INTRODUÇÃO
A não comparência às consultas médicas é um problema amplamente reconhecido nos sistemas de saúde. A taxa de faltas às consultas varia consideravelmente entre países e instituições de saúde, abrangendo de 5% a 30% e em até 60% em algumas clínicas de saúde mental (1) (2) (3) (4). Em Inglaterra, as estimativas recentes indicam que mais de 15 milhões de consultas são perdidas anualmente (5). Existem identificados diversos fatores associados à ausência nas consultas médicas, tais como a idade, tempo de espera, estado civil, o histórico de faltas anteriores, situação económica e distância ao hospital (6) (7). Outros estudos realizados incluíram problemas com o transporte, compromissos de trabalho, incapacidade física e esquecimento da consulta (8) (9) (10) (11).
As avaliações médicas realizadas no âmbito da Saúde Ocupacional, apresentam particularidades distintas das outras especialidades. Em primeiro, os exames de saúde do trabalho são obrigatórios, devendo a entidade empregadora cumprir a legislação em vigor (Lei nº 102/2009 de 10 de setembro e respetivas atualizações). Além disso, no artigo 17º desta lei, referente às obrigações do trabalhador (no ponto 1, alínea d) encontra-se descrito que o mesmo deve “cooperar ativamente na empresa, no estabelecimento ou no serviço para a melhoria do sistema de segurança e de saúde no trabalho, tomando conhecimento da informação prestada pelo empregador e comparecendo às consultas e aos exames determinados;". Por outro lado, é comum que os serviços de Saúde Ocupacional (SSO) estejam localizados nas mesmas instalações dos trabalhadores ou próximos destas. Nos casos de maior distância entre o local de trabalho e o SSO, algumas empresas disponibilizam meios de transporte para facilitar as deslocações e noutros casos entidades/empresas de SSO realizam os exames em unidades móveis. No entanto, apesar desses esforços, parece existir um número considerável de faltas aos exames, gerando gastos económicos significativos.
Perante este cenário, e dada a ausência de estudos relativos a este tema no âmbito da Saúde Ocupacional, é imperativo compreender as razões subjacentes a essas faltas, de modo a poder implementar medidas que assegurem uma vigilância regular da saúde dos trabalhadores.
METODOLOGIA
Para a realização deste estudo foram analisados os registos das faltas aos exames de saúde (abrangendo admissões, periódicos e ocasionais) ocorridos nos seis meses anteriores, isto é, entre 1 janeiro de 2023 e 30 de junho de 2023, através do sistema informático do hospital. Importa esclarecer que o “n” indica o número de faltas, e não o número de trabalhadores, considerando que alguns faltaram por duas ocasiões.
Os trabalhadores do hospital foram contactados em julho de 2023, onde foi realizado um inquérito por via telefónica, constituído por três questões de escolha múltipla, relacionados com o tema em estudo (Anexo 1 - quadro 1). Foram excluídos os que saíram da instituição recentemente, os que não deram resposta após repetidas tentativas de contato, os que tinham contactos telefónicos inválidos, bem como os que não se recordavam dos motivos de ausência ao(s) exame(s) de saúde (Anexo 2 - fluxograma 1). A primeira pergunta do questionário dizia respeito ao motivo de ausência ao exame de saúde do trabalho, enquanto a segunda era relativa ao pedido de remarcação e, em caso de resposta negativa, qual o motivo da não remarcação. A última pergunta refere-se à opinião do trabalhador relativamente à pertinência de mais formação e informação no âmbito da Saúde Ocupacional. É importante realçar que na primeira questão as respostas assinaladas foram: desconhecimento da convocatória, não necessitar de avaliação médica de momento, considerar que a Saúde Ocupacional não soluciona os seus problemas. Os que não responderam à segunda questão, avançaram para a terceira.
Questionário | n (%) | |
---|---|---|
Qual o motivo de ausência ao exame de saúde? | ||
- Não recebi a carta ou não consultei o e-mail da convocatória. | 42 (19,8) | |
- Esquecimento do dia do exame. | 27 (12,7) | |
- Ausência por doença aguda, férias ou folga. | 43 (20,3) | |
- Surgimento de imprevisto de última hora. | 7 (3,3) | |
- Indisponibilidade em ausentar-se do serviço. | 35 (16,5) | |
- Não necessitar de avaliação médica de momento. | 11 (5,2) | |
- A Saúde Ocupacional não soluciona os problemas do trabalhador. | 5 (2,4) | |
- Ausência prolongada por doença, gravidez e licença de parentalidade. | 38 (17,9) | |
- Outros motivos. | 4 (1,9) | |
O exame de saúde foi remarcado? | ||
- Sim. | 57 (26,9) | |
- Não. | 155 (73,1) | |
Qual foi o motivo? | ||
- Desconhecimento acerca dessa possibilidade. | 9 (8,7) | |
- Indisponibilidade para a remarcação. | 28 (26,9) | |
- Não considerei importante remarcar de momento. | 13 (12,5) | |
- Por não saber da convocatória. | 25 (24,0) | |
- Esquecimento. | 29 (27,9) | |
Seria pertinente ser dada mais formação e informação relativamente ao objetivo dos exames de saúde do trabalho, bem como os restantes meios de atuação da Saúde Ocupacional? | ||
- Sim, porque tenho pouco conhecimento desta área. | 127 (59,9) | |
- Não, a formação e informação dada têm sido suficientes. | 85 (40,1) |
Para o tratamento dos dados, foram utilizados os programas Microsoft Excel e SPSS Statistics.
RESULTADOS
Neste estudo foram identificadas 278 faltas no período supracitado, de um total de 1589 exames de saúde do trabalho agendados, correspondendo a uma taxa de faltas de 17,5%. As 278 faltas representavam um total de 271 trabalhadores. Do registo efetuado apenas foram obtidas 212 respostas. O grupo excluído do estudo constitui 23,7% dos casos (Anexo 2 - fluxograma 1).
Das 278 faltas registadas, ocorreram 9 ausências aos exames ocasionais (de um total de 236 exames ocasionais marcados), 22 faltas às admissões (de um total de 140 admissões marcadas) e 247 aos exames periódicos (de um total de 1223 periódicos marcados), correspondendo a 4,0%,15,7% e 20,2%, respetivamente.
19,3% das respostas obtidas corresponderam a assistentes operacionais, 9,0% de assistentes técnicos, 39,6% de enfermeiros, 27,8% de médicos, 0,9% de técnicos superiores, 2,4% de técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e 0,9% de técnicos superiores de saúde. Os principais motivos de ausência aos exames de saúde foram principalmente devido a doença aguda, bem como férias ou folga, totalizando 20,3% das ocorrências (n=43); falta de conhecimento da convocatória ou não ter ocorrido atempadamente, representando 19,8% das respostas (n=42); ausência prolongada por doença crónica, gravidez e licença de parentalidade, compreendendo 17,9% (n=38); impossibilidade de ausência do serviço em 16,5% dos casos (n=35) e esquecimento em cerca de 12,7% (n=27).
Com resposta à alínea “Outros motivos” estão abrangidos as mais recentes rescisões de contrato, as ausências por período de estágio fora da instituição, assim como a ausência de resultado de exames complementares de diagnóstico.
Para o estudo de variáveis categóricas, nomeadamente entre as respostas obtidas na primeira pergunta e a categoria profissional, foi aplicado o teste do Qui-Quadrado que permitiu determinar um valor p<0,05. Contudo, dado o tamanho amostral reduzido, estatisticamente apenas pode ser assumida uma forte tendência na categoria profissional dos médicos cujo principal motivo de ausência ao exame de saúde foi a ausência de conhecimento da convocatória. Para a segunda questão do inquérito, relativa ao pedido de remarcação, apenas 26,9% dos trabalhadores remarcaram o exame de saúde. Para o estudo de variáveis categóricas, nomeadamente entre as respostas obtidas na segunda pergunta e a categoria profissional, foi aplicado o teste do Qui-Quadrado que permitiu determinar um valor p<0,05. Contudo, dado o tamanho amostral reduzido, estatisticamente apenas pode ser assumida uma forte tendência da remarcação na categoria profissional da enfermagem.
Na última questão, cerca de 59,9% da população trabalhadora considera saber pouco acerca do objetivo e importância dos exames de saúde, bem como as áreas de intervenção da Saúde Ocupacional, mostrando uma janela de oportunidade para a formação nesta área.
DISCUSSÃO
Neste estudo constatou-se uma significativa taxa de faltas aos exames de saúde, o que pode resultar em consideráveis perdas económicas. No que diz respeito à proporção de ausências durante o primeiro semestre do ano, o valor situa-se dentro do intervalo de variação do número de faltas em consultas médicas hospitalares, conforme indicado na literatura. Contudo, seria expectável que a proporção de ausências aos exames de saúde do trabalho fosse mais reduzida, considerando o seu caráter obrigatório, o facto de ser possibilitada a ida aos exames de saúde em período laboral e ser facilitada a deslocação para os mesmos. O reduzido número de ausências nos exames de admissão, em comparação com os demais exames de saúde do trabalho, poderá ser atribuída à maior disponibilidade de tempo por parte dos trabalhadores que ainda não iniciaram as suas funções. Além disso, os mesmos são também notificados pelos recursos humanos para a comparência ao SSO. O reduzido número de faltas aos exames ocasionais poderá ser resultado da natureza destes exames, frequentemente associados a problemas de saúde dos trabalhadores, podendo potencialmente refletir um ênfase na medicina curativa em detrimento da medicina preventiva.
No que se refere aos motivos subjacentes às ausências observou-se uma considerável percentagem de casos em que os profissionais referiram não terem tido conhecimento da convocatória ou não terem sido informados atempadamente. Geralmente, nesta instituição, a convocatória é realizada através do envio de uma carta para o respetivo serviço e via e-mail, para o contacto institucional do trabalhador, algumas semanas antes do dia da marcação. Posteriormente, uns dias antes do exame de saúde, no momento em que a consulta é inserida no software da instituição pelas assistentes administrativas do SSO, é automaticamente enviada uma mensagem texto (SMS) para o telemóvel pessoal dos funcionários com a data e o horário do exame de saúde do trabalho, servindo como uma forma de lembrete. É notório que, durante o inquérito telefónico realizado, muitos trabalhadores cujo motivo da não comparência ao exame foi o desconhecimento da convocatória referiram o uso pouco regular do e-mail institucional, não terem recebido a carta da convocatória, nem a mensagem texto (SMS).
Outra questão que carece de atenção imediata são as ausências prolongadas dos trabalhadores por motivos de doença crónica, gravidez ou licença de parentalidade. Estas ausências, habitualmente comunicadas aos setores de recursos humanos das instituições, enfatizam a importância de uma comunicação eficaz com o SSO para minimização das faltas por tais razões.
O número mais elevado de ausências entre os médicos, pode ser justificado pelo maior acesso a cuidados de saúde. Isso é agravado pela falta de conhecimento da obrigatoriedade e do propósito dos exames de saúde do trabalho. No cenário atual, a falta de conhecimento nesta área é transversal a todas as categorias profissionais, persistindo a necessidade de maior investimento na informação e formação dos trabalhadores na área da SSO. As respostas “Não necessito de avaliação médica de momento” e “Saúde Ocupacional não soluciona os problemas” revelam uma lacuna de confiança e informação na Saúde Ocupacional. A confirmação deste facto também é evidenciada na elevada percentagem de população que referiu sentir necessidade de mais formação nessa área (59,9%).
Além disso, é pertinente destacar a problemática das longas listas de espera de pedidos de consulta de especialidade. Embora seja um problema relacionado com o atual sistema de saúde do país, essa situação de alguma forma afeta a confiança dos trabalhadores nos serviços de Saúde Ocupacional dos hospitais públicos. No contexto dos exames de saúde, os profissionais frequentemente apresentam queixas relacionadas com o sistema músculo-esquelético, respiratório, oftalmológico e dermatológico. Muitas vezes o encaminhamento para consultas de outras especialidades (como Ortopedia, Medicina Física e de Reabilitação, Neurocirurgia, Pneumologia, Oftalmologia, Dermatologia) é necessário, mas a demora na resposta às consultas gera descontentamento. Contudo, ainda assim, esta situação é apenas possível na Saúde Ocupacional hospitalar, obviamente, que corresponde a uma ínfima parte do exames de Medicina do Trabalho efetuados no país, não tendo os profissionais que exercem fora do hospital qualquer capacidade de referenciação, nem pondendo estes trabalhadores usufruir de tal.
Limitações do estudo
Neste estudo, é pertinente salientar um possível viés no registo dos casos em que os trabalhadores contactaram o SSO nos três dias anteriores à data de consulta, a fim de solicitar a alteração das marcações. Tal facto poderia influenciar a taxa de ausências a um nível superior ao registado. Adicionalmente, é válido mencionar que o registo das faltas é efetuado no sistema informático pelo médico ou pelo assistente administrativo do serviço, porém não se pode garantir com absoluta segurança a inexistência de casos isolados em que tenha ocorrido esquecimento do registo da falta ou qualquer outro tipo de erro. Mesmo diante destas considerações, qualquer eventual ocorrência, certamente representaria uma proporção negligenciável. De realçar também o viés de memória por parte dos trabalhadores, principalmente no grupo da primeira metade do semestre. Efetivamente, não é possível excluir com segurança eventuais erros ou confundimento nas respostas. Outra situação particular é a possibilidade de uma tendência de resposta enviesada no inquérito, com a supressão do verdadeiro motivo de ausência aos exames de saúde do trabalho. Esse comportamento pode ser motivado pelo receio das possíveis reações associadas à verdadeira razão. Por fim, enfatizamos a restrição imposta pelo reduzido tamanho da amostra, o qual, do ponto de vista metodológico, possivelmente impactou a significância estatística. Inicialmente, o objetivo do estudo englobava as ausências ocorridas nos últimos doze meses de exames de saúde. No entanto, na condução do inquérito telefónico, verificou-se que diversos trabalhadores não se recordavam dos motivos de ausência. Como medida de mitigação de quaisquer tendências distorcidas nas respostas, optou-se pela redução do período temporal para os seis meses.
CONCLUSÃO
Este estudo proporcionou um conhecimento acerca dos motivos subjacentes às ausências aos exames de saúde do trabalho, abrindo uma oportunidade para a implementação de intervenções direcionadas à minimização deste problema organizacional. A significativa percentagem de faltas devido ao desconhecimento da convocatória sugere a necessidade de uma reflexão para aprimorar o sistema de agendamento de exames de saúde do trabalho, particularmente através da emissão das convocatórias para o endereço de e-mail pessoal dos trabalhadores, bem como a atualização dos contactos telefónicos pessoais destes, de forma a garantir o envio correto da mensagem texto (SMS). Além disso, a falta de formação e informação dos trabalhadores continua a ser um dos principais motivos para a falta de compreensão dos objetivos dos exames de saúde do trabalho, tornando-se imperativo investir continuamente em sessões de formação a todos os trabalhadores, dos diferentes serviços hospitalares, a fim de esclarecer as suas dúvidas e sensibilizar para a importância da vigilância de saúde regular e, assim, minimizar a taxa de ausências