INTRODUÇÃO
Apesar de o cancro do pâncreas (CP) não ser muito prevalente, alguns investigadores acreditam que parte deste se poderá relacionar com o trabalho, ainda que a bibliografia seja escassa. Nesse sentido, o conhecimento de tais fatores poderá ser importante para a tomada de decisão das equipas de saúde ocupacional. Assim, tendo em conta que a evidência sobre o assunto não é abundante ou robusta, pretendeu-se com esta revisão sintetizar a informação disponível e mais atual sobre o tema.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores eventualmente expostos a fatores de risco laborais associados à etiologia do CP
-I (interest): reunir informação sobre exposição laboral a fatores de risco associados à etiologia da patologia oncológica pancreática.
-C (context): saúde e segurança ocupacionais
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as caraterísticas das tarefas laborais que poderão aumentar a incidência de CP?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
CONTEÚDO
Algumas estatísticas associadas
O CP é, com uma frequência considerável, mortal. Em 2008 estimaram-se cerca de 280.000 novos casos, sendo que 38.000 estariam nos EUA (país onde é o 9º e 11º cancro mais frequente, nos sexos masculino e feminino, respetivamente). Devido à baixa taxa de sobrevivência, a incidência é, a médio prazo, parecida à mortalidade. Acredita-se que o sexo masculino seja atingido com cerca de 50% maior probabilidade (1).
O CP é o quarto mais fatal no Canadá, até porque geralmente o diagnóstico é tardio. A incidência neste país é de cerca de 2.800 para o sexo masculino e cerca de 2.700 para o feminino. A taxa de sobrevivência a cinco anos é de 7 e 8% para os sexos masculino e feminino, respetivamente. O CP geralmente não apresenta resultados encorajadores em relação à quimioterapia ou radioterapia (2).
Fatores de riscos não ocupacionais
O maior fator de risco (1) (2) é o tabagismo (1) (2) (3), sobretudo se por períodos prolongados (cerca de 1,74 vezes mais) (2) (acredita-se que este poderá justificar cerca de 20 a 30% dos casos no sexo masculino e 10% no feminino) (1) ou então 25% dos casos no global (3). Contudo, outros autores publicaram que este talvez seja responsável por 75% dos casos (até porque cada cigarro contém em média 1 a 3 microgramas de cádmio) (4).
Para além disso, também se encontra bibliografia que associa esta patologia a antecedentes pessoais de pancreatite (1) (2) (aguda e crónicaaté cinco vezes mais) e familiares; bem como diabetes (risco 1,82 superior) (2) e gastrectomia (1). Também se pode associar a alcoolismo, obesidade (1) (2) (um IMC superior a 35 aumenta o risco 1,55 vezes), sedentarismo, bem como alimentação (2) com alto teor de gorduras e/ou baixo consumo de vegetais (e/ou frutos, em específico) (1). O arroz, os grãos e alguns produtos marinhos também podem conter cádmio e o CP associa-se aos níveis urinários deste agente químicos. Animais que sejam alimentados com predomínio de grãos também apresentam níveis superiores deste agente químico. No Egito, por exemplo, verificou-se que os indivíduos com CP apresentavam exposição superior ao cádmio (4).
A influência de algumas alterações genéticas parece ser responsável por apenas um pequeno número de casos (1); as mais destacadas neste sentido são o atipic multiple mole familiar melanoma, síndroma de Peutz-Jeghers e a fibrose quística (2).
Fatores de risco ocupacionais
Se uns consideram que a exposição ocupacional pode justificar cerca de 12% dos casos (3), outros acham que não foi provada com clareza a etiologia ocupacional para esta patologia (1), ainda que se suspeite de alguns agentes químicos, como pesticidas e metais pesados (1) (3)- como cádmio (3) (4)), bem como nitrosaminas, hidrocarbonetos clorinados (3) (risco 1,4 vezes superior) (2) (como o tricloroetileno, cloreto de metileno e de vinilo e tetracloroetileno), além dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) (3), níquel e seus derivados (risco 1,9 vezes mais). Com resultados contraditórios, segundo alguns autores, estão o cádmio, HAPs (2), inseticidas organofosforados (2) (3), sílica, asbestos e fluidos do setor da metalurgia (2). A maioria dos funcionários aqui é do sexo masculino; as mulheres que trabalham no setor apresentam exposições de menor intensidade; o CP foi mais prevalente nos indivíduos do sexo masculino, como já se mencionou (5).
Os pesticidas organoclorados no passado eram considerados importantes, mas estudos mais recentes e com doses de exposição menores, atenuaram esse risco (3). Contudo, ainda que alguns estejam proibidos em países desenvolvidos, são usados em países em desenvolvimento. A IARC (International Agency for Research on Cancer) considerou que alguns destes pertencem aos grupos 1, 2A e 2B. O líndano, por exemplo, associa-se a maior risco de CP (ainda que o estudo tenha tido uma amostra pequena), tal como o DDT (apesar de outra investigação ter chegado a conclusão oposta) (6).
Os agricultores, por isso, estão expostos a inúmeros agentes cancerígenos. Profissionais deste setor, do sexo masculino, numa coorte superior a dois milhões de indivíduos, demonstraram ter risco acrescido de CP (1,36 vezes mais) (5). Ao nível da agricultura, alguns fertilizantes e alguns pesticidas contêm cádmio. Este também existe em lubrificantes e no diesel; bem como na composição de algumas tintas; é por isso mais prevalente em profissionais que fazem demolições. Pode também existir como contaminante de outros metais (4).
A radiação ionizante existente em algumas tarefas laborais também poderá ser relevante (3).
A exposição aos fumos dos veículos motorizados, frequente em diversas profissões, não parece estar associada ao CP, ainda que outros tenham publicado isso (1) (controverso).
Assim, os setores profissionais que parecem ser mais relevantes, segundo alguns autores, são a limpeza a seco (2) (3); metalurgia (3); construção civil (2), naval (4) e atividades associadas (2) (4), manutenção; agricultura e jardinagem; fotografia; decoração e enfermagem (2).
Os estudos, contudo, ficam dificultados não só pelo controlo de algumas variáveis eventualmente enviesadoras, como pelo próprio facto de a incidência do CP não ser muito elevada (1).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Parte dos CPs poderá ter origem ocupacional através do contato com radiação ionizante e alguns agentes químicos: pesticidas, fertilizantes, cádmio, níquel (e outros metais pesados), nitrosaminas, hidrocarbonetos clorinados e aromáticos policíclicos, sílica/asbestos, fluidos da metalurgia, tintas e fumos diesel. Assim, os setores profissionais mais relevantes serão a agricultura e jardinagem, limpeza a seco, construção civil/naval e afins, bem como fotografia.
Tendo em conta a escassez de dados a nível nacional, seria relevante obter estudos que explorassem este fenómeno, nomeadamente, quais os níveis de exposição a fatores de risco, potencialmente cancerígenos, quais as profissões mais relevantes, que medidas de proteção coletivas e individuais foram equacionadas, bem como a sua efetividade ou, até mesmo, a taxa de retorno laboral e suas eventuais limitações.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Cancro Pancreático | -título e/ ou assunto | 4 | 1 | sim | ||||
Cancro do Pâncreas | 6 | 2 | sim | ||||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Pancreatic Cancer | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
10,644 | 3 | não | - | - | - | |
+occupational | 41 | 4 | sim | 1 2 6 13 19 34 38 |
CP1 CP2 CP3 CP4 CP5 CP6 CP7 |
1 3 2 4 - 5 6 |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
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1 | Revisão | EUA | Foi objetivo deste trabalho rever estudos epidemiológicos relativos aos riscos de cancro pancreático associado aos fumos emitidos por veículos a diesel. Dos 26 documentos selecionados, os autores concluíram que essa associação não se verificou. |
2 | Original | Os autores pretenderam salientar os riscos ocupacionais para o cancro da próstata e pâncreas, através de uma junção de diversas coortes canadianas, totalizando quase dois milhões de indivíduos, com mais de 30.000 casos. | |
3 | Revisão | Este trabalho pretendeu averiguar com mais rigor as eventuais associações laborais do cancro pancreático, com destaque para os compostos de hidrocarbonetos clorinados, pesticidas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, metais e nitrosaminas, bem como radiação e sedentarismo de algumas tarefas. O risco foi superior para a exposição aos hidrocarbonetos clorinados e aromáticos policíclicos. | |
4 | Original | Trata-se de um estudo de caso-controlo que pretendeu avaliar se o cádmio se associa a esta patologia; considerando várias fontes possíveis (alimentação, cigarros e trabalho). Os autores concluíram que este agente químico potencia o risco estudado. | |
5 | Canadá | Esta investigação pretendeu aprofundar os conhecimentos relativos ao risco oncológico global em agricultores, através de dados nacionais. O cancro pancreático demonstrou-se apenas aumentado em profissionais do sexo feminino (com odds ratio de 1.36). | |
6 | EUA | Uma vez que existem várias publicações relativas ao risco oncológico entre agricultores, pretendeu-se nesta avaliação verificar se tal ocorria também a nível das esposas dos agricultores que lidavam com inseticidas organoclorados. Contudo, como a taxa de diagnósticos oncológicos nos cônjuges foi relativamente baixa (inferior a 8%), no período analisado, as conclusões ficam enfraquecidas, ainda que se tenha verificado um aumento de risco de cancro pancreático. |