INTRODUÇÃO
O Cancro da Laringe poderá, em algumas situações, ter na sua etiologia fatores relacionados com a atividade laboral dos indivíduos. Nesse sentido, pretende-se com este estudo estabelecer essas possíveis relações, para que os profissionais de saúde ocupacional possam ter disponíveis informações que facilitem as tarefas de promoção da saúde e prevenção da doença dos seus trabalhadores ou, no limite, detetar precocemente o problema.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores eventualmente expostos a fatores com capacidade para aumentar a probabilidade de surgir cancro da laringe
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre caraterísticas dos postos de trabalho que possam aumentar o risco de cancro laríngeo
-C (context): saúde e segurança ocupacionais
Assim, a pergunta protocolar será: Quais os fatores de risco laborais que poderão ter capacidade para aumentar a incidência de Cancro da Laringe?
Foi realizada uma pesquisa, em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
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1 | Artigo de revisão | Alemanha | O objetivo desta revisão foi investigar a eventual relação entre a exposição ocupacional e o CL. Concluiu-se que os trabalhadores de colarinho azul apresentavam maior incidência desta patologia. |
2 | Artigo original | Alemanha | Trata-se de um estudo de caso-controlo que pretendeu perceber até que ponto existia uma relação entre o nível socioeconómico e o CL, sexo masculino, consumo de tabaco e álcool e exposição ocupacional. Concluiu-se que a associação do CL com o nível socioeconómico parece refletir uma maior importância em relação aos outros fatores. |
3 | França | As poeiras na indústria do couro são consideradas cancerígenas para os seios perinasais; contudo, para o CL a evidência não é tão conclusiva. Mais estudos são necessários para averiguar melhor essa relação. | |
4 | Este artigo pretendeu avaliar a eventual interação entre o cancro da cabeça e pescoço e algumas exposições ocupacionais. Os autores concluíram que parece existir alguma relação. | ||
5 | Alemanha | Trata-se de um estudo de caso-controlo, efetuado entre 1998 e 2000, com mais de 200 casos e mais de 700 controlos, com o objetivo de perceber a eventual relação entre o nível socioeconómico, álcool, tabaco, trabalho e CL. O menor nível socioeconómico pareceu ser o item mais relevante. | |
6 | França | Realizou-se um estudo de caso controlo para avaliar o risco de cancro laríngeo entre trabalhadores expostos a produtos derivados do petróleo e solventes oxigenados. Os resultados não demonstraram evidência dessa relação. | |
7 | Coreia do Sul | A indústria do cimento utiliza várias substâncias consideradas cancerígenas. Utilizando uma amostra grande de indivíduos expostos, verificou-se que ocorreu um aumento da patologia oncológica respiratória. | |
8 | Artigo de revisão | Alemanha | A IARC classificou a indústria da produção do vidro como provavelmente cancerígena para humanos em 1993. Os autores pretenderam analisar a evidência científica publicada mais recentemente e concluíram que não foram adicionados dados mais robustos ou conclusivos em relação a esta questão. |
9 | Artigo original | França | Esta investigação analisou a eventual relação entre a exposição ocupacional a solventes e o risco de cancro da cabeça e pescoço, concluiu-se que apenas o percloetileno (em quantidades elevadas) aumenta o risco de CL. |
10 | Artigo de revisão | Vários estudos associam o setor da borracha ao risco oncológico. Verificou-se que há um aumento de risco de CL nestes profissionais. | |
11 | Artigo original | EUA | Alguns produtos existentes na metalurgia são considerados cancerígenos. Os autores pretenderam avaliar se o risco é equivalente entre sexos. Concluíram que mesmo a trabalhar na mesma área, o sexo feminino apresenta menor incidência de CL. |
12 | Canadá | Pretendeu-se analisar a incidência e mortalidade de alguns cancros respiratórios, numa amostra de mais de 56.000 trabalhadores em minas e refinamento de níquel, no Canadá. |
CONTEÚDO
Noções estatísticas introdutórias
O Cancro da Laringe (CL) é o mais prevalente a nível aerodigestivo. Estima-se que a nível mundial surgem, por ano, cerca de 130.000 novos casos no sexo masculino e 21.000 no feminino, ainda que a distribuição seja diferente entre países (1).
Fatores de risco não profissionais
Neste contexto destacam-se o tabaco e o álcool (2) (3) (4), individualmente e com sinergismo entre si (1). Estima-se que o consumo de álcool justifique cerca de 25% dos casos e o tabaco eventualmente 70 a 85%- juntos cerca de 89%. Outros publicaram que há evidência que o risco de cancro da cabeça e pescoço fica duplicado nestas circunstâncias (4).
O CL parece ser mais frequente em indivíduos do sexo masculino (2) (5) e com menor nível educacional (2) (4) (5), o que poderá refletir maior probabilidade de ter uma atividade profissional mais perigosa neste sentido (2) (5). Também se pode associar à infeção por HPV (vírus do papiloma humano) (3), alimentação desequilibrada (2) (3), má higiene oral (3) e menor nível socioeconómico (3) (4).
Atividades profissionais/fatores de risco mais envolvidos na etiologia
A associação do cancro à profissão é geralmente menosprezada, em parte devido aos profissionais de saúde, que não fazem geralmente essa ligação; aliás, no processo de diagnóstico, nem sempre se recolhem dados da profissão na anamnese (4). Ainda assim, parece existir um risco aumentado de CL em indivíduos com profissões de colarinho azul (ainda que nem sempre os artigos mencionem os componentes específicos envolvidos):
➢ Mineiros, sobretudo devido a asbestos (1) (5) (6) e poeira de carvão (1) (5)
➢ profissionais da construção civil (1) (5): pedreiros, carpinteiros, pintores, ferrageiros- também através dos asbestos (1) (4), amianto (4) (5), tintas, poeira do cimento (1) e derivados da madeira (4) (5). Por exemplo, a produção de cimento engloba vários agentes químicos cancerígenos, como o crómio e a sílica (ambos do grupo 1, IARC), bem como cádmio e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos- HAPs (7). Os asbestos são considerados globalmente como cancerígenos para humanos (grupo 1, IARC- International Agency for Research on Cancer).
➢ estofadores, alfaiates (1)
➢ trabalhadores do saneamento/águas residuais (1)
➢ indústria do vidro (1): o CL parece ser 2,4 (8) vezes mais frequente eventualmente devido à sílica, metais pesados e HAPs (3) (5); ainda que presentemente o processo seja mais mecanizado e se diminua o número de trabalhadores expostos- A IARC classificou o setor da produção do vidro como provavelmente globalmente carcinogénico para humanos (2A) (8)
➢ cerâmica (1)
➢ indústria química (1)- por exemplo, na produção de solventes (4) (5); a IARC considera o tetracloroetileno e o tricloroetileno como provavelmente cancerígenos, globalmente e para o cancro da cabeça e pescoço, em específico (4)
➢ trabalhadores florestais (1)
➢ Metalomecânica: devido à exposição a ácido sulfúrico (1) (4), óleos diversos, poeiras metálicas e fumos (1); sendo que está descrito que alguns ácidos fortes são carcinogénicos para a laringe (1) (6)
➢ Limpeza: o risco discretamente mais elevado de CL talvez se possa justificar com a exposição a poeiras, matérias orgânica e particulada, fibras diversas e/ou Compostos Orgânicos Voláteis- COVS (como o formaldeído e/ou benzeno) (1); os solventes clorinados, como o percloroetileno (usado na limpeza e provavelmente carcinogénio para humanos- 2A), aumenta o risco de CL; tal como o cloreto de metileno (também 2A) (9)
➢ indústria da borracha (10) (3): sobretudo devido ao 1,3-butadieno e benzeno, ainda que existam centenas de agentes químicos neste setor (10)
➢ fumos de motores (3)
➢ poeiras têxteis (3) e
➢ níquel (4)- a IARC também classifica o níquel como cancerígeno para humanos (12).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Existem alguns fatores de risco com associação suspeita ou comprovada em relação à etiologia do Cancro da Laringe. É importante que os profissionais da saúde e segurança ocupacionais tenham à disposição esta informação, para que seja possível tomar medidas de proteção coletiva e individual que consigam atenuar os eventuais riscos.
Tendo em conta que a informação disponível é ainda escassa, seria importante que essas equipas dessem destaque ao assunto, quer através de relato de casos ou publicação de estudos de avaliação de riscos. Seria também interessante que algumas equipas a exercer em empregadores com um grande número de funcionários expostos a estas condições de trabalho, conseguissem investigar o tema, lançando para a bibliografia dados inovadores e/ou mais completos dos que o que estão presentemente publicados, incluindo dar uma perspetiva do estado da arte no nosso país.