INTRODUÇÃO
As dermatites de contacto (DC), representam cerca de 70-90% das doenças dermatológicas ocupacionais, levando frequentemente a incapacidade funcional (1).
Um estudo realizado em vários países da Europa e publicado em 2015, estimou a prevalência da DC em Portugal em 18%, sendo significativamente mais frequente no sexo feminino (1) (2).
A DC é uma reação inflamatória da pele causada pelo contacto com uma substância exógena e compreende as formas eczematosas (alérgica e irritativa) e as e não eczematosas (urticária de contato imunológica, não imunológica, erupção liquenoide de contato), sendo as primeiras as mais frequentes (1).
A Dermatite de Contato Alérgica (DCA) é uma reação de hipersensibilidade retardada (tipo IV) mediada por linfócitos T específicos. Concentrações relativamente pequenas podem ser suficientes para desencadear uma resposta inflamatória. É necessária sensibilização prévia e esta depende do potencial sensibilizante da substância química, da forma e dose de exposição e ainda de outros fatores facilitadores, nomeadamente a coexistência de agentes irritantes (detergentes, solventes, poeiras), alterações da barreira epidérmica e características individuais e genéticas (3).
A dermatite de contacto irritativa é a dermatite ocupacional mais frequente (1) (4). Fatores endógenos e exógenos (químicos e/ou físicos) estão envolvidos na sua etiologia, não obrigando a uma sensibilização prévia (1).
Estes dois tipos de Dermatite são clínica e histologicamente indiferenciáveis (1). Na sua forma aguda apresentam-se sob a forma de pápulas eritematosas, vesículas e lesões crostosas; na forma crónica predomina liquenificação, fissuras, descamação e xerose cutânea. O principal sintoma é o prurido e as mãos são o local mais frequentemente atingido (1) (5).
A abordagem diagnóstica engloba a anamnese, exame físico e a realização de testes epicutâneos. O padrão das lesões frequentemente indica o agente causal (1). Quando existe suspeita de uma dermatite de contato, as exposições ocupacionais e ambientais podem delimitar as suspeitas de alergénios a testar.
Os exames gold standard para o diagnóstico de dermatite de contacto alérgica são os testes epicutâneos (1). A série padrão da Sociedade Europeia inclui trinta haptenos, está em atualização constante e varia de acordo com a região geográfica de forma a incluir os alergénios mais pertinentes. Se a suspeita clínica o justificar, podem testar-se alergénios adicionais (1).
Na abordagem do doente, priorizam-se a identificação e evicção do agente causal, bem como o controlo sintomático (7).
Este trabalho tem como objetivo expor um caso de frequente na prática clínica- uma dermatite de contato, sensibilizando para a abordagem das dermatoses ocupacionais no contexto da Medicina do Trabalho.
DESCRIÇÃO DO CASO
Trata-se de um doente do sexo masculino, de 63 anos, que recorre à consulta de Dermatologia por queixas de lesões eritemato-descamativas pruriginosas nas mãos e pés, com cerca de dois anos de evolução. As lesões tinham caráter recorrente com agravamento durante os períodos de verão e alívio marcado durante os períodos de descanso laboral/férias. Negava lesões noutras localizações, história pessoal e familiar de atopia ou patologia cutânea. A nível de antecedentes ocupacionais era eletricista há 40 anos, em contexto de construção civil. Como equipamento de proteção individual utilizava capacete, calças anti-estáticas, luvas de cabedal cinzentas (Figura 1) ou de borracha (para proteção eletromecânica), bem como botas pretas de cabedal com biqueira-de-aço.
Ao exame objetivo apresentava vesículas e placas eritematosas, com envolvimento da face lateral e polpa dos dedos e região palmar (Figuras 2 a 5).
Foi referenciado à consulta de Alergologia Cutânea para realização de testes epicutâneos, tendo-se testado a série básica do Grupo Português Estudo Dermites de Contacto (GPDEC) e a bateria de calçado (Bial Aristegui®). Os alergénios foram colocados na região dorsal, utilizando Finn Chambers ® e retirados 48 horas depois. As leituras foram realizadas ao 3º e ao 7º dia, com positividade para Dicromato de potássio, Parafenilenodiamina (PPD), Álcoois da Lanolina e Mistura de têxteis. Os restantes alergénios testados foram negativos.
Atendendo às características das lesões, a distribuição das mesmas, a exposição profissional e o resultado das provas cutâneas, foi estabelecido o diagnóstico de Dermatite de Contato Alérgica. Admitiu-se origem ocupacional, associado ao material das luvas e calçado que compunham o equipamento de proteção individual.
O doente foi posteriormente observado na consulta de Medicina do Trabalho, de forma a garantir a adequação das condições de trabalho, tendo sido participada suspeita de Doença Profissional.
DISCUSSÃO
As profissões com maior risco de lesões dermatológicas incluem os profissionais de saúde, trabalhadores da construção civil (eletricistas, pedreiros, carpinteiros), cabeleireiros, esteticistas e trabalhadores de limpeza (8) (9). Os Eletricistas instalam equipamentos elétricos, utilizando fluxos de soldagem que contêm colofónia (também conhecida como resina) para unir os fios, sendo este um alergénio comum nas DC Ocupacionais (8). A colofónia faz parte da Série Básica de 2020, do Grupo Português de Estudo das Dermites de Contacto (GPEDC), pelo que foi testada neste doente com resultado negativo.
Conhecer a profissão do doente é a chave para a avaliação de uma DC Ocupacional. A identificação dos alergénios comuns em cada profissão pode orientar a história clínica e guiar a escolha dos alergénios testados (8).
Na situação descrita, verificou-se positividade para o dicromato de potássio (crómio), presente em produtos de cabedal, que são tratados (curtidos) à base de sais de crómio, como por exemplo as luvas e botas utilizadas pelo trabalhador como EPI. Verificou-se também positividade para os álcoois da lanolina, obtidos a partir da lã da ovelha e amplamente usados como unguento na produção de cosméticos e produtos de higiene. Constatou-se positividade ainda para a parafenilenodiamina (PPD), uma amina aromática, encontrada em diversos produtos tais como borrachas, calçado (graxas e tintas), corantes e tintas de corpo, maquilhagem, e tatuagens temporárias de henna (10) e, para a mistura de têxteis, um conjunto de corantes encontrados em tecidos, tais como poliéster e nylon. A importância clínica destes alergénios, como potenciais desencadeadores de dermatite de contacto é evidente, estando por isso mesmo, incluídos na bateria padrão de testes epicutâneos dos Grupos Europeu e Português para o Estudo das Dermatites de Contacto.
Considerou-se ter relevância profissional o Dicromato de potássio e o PPD, podendo presumir-se que o trabalhador se sensibilizou por exposição cumulativa prolongada a estes agentes. À partida, existindo exposição prévia, as lesões dermatológicas podem surgir por períodos de tempo variáveis, mesmo após meses ou anos de contato (7). De salientar também que as lesões se afiguram características e se encontram localizadas em áreas de contato direto com os agentes suspeitos. A melhoria no período de férias e o agravamento com o regresso ao trabalho, são também fortes preditores deste diagnóstico (7).
A utilização de luvas por períodos de tempo prolongado pode originar uma quebra da barreira cutânea e facilitar o desenvolvimento de lesões. Já no do dorso do pé, sabe-se que o crómio e os aditivos das borrachas são os principais alergénios de contato (1), verificando-se neste caso uma provável relação com as botas de cabedal utilizadas pelo trabalhador.
A utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) visa proteger os profissionais, perante a exposição ocupacional a um fator de risco. De acordo com as recomendações da Occupational Safety & Health Administration (OSHA), o equipamento para instalações elétricas deve incluir óculos de segurança, protetores faciais/viseiras, capacete, botas de biqueira de aço, luvas isolantes de borracha e mangas isolantes para os antebraços, bem como vestuário resistente ao fogo (11).
O tratamento desejável da DC requer identificação e eliminação do agente causal (3). A evicção é a recomendação terapêutica mais eficaz, mas de difícil implementação, dado que pode implicar a necessidade de reconversão ou recolocação do trabalhador e, em última instância, resultar numa incapacidade temporária ou até mesmo permanente para o trabalho.
O efeito das DC na qualidade de vida é muitas vezes subestimado. No entanto, o seu impacto social e financeiro é uma realidade, muitas vezes com limitações não só laborais, mas também nas atividades da vida diária, com elevada repercussão na qualidade de vida destes doentes, informação que é suportada por vários estudos desenvolvidos ao longo dos últimos anos (12).
O trabalhador deve ser avaliado em consulta pelo Médico do Trabalho, para que sejam feitas as restrições e as recomendações necessárias em Ficha de Aptidão, podendo também ser requisitada a composição dos EPIs ao fabricante e solicitar a aquisição de EPI livre do alergénio. No caso descrito, foi recomendada a evicção dos alergénios causais, nomeadamente as luvas e botas de cabedal. Para isso, foram disponibilizadas algumas alternativas, como a utilização de luvas brancas de algodão para evitar o contacto cutâneo direto com os agentes irritativos presentes no couro, bem como sugerida a troca do calçado, utilizando por exemplo, couro curtido vegetal (13).
É essencial que o trabalhador receba a formação e informação adequada às medidas a implementar seu local de trabalho. Este investimento deve ser dirigido a todos os níveis hierárquicos das empresas, no sentido de as sensibilizar para a adoção de medidas preventivas e de rastreio precoce.
A análise do posto de trabalho, realizada pelo Serviço de Saúde, Higiene e Segurança do Trabalho, desempenha um papel essencial tanto na eliminação da exposição aos fatores de risco identificados como na evolução favorável da DC (2), sendo que, sem uma evicção eficaz, o curso da doença será inexoravelmente mais rápido e grave (7).
O seguimento do profissional deve incluir o acompanhamento em consulta de Medicina do Trabalho, de forma a garantir o cumprimento das medidas/restrições impostas através visitas esporádicas ao posto de trabalho. Face ao diagnóstico final, comprovado com a exposição ocupacional ao fator de risco e a leitura das provas epicutâneas, é necessário assegurar que se faça a presunção da Doença Profissional e que se preencha a Declaração, tendo em conta a Lista das Doenças Profissionais em vigor (capítulo 3 “Doenças Cutâneas e Outras”, código 31.03, “Crómio e os seus compostos”) (14).
CONCLUSÃO
A incidência e a prevalência da DC correlacionam-se fortemente com as medidas de prevenção da mesma. As estratégias de prevenção primordiais incluem a evicção através da substituição ou, idealmente, eliminação da exposição a possíveis irritantes e alergénios. A DC está associada a um impacto pessoal e profissional significativo, podendo resultar em absentismo, diminuição da produtividade e incapacidade laboral. Os Serviços de Saúde Ocupacional devem ter um papel ativo na formação e informação dos trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito a práticas seguras de trabalho e correta utilização dos EPIs. Os próprios decisores da empresa devem ser envolvidos no processo de aquisição dos EPIs, com o objetivo de os consciencializar para custos e benefícios a curto, médio e longo prazo. Quando o EPI está envolvido na origem da Doença Profissional, devem ser apresentadas alternativas ao trabalhador, para que este possa continuar a desempenhar o seu trabalho com segurança.