INTRODUÇÃO
A escabiose afeta cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo mais prevalente em países em vias de desenvolvimento. Nos últimos anos a sua prevalência nos países desenvolvidos tem vindo a aumentar, sendo os surtos de escabiose comuns em instituições de saúde, com impacto negativo na saúde e economia (1). A ocorrência hospitalar de surtos de escabiose tem vindo a servir de alerta para a importância do diagnóstico precoce e correta abordagem por parte da Saúde Ocupacional.
OBJETIVOS
Rever a bibliografia sobre o diagnóstico e tratamento de escabiose, bem como descrever a abordagem dos serviços de Saúde Ocupacional perante surtos de escabiose.
METODOLOGIA
Revisão do tema na base de dados científica (PubMed), utilizando os termos de pesquisa “scabies”, “diagnosis”, “treatment” e “outbreak” em qualquer local do texto. Foram incluídas apenas revisões publicadas nos últimos cinco anos e disponíveis para leitura integral.
RESULTADOS
A escabiose (vulgarmente conhecida como sarna humana), é uma infestação cutânea parasitária causada pelo ácaro Sarcoptes scabei variedade hominis (S. scabiei). Trata-se de um ácaro microscópico parasita obrigatório, que vive todo o seu ciclo de vida de 10-14 dias na epiderme humana. As fêmeas escavam um túnel no estrato córneo (sulcos acarinos) onde depositam os seus ovos, induzindo uma reação de hipersensibilidade cutânea ao ácaro e seus produtos. A transmissão ocorre geralmente por contacto direto com a pele de infetados, embora a transmissão através de fómites, como roupas, toalhas ou mobiliário também seja possível nas formas crostosas. O nível de infecciosidade depende, em parte, do número de ácaros existentes (2).
As duas principais variantes clínicas da escabiose são a clássica e a crostosa (também designada norueguesa). Os sintomas geralmente aparecem de duas a seis semanas após a infestação. A escabiose clássica é a apresentação mais comum e está associada a uma carga de ácaros relativamente baixa (10 a 15). Apresenta-se normalmente com múltiplas pápulas pequenas e eritematosas, muitas vezes escoriadas, associadas a prurido intenso e generalizado que se agrava caracteristicamente durante o período noturno. A distribuição típica das lesões ocorre no espaço interdigital, face anterior dos punhos, região periumbilical, mamas no sexo feminino (tipicamente nas aréolas), genitália masculina (escroto e pénis) e nádegas. Nas crianças, os locais mais comuns das lesões são o couro cabeludo, face, pescoço, palmas das mãos e solas dos pés. A escabiose crostosa, uma variante mais grave e altamente contagiosa, ocorre geralmente em idosos, indivíduos imunocomprometidos, deficientes e pessoas institucionalizadas, estando associada a uma maior carga de ácaros (até milhões). Apresenta-se como dermatite descamativa generalizada com hiperqueratose, podendo afetar qualquer área da pele, mas o couro cabeludo, mãos e pés são particularmente suscetíveis. Linfadenopatia e eosinofilia podem estar presentes, mas o prurido pode ser inesperadamente leve ( 2).
O diagnóstico de escabiose é confirmado pela visualização microscópica dos ácaros, ovos ou fezes, no entanto, este tipo de exame nem sempre está disponível, pelo que frequentemente é realizado um diagnóstico presuntivo com base numa história clínica e exame físico consistentes (3).
Existem vários tratamentos disponíveis para o tratamento de escabiose, no entanto, nos últimos anos, a permetrina tópica e a ivermectina oral tornaram-se as opções de tratamento mais eficazes (1) (4), encontrando-se descritos no quadro 1. Em Portugal, estes fármacos apenas se encontram disponíveis em farmácias de manipulação. Nas crianças com idade igual ou superior a dois meses, grávidas e lactantes, o tratamento aconselhável é com permetrina tópica. Nas crianças com idade inferior a dois meses, o tratamento recomendado é com enxofre precipitado em vaselina (1). O tratamento dos coabitantes deve ser realizado simultaneamente mesmo que assintomáticos e as roupas devem ser higienizadas adequadamente, tal como explicado no quadro 1, para quebrar a cadeia de transmissão (1).
FÁRMACO | MODO DE ADMINISTRAÇÃO | RECOMENDAÇÕES GERAIS | |
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1ª linha | Permetrina 5% - Creme (Manipulado) | Aplicar da cabeça aos pés - atuar por 8-14h. Repetir após 7-14 dias Escabiose crostosa - 2 em 2 dias, 1 a 2 semanas. |
-Após o 1º tratamento, as roupas pessoais e de cama utilizadas nas últimas 72 horas, devem ser lavadas a temperaturas superiores a 50- 60ºC; - Caso as roupas não possam ser lavadas, deverão ser mantidas em saco de plástico fechado durante pelo menos 72 horas; |
Ivermectina Oral (Manipulado) - cp |
Preferência em caso de surtos: 200 mcg/Kg; Repetir após 7 dias Escabiose crostosa - dependente da gravidade: 3 doses - 1º, 2º e 8º dias; 5 doses - 1º, 2º, 8º, 9º e 15º dias; 7 doses - 1º, 2º, 8º, 9º, 15º, 22º e 29º dias. |
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2ª linha | Benzoato de Benzilo 10- 25% loção (Acarilbial) | Aplicar da cabeça aos pés, atua por 24 horas, 2 dias. Repetir após 7 dias. | |
Enxofre precipitado em Vaselina 6-10% - Creme (Manipulado) | Aplicar da cabeça aos pés, 3 noites consecutivas. | ||
Crotamiton 10% - Creme | Aplicar da cabeça aos pés - 2 noites consecutivas. Repetir após 7-14 dias. |
DISCUSSÃO
A Saúde Ocupacional tem um papel importante no controlo de surtos de escabiose nas instituições de saúde.
Perante diagnóstico de escabiose clínica ou suspeita em profissional de saúde, o serviço de Saúde Ocupacional deve proceder sempre que possível à identificação do doente fonte. No caso de escabiose crostosa, o indivíduo deve ficar em isolamento durante todo o tratamento, até à cura. O serviço bem como as roupas pessoais e de cama devem ser devidamente higienizados. Os profissionais de saúde que prestam cuidados diretos a estes doentes devem usar equipamentos de proteção individual adequados (luvas, avental, touca) e higienizar devidamente as mãos após esses contactos. Deve ser realizado rastreio de contactos com o objetivo de identificar todos os sintomáticos e assintomáticos com contacto próximo e/ou prolongado de um caso (doente e/ou profissional de saúde). Todos os profissionais de saúde envolvidos bem como os seus coabitantes devem ser tratados mesmo que assintomáticos e de forma simultânea. Juntamente com a prescrição do tratamento devem ser dadas recomendações gerais dos cuidados a ter com as roupas, sendo estas fundamentais para quebrar a cadeia de transmissão. Os tratamentos de primeira linha são a Permetrina a 5% tópico e a ivermectina oral. Nos casos de escabiose clássica, os profissionais de saúde podem regressar ao trabalho no dia seguinte ao início do tratamento com Permetrina a 5% tópico ou Ivermectina oral. Se for prescrito loção de benzoato de benzilo (Acarilbial) ou enxofre precipitado em vaselina, o ideal é que haja uma evicção laboral de 2 ou 3 dias respetivamente. O médico do trabalho deve preencher ficha de aptidão com inaptidão temporária pelo período que entender necessário em função de cada caso.
Após regresso ao trabalho, os profissionais de saúde devem ser observados pela saúde ocupacional, de forma a comprovar a melhoria das lesões/adesão à terapêutica. Estes devem ser orientados a usar luvas descartáveis até à resolução total do quadro. Deve ser mantida uma vigilância prolongada até à resolução total do quadro clínico, por forma a garantir a extinção de surtos.
Para além disso, deve ser realizado um trabalho de sensibilização junto dos profissionais de saúde no sentido da identificação e isolamento precoce dos doentes infestados.
CONCLUSÃO
A deteção precoce de doentes e funcionários infestados com o devido isolamento no caso da escabiose crostosa; a higienização adequada e frequente das roupas; o tratamento simultâneo de todos os doentes, profissionais e familiares que possam ter sido expostos e a vigilância contínua dos profissionais afetados até à cura são aspetos fulcrais para o controlo dos surtos.