INTRODUÇÃO
A infeção pelo vírus Influenza constitui um problema de saúde pública, causadora de doença grave e morte, sobretudo nas populações de risco elevado (1). O vírus transmite-se pelo contacto com gotículas provenientes das vias respiratórias de um indivíduo infetado com a mucosa de um indivíduo suscetível. A vacina contra Influenza é a forma mais eficaz de proteção e é recomendada com o intuito de reduzir a morbimortalidade relacionada com a doença, particularmente em pessoas vulneráveis (2). Segundo a Direção Geral da Saúde (DGS), a vacinação contra a gripe difere no seu nível de recomendação, a grupos populacionais distintos, tendo em conta a risco de desenvolver doença grave ou o risco de exposição ao vírus. Os grupos prioritários onde a vacinação é fortemente recomendada incluem pessoas com idade igual ou superior a 65 anos; doentes crónicos e imunodeprimidos, grávidas e profissionais de saúde/prestadores de cuidados (3). Os profissionais de saúde são considerados grupo de risco por apresentarem dupla exposição (na comunidade e no local de trabalho) mas também por poderem comportar-se como amplificadores de infeções (1)(2). A vacinação contra Influenza, tem se mostrado eficaz na proteção dos doentes e dos profissionais de saúde, das infeções nosocomiais e na redução do absentismo (2)(4)(5). Constituem contraindicações à vacinação a história de hipersensibilidade à substância ativa ou a qualquer um dos excipientes e a história de reação anafilática a uma dose anterior da vacina. No entanto, a decisão de vacinar deve ser avaliada caso a caso. Em termos de reações adversas, a intensidade destas reações é geralmente ligeira e em todos os grupos etários, a reação adversa mais frequentemente notificada foi dor no local da vacinação (3).
As Pitiríases Liquenoides (PL) representam um grupo de doenças inflamatórias da pele com um espectro clínico variável (6). Atualmente, são reconhecidos três subtipos do espectro da doença: Pitiríase Liquenoide e Varioliformes Aguda (PLEVA), Pitiríase Liquenoide Crónica (PLC) e doença ulcero-necrótica Mucha-Habermann (6)(7)(8). Sabe-se que as PL afetam crianças e adultos com um pico de incidência na terceira década de vida (6) e os homens são três vezes mais atingidos (9)(10)(11). Na maioria dos casos, a etiologia permanece desconhecida (6). No entanto, são aceites três teorias para a sua patogénese: a primeira hipótese admite uma reação inflamatória em resposta a agentes extrínsecos entre os quais: infeciosos (HIV, Citomegalovírus, Vírus Epstein-Barr, Parvovírus B19, Toxoplasma gondii, Mycoplasma e Estafilococos); fármacos (como quimioterapia) e vacinas (VASPR - anti-sarampo, anti-parotidite e anti-rubéola). As restantes hipóteses descritas apontam uma origem linfoproliferativa e ainda a teoria de uma vasculite mediada por imunocomplexos (8). As PL apresentam-se como máculas e pápulas eritematosas pruriginosas que podem evoluir para lesões hemorrágicas, pustulosas ou necróticas com atingimento do tronco e zonas de flexão dos membros, no entanto, estas lesões também podem ocorrer de forma generalizada. A biópsia cutânea permanece o exame de diagnóstico standard. O tratamento com corticoterapia tópica e sistémica é habitualmente utilizado como primeira linha de tratamento (7)(8)(9). A evolução da doença é imprevisível (9).
São raros os casos descritos na literatura científica de PL em associação com a vacinação, constituindo este trabalho uma oportunidade de reportar esta identidade, contribuindo paralelamente para o registo e clarificação de um dos possíveis efeitos adversos da vacinação contra Influenza.
DESCRIÇÃO DO CASO
Descreve-se o caso de um homem, 59 anos, profissional de saúde, que recorre à consulta de Medicina do Trabalho pelo aparecimento de pápulas eritematosas no tronco, abdómen e membros superiores associado a prurido com cerca de três dias de evolução. Relativamente a antecedentes pessoais, era conhecido o diagnóstico de Diabetes Mellitus II medicado com metformina e insulina, Hipertensão Arterial com lercanidipina e Dislipidemia com sinvastatina. Sem história de patologia cutânea prévia. Negava alterações recentes de fármacos, fármacos de novo, ou toma esporádica de qualquer fármaco não prescrito. No entanto, tinha realizado vacinação contra vírus Influenza (Influvac Tetra(), no âmbito do programa de vacinação sazonal contra a gripe no Serviço de Saúde Ocupacional, cerca de dois a três dias antes de iniciar o quadro de lesões pruriginosas na face anterior dos antebraços, com posterior extensão com carácter aditivo ao tronco e raiz das coxas. À observação, verificava-se dermatose monomorfa grosseiramente simétrica caracterizada por pápulas eritemato-violáceas, pruriginosas. O profissional foi referenciado à consulta de Dermatologia onde foi realizada biópsia cutânea. O exame histológico revelou epiderme com degenerescência hidrópica da basal, espongiose pitiríasiforme, exocitose de linfócitos, presença de queratinócitos apoptóticos isolados, camada córnea com paraqueratose e agregados de neutrófilos, compatível com PL. A associação com a vacina da gripe foi estabelecida, tendo em conta os dados clínicos e histopatológicos. O profissional foi medicado com corticoterapia tópica tendo apresentado boa resposta ao tratamento com resolução completa do quadro.
No ano seguinte, colocou-se a questão da vacinação sazonal contra Influenza neste profissional. A Medicina do trabalho, em articulação com a Dermatologia, foram da opinião que neste caso, prevalecia o benefício da vacinação. O profissional cumpriu a recomendação e não foram registadas reações de novo. A notificação de suspeita de reações adversas após a autorização do medicamento é importante, uma vez que permite uma monitorização contínua da relação benefício-risco do medicamento. Nesse sentido, foi realizada a notificação da reação adversa observada diretamente à Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, Instituto Público (INFARMED, I.P.).
DISCUSSÃO
Segundo o perfil de segurança do medicamento administrado, a maioria das reações ocorre, normalmente, nos primeiros três dias após a vacinação, o que é compatível com o caso descrito. Os distúrbios da pele e tecidos subcutâneo são descritos como reações da pele generalizadas, incluindo prurido, urticária e erupções cutâneas não-específicas que ocorrem com uma frequência desconhecida.
No caso relatado, a pesquisa de agentes infeciosos foi negativa e através da biópsia foi possível confirmar a suspeita clínica. O primeiro caso reportado como possível associação de PL com a vacinação foi descrito em 1992 por Torinuki, que documentou um caso de Mucha-Habermann induzido pela vacina contra o Sarampo (12). Na literatura, o tipo de vacina mais frequentemente associada é a VASPR sendo que apenas foi encontrado um caso descrito (7) relativamente à vacina contra Influenza. Neste relato, existe a particularidade de se tratar de um profissional de saúde, e por isso com maior risco de exposição ao vírus decorrente da sua atividade profissional. Paralelamente, acrescenta-se o facto de se tratar de um doente crónico (diabético) e com maior risco de doença grave/complicações. Tendo isto em consideração, foi ponderado o risco-benefício entre a vacinação e a probabilidade de novo episódio de PL, concluindo-se que os benefícios superavam os riscos.
Os profissionais de saúde e a própria população em geral tendem a subvalorizar os efeitos da gripe (5)(6). Provavelmente por se tratar de uma doença frequente e na maioria das vezes com uma evolução benigna, a sua importância não é suficientemente reconhecida. Um artigo recente (13), conclui que mais de metade dos profissionais de saúde incluídos no estudo considerou ter um risco muito baixo/baixo/médio de contrair gripe sazonal. Os profissionais de saúde são um dos grupos prioritários para a vacinação com o objetivo de protegerem não só a sua saúde, mas também de minimizarem a transmissão do vírus aos doentes a quem prestam cuidados. No entanto, apesar da gratuidade e da fácil acessibilidade à vacina, das campanhas nacionais de vacinação e do empenho dos Serviços de Saúde Ocupacional, as taxas de cobertura vacinal em profissionais de saúde continuam a ser baixas. Os motivos referidos pelos profissionais para não se vacinarem incluem a ausência de história pessoal de gripe, a irrelevância clínica da gripe, mas o principal motivo apontado é o medo de reações adversas (incluindo reações adversas graves) (1)(5). Neste sentido, é fundamental esclarecer os efeitos adversos decorrentes da vacinação, reforçando que as vacinas apresentam um elevado grau de segurança, qualidade e eficácia. No mesmo sentido, é necessário clarificar que nenhuma vacina está desprovida de efeitos adversos, sendo estes na sua grande maioria ligeiros e autolimitados e, que os efeitos graves provocados pela vacinação, são raros e muito menos frequentes do que os resultantes da doença.
CONCLUSÕES
Apesar de rara, enfatizamos a necessidade de um correto reconhecimento, diagnóstico e abordagem desta patologia. Acrescenta-se que a adesão à vacinação Influenza está fortemente ligada ao receio de efeitos adversos, pelo que se torna fundamental capacitar os profissionais envolvidos na vacinação contra Influenza para um correto aconselhamento e acompanhamento no processo de vacinação. É assim evidenciada a importância do apoio dos serviços competentes, como os Serviços de Saúde Ocupacional, os quais poderão exercer uma influência positiva contribuindo para a literacia em saúde, nomeadamente sobre desmistificação dos efeitos adversos provocados pela vacinação.