INTRODUÇÃO
O Plano Nacional de Saúde de 2021-2030 propõe, para o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável, uma nova tipologia de objetivos mais abrangente e inclusiva. Destaca-se a importância atribuída não só às principais causas de morte prematura no país (doenças do aparelho circulatório e tumores malignos), mas também aos problemas de saúde com potencial de aumentar, como é o caso das doenças ocupacionais.
O mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde refere que uma incorreta proteção dos trabalhadores e baixos padrões de saúde ocupacional são determinantes sociais que impulsionam as desigualdades em saúde. Uma das estratégias de intervenção face às necessidades identificadas, é a promoção de saúde no local de trabalho (1).
Nas últimas três décadas, verificou-se uma tendência decrescente dos acidentes de trabalho mortais na União Europeia (2) tendo o mesmo acontecido em Portugal. Estes dados evidenciam os progressos em matéria de Saúde Ocupacional. De acordo com os objetivos de desenvolvimento sustentável, o desempenho de Portugal em 2017 revelou que Portugal, apresentou o pior desempenho relativamente ao consumo de álcool, ao consumo de tabaco, à infeção HIV, ao excesso de peso, à morte prematura, à doença e à incapacidade atribuída aos riscos ocupacionais (1). Inferindo-se assim a relevância do papel da saúde ocupacional no contexto laboral.
Dados estatísticos demonstraram que os custos diretos associados aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais têm um impacto negativo na economia da União Europeia, com cerca de 460 mil milhões de euros investidos em 2019 (2). Estes dados acentuam a necessidade de se investir em saúde e em serviços de saúde ocupacional por forma a garantir menos custos económico/financeiros e maior qualidade de vida por parte dos trabalhadores.
Para além de toda a importância da saúde ocupacional, há que ter em conta que a saúde em contexto laboral é um direito de todos os trabalhadores, e que todos dela devem beneficiar durante toda a sua vida profissional, tal como consta na Lei de Bases da Saúde (Lei nº 95/2019, de 4 de setembro) (3).
Assim, a melhoria contínua da saúde ocupacional aumenta a qualidade de vida, da saúde e bem-estar dos trabalhadores, das suas famílias e da sociedade em geral criando, desta forma, um aumento dos índices de qualidade, de competitividade e desenvolvimento de uma empresa (4).
Em Portugal assiste-se na última década a um aumento crescente do número de empresas, quer de grande dimensão, quer as de pequenas/médias empresas, constatando-se que as Pequenas e Médias Empresas (PME) representam mais de 90% do total.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística entende-se por PME, as instituições que empregam menos de 250 trabalhadores e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros, ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros (5).
Legalmente só as empresas com mais de 400 trabalhadores são obrigadas a ter um serviço interno de saúde ocupacional (artigo 78 do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho) (6).
O objetivo deste estudo visa identificar quais os benefícios associados a um serviço interno de saúde ocupacional, nas PME.
METODOLOGIA
Como metodologia para identificar os eventuais benefícios da implementação, optou-se por realizar uma revisão sistemática da literatura, com a questão de investigação: Quais os benefícios que existem na implementação de um serviço de saúde ocupacional interno numa pequena/média empresa? Estando relacionada no acrônimo PICo (P: população; I: intervenção; Co: Contexto).
A pesquisa bibliográfica foi realizada na Pub Med, Web Science e através da plataforma EBSCO (CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, MedicLatina, Cochrane Clinical Answers), durante os meses de maio e junho de 2022. De acordo com a questão de investigação, o modo de busca utilizado considerou-se a seguinte frase boleana: “Occupational health” AND “enterprises” AND “benefits”.
Foram definidos critérios de pesquisa nas bases de dados (figura 1) e de elegibilidade (figura 2).
Esta revisão sistemática foi conduzida com as diretrizes da PRISMA 2020 (figura 3).
(Adaptado Verónica Abreu*, Sónia Gonçalves-Lopes*, José Luís Sousa* e Verónica Oliveira / *ESS Jean Piaget - VN Gaia - Portugal)
Foram excluídos por leitura do resumo 77 artigos e, após revisão integral e aplicando os critérios de inclusão e exclusão, foram excluídos mais doze artigos, resultando cinco documentos para a análise final. De forma a avaliar a sua qualidade, fez-se a divisão das revistas dos respetivos artigos na Scimago Institutions Rankings para analisar qual o quartil: um pertencia a uma revista de Q1, três pertenciam a revistas de Q2 e um de Q3. Através da varredura da bibliografia cinzenta, foi adicionada uma sexta publicação.
A extração de dados e síntese foi realizada pelos investigadores, isolando os benefícios que eram referidos sobre o serviço interno de saúde ocupacional nas pequenas e médias empresas.
RESULTADOS
A síntese dos artigos incluídos na revisão pode ser consultada na figura 4. Os benefícios da existência de um serviço de saúde ocupacional interno nas PME e a sua frequência são apresentados na figura 5. O gráfico 1 demonstra a frequência com que esses mesmos benefícios são identificados.
A leitura dos artigos selecionados evidencia que os funcionários das PME apresentam uma maior participação nos programas de bem-estar e saúde no local de trabalho e a interação entre trabalhadores e empresários é mais frequente se tiverem um serviço interno de saúde ocupacional, o que resultará numa transmissão de conhecimentos facilitadora (7). Ainda que exista escassez de estudos, os mesmos funcionários apresentavam melhorias ao nível de stress, da saúde em geral, da redução do tabagismo e da melhoria dos índices de atividade física (8).
DISCUSSÃO
As PME constituem o motor fundamental do crescimento económico, da inovação, do emprego e da integração social na União Europeia. Metade da mão de obra europeia está empregada em pequenas e médias empresas. Estatísticas e estudos mostram que os serviços de saúde ocupacional das PME são deficitários, o que continua a ser um desafio significativo (9).
A Comissão Europeia, no quadro estratégico de saúde e segurança no trabalho 2014-2020, reforça a necessidade de uma gestão eficaz da segurança e saúde no trabalho como um dos principais objetivos estratégicos, a qual é essencial para assegurar tanto o bem-estar dos trabalhadores, como a sobrevivência económica a longo prazo destas empresas (9).
Alguns estudos referem que as PME têm uma taxa de acidentes mais elevada e com consequências mais graves do que as grandes empresas, dada a sua escassez de recursos humanos, económicos e tecnológicos, sendo necessário métodos específicos para promoverem a consciência e gestão da saúde em contexto laboral (10) (11).
A promoção de uma cultura de saúde no trabalho pode alterar esta tendência. Perceber que os benefícios de melhorar as condições de segurança no local de trabalho e prevenir potenciais problemas de saúde relacionados com o desempenho das funções laborais, se traduzem em última instância, em maior rentabilidade económica, seja por menos custos associados aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, seja por aumentar a motivação e melhorar o desempenho dos trabalhadores, poderá ser um estímulo à implementação de um serviço de saúde ocupacional (7) (12).
A abordagem do controlo do risco e as estratégias de gestão, frequentemente, não são consideradas áreas prioritárias nas PME, pois a perceção do risco é diminuta (13). A tendência geral é de superestimar o conhecimento e subestimar os riscos (14).
Os obstáculos à implementação de um serviço de saúde ocupacional interno nas PME incluem:
a reduzida capacidade económica para a exploração de um serviço de saúde ocupacional;
o limitado conhecimento, consciência e competência dos proprietários/gestores em relação aos serviços de saúde ocupacional e aos seus requisitos regulamentares;
a presença de grande preocupação com a sobrevivência económica do negócio e baixa prioridade na implementação de um serviço de saúde ocupacional (14).
A maior parte das PME desenvolve uma abordagem predominantemente reativa relativamente à componente de saúde ocupacional e focam a sua atenção em resolver os problemas apenas quando estes ocorrem de facto ou quando são forçadas a fazê-lo, e não de uma forma proativa, investindo na prevenção de problemas ou acidentes relacionados com o trabalho (14).
Os proprietários/gestores das PME têm uma capacidade limitada de dedicarem tempo a informarem-se sobre a realidade dos riscos associados à exploração das atividades das suas empresas, e os trabalhadores tendem a considerar as limitações relacionadas com a saúde em contexto laboral como status quo do trabalho. Estas posturas do empregador e do trabalhador traduzem-se num comportamento de inércia relativamente à saúde em contexto laboral, não potenciando uma procura ativa por uma realidade mais saudável no local de trabalho (9). Vários estudos evidenciam que a implementação de um sistema de gestão de saúde ocupacional integrado, a nível organizacional coloca as empresas numa posição com padrões e procedimentos de qualidade, o que conduz a uma maior produtividade e realização organizacional (10) (12) (15). Ajudar os decisores a despertar para esta realidade pode ser o caminho para uma mudança de atitude face à saúde organizacional.
As empresas com um serviço de saúde ocupacional integrado apresentam uma maior motivação para melhorar os aspetos de saúde e segurança, com benefícios na captação e permanência de recursos humanos nas organizações, maior controlo de custos relacionados com os prémios dos seguros, redução das taxas de presentismo e absentismo, e melhores condições de saúde e de segurança em contexto laboral (15). O nível de saúde, a capacidade para o trabalho e o bem-estar no trabalho, nas organizações com serviço de saúde ocupacional interno, mostram-se positivamente relacionados com o trabalho produtivo, menor rotatividade e o maior sucesso das empresas (7) (11) (12) (16) (17).
Para a implementação de um sistema de gestão integrado de saúde ocupacional de sucesso é necessário estabelecer processos prévios de comunicação, que promovam a consciencialização dos benefícios anteriormente enunciados de forma a envolver os líderes empresariais na tomada de decisão. A chave é encorajar a participação proativa dos empregadores bem como dos trabalhadores (10) (14).
As soluções relacionadas com a implementação de serviços de saúde ocupacional são mais facilmente integradas se estiverem alinhadas com as práticas diárias de trabalho e mais suscetíveis de terem impactos positivos para as PME (14) (17).
Para a construção de uma cultura de saúde, a presença do enfermeiro no local de trabalho é indispensável. O enfermeiro de trabalho está numa posição privilegiada, e tem um papel preponderante na análise do risco, das necessidades de saúde e do contexto laboral, no planeamento e realização de intervenções de promoção da saúde e manutenção da capacidade laboral. O enfermeiro do trabalho é o elemento mais acessível para esclarecer dúvidas, aconselhar e intervir precocemente numa situação potencial de dano (17).
Realizar as atividades de prevenção de doenças e acidentes no local de trabalho aumenta a probabilidade de sucesso destas intervenções, uma vez que aumenta a participação e motivação dos trabalhadores. A presença do enfermeiro de trabalho na empresa é essencial e determinante para a realização destas atividades (11) (17) (18) (19) (20).
Em súmula, é essencial para as PME refletirem sobre a decisão de implementar um serviço de saúde ocupacional interno, considerando os benefícios potenciais em termos legais e financeiros, na proteção dos trabalhadores, na redução de custos, na construção de uma reputação empresarial preocupação com os seus trabalhadores e na melhoria contínua dos processos laborais, ultrapassando perspetivas imediatistas dos custos da sua implementação (7) (10) (12) (16) (17).
Um estudo quantitativo desenvolvido na Polónia, com vista a calcular os custos da implementação de um serviço de SO interno, concluiu que este é relativamente baixo em comparação com o custo alternativo de medidas preventivas para garantir o cumprimento da lei. Embora o custo por trabalhador seja mais elevado numa PME, gera benefícios quantitativos e qualitativos muito significativos. Os benefícios tangíveis incluem a redução de acidentes de trabalho, juntamente com prémios de seguro de acidentes mais baixos na maioria das empresas. De acordo com opiniões subjetivas de representantes de empresas, os benefícios intangíveis (qualitativos) incluem redução da rotatividade e do absentismo, aumento da eficiência do desempenho e melhoria da qualidade (12).
Apesar de se considerar que a avaliação económica nesta área ainda está a dar os primeiros passos, o cumprimento das normas de SO tem sido uma força motriz para as PME (12) (21) e funciona como um argumento positivo à sua implementação, uma vez que proporciona menos custos de saúde diretos e indiretos, retenção dos talentos de alto desempenho, maior produtividade, menor rotatividade e menor desperdício na utilização racional de recursos humanos. Estes benefícios constituem uma vantagem competitiva desenvolvendo uma consciência e responsabilidade pessoal encorajando o trabalho de equipa e a colaboração (12) (16).
Assim é fundamental que o tecido empresarial reconheça as inegáveis vantagens da implementação de boas práticas de gestão em saúde ocupacional. Para além das vantagens na área da saúde e na área social, há um reflexo direto nas vantagens económicas: aumento da produtividade, redução da rotatividade do pessoal, assiduidade melhorada e melhor motivação dos trabalhadores (17).
O resultado de um serviço de saúde ocupacional interno propicia por um lado a diminuição dos custos associados a acidentes e de agravamento de seguros e, por outro lado, motiva os trabalhadores a melhorar o seu desempenho o que se consubstancia num aumento do crescimento económico da PME (7).
A construção de uma cultura de saúde é um investimento a longo prazo, sendo vital para o sucesso do negócio das PME (16).
LIMITAÇÕES
A escassez de artigos e a ausência de indicadores objetivos que permitam avaliar o impacto da existência de um serviço de SO interno em PME, condiciona uma maior evidência dos benefícios associados a esta estratégia de gestão.
IMPLICAÇÕES PARA NOVAS PESQUISAS/INVESTIGAÇÕES E PARA A PRÁTICA
Sugere-se o alargamento e o aprofundamento de estudos sobre os benefícios tangíveis e não tangíveis da existência de serviços de SO, quer internos, quer externos. É também necessário avaliar o impacto da presença do enfermeiro do trabalho no contexto da equipa multidisciplinar, no sentido de identificar os contributos associados ao seu desempenho. A realidade portuguesa, no âmbito da enfermagem do trabalho, apresenta uma variedade extensa de possibilidades, sendo interessante, a título de exemplo, perceber de que forma a carga horária atribuída ao enfermeiro do trabalho tem impacto na saúde dos trabalhadores.
CONCLUSÃO
Constata-se que os benefícios associados à implementação de um serviço de saúde ocupacional interno, incluem: a promoção da cultura de saúde no trabalho, a melhoria no desempenho da segurança, a diminuição dos custos em acidentes de trabalho e seguros, a motivação dos trabalhadores para um desempenho positivo, um menor absentismo e maior produtividade, a melhoria da qualidade, custos mais baixos com cuidados de saúde, a atração de melhores talentos/ melhoria da imagem pública, uma menor rotatividade, menor desperdício, maior retorno dos investimentos, aumento da eficiência e aumento da rentabilidade económica.
Uma comunicação eficaz com os líderes empresariais, a implementação de medidas preventivas, e um correto entendimento das necessidades dos trabalhadores em contexto laboral, beneficiam o trabalhador e promovem uma melhoria contínua no ambiente de trabalho. Para que tal aconteça é necessário que exista maior investimento por parte das empresas na SO.
Na prática, a implementação de um serviço de SO interno carece de um novo mindset para a área empresarial, em que a saúde em contexto laboral não é um gasto económico sem retorno, mas sim um investimento que se traduz em ganhos, sejam eles individuais ou na comunidade laboral.