INTRODUÇÃO
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença que poderá evoluir de forma debilitante e atingir alguns indivíduos em idade ativa, pelo que será relevante que os profissionais a exercer na Saúde e Segurança Ocupacionais tenham um conjunto razoável de conhecimentos sobre o tema, de forma a conseguirem ajustar o melhor possível as tarefas laborais, bem como eventuais medidas de proteção, potenciando o bem-estar e desempenho/produtividade. Para além disso, conhecendo os fatores laborais que a potenciam, poder-se-á diminuir um pouco a incidência da patologia. Pretendeu-se com esta revisão resumir em português o que de mais atual e relevante se publicou sobre o tema na literatura internacional e nacional.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores com o diagnóstico de ELA
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre em que medida esta patologia pode modular a atividade laboral e quais os ajustes a desenvolver para minorar a situação (dificuldades laborais e a incidência da doença em si)
-C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas a empresas com funcionários com ELA.
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as principais caraterísticas da ELA que poderão interagir com a Saúde e Segurança Ocupacionais e quais as medidas que facilitarão o bem-estar, desempenho/produtividade e segurança laborais e/ou a diminuição da sua incidência?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Esclerose Lateral Amiotrófica | -título e/ ou assunto |
163 | 1 | sim | - | - | - | |
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Lateral AmyotrophicSclerosis |
-2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
4667 | 2 | não | - | - | - | |
+work | 236 | 3 | sim | 2 3 9 37 67 82 |
E1 E2 E3 E4 E5 E6 |
1 2 3 4 5 6 |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
---|---|---|---|
1 | Estudo original | Itália | Os autores pretenderam avaliar se o risco de ELA era superior em algumas profissões. Numa amostra de quase 285.000 trabalhadores, esta patologia pareceu ser mais prevalente em postos de atendimento ao público, eventualmente pelo maior risco biológico. |
2 | EUA | Neste projeto objetivou-se perceber se a ELA e a Doença de Parkinson eram mais frequentes em alguns setores laborais, utilizando-se uma amostra de quase 13 milhões de óbitos. A patologia pareceu ser mais abundante nos trabalhadores de colarinho branco. | |
3 | Artigo de Revisão | Itália | Os investigadores que elaboram o artigo aqui inserido desejavam avaliar a influência profissional na ELA. Contudo, concluíram que os estudos analisados apresentavam inúmeros vieses, a ponto de não ser seguro extrapolar as conclusões. |
4 | Estudo Original | Malta | Neste documento estava registado o objetivo de avaliar a influência ambiental na ELA e concluiu-se que eram justamente os trabalhadores manuais (como da construção em geral e carpintaria em particular), os que mais riscos apresentavam, eventualmente devido ao esforço físico. |
5 | Artigo de Revisão | Suécia | Os autores que redigiram este trabalho colocaram como meta investigar quais os riscos ocupacionais desta patologia. Registaram que o mais relevante pareceu ser o esforço físico, agentes químicos (sobretudo pesticidas e metais, com destaque para o chumbo) e os CEMs |
6 | Estudo Original | EUA e Dinamarca | Este projeto pretendeu esclarecer a controvérsia existente em relação ao formaldeído, como agente etiológico da ELA, numa amostra de mais de 3500 exposições. A associação demonstrou-se positiva. |
CONTEÚDO
Definição e principais caraterísticas
A ELA é uma doença neurodegenerativa (1) (2) (3) (4) (5) rapidamente (4) (6) progressiva (1) (2) (3) (4) (5) (6) associada ao sistema motor (1) (3) (5) (6) (superior e inferior) (6) e caraterizada por atrofia/paralisia muscular (1) (3), geralmente iniciada na idade adulta (5) com sobrevida média de dois a três anos (6). As primeiras manifestações geralmente incidem na astenia dos membros inferiores, geralmente na 5ª ou 6ª décadas de vida (4). A paralisia focal intensifica-se e alastra-se, podendo atingir os músculos respiratórios (5) e culminar em insuficiência respiratória (1) (5). A definição baseia-se em critérios estabelecidos em 1998, recentemente revistos (3).
Poderá ser autossómica recessiva ou dominante, segundo os investigadores consultados. Em 25% dos casos existe uma mutação no gene que codifica a enzima superóxido dismutase, no cromossoma 21. Também há evidência de ser uma doença multissistémica que atinge funções comportamentais, executivas, de linguagem e outros departamentos cognitivos, com associação aos lobos temporal e frontal (3).
Situações diagnosticadas mais cedo (por exemplo, a partir da 4ª década de vida) apresentam geralmente evolução mais benigna (3).
Variáveis que poderão modelar esta patologia
A fisiopatologia da ELA não está esclarecida com clareza (3).
Alguns investigadores consideram que o único fator ambiental que poderá ter alguma influência poderá ser o tabagismo (1); outros trabalhos mencionam-no como etiologia, ainda que sem considerar que será única (2) (3) (6). Há quem afirme que a influência ambiental global em si é controversa (4).
Contudo, a maioria acredita que outros itens a este nível poderão também estar envolvidos, como outras substâncias/condições e/ou ambientes laborais, nomeadamente:
-herbicidades, fungicidas, inseticidas (1) (3) (5) e fertilizantes (3)
-metais pesados (1) (3) (5) (como arsénio (3), chumbo (3) (5) e tálio (3))- controverso; neste momento, talvez existam mais estudos associados ao chumbo, mercúrio e cádmio; por vezes, mesmo em quantidades diminutas; já o zinco e a prata não parecem ser tão relevantes (3)
-formaldeído (1) (3) (6); a relação parece ser estatisticamente significativa, sobretudo se existir exposição crónica (com p<0,001) e três vezes mais forte para exposições intensas; ele tem um efeito neurológico direto, até porque consegue atravessar a barreira hematoencefálica e gerar stress oxidativo, através do atingimento da enzima superóxido dismutase (SOD) e do aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial (6)
-bifenis (3)
-diesel (3)
-acrilamida (3)
-herpes vírus humano 6 e 8 (1)
-hipóxia (3)
-campos eletromagnéticos (CEMs) (1) (3) (5), mesmo que de baixa intensidade- controverso; para além disso, alguns investigadores consideram que se deveriam distinguir os campos elétricos dos magnéticos (3)
-suscetibilidade genética (3) (4), ainda que a maioria constitua casos esporádicos; outros negam sequer qualquer influência da genética (6).
Assim, os setores profissionais mais relevantes poderão ser:
-produção de vidro e cerâmica (1)
-construção civil (1), nomeadamente eletricistas, técnicos de manutenção (3), carpinteiros e/ou pintores- controverso (4); eventualmente devido a atividade física intensa (3) (5) e/ou exposição a alguns metais (5); globalmente estima-se 50% maior risco (3) (5)
-manutenção e reparação de equipamentos eletrónicos (1)
-maquinistas (1)
-manutenção e instalação de telefones (1)
-cabeleireiros (1)
-setor da produção de energia (1) (por exemplo, na elétrica há exposição a bifenis policlorinados, que estão eventualmente associados a várias doenças neurodegenerativas) (3)
-profissionais com uso de computador (2)
-arquitetura e engenharia (2)
-advocacia (2)
-ensino (2)
-serviços bibliotecários (2)
-cabeleireiros (3)
-indústria têxtil (3)
-mecânicos (4)
-prestadores de cuidados de saúde (5) (6) em geral e veterinários em particular (1) (6)
-atletas (3) (6); por exemplo, mos futebolistas americanos conjugam-se os traumatismos, atividade física intensa, uso de substância dopantes e suplementos dietéticos, bem como pesticidas (na manutenção dos campos) (3); outros estudos registaram apenas “futebolistas” (1), sem especificar e outros deixaram clara que a associação era válida para as versões europeia e americana; outros artigos destacaram ainda maratonistas e triatletas (4). Para além disso, em qualquer modalidade pode haver hipoxia, associada a atividade aeróbica e/ou anaeróbica que, em indivíduos suscetíveis, pode aumentar o perigo (3); o risco em atletas profissionais foi quantificado em como sendo quatro vezes superior ao da população geral (5).
Algumas estatísticas
Calcula-se que a ELA atinja mais de um milhão de norte-americanos. Esta parece ser mais prevalente no sexo masculino (2) ou não (6) e em idades mais avançadas. Outros estudos especificaram que a incidência foi de 0,4 a 2,5/100.000/ano e a mortalidade é de 0,8 a 2,1/100.000/ano; ocorrendo na idade adulta, sobretudo mais avançada (idade média de 65 anos, com pico entre os 64 e os 75) (2) ou ainda que a idade média do diagnóstico situava-se entre os 58 e os 60 anos, com incidência de cerca de 2 casos por 100.000 (5).
Contudo, o suposto aumento do número de casos também se pode dever a diagnóstico mais eficaz e melhor qualidade dos registos (incluindo o preenchimento das declarações de óbito) (3).
Eventual interação com a Saúde Ocupacional
Nos artigos consultados não foram encontradas quaisquer referências a eventuais medidas de proteção a aplicar neste contexto. Em função da experiência clínica dos autores, poderão ser enumeradas as seguintes.
Medidas de Proteção Coletiva:
-respeitar condicionamentos das fichas de aptidão, sobretudo os relativos a cargas/esforços, rotatividade para tarefas menos relevantes neste contexto e exposição a agentes químicos indiciados como pertinentes
-proporcionar apoio mecânico para cargas
-trocar para agentes químicos menos tóxicos a este nível
-encaminhar para consultas de cessação tabágica e prescrição de exercício suave a moderado (para melhor aptidão cardiovascular).
Quanto a Medidas de Proteção individual, em relação ao risco químico (e, secundariamente, biológico), ponderar proporcionar máscara, viseira, farda, luvas, manguitos e/ou calçado de material e modelo adequados.
Eventual interação com a Segurança Ocupacional
Também neste contexto, não se encontraram dados diretos na bibliografia selecionada. A este nível dever-se-ia ponderar restringir ou, pelo menos, diminuir as tarefas com maior propensão para a ocorrência de acidentes, em função sobretudo das limitações físicas destes trabalhadores, avaliando caso a caso, dada a gravidade ser diferente e existirem diversos patamares de evolução.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que a prevalência desta patologia seja baixa, parte destes indivíduos estão inseridos na população ativa, pelo menos numa fase inicial. Não se encontraram dados concretos relativos a medidas de proteção ou outras atitudes relevantes para a equipa de Saúde e Segurança orientar neste contexto; ainda assim, os autores registaram de forma sucinta alguns itens nesse sentido, em função da sua experiência profissional, sobretudo para patologias com algumas semelhanças e mais prevalentes.
Seria aliciante que profissionais a exercer em ambiente hospitalar e com uma consulta de apoio a esta patologia, se debruçassem um pouco sobre o tema, retratando a realidade nacional e publicando a sua investigação em revistas da área, para difusão de conhecimentos a nível nacional, com extrapolação internacional, dada a escassez de bibliografia.