INTRODUÇÃO
Atualmente as doenças mentais são uma das principais causas de morbilidade na sociedade (1). A Saúde Mental tem merecido cada vez mais destaque, pelo impacto que a sua (des)regulação demonstra a nível pessoal, social e laboral. Apenas um quarto das pessoas com perturbações mentais se encontra sob tratamento, apesar destas originarem cerca de metade dos casos de incapacidade laboral (2).
Sintomatologia do foro psíquico e quadros como síndrome depressivo, ansiedade ou burnout são cada vez mais frequentes nos trabalhadores (2). A ambiguidade do papel do trabalho permite o seu reconhecimento enquanto fonte de riscos psicossociais, bem como ferramenta para implementação de estratégias interventivas que fomentem a evicção e/ou correção desses riscos (3). É nesse contexto que surge o conceito de fatores de risco psicossociais (FRPS) ocupacionais: caraterísticas inerentes às condições e organização do trabalho que afetam a saúde dos indivíduos, através de processos psicológicos e fisiológicos. Daí advêm os riscos psicossociais no trabalho, que resultam da interação entre o indivíduo, as suas condições de vida e as suas condições de trabalho (4).
O atual mundo do trabalho pauta por elevadas exigências profissionais, com ambientes competitivos onde é frequente o recurso a horas extra e consequente sacrifício da vida pessoal e familiar. Como tal, torna-se fulcral uma correta avaliação e gestão dos riscos profissionais, assegurando ambientes de trabalho saudáveis e em que a proteção e promoção da saúde dos trabalhadores resguardem e valorizem a capacidade de trabalho a longo prazo (5).
Existe uma relação diretamente proporcional entre a magnitude dos riscos psicossociais no trabalho e o aumento do absentismo laboral, diminuição da produtividade, presentismo, baixos níveis de desempenho, reduzida motivação dos trabalhadores e elevada rotatividade (6). Cabe aos Serviços de Saúde Ocupacional (SSO) estar alerta, avaliar e desenvolver planos de vigilância da saúde dos seus trabalhadores (5).
Os profissionais de saúde (PS) representam um grupo profissional exposto a múltiplos fatores de risco, incluindo FRPS. O stress ocupacional está cada vez mais presente na maioria dos locais de trabalho, mas estudos apontam que as profissões relacionadas com o cuidado do outro - como é o caso dos PS - estão mais suscetíveis aos seus efeitos negativos (6).
Os FRPS categorizam-se, primordialmente, em elevada carga e ritmos de trabalho, trabalho por turnos e/ou noturno e o contacto frequente com situações urgentes onde a vida de outrem depende da sua célere e eficaz ação (5). O desafiante ambiente de trabalho, onde vários FRPS interagem entre si, pode induzir elevados níveis de stress, com consequente desenvolvimento de perturbações mentais, como ansiedade e depressão, por vezes culminando em burnout. A pandemia COVID-19 agravou este cenário e realçou a importância de conhecermos os FRPS emergentes a que estão expostos os PS. Para tal, é fulcral ouvir adequadamente os trabalhadores; a figura do papel do psicólogo torna-se essencial e emergente neste contexto. Só assim se obtém uma visão adequada para planificar medidas preventivas, com o intuito da sua proteção e promoção da saúde mental.
O recente Despacho n.º 4765/2023, de 20 de abril, do Conselho de Ministros, aborda a avaliação dos fatores de risco psicossociais na proteção e promoção de uma Saúde Ocupacional biopsicossocial. Este documento sugere uma nova política que requer uma avaliação dos FRPS nas organizações, de forma a promover nos SSO uma abordagem mais holística do trabalhador. Neste âmbito, deverá priorizar-se a implementação de medidas de prevenção e controlo que garantam adequadas condições de trabalho aos profissionais de saúde, nomeadamente através de medidas de conforto térmico, organizacionais e de bem-estar no local de trabalho, salvaguardando uma adequada vigilância da saúde destes trabalhadores pelos SSO.
O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) é um centro hospitalar de referência nacional, localizado em Lisboa e composto por seis hospitais. Apresenta uma distribuição geográfica ímpar e o maior número de trabalhadores hospitalares, em Portugal. O Serviço de Saúde Ocupacional tem uma equipa multidisciplinar constituída pela diretora, administrador hospitalar, médicos especialistas e internos de Medicina do Trabalho, enfermeiros, uma psicóloga, técnicos superiores de higiene e segurança, assistentes técnicos e uma higienista oral; tem como missões a proteção e promoção da saúde e segurança dos trabalhadores e a manutenção de um ambiente de trabalho saudável e seguro.
A necessidade de gestão dos FRPS e a responsabilidade pela sua prevenção e controlo a nível laboral, bem como a reparação de danos provocados pelos mesmos, é da responsabilidade das instituições.
Nesse sentido, o SSO tem uma psicóloga exclusiva, que propôs na equipa desenvolver o “Projeto Avaliar, Refletir e Agir” (P.A.R.A.) numa parceria com a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
Os objetivos deste projeto, para além de sensibilizar os profissionais do CHULC para a temática dos FRPS, informa a temática no sentido de transmitir conhecimentos quanto às suas consequências e respetivos métodos de gestão; pretende numa fase inicial avaliar os dados recolhidos junto dos profissionais do CHULC, através do preenchimento de um questionário e através de feedback durante as ações de sensibilização e formação; analisar estatisticamente os dados recolhidos; refletir sobre os resultados obtidos, divulgando-os internamente e agir através da dinamização de estratégias, que melhorem o atual paradigma neste âmbito.
Definiram-se quatro fases do projeto: a primeira consistiu no compromisso do Conselho de Administração, assumido na forma de assinatura do protocolo com a OPP a 23 de fevereiro de 2020. Seguiram-se o reconhecimento do(s) problema(s), através de uma campanha de sensibilização no CHULC; e a valorização do(s) problema(s) previamente identificados, por polos hospitalares e/ou áreas. Por fim, alcança-se a etapa da tomada de decisões, com a elaboração de um relatório para avaliação das necessidades e definição de intervenções.
O artigo visa identificar os FRPS presentes no CHULC e avaliá-los de forma quantitativa e qualitativa, enquadrando-os num contexto global de risco. Adicionalmente, pretende-se relacionar os resultados com as dimensões laborais dos trabalhadores do CHULC, com o polo hospitalar, com a experiência profissional, com a categoria profissional e, por fim, com os serviços hospitalares/áreas de ação do CHULC.
METODOLOGIA
Neste estudo observacional analítico transversal, a amostra da pesquisa teve como critério de inclusão ser trabalhador do CHULC. Aqui, incluem-se profissionais de saúde de diversas categorias (médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, assistentes operacionais e assistentes técnicos).
Os dados foram recolhidos através da distribuição de um inquérito. Optou-se pela versão média do inquérito Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ II), visando-se identificar de forma multidimensional os FRPS, avaliar os consequentes riscos psicossociais no CHULC e desenvolver propostas de intervenção nos trabalhadores que promovam locais de trabalho saudáveis. Para tal, foi necessária a colaboração de todos os profissionais do CHULC, independentemente da sua posição hierárquica ou serviço.
Aplicou-se a versão média do COPSOQ-II, direcionada aos profissionais de saúde, que avalia 28 dimensões ao longo de 87 questões. Este questionário é um instrumento multidimensional, medindo indicadores de exposição (riscos psicossociais) e indicadores do seu efeito (saúde, satisfação e stress). Todos os itens são avaliados numa escala tipo Likert de 5 pontos (1 - Nunca/quase nunca 2 - Raramente; 3 - Às vezes; 4 - Frequentemente e 5 - Sempre; ou 1 - Nada/quase nada, 2 - Um pouco, 3 - Moderadamente, 4 - Muito e 5 - Extremamente) (4).
As dimensões avaliadas incluem: “Exigências laborais”; “Organização do Trabalho e Conteúdos”, “Relações Sociais e Liderança”; “Interface Trabalho-Indivíduo”, “Valores no Local de Trabalho”, “Personalidade”, “Saúde e Bem Estar” e “Comportamentos Ofensivos” (8). O número de itens na versão média do COPSOQ-II em cada dimensão pode ser consultado na Tabela 1.
O questionário encontrou-se acessível através de um link inserido num QR Code para preenchimento online. A distribuição e a divulgação do questionário decorreram entre 20 de setembro a 15 de dezembro de 2022. Foi garantido o anonimato das respostas.
A divulgação do projeto incluiu seis sessões presenciais dirigidas pela psicóloga do Serviço de Saúde Ocupacional em cada hospital, onde se enquadrou o tema, apelou à participação e envolvimento dos profissionais. Por outro lado, durante o período de uma semana, distribuíram-se panfletos nos seis refeitórios do CHULC e aquando da entrega do fardamento aos trabalhadores. Simultaneamente, em colaboração com a Informática, desenvolveu-se um aviso pop up nos computadores do CHULC. Por fim, mereceu destaque na newsletter semanal do CHULC.
RESULTADOS
O questionário COPSOQ-II teve uma adesão da população-alvo de 11.4% (n=957 respostas). Para que os resultados fossem representativos das classes profissionais, apenas foram considerados aqueles que tivessem reunido pelo menos 15 respostas de cada grupo profissional.
O perfil de apresentação de resultados (perfil de risco) segue uma metodologia tripartida, a qual assume uma interpretação “semáforo” mediante o impacto para a saúde que a exposição a determinada dimensão representa: vermelho (risco para a saúde), amarelo (situação intermédia) e verde (situação favorável para a saúde).
A análise dos resultados pressupõe a interpretação fator a fator. Ou seja, o COPSOQ-II não mede um único construto, mas sim diversos riscos psicossociais e variáveis de saúde, stress e satisfação (4).
• Perfil de Risco Geral do CHULC
Distinguem-se três categorias principais de risco:
Risco severo: “Ritmo de trabalho”, “Exigências cognitivas” e “Exigências emocionais”;
Risco moderado: “Exigências quantitativas”, “Influência no trabalho”, “Previsibilidade”, “Recompensas”, “Conflitos laborais”, “Apoio social de colegas”, “Apoio social de superiores”, “Comunidade social no trabalho”, “Qualidade da liderança”, “Confiança horizontal”, “Confiança vertical”, “Justiça e respeito”, “Compromisso face ao local de trabalho”, “Satisfação no trabalho”, “Saúde geral”, “Conflito trabalho/família”, “Problemas em dormir”, “Burnout”, “Stress” e “Sintomas depressivos”;
Risco Favorável: “Possibilidades de desenvolvimento”, “Transparência do papel laboral desempenhado”, “Autoeficácia” e “Significado do trabalho”. “Insegurança laboral” e “Comportamentos ofensivos” surgem nesta categoria pela sua baixa pontuação quantitativa.
A avaliação de risco também pode ser analisada numa perspetiva de dimensões/áreas:
Exigências Laborais: inclui os fatores “Ritmo de trabalho”, “Exigências cognitivas” e “Exigências emocionais”, todos incluídos na categoria de riscos severos. O fator “Exigências quantitativas” foi considerado um fator moderado;
Organização do Trabalho e Conteúdo: os indicadores “Influência no trabalho” e “Compromisso face ao local de trabalho” são fatores moderados, enquanto “Possibilidade de desenvolvimento” e “Significado do trabalho” surgem como fatores protetores;
Relações Sociais e Liderança: a “Transparência do papel laboral” é fator protetor, contrastando com os fatores de risco moderado “Previsibilidade”, “Recompensas a qualidade da liderança”, “Conflitos laborais”, “Apoio social de colegas” e “Apoio social de superiores”;
Interface Trabalho-Indivíduo: a “Insegurança laboral” surge como fator protetor, uma vez que obteve uma pontuação quantitativa reduzida. A “Satisfação no trabalho” é um risco moderado, enquanto o tema “Conflito Trabalho-Família” é encarado como risco moderado na escala geral e severo em contextos específicos;
Valores no Local de Trabalho: quantitativamente, as respostas obtidas determinaram como fatores de risco moderado a “Confiança vertical”, a “Confiança horizontal”, a “Justiça e respeito” e a “Comunidade social do trabalho”;
Personalidade: a “Auto-eficácia” é percecionada como fator protetor;
Saúde e Bem-Estar: o indicador “Saúde geral” (onde se inquere a perceção de saúde do próprio) surge como fator de risco moderado;
Comportamentos Ofensivos: os avaliados não identificam comportamentos ofensivos na sua organização, pelo que este indicador surge como fator protetor.
A pontuação global das respostas face à identificação dos FRPS, quantitativa e qualitativa, pode ser consultada na Tabela 2.
Analisando as pontuações quantitativas dos 29 FRPS considerados, no Gráfico 1, temos uma média de 3.18 nas respostas. A pontuação mínima foi de 1.37 (Comportamentos Ofensivos), enquanto a máxima foi de 4.13 (Exigências Emocionais).
Relativamente às pontuações qualitativas (Gráfico 2), verificou-se um predomínio das situações de risco moderado (n=20, 69.0%), seguindo-se as situações favoráveis (n=6, 20.7%) e as situações de risco severo (n=3, 10.3%).
Totalizaram-se seis (20.7%) situações favoráveis: “Auto-Eficácia” (3.82), “Possibilidade de Desenvolvimento” (3.86), “Significado do Trabalho” (3.90) e “Transparência do Papel Laboral Desempenhado” (3.93). Contrariamente aos demais critérios, “Comportamentos Ofensivos” (1.37) e “Insegurança Laboral” (1.99) apresentam pontuações quantitativas reduzidas e, por esse motivo, são fatores protetores.
As vinte (69.0%) situações de risco moderado incluíram: “Influência no Trabalho” (2.59), “Apoio Social de Superiores” (2.71), “Confiança Horizontal” (2.72), “Sintomas Depressivos” (2.83), “Previsibilidade” (2.85), “Satisfação no Trabalho” (2.88), “Problemas em dormir” (2.93), “Justiça e Respeito” (2.97), “Qualidade da Liderança” (3.01), “Recompensas” (3.05), “Exigências Quantitativas” (3.06), “Conflito trabalho/família” (3.17), “Conflitos Laborais” (3.19), “Compromisso Face ao Local de Trabalho” (3.21), “Saúde Geral” (3.21), “Stress” (3.25), “Burnout” (3.34), “Apoio Social de Colegas” (3.36), “Confiança Vertical” (3.51) e “Comunidade Social no Trabalho” (3.65).
Por fim, as três (10.3%) situações de risco severo constituíram “Ritmo de Trabalho” (3.73), “Exigências Cognitivas” (3.89), e “Exigências Emocionais” (4.13).
• Perfil de Risco por categorias
A análise dos dados recolhidos permitiu a sua divisão por polo hospitalar, experiência profissional, categoria profissional e Serviço/Área. Destacam-se os resultados obtidos que se diferenciam do perfil de risco geral:
1. Pólo hospitalar
Os resultados foram analisados conforme os seis polos existentes: Hospital de São José (n=313, 32.7%) 957 respostas), Hospital de Santo António dos Capuchos (n=167, 17.5%), Hospital de Santa Marta (n=78, 8.2%), Hospital de Dona Estefânia (n=157, 16.4%), Hospital Curry Cabral (n=167, 17.5%) e Maternidade Alfredo da Costa (n=75, 7.7%).
O perfil de risco por polo hospitalar coincide com o perfil de risco geral do CHULC, com destaque para o polo da Maternidade Alfredo da Costa, em que o fator “Ritmo de trabalho” é percecionado como moderado (e não como severo).
2. Experiência profissional
Esta categoria foi dividida em cinco grandes áreas, tendo em conta o critério do tempo de serviço: “<1 ano” (n=48, 5.0%), “1-2 anos” (n=77, 8.0%), “3-5 anos” (n=117, 12.2%), “6-10 anos” (n=116, 12.1%) e “11-15 anos” (n=105, 11.0%), “16-20 anos” (n=142. 14.8%), “21-25 anos” (n=113, 11.8%), “26-30 anos” (n=100, 10.4%) e “>30 anos” (n=139, 14.5%).
Na análise deste perfil de risco, comparativamente ao perfil geral, confirma-se a semelhança com os fatores identificados de grau severo. A exceção prende-se com a subcategoria “16-20 anos”, onde se identificaram os fatores “Saúde em geral” e “Burnout” como severos (contrariamente ao ocorrido no perfil geral de risco).
Destaca-se, ainda, que os perfis por idades apresentam mais fatores favoráveis face ao global: “Apoio social de colegas”, “Comunidade social no trabalho” e “Confiança vertical”. A exceção ocorre no escalão “>30 anos“, onde o fator “Apoio social entre colegas” representa risco moderado.
3. Categoria profissional
Subdividiram-se nas categorias “Assistente operacional” (n=182, 19.0%), “Assistente técnico” (n=111, 11.6%) “Enfermeiro” (n=353, 36.9%), “Farmacêutico” (n=17, 1.8%) “Médico Interno” (n=37, 3.9%) “Médico” (n=91, 9.5%), “Técnico superior” (n=27, 2.8%) e “Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica” (n=111, 11.6%).
Realçam-se as seguintes diferenças, face ao perfil geral de risco: os “Médicos” identificam, adicionalmente, como risco severo os fatores “Exigências quantitativas” e “Conflito trabalho/família”; enquanto que nos “Médicos Internos” se juntam ainda nesse grau de risco os fatores “Influência no trabalho”, “Conflitos laborais” e “Burnout”. Por fim, no grupo dos “Farmacêuticos” acrescem ainda nos riscos severos a “Satisfação no trabalho”, o “Stress“ e a “Previsibilidade”. Relativamente aos riscos moderados, os “Assistentes técnicos” incluíram aí ainda o fator “Possibilidade de desenvolvimento”.
4. Serviço/Área
4.1. Áreas de Apoio
Incluem-se aqui a “Área de Gestão de Compras e de Logística e Distribuição” (n=17, 1.8%), a “Área de Gestão de Doentes“ (n=5, 0.5%), a “Área de Gestão dos Recursos Humanos”(n=9, 0.9%) e a “Área de Gestão Hoteleira” (n=9, 0.9%).
Nas três primeiras áreas, acrescentam-se aos riscos severos os fatores de risco “Ritmos de trabalho”, “Influência no trabalho”, “Conflitos laborais”, “Saúde geral”, “Burnout” e “Stress”; enquanto na última se inclui, também, a “Qualidade de liderança”.
4.2. Áreas Clínicas
Os serviços de “Consulta Externa” (n=65, 6.8%) e “Ortopedia” (n=21, 2.2%) apresentam resultados similares ao perfil geral de risco, sem diferenças de realce.
Nos serviços “Medicina Interna” (n=65, 6.8%), “Urgência Geral Polivalente” (n=61, 6.4%), e “Pediatria” (n=27, 2.8%), acresce como fator de risco severo o tema “Conflito trabalho/família”; neste último, identifica-se ainda como severo o fator “Burnout”.
“Anestesiologia” (n=16, 1.7%), “Apoio Social (n=10, 1.0%), “Dermatologia” (n=14, 1.5%) e “Farmácia” (n=46, 4.8%) adicionam ao risco severo os fatores “Burnout” e “Stress”. Na “Dermatologia”, foi também identificado o fator “Confiança horizontal”; e, na “Farmácia”, para além dos previamente mencionados, surgiram igualmente em destaque como severos os “Conflitos laborais” e as “Exigências quantitativas”.
O serviço de “Cirurgia” (n=46, 4.8%) conta, adicionalmente ao perfil geral, como fatores de risco no grau severo o “Burnout” e o “Apoio social de superiores”.
No serviço de “Cirurgia Cardiotorácica” (n=14, 1.5%), identificou-se como risco severo o fator de risco “Saúde em geral”.
Os serviços de “Infeciologia” (n=33, 3.4%), “Medicina Física e de Reabilitação” (n=36, 3.8%) e “Hemato-Oncologia” (n=43, 4.5%) destacam-se pelo enquadramento positivo do fator de risco “Qualidade de liderança” como protetor; no último serviço mencionado, acresce ainda como protetor o fator de risco “Recompensas”.
DISCUSSÃO
Este estudo permite obter uma perspetiva abrangente do CHULC, um universo de quase nove mil trabalhadores. Estes resultados refletem a perceção dos profissionais relativamente à avaliação dos fatores de risco psicossociais a que estão expostos.
O questionário COPSOQ-II, enquanto instrumento de avaliação das diversas dimensões psicossociais inerentes ao contexto laboral, permitiu identificar potenciais áreas de risco a melhorar e funcionou enquanto estratégia eficaz de sinalização para posterior implementação de medidas preventivas adequadas e efetivas. Em suma, revela-se uma ferramenta com o propósito de alertar e planear intervenções dirigidas. Na interpretação dos resultados, tem-se em consideração que o significado de cada um dos fatores de risco depende do seu contexto organizacional.
Analisando os resultados, conclui-se que as dimensões mais relevantes para os profissionais de saúde do CHULC são a severidade face aos ritmos de trabalho e as exigências cognitivas e emocionais - em provável relação com o período pós-pandémico. Relativamente ao fator “Ritmo de trabalho”, é de realçar que a atividade profissional é percecionada pelos profissionais como tarefa(s) com necessidade de execução a um ritmo acelerado e exigente, por vezes sem pausas, numa perspetiva do seu término dentro de um prazo pré-definido. As “Exigências cognitivas” dizem respeito a um esforço mental elevado, requerido para processamento de informação, a par de concentração elevada e/ou o excesso de solicitações sensoriais, cognitivas e intelectuais; culminando, no fim, a fadiga mental. Por fim, nas “Exigências emocionais” tidas como excessivas pelos profissionais do CHULC incluem-se: dissonância emocional e lidar com sofrimento, doença, dor ou morte.
Quanto aos FRPS considerados como favoráveis, admite-se que possam, em determinadas situações, ser utilizados como fatores de equilíbrio: por exemplo, os profissionais sentirem a possibilidade de desenvolvimento (pessoal e laboral), bem como a existência de transparência do papel laboral desempenhado. Por outro lado, o aspeto da “Autoeficácia” indica boa capacidade de resolução de problemas por parte dos profissionais. Dentro destes FRPS, destaca-se, ainda a identificação de “Comportamentos ofensivos”; em provável relação com o sistema interno e seguro de denúncia, bem como com a existência de medidas interventivas na área (apoio psicológico e mediação de conflitos).
Todos os fatores de risco percecionados como tendo um risco moderado, a par dos severos, justificam uma intervenção planeada e profissional que mitigue a curto e médio prazo as lacunas identificadas.
Neste estudo verificam-se áreas críticas, como as de apoio e logística e farmácia assim como algumas categorias profissionais, em particular os farmacêuticos e os médicos internos.
Distinguem-se três níveis de intervenção: intervenção primária, que se foca no coletivo e cuja mudança se veicula através de campanhas; intervenção secundária, com implementação de programas de gestão de stress dos trabalhadores e intervenção terciária, através do apoio e acompanhamento dos trabalhadores com exames de saúde individuais, como ocorre no SSO.
CONCLUSÃO
Estas avaliações cumpriram o objetivo inicialmente proposto, ou seja, a deteção dos fatores de risco psicossociais presentes no CHULC e a sua relação com múltiplas vertentes: dimensões laborais, polo hospitalar, experiência profissional, categoria profissional e serviços hospitalares. Face à heterogeneidade de serviços e variáveis, requerer-se-á a posteriori uma recondução de estudos mais aprofundados e de análise no terreno.
O Serviço de Saúde Ocupacional existente apresenta os recursos humanos disponíveis para desenvolver uma vertente biopsicossocial. Com estes projetos e avaliações conseguimos, numa ótica multidisciplinar, trabalhar planos de ação de forma holística.
Com este estudo, o médico do trabalho adequa os exames de saúde individuais às necessidades do trabalhador e promove projetos multidisciplinares na equipa da Saúde Ocupacional, para além das tradicionais atuações da Medicina.
Para além da atuação direta da Saúde Ocupacional, tendo por base os resultados, recomenda-se o alargamento das equipas face aos recursos humanos para lidar com a problemática da saúde mental; um programa de capacitação dirigido às lideranças; bem como a criação de um grupo dedicado a programas de bem-estar ajustados à realidade institucional e a grupos específicos. São igualmente alargadas recomendações no âmbito do Departamento de Recursos Humanos no sentido de aprimorar a área de gestão estratégica de pessoas e inovação, para dar resposta a fatores como a conciliação da vida pessoal e profissional.
O SSO privilegia a prevenção primária de fatores de risco profissional e o desenvolvimento de ambientes de trabalho saudáveis e seguros, facilitando a existência de adequadas condições de segurança e saúde nos locais de trabalho. Isto porque quando estas premissas estão presentes são facilitadoras do bem-estar laboral e desenvolvimento pessoal e profissional, permitindo aos trabalhadores sentirem-se mais motivados para o trabalho, mais realizados nas suas tarefas e funções, contribuindo para a produção de bens e serviços de melhor qualidade e alcançando os objetivos traçados pela Instituição para a qual trabalham.
Estas abordagens realçam necessidades emergentes do Serviço de Saúde Ocupacional, onde se inserem a inclusão de profissionais de saúde mental; o desenvolvimento de projetos de avaliação, monitorização e planeamento na área dos fatores de risco psicossociais; bem como o desenvolvimento de programas adequados de proteção e promoção dos trabalhadores.