INTRODUÇÃO
A generalidade dos profissionais a exercer na Saúde e Segurança Ocupacionais tem algumas noções relativas à distribuição dos acidentes laborais versus sexo, contudo, nem todos terão tido oportunidade de consultar dados razoavelmente atualizados sobre esse assunto.
Pretendeu-se com esta revisão resumir de forma clara, não só alguns artigos que abordassem este contexto, como também ter acesso a dados nacionais e europeus nesta área.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores de qualquer setor profissional
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as eventuais diferenças de sinistralidade entre os sexos masculino e feminino
-C (context): segurança ocupacional
Assim, a pergunta protocolar será: os acidentes de trabalho apresentam padrões de distribuição em função do género e, em caso positivo, de que forma em específico?
Foi realizada uma pesquisa em maio de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”. Foram também consultados os sites da Pordata e do Instituto Nacional de Estatística e, dada a escassez de artigos, também foram feitas pesquisas no motor de busca generalista Google, através das expressões “work accidents by sex” e “acidentes de trabalho versus sexo”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP | Acidentes de trabalho | -título e/ ou assunto | 797 | 1 | Não | ||||
sexo | 1 | 2 | Sim | - | - | - | |||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Work Accidents | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
702 | 3 | Não | ||||
Gender | 12 | 4 | Sim | 1 2 5 6 8 9 |
A1
A2 A3 A4 A5 A6 |
3 - 4 - - - |
|||
Work accidents by sex | A7 A8 A9 A10 A11 A12 |
- 1 - - - 2 |
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Acidentes de trabalho versus sexo |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
---|---|---|---|
1-A8 | Artigo de Revisão | Canadá, Austrália | Os autores pretenderam analisar o risco de acidente e incapacidade entre os sexos. Estes concluíram que existem riscos de lesões e diferenças na recuperação, ainda que tal também seja influenciado pelos setores profissionais que classicamente cada género ocupa. |
2-A12 | Dados estatísticos | Portugal | Neste documento, proveniente do Gabinete de Estratégia e Planeamento, estão registados dados relativos à sinistralidade laboral de 2006 a 2015, nomeadamente números absolutos, taxas de incidência e número de dias perdidos; sendo feita a análise entre sexos e setores profissionais (categorizados de diversas formas) e distinguindo entre acidentes totais e fatais. Também se analisa o sinistro pelo número de funcionários da empresa, idade, mês, hora, local (interior, exterior e de viação), etiologia, tipo de lesões e área corporal atingida. |
3-A1 | Artigo Original | Islândia | Este estudo pretendeu analisar a sinistralidade laboral entre adolescentes versus sexo, etiologia e tipo de lesões. Os cortes e fraturas foram mais frequentes no sexo masculino e as queimaduras no feminino. |
4-A3 | Brasil | Este projeto pretendeu descrever os óbitos associados ao trabalho, entre 1996 e 2015, totalizando quase 59.000 mortes analisadas. |
CONTEÚDO
Existem diferenças anátomo-fisiológicas entre os géneros, nomeadamente tamanho e formato corporal, musculatura e metabolização, que podem modular determinadas questões ocupacionais, como a escolha e permanência em alguns postos laborais. Aliás, na mesma secção de trabalho, por vezes os dois géneros assumem tarefas diferentes e/ou executam-nas de formas diversas (1).
Em números absolutos, 98,8% dos acidentes ocorrem no sexo masculino, por este ser obviamente muito mais prevalente nos setores industrial e da construção (2), setores esses onde existe uma maior sinistralidade. Aliás, na generalidade da bibliografia consultada o sexo masculino geralmente apresenta valores superiores de sinistralidade laboral global (3) (4), não só devido às diferentes tarefas/postos de trabalho atribuídos, como já mencionado, mas também pelo facto de este género ser educado para ser audaz perante o perigo, pelo que até se poderá justificar (neste contexto) não fazer uso de algumas medidas de segurança. Num estudo dinamarquês, mesmo Adolescentes do sexo masculino, por vezes em trabalhos em part-time, parecem ter maior prevalência de acidentes de trabalho, pelo menos entre os que requisitam apoio médico especializado (3).
No gráfico 1 estão registados dados relativos aos Acidentes Laborais, no total e os que foram fatais, por sexo e atividade profissional. Os setores com maior sinistralidade foram a Construção, bem como a Agricultura, Produção Animal, Pesca e Atividades florestais. Para o sexo feminino, por exemplo, apenas existiram dois acidentes de trabalho fatais, pelo que cada um deles corresponde a percentagem de 50%, dando a ilusão visual de existirem mais acidentes fatais neste género. No gráfico 2, está registada informação equivalente, mas com outra estruturação dos setores profissionais mais simplista. Ambos os dados são provenientes do relatório do Gabinete de Estratégia e Planeamento (2015).
Legenda:
A-Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca
B-Indústrias Extrativas
C-Indústrias Transformadoras
D-Eletricidade, gás e vapor
E-Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição
F-Construção
G-Comércio por grosso e retalho; reparação de veículos
H-Transporte a Armazenamento
I-Alojamento, Restauração
J-Informação e Comunicação
L-Atividades financeiras e seguros
K-Imobiliárias
M-Consultadoria, atividades Científicas e Técnicas
N-Atividades Administrativas
O-Administração pública e Defesa
P-Educação
Q-Saúde Humana e Apoio Social
R-Atividades Artísticas, Desportivas e Recreativas
S-Outras atividades de Serviços
T-Atividades Domésticas e Familiares
U-Outras áreas
Legenda:
1-Poder Legislativo, Órgãos Executivos e Dirigentes
2-Atividades Intelectuais e Científicas
3-Profissionais e Técnicos de nível intermediário
4-Administrativos
5-Serviços Pessoais, de Proteção, Segurança e Vendas
6-Agricultores, Pescadores e Operadores de Atividades Florestais
7-Indústria, Construção e Artífices
8-Instalação e Montagem de máquinas
9-Operadores não qualificados
Por sua vez, no gráfico 3 (com dados obtidos através do Instituto Nacional de Estatística- INE), estão registados os acidentes de trabalho, entre os anos de 2002 e 2020, no total e divididos por sexo. Globalmente a sinistralidade laboral foi aumentado com o decorrer dos anos (ou aumento o registo formal dos acidentes) e, sem nenhuma exceção, o número absoluto de acidentes foi sempre superior no sexo masculino, na ordem de duas a três vezes mais.
Por sua vez, analisando dados da mesma fonte, relativos à Taxa de incidência de Acidentes de Trabalho não mortais com quatro ou mais dias perdidos, por 100.000 empregados, entre 2010 e 2019, verifica-se que também aqui, sem exceção, o sexo feminino apresenta sempre valores inferiores, também na ordem de um terço e metade.
Por sua vez, a nível de Acidentes de Trabalho mortais, considerando o total e por sexo, em diversos países Europeus, verifica-se que também aqui o sexo masculino apresenta valores muito mais elevados, ainda que tenham sido tratados os dados de forma bruta, pelo que países com mais habitantes, proporcionalmente, apresentam um número mais elevado de acidentes; não tendo sido dado informação relativa ao número de habitantes ou de trabalhadores de cada sexo, para se apresentarem as percentagens relativas; para além de em alguns anos não existirem dados para determinado país.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Os acidentes de trabalho são mais frequentes e graves no sexo masculino, não só devido ao tipo de tarefas que existem nos postos assumidos predominantemente por este género, mas também devido à personalidade e influência da sociedade e cultura que, geralmente, incentiva mais neste contexto a necessidade de desafiar o perigo e/ou ser mais aceitável não cumprir as regras.
A adesão às medidas de Segurança propostas varia então com a Perceção de Risco e a influência da equipa de trabalho, chefia e sociedade. Quanto mais esta globalidade de interferências for levada em conta, maior a capacidade da equipa de Saúde e Segurança Ocupacionais para atenuar a incidência e gravidade dos Acidentes Laborais e assim se obter um local de trabalho mais seguro, sendo que essas medidas deverão ser distintas entre o sexo masculino e feminino.