INTRODUÇÃO
A principal doença profissional do foro respiratório neste contexto é a asma ocupacional (AO).
É uma doença inflamatória crónica das vias respiratórias e um dos tipos de asma ocupacional mais comum, afetando cerca de 4 a 25% dos trabalhadores da área da panificação, sendo induzida pela inalação de alergénios presentes no pó de farinha e no ambiente de trabalho. Estima-se que a incidência mundial de AO seja de cerca de 1 a 2.4 casos por cada 1000 trabalhadores; na Europa, esse valor estima-se ser de 5 a 10% casos de AO (ainda que na Finlândia, por exemplo, se mencionem valores na ordem dos 17 a 29%, ou nos EUA se registem 10 a 23%). No entanto, prevalências/incidências superiores podem depender da maior capacidade de diagnóstico de alguns países (1) (2).
A AO ligada ao setor da panificação, também denominada asma do padeiro, tem como principais agentes desencadeantes os materiais utilizados no fabrico dos artigos de padaria/pastelaria, mas também com as condições presentes nos locais de armazenamento, sendo potencialmente evitável, por meio de diagnóstico precoce e intervenções de cessação da exposição (2).
Esta revisão da literatura objetiva agregar informação acerca da presença de alergénios presentes no setor da panificação passíveis de desencadear asma ocupacional, bem como as possíveis intervenções que os serviços de saúde ocupacional podem desenvolver para minimizar os riscos profissionais associados a esta.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão da literatura, onde foram incluídos estudos rastreados nas bases de dados online SciELO.Org, RCAAP, CINAHL, MEDLINE e MedicLatina, com pesquisa realizada entre janeiro e março de 2022, que respondesse à seguinte questão protocolar: “Quais os alergénios suscetíveis de desencadear asma ocupacional na área da panificação e quais os comportamentos preventivos a adotar?”. Esta questão de pesquisa foi definida com base na mnemónica PICo, e em função desta foram considerados:
P (Population): trabalhadores da panificação (com destaque para os padeiros).
I (Interest): substâncias que podem conduzir à asma ocupacional.
Co (Context): empresas na área da panificação.
Deste modo, a pesquisa incluiu como palavras-chave os termos “baker”, “occupational asthma” e “allergens”. Seguidamente, foram utilizadas combinações de descritores através do operador boleano AND, resultando a seguinte expressão de pesquisa: (occupational asthma AND alllergens AND baker). Como critérios de inclusão foram considerados os artigos disponíveis em texto integral publicados nos últimos cinco anos, em inglês, português e/ou espanhol.
Após processo de seleção e elegibilidade de artigos, foram obtidos no final sete artigos para análise, cujo resumo da metodologia aplicada se encontra na Figura 1. No quadro 1, apresentam-se resumidos os principais resultados de cada estudo analisado.
Artigo | Tipo de estudo | Resultados |
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1 SERGE ADE et al. 2020 |
Estudo Observacional: Descritivo, transversal (quantitativo e qualitativo) |
Predomínio de trabalhadores do sexo masculino. As manifestações clínicas de AO eram comuns entre os padeiros e estavam associadas à rinoconjuntivite alérgica. A falta de medidas preventivas quer individuais, quer coletivas, bem como alguns comportamentos dos padeiros, foram responsáveis pela suspensão de farinha e poeira no local de trabalho, tais como: - o esvaziamento dos sacos de farinha não foi feito cuidadosamente; - a água não foi colocada na batedeira antes da farinha; - bater o saco ou agitá-lo no fim do seu esvaziamento; - ligar a batedeira antes da farinha estar completamente submersa na água; - a limpeza não foi efetuada em ambiente húmido. Falta de reconhecimento dos sintomas de asma por alguns padeiros pode subestimar a correta prevalência de AO. A educação para a saúde laboral e o acompanhamento destes trabalhadores é essencial para a mudança de comportamentos, que poderia reduzir efetivamente a poeira no local de trabalho. |
2 AL BADRI, F. M., BAATJIES, R., & JEEBHAY, M. F. 2020 |
Estudo experimental |
As intervenções no local de trabalho destinadas a reduzir a exposição aos alergénios da poeira da farinha podem contribuir para a supressão da inflamação das vias aéreas em trabalhadores expostos. A exposição persistente de baixo grau a alergénios transportados pelo ar pode resultar num novo início ou agravamento da asma, bem como sintomas oculares e nasais. No ambiente ocupacional, existe uma forte relação entre asma ocupacional e rinite ocupacional, particularmente nos trabalhadores expostos ao pó de farinha de cereais. |
3 ANDREA MARTINELLI et al. 2020 |
Estudo Observacional: Descritivo, transversal | • A exposição ao pó de farinha está relacionada com o aparecimento de alergopatias como asma intermitente ou persistente, conjuntivite, rinite e dermatite de contacto. • A asma do padeiro é um dos tipos mais comuns de asma de origem profissional ligada à exposição direta e repetitiva ao pó da farinha e aos alergénios nela contidos. Nas padarias artesanais, o método de despejo da farinha na cuba misturadora/batedeira é principalmente manual, enquanto nas padarias industriais é através de um duto dos silos. Foram detetados níveis elevados de pó de farinha no decorrer desta atividade. O uso de uma tubulação com manga reduziu significativamente tanto a exposição pessoal como a poluição por poeira, em cerca de 3 a 4 vezes, comparativamente com o uso da tubulação sem manga ou o método manual. Segundo o autor, estes ajustes são simples e de baixo custo, e podem reduzir significativamente os níveis de exposição dos trabalhadores. A instalação de uma tampa na cuba da misturadora e um sistema de ventilação de exaustão no local são medidas também favoráveis de prevenção neste setor de produção, no entanto, mais dispendiosas. Apesar destas medidas serem muito eficazes, há uma certa resistência na sua adoção devido à impossibilidade de quem amassa verificar a qualidade da própria massa visualmente, e também pelo toque. O uso de uma tela transparente ou telas parcialmente perfuradas parece uma solução. Atualmente, as tampas das cubas misturadoras são opacas e por isso não permitem a visualização da massa, sendo um motivo pelo qual poucas padarias as instalam. • Relativamente aos níveis de exposição ao pó de farinha: -os mais baixos foram detetados nas pizzarias. -nas padarias são significativamente maiores do que noutras instalações, ficando mesmo acima dos limites de exposição ocupacional, principalmente nas tarefas/secção de fabrico e moldagem da massa, com a área de embalamento. -os níveis de exposição ocupacional também foram excedidos nos moinhos de farinha e confeitarias. -foram mais elevados nas padarias artesanais do que nas industriais. A diminuição dos níveis de exposição pode ser obtida modificando o comportamento dos trabalhadores e as práticas de trabalho, tais como: - esvaziar os sacos de farinha sem os agitar; - despejar a farinha na água, e não vice-versa; - limpar o local de trabalho com aspirador de pó, em vez de vassouras de cerdas; - reduzir a velocidade de ação da batedeira, principalmente nos primeiros cinco minutos, quando a farinha e a água ainda não estão suficientemente incorporadas, devendo ser mantida baixa velocidade, mesmo após a adição da farinha. |
4 MaRIO OLIVIeRi et al. 2021 |
Estudo Observacional: Descritivo, transversal | O óxido nítrico exalado fracionado (FeNO) é um marcador inflamatório tipo 2. A produção de óxido nítrico no epitélio respiratório, representa uma resposta inflamatória em casos, p. ex., de exposição a alergénios. Encontra-se aumentada no caso de algumas doenças pulmonares inflamatórias, como a asma. Os sintomas das vias respiratórias baixas, rinite e asma relacionadas com o trabalho são muito comuns em padeiros, devido à exposição à farinha de trigo e sementes/grãos. Alergénios da panificação testados incluem levedura, subprodutos das farinhas de trigo, centeio, cevada, aveia e de soja, bem como a α-amilase. Padeiros sensibilizados a alergénios ocupacionais apresentavam níveis aumentados de FeNO, nos casos de trabalhadores com rinite ocupacional, e ainda mais elevados nos casos com asma ocupacional. |
5 LUKASZ LAZLO et al. 2020 |
Estudo Observacional: transversal e correlacional | Foram identificadas mais de 300 substâncias responsáveis pela asma ocupacional. A incidência de doenças ocupacionais e alergias depende do tipo de exposição e entre os padeiros pode atingir os 50%. Durante a cozedura do pão, formam-se numerosas partículas de pó que, juntamente com os microrganismos contidos no ar, formam bioaerossóis. A exposição ao pó da farinha e contaminantes microbianos pode causar asma, reações alérgicas e imunotoxicidade. O pó de farinha contém α-amilase, que são enzimas fúngicas produzidas por Aspergillus oryzae, substâncias altamente alergénicas com alto peso molecular que podem ser monitorizadas quando as concentrações de poeira no ambiente de trabalho são elevadas. A farinha utilizada era 80-90% de trigo claro, e 10% de centeio escuro. Nas pequenas padarias tradicionais, muitas de ramo familiar, não é realizada a monitorização regular do ambiente de trabalho, pelos custos, pelo que se deve apostar mais na educação para a saúde neste sentido. A identificação de perigos fúngicos em padarias permite manter ótimas condições sanitárias, garantindo a alta qualidade e segurança do produto, bem como a saúde dos trabalhadores. |
6 GUIMARÃES, J. 2018 |
Estudo Secundário: Artigo de Revisão Integrativa | Foram identificadas as seguintes substâncias utilizadas na panificação que levam a asma ocupacional: - As farinhas são as principais fontes alergénicas, designadamente as de trigo, centeio, cevada, milho, aveia e arroz. - As farinhas de leguminosas (soja e tremoço) são também fontes alergénicas na indústria da panificação. - Outras fontes alergénicas importantes são os aditivos utilizados na panificação (α-amilase, celulase, protease, xilanase e glucoamilase). - bem como o ovo, leite, trigo sarraceno, sementes de sésamo e frutos secos e - Infestantes das farinhas (ácaros, fungos e insetos). |
7 CARLA VIEGAS et al. 2020 |
Estudo Observacional: Descritivo, transversal | As concentrações relatadas sugerem que os trabalhadores da padaria correm um risco aumentado de desenvolver sensibilização induzida por farinha, rinite e asma como resultado da exposição ao pó de farinha. O pó de farinha é o nutriente perfeito para o crescimento de fungos e bactérias, microbianos que podem levar a um maior risco de desenvolver asma ocupacional. |
CONTEÚDO
A asma manifesta-se através de sintomas, tais como sibilância, toracalgia, tosse, dispneia e astenia. A sibilância costuma ser preditiva à presença de asma ocupacional, contrariamente ao sintoma de tosse (2).
A AO é uma doença inflamatória crónica pulmonar desencadeada ou exacerbada pelo ambiente laboral, sem a existência de diagnóstico prévio de asma, necessitando de um período de latência que pode variar de alguns a meses a anos para que ocorra a sensibilização. Representa cerca de 10% de todos os casos de asma em adultos (3). Estima-se que a incidência mundial seja de cerca de 1 a 2.4 casos por cada 1000 trabalhadores; na Europa, esse valor prevê-se ser de 5 a 10% casos de AO (ainda que na Finlândia, por exemplo, se mencionem valores na ordem dos 17 a 29%, ou nos EUA se registem 10 a 23%). No entanto, prevalências/incidências superiores podem depender da maior capacidade de diagnóstico de alguns países (1) (2).
A AO ligada ao setor da panificação, também denominada asma do padeiro, é um dos tipos mais comuns de asma de origem profissional, associada à exposição ao pó da farinha e aos alergénios contidos na mesma, afetando cerca de 4 a 25% dos trabalhadores desta área (2). A falta de reconhecimento dos sintomas de asma por alguns padeiros pode subestimar a correta prevalência de asma ocupacional (4).
O diagnóstico é obtido através da história clínica do trabalhador, testes imunológicos cutâneos (por prick e por prick-prick), percutâneos (teste Patch), teste de ISAC 103 (in vitro) e/ou testes de provocação específica (anticorpos IgE), testes de função pulmonar, provas ventilatórias (espirometria e/ou monitorização seriada de Peak Expiratory Flow). (5)
São identificados como principais alergénios as proteínas derivadas das farinhas de trigo, centeio, cevada, milho, aveia, arroz, soja (lipoxigenase e inibidor de tripsina) e tremoço, bem como ovo, leite, trigo sarraceno, sementes de sésamo, frutos secos, leveduras presentes no fermento (Saccharomyces cerevisiae) e aditivos como as enzimas fúngicas (α-amilase Aspergiluus oryzae, celulase, glucoamilase de Aspergillus niger, β-xilosidase, protease e xilanase). (2)
A diminuição dos níveis de exposição pode ser obtida modificando o comportamento dos trabalhadores e as práticas de trabalho, tais como: esvaziar os sacos de farinha sem os agitar; despejar a farinha na água e não vice-versa; limpar o local de trabalho com aspirador de pó, em vez de vassouras de cerdas; reduzir a velocidade de ação da batedeira, principalmente nos primeiros cinco minutos, quando a farinha e a água ainda não estão suficientemente incorporadas, devendo ser mantida baixa velocidade, mesmo após a adição da farinha (2). Podem ainda ser utilizados mecanismos de engenharia, como instalação de sistemas de ventilação de exaustão nas zonas de maior concentração de pó da farinha, tubulação com manga, instalação de uma tampa na cuba da misturadora e também o uso adequado dos equipamentos de proteção individual, tais como máscaras respiratórias, luvas, óculos de proteção e vestuário adequado (6).
A educação para a saúde laboral e o acompanhamento destes trabalhadores é essencial para a mudança de comportamentos, que poderia reduzir efetivamente a poeira no local de trabalho (2), passando quer pelo treino de práticas seguras no local de trabalho, quer pela educação sobre a asma relacionada com o trabalho, riscos e o reconhecimento de sintomas. Encontram-se disponíveis ferramentas de auxílio como as guidelines da Global Initiative for Asthma (GINA) e o Guía Española para el Manejo del Asma (GEMA).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Todos os artigos analisados corroboram os resultados acima descritos e ainda acrescentam que os comportamentos adotados pelos trabalhadores da panificação agregada à exposição prolongada e persistente aos alergénios apresentados aumenta drasticamente o risco de desenvolvimento de asma ocupacional, bem como, a falta de reconhecimento dos sintomas de asma por alguns padeiros pode subestimar a correta prevalência de asma ocupacional.
A exposição aos alergénios juntamente com os comportamentos adotados pelos trabalhadores da panificação revela-se como um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de asma ocupacional, sendo a educação para a saúde laboral e o acompanhamento destes trabalhadores essencial para a mudança de comportamentos de risco.
As intervenções no local de trabalho destinadas a reduzir a exposição aos alergénios podem contribuir para reduzir a incidência de asma ocupacional.
Uma vez que a prevenção total não é possível, a melhor abordagem passa pela redução da exposição.
A diferença entre o reconhecimento e a mudança de comportamento em relação à doença, principalmente em termos de ações profiláticas e de condutas a serem seguidas durante uma crise de asma é muito importante; os fatores psicológicos e socioeconómicos possuem grande influência, assim, existe a necessidade de trabalhar individualmente com essas dificuldades para obter os melhores resultados, neste sentido o papel dos serviços de segurança e saúde no trabalho são de elevada importância, na tomada de consciência, na educação e capacitação dos trabalhadores, prevenindo e detetando atempadamente.