição conhecida a Tuberculose?

Deve-se explicar que é provável tenha contraído infeção recentemente, pelo que tem grande benefício na realização de tratamento de TBIL.

… imunocompetente exposto a Tuberculose sem EPIs adequado, em período de risco e elegível para rastreio?

Deve realizar-se rastreio de TBIL e vigiar eventuais SS de doença ativa. Se apresentar IGRA prévio:

Positivo: mantém apenas vigilância de SS;

Negativo (recente, inferior a dois anos): vigia SS e repete IGRA às oito-doze semanas;

Desconhecido: colhe IGRA o mais precocemente possível (até aos quinze dias) e, se negativo, repete às oito-doze semanas; se positivo, deve realizar tratamento de TBIL e manter vigilância de SS.

… imunocomprometido ou pertencente a grupo de risco que apresente IGRA positivo, no exame de admissão ou periódico, sem história de Tuberculose ou tratamento de TBIL?

Deve ser-lhe explicado que em algum momento terá tido contacto com o bacilo e poderá estar infetado. Por pertencer a um grupo com elevado risco para desenvolvimento de doença, deve realizar tratamento de TBIL.

… imunocomprometido exposto sem proteção a um doente com Tuberculose?

Independentemente do resultado de IGRA prévio, imunocomprometidos têm um elevado risco de infeção e doença se expostos a Tuberculose, sem EPIs. Deve ser rastreado com TST e IGRA, inquérito de SS e RxT. Deverá também iniciar quimioprofilaxia, até obter resultados da segunda parte do rastreio (oito a doze semanas depois).

imunocomprometido com TST superior a 5mm, IGRA negativo e com tratamento prévio de TBIL?

O rastreio deve ser mantido, anualmente, apenas com repetição do IGRA. Se este converter, é provável que tenha tido novo contacto com Tuberculose e deve realizar novo ciclo de tratamento de TBIL.

trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, em serviço de risco elevado de transmissão, devem ser afastadas desse local de trabalho?

Não existe evidência de que estas trabalhadoras tenham maior risco de contrair doença ou infeção face às mulheres não grávidas, contudo, a legislação portuguesa coloca as atividades que envolvam a exposição a agente biológico dos grupos de risco 3, do qual faz parte a Mt como condicionadas a estas trabalhadoras, pelo que deverão ser afastadas de tarefas que envolvam prestação de cuidados a pessoas com Tuberculose(19) (20). No entanto, se houver suspeita de infeção ou doença, devem ser rastreadas de igual forma que as trabalhadoras não grávidas e deve ser-lhe oferecida a possibilidade de realizar tratamento precoce para Tuberculose/TBIL (10) (14).

CONCLUSÃO

A Tuberculose é uma doença evitável e com tratamento eficaz. Apesar disso, a sua incidência mundial mantém-se elevada, sendo uma pandemia associada a uma importante morbimortalidade. A infeção latente não implica risco imediato de propagação da doença, contudo, recomenda-se o seu rastreio (nos grupos de risco) e tratamento como contributo para a erradicação do reservatório mundial de bacilos causadores de Tuberculose.

Nos países de baixa incidência, como Portugal, os profissionais de saúde são considerados um grupo de alto risco de infeção por Mycobacterium tuberculosis, pelo que as instituições de saúde devem implementar programas de prevenção e controlo de infeção hospitalar específicos para diminuir a exposição profissional a este agente biológico. Assim, estes profissionais devem realizar rastreio nos exames de admissão, com inquérito de sintomas e IGRA, que positivo deverá motivar realização de radiografia torácica, excluindo-se doença ativa e infeção latente. Nos serviços de alto risco de contágio de Tuberculose poderá ser realizado rastreio com IGRA nos exames periódicos, que convertendo a positivo num trabalhador assintomático, sem imagem sugestiva de doença ativa, indica infeção recente com indicação para tratamento. Os profissionais de saúde deverão ainda ser submetidos a rastreio de contactos em eventuais exposições desprotegidas a um caso de Tuberculose, com exclusão de doença ativa por inquéritos de sintomas e radiografia de tórax, bem como pesquisa de infeção pela realização de testes imunológicos, com intervalos temporais específicos. Os imunocomprometidos têm risco acrescido de desenvolver doença e devem ser geridos com precaução acrescida. Esta abordagem preventiva permite minimizar a ocorrência de Tuberculose como doença profissional, mas também como doença nosocomial, protegendo profissionais e doentes nas instituições de saúde.

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Recebido: 20 de Novembro de 2021; Aceito: 18 de Dezembro de 2021; Publicado: 07 de Janeiro de 2022

Sara Alves de Matos, Interna de formação específica em Medicina do Trabalho, Centro Hospitalar Universitário do Porto; Mestranda em Saúde Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; Internato de Ano Comum, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa; Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa. Colaboração na UC Saúde Ocupacional, ICBAS/UP. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Largo Prof. Abel De Salazar, 4099-001 Porto. E-mail: saraalvesdematos@hotmail.com

Ana Sofia Duarte, Internato de Ano Comum no Hospital Padre Américo; quatro anos de internato em Ortopedia e Traumatologia CHEDV; interna 1º ano Medicina do Trabalho CHUP. 4405-537 Vila Nova de Gaia- E-mail: astduarte@gmail.com

Maria José Costa de Almeida, Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho. 4450-676 Matosinhos. E-mail: zezinhaa@hotmail.com

Inês Correia Gonçalves, Interna de Formação Específica em Doenças infeciosas. 4430-094 Vila Nova de Gaia. E-mail: inescgon@gmail.com

Mário Luís Miranda, Assistente Hospitalar Graduado. Consultor em Imunoalergologia e Especialista de Medicina do Trabalho. 4470-825 Porto. E-mail: mariomiranda.sso@chporto.min-saude.pt

Miguel Vieira Braga Araújo Abreu, Especialista em Doenças Infeciosas; Assistente Hospitalar. 4100-038 Porto. E-mail: migaraujoabreu@chporto.min-saude.pt

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não existir conflitos de interesse.

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