O vírus varicela-zoster (VVZ) é um dos herpesvírus conhecidos que podem causar infeção humana. É um vírus de DNA, que além de tropismo cutâneo e para as células T, apresenta ainda neurotropismo, o que significa que após causar a infeção primária (varicela), pode invadir o sistema nervoso (neurónios dos gânglios sensitivos) e ficar latente. O seu período médio de incubação é de 14 a 16 dias, embora possa variar entre 10 a 21 dias. Habitualmente considera-se que o período de infecciosidade se inicia 48 horas antes do início da erupção cutânea e termina com o aparecimento de crosta completa nas lesões. Os hospedeiros imunocompetentes permanecem infeciosos por aproximadamente cinco dias após o início da erupção cutânea, enquanto que os imunocomprometidos podem permanecer infeciosos por um período mais prolongado (1) (2) (3) (4).
A varicela resulta da infeção primária causada pelo VVZ e é altamente contagiosa, sobretudo em populações não vacinadas. Transmite-se por via aérea, através da inalação de microgotículas produzidas pela pessoa infetada (quando esta fala, tosse ou espirra) e por contacto com o conteúdo das vesículas cutâneas, até que todas as lesões apresentem crosta (2) (3). É uma doença predominantemente da infância e que apresenta, geralmente, um curso benigno. A infeção primária por VVZ confere uma imunidade duradoura próxima dos 100% (3). Os recém-nascidos, adolescentes, imunocomprometidos e as grávidas são mais suscetíveis a complicações graves. No feto pode ocorrer a síndrome de varicela congénita, se a infeção materna ocorrer nas primeiras 20 semanas de gestação e, no recém-nascido, pode ocorrer varicela grave quando a doença materna surge de cinco dias antes a dois dias após o parto (1) (5) (6) (7). Manifesta-se, habitualmente, por um período prodrómico de febre, cefaleias, faringite, astenia, anorexia e, posteriormente, aparecimento de uma erupção cutânea generalizada, definida por lesões maculopapulares que progridem para lesões vesiculares, pústulas e crostas, extremamente pruriginosas, por norma mais exuberantes na face, tronco e couro cabeludo, mas que podem surgir noutras localizações (incluindo mucosa oral, genital e retal). É também característico desta infeção existirem, simultaneamente, lesões em fases diferentes de evolução. Os sintomas geralmente duram entre quatro a sete dias. Podem ocorrer complicações, sobretudo nos grupos de maior risco, como a sobreinfeção bacteriana das lesões (que pode originar quadros de celulite, fasceíte necrotizante e sépsis), pneumonia vírica, encefalite e complicações hemorrágicas, como coagulação intravascular disseminada (CID) e trombocitopenia. É uma doença que apresenta uma carga significativa em termos de absentismo escolar e laboral (1) (2) (3) (4).
O VVZ mantém-se latente no sistema nervoso e pode sofrer reativação em situações de depressão do sistema imunitário, resultando em quadros de herpes zoster (ou zona). Esta reativação afeta cerca de 30% da população e está associada a uma morbilidade significativa nos indivíduos idosos e imunocomprometidos. Transmite-se por contacto direto com o conteúdo das vesículas ativas ou por aerossolização do vírus a partir das lesões cutâneas, sendo muito menos transmissível do que a varicela (3) (8). Clinicamente manifesta-se por erupção vesicular dolorosa, distribuída habitualmente por um dermátomo, com evolução de sete a dez dias. Geralmente a dor local, neuropática, precede a erupção cutânea. Podem existir situações de herpes zoster disseminado, que ocorrem principalmente em indivíduos imunodeprimidos. Uma consequência comum e frequentemente debilitante é a nevralgia pós-herpética, uma dor persistente que pode permanecer durante meses ou até anos após a resolução da erupção cutânea (6).
OBJETIVO
Pretende-se apresentar uma sugestão de protocolo de atuação relativo à exposição ao vírus varicela-zoster, mais concretamente em contexto ocupacional, que inclua medidas de abordagem pré e pós exposição em trabalhadores de categorias profissionais de maior risco. A maioria das orientações e artigos publicados é dirigida ao âmbito dos profissionais de saúde e da prestação de cuidados de saúde. No entanto, a abordagem descrita poderá ser aplicada a outros contextos laborais, quando apropriado.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão de normas de orientação clínica nacionais e internacionais e artigos científicos, publicados nos últimos dez anos, em língua inglesa e portuguesa, relativos à exposição ao vírus varicela-zoster em contexto ocupacional e sua abordagem. Utilizaram-se como principais fontes de dados a Direção-Geral da Saúde, Centers for Disease Control and Prevention, European Centre for Disease Prevention and Control, UpToDate e MEDLINE/Pubmed (termos de pesquisa utilizados: “varicella-zoster vírus”; “chickenpox”; “vaccination”; “herpes zoster”; “prevention and control” e “occupational health”).
CONTEÚDO
Abordagem pré-exposição
Vacinação contra a varicela
A imunização com duas doses da vacina contra a varicela apresenta uma eficácia superior a 90% na prevenção da infeção primária e superior a 99% na prevenção da doença grave. A vacinação reduz o risco de transmissão do VVZ, diminui o risco de herpes zoster e reduz a utilização de cuidados de saúde associados à doença (5) (9). Face à elevada prevalência de seropositividade em Portugal e ao baixo valor preditivo negativo de história anterior de varicela, está recomendada a determinação dos anticorpos IgG para VVZ previamente à vacinação, nos indivíduos com história incerta de infeção prévia, visto que esta será uma atitude muito provavelmente custo-efetiva (10). Os indivíduos não imunes com ocupações de alto risco devem completar o esquema vacinal de duas doses (1) (3) (5). A serologia pós-vacinação não está recomendada (5) (10).
Indicações para vacinação contra a varicela
Na literatura encontram-se as seguintes indicações para vacinação:
Mulheres não imunes e em idade fértil, antes da gravidez (deverá ser evitada a gravidez pelo menos por quatro semanas após a vacina) (5) (9) (10);
Adolescentes e adultos não imunes que contactam habitualmente com crianças (5) (9) (10);
Adultos ou crianças que contactam habitualmente com imunodeprimidos (5) (9) (10);
Trabalhadores não imunes em profissões de alto risco de exposição e transmissão como profissionais de saúde; viajantes internacionais; militares; professores; trabalhadores de creches ou infantários e trabalhadores de ambientes institucionais, incluindo estabelecimentos prisionais (5) (9) (10);
Imigrantes e refugiados (9).
Em Portugal a vacina contra a varicela não está incluída no Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas está autorizada pelo Infarmed e disponível para prescrição médica. O PNV 2020, na secção relacionada com a vacinação dos profissionais de saúde, não menciona concretamente a vacina contra a varicela, mas deixa a cargo dos Serviços de Saúde Ocupacional a vacinação que se entenda necessária para proteger os profissionais de saúde contra riscos biológicos específicos (11). Recomenda-se, portanto, que nos exames de admissão e periódicos de Medicina do Trabalho dos profissionais com risco de exposição ao vírus varicela-zoster seja investigada a imunidade para este agente, uma vez que nos indivíduos sem história prévia de varicela ou evidência de imunidade, pode haver benefício na vacinação.
Vacinas disponíveis em Portugal
A vacina contra a varicela é composta pelo VVZ vivo atenuado (estirpe Oka). Existe sob a forma monovalente (apenas para o vírus da varicela) ou em combinação com sarampo, parotidite e rubéola. Em Portugal estão disponíveis apenas as duas vacinas monovalentes (Varilrix® e Varivax®). Ambas devem ser administradas num esquema de duas doses, sendo que no caso da Varilrix® deve-se aguardar pelo menos seis semanas entre as duas doses e no caso da Varivax® deve-se aguardar pelo menos quatro semanas entre a primeira e a segunda doses. Ambas demonstraram ser imunogénicas, seguras e eficazes e podem ser administradas simultaneamente com as outras vacinas do PNV (4) (11) (12). Todos os trabalhadores que receberam previamente uma dose da vacina têm indicação para receber a segunda dose de forma a melhorar a proteção contra a doença (respeitando o intervalo mínimo entre as duas doses) (4) (5).
Precauções a ter em conta na vacinação contra a varicela
Pessoas com doenças agudas poderão ser vacinadas, dependendo da gravidade dos sintomas e da etiologia da doença. Devido à associação entre salicilatos, varicela natural e síndrome de Reye, recomenda-se que os salicilatos sejam evitados por pelo menos seis semanas após a vacina. Produtos sanguíneos portadores de anticorpos (como sangue total, concentrados de eritrócitos e plasma) podem interferir na eficácia da vacina, por isso, a administração da vacina deve ser adiada no mínimo três meses após transfusão de sangue ou derivados. As pessoas que receberam a vacina contra varicela não devem receber produtos sanguíneos durante 14 dias após vacinação, a menos que os benefícios do produto sanguíneo superem a necessidade de proteção contra a vacinação (2) (9) (12).
Efeitos Adversos da vacinação contra a varicela
As vacinas contra a varicela são geralmente bem toleradas, no entanto podem ocorrer reações no local da injeção (aproximadamente 20% das crianças e 25% dos adolescentes e adultos), febre e/ou uma erupção cutânea. Deve ser vigiado o aparecimento desta última entre as duas a seis semanas após a inoculação. Sempre que esta surja, deve ser evitado o contacto com pessoas sem evidência de imunidade à varicela e que estejam em risco de desenvolver doença grave ou complicações, até que todas as lesões resolvam ou nenhumas novas apareçam num período de 24 horas (4) (5) (9).
Vacinação contra o herpes zoster
Existem atualmente duas vacinas contra o herpes zoster aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento, uma viva atenuada (VVA) - Zostavax® - e outra recombinante (VR) - Shingrix®. Apesar de ainda não existirem muitos estudos, os já realizados mostram superioridade na eficácia da recombinante (VR), quando comparada com a VVA (13) (O). A imunização com estas vacinas tem benefício na prevenção do herpes zoster e da nevralgia pós-herpética. Está atualmente recomendada em indivíduos imunocompetentes com idade superior ou igual a 50 anos (8) (14).
Abordagem pós-exposição
Procedimento após exposição ao VVZ
Perante um caso confirmado de varicela, deve ser iniciada a identificação de contactos e a caracterização da suscetibilidade dos profissionais expostos sem proteção adequada (3). Os trabalhadores imunes expostos devem ser monitorizados diariamente durante oito a 21 dias. Os profissionais suscetíveis deverão evitar proximidade com indivíduos de alto risco entre o 8º e o 21º dia após a exposição, deverão manter vigilância de sinais e sintomas e têm indicação para profilaxia pós-exposição. Os profissionais suscetíveis sem contraindicações à vacinação deverão receber a vacina dentro de três a cinco dias após a exposição (1) (14). Nos profissionais com contraindicações para a administração de vacina poderá ser ponderada, em alternativa, a imunoglobulina específica contra a varicela-zoster (Varizig®). A dose recomendada de imunoglobulina são as 125Ul por cada dez quilogramas de peso corporal, até ao máximo de 625Ul, por via intramuscular e, caso seja administrada até 96 horas após a exposição, é efetiva a modificar ou prevenir a doença (1) (3).
Recomendações se for o profissional o infetado
No caso de ser o profissional o caso confirmado, deverá ser efetuado o rastreio de contactos e, caso este apresente varicela ou herpes zoster disseminado, deverá ser afastado do trabalho podendo retornar quando estiver clinicamente bem e quando todas as lesões apresentarem crosta (geralmente cerca de cinco dias após o desenvolvimento dos sintomas) (1) (6).
No caso de herpes zoster localizado, em trabalhadores saudáveis, que apresentem lesões em áreas do corpo que não sejam expostas, poderão continuar a trabalhar, desde que a área possa ser coberta com penso esterilizado e esteja protegida pela roupa. Deverá ainda ser evitada a proximidade com indivíduos de alto risco até à resolução das lesões (1) (6).
Além disso, nestes casos em que há desenvolvimento de infeção, poderá ainda ser equacionado tratamento com antivirais (como o aciclovir ou valaciclovir), idealmente iniciados nas primeiras 24 horas após o início da erupção cutânea (1) (8) (15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Face à alta transmissibilidade da varicela e elevada eficácia da imunização em prevenir a patologia, em particular a doença grave, é de extrema importância que os Serviços de Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional estejam alerta para esta entidade, definam e implementem programas concretos orientados para a identificação e proteção dos profissionais suscetíveis, tanto ao nível da prevenção primária, como na abordagem em caso de exposição. É também competência destes Serviços a informação e formação contínua dos trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito a medidas de prevenção da transmissão deste tipo de infeções e ao reconhecimento de potenciais exposições, de forma que, quando ocorrer exposição relevante, rapidamente sejam tomadas as medidas necessárias para proteção do trabalhador e para travar a disseminação da doença.