INTRODUÇÃO
A Diabetes Mellitus (Dm) é um problema de Saúde Pública que afeta um número crescente de trabalhadores. Pode ser considerada uma doença agravada pelo trabalho com um elevado custo social, económico e pessoal. O aumento da doença entre a população ativa pode originar um maior risco de incapacidade para o trabalho e de uma taxa mais elevada de absentismo (1). O tipo de trabalho realizado e as exposições a riscos laborais podem contribuir para a progressão da doença, segundo alguns autores. É importante acompanhar de perto os riscos associados a essas exposições, bem como a forma como se combinam entre si e com os modelos de trabalho, em constante evolução.
A Dm tipo I pode ter um impacto social e económico negativo para os trabalhadores. A sua incidência típica numa fase precoce da vida, aumenta o risco de exclusão laboral e pode provocar uma eventual diminuição no potencial dos seus rendimentos (2) (3) (4) (5) (6). Nas empresas, é comum encontrar trabalhadores com os múltiplos fatores de risco para diabetes e as consequências do descontrolo metabólico poderão levar a mais Certificados de Incapacidade Temporária por doença, mais acidentes de trabalho e mais perda de produtividade (7). Persson (2017) estudou os efeitos negativos de viver com Dm tipo I no atual mercado de trabalho, comparando 4 179 indivíduos do Swedish Childhood Diabetes Register com 16 983 pessoas que formaram o grupo de controlo populacional, sendo seguidos entre os 30 e os 50 anos de idade (1). Este autor encontrou uma correlação entre sofrer de Dm tipo 1 e dificuldade de entrar no mercado de trabalho (1). A exposição a alguns fatores de risco laborais pode contribuir para a aceleração da história natural da doença e maior incidência de complicações (4). A perda de rendimentos por efeitos indiretos pode ser explicada pelo aumento do absentismo relacionado com a necessidade de cuidados em regime de ambulatório, internamento e, em grande parte, por uma redução da capacidade de trabalho associada às complicações da diabetes. Estes últimos podem também estar relacionados com restrições nas oportunidades de carreira, uma vez que o risco de hipoglicemia pode diminuir o acesso a alguns tipos de emprego devido a problemas de segurança (2) (6). Os trabalhadores com Dm tipo 1 podem selecionar trabalhos específicos, como consequência da diminuição da flexibilidade devido à necessidade diária de tratamentos, nomeadamente monitorização da glicose no sangue, injeção de insulina e rotinas rígidas de dieta e exercício (2).
Este trabalho pretende abordar a Dm tipo I em contexto laboral hospitalar, no seu conceito de doença eventualmente agravada pelo trabalho, identificar quais as consequências que esta pode ter para os trabalhadores, partindo de dois casos clínicos, em fases evolutivas diferentes. Caracterizando a atividade realizada por ambas as profissionais de saúde, irá se explorar as intervenções possíveis da Saúde Ocupacional. Pretende-se identificar quais os fatores de risco laborais que estão referenciados na bibliografia para o risco de agravamento da doença e de que forma o Médico do Trabalho pode contribuir para tornar o ambiente laboral mais seguro para estes indivíduos. O foco será atrasar o aparecimento das lesões de órgão alvo (LOA) na Auxiliar de Ação Médica (AAM), bem como a evolução nas lesões já evidentes na Enfermeira.
METODOLOGIA
A documentação dos dois casos apresentados foi realizada a partir do ficheiro clínico dos doentes, após autorização dos profissionais. Foi eliminada toda a informação identificativa dos funcionários. Os autores recorreram às bases de dados e registos PubMed, Science Direct e Google Scholar, com as palavras-chave “diabetes mellitus, occupational medicine, risk factors, occupational health”. Foram aplicados os filtros revisão e revisão sistemática, considerando a janela temporal de publicação de 2010 a 2024. Esta pesquisa resultou num total de 463 trabalhos (PubMed= 89; Science Direct= 187; Google Scholar= 219). Foram eliminados duplicação de entradas de trabalho e a partir da leitura dos títulos e resumos. Utilizou-se como critérios de exclusão a abordagem a outras doenças sem ser diabetes, referência exclusiva a Dm tipo II e abordagens fora do contexto ocupacional. Foram ainda considerados os artigos sobre diabetes e saúde e segurança no trabalho publicados na Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional, num total de cinco artigos. Pela sua importância para o tema foram incluídos adicionalmente outros cinco documentos, nomeadamente a Norma de Orientação Clínica da Direção Geral de Saúde (DGS) para o Diagnóstico e Classificação da Diabetes Mellitus, um estudo nacional com dados epidemiológicos da doença em Portugal, a Legislação Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e um caderno técnico sobre esta patologia no local de trabalho. Após estudo destas fontes bibliográficas, foram selecionados 30 trabalhos para a discussão destes casos clínicos.
DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS
Os autores reportam dois casos de dois profissionais de saúde de uma unidade hospitalar, ambos com diagnóstico de Dm tipo I aos cinco anos de idade.
Caso 1: Profissional do sexo feminino de 57 anos, Enfermeira, observada no Serviço de Saúde Ocupacional (SSO), em contexto de Exame de Saúde Ocasional por Alteração de Posto de Trabalho. Antecedentes profissionais de 33 anos de carreira hospitalar como enfermeira em Serviço de Urgência de um hospital periférico durante cinco anos, tendo assumido posteriormente funções no internamento de diversos serviços dessa instituição hospitalar, nomeadamente Ortopedia, Cirurgia, Otorrinolaringologia, Neurologia e Esterilização. Antecedentes pessoais de retinopatia e nefropatia diabética, neuropatia, em tratamento para uma osteomielite do primeiro dedo do pé direito, sem alterações cardiovasculares. A atividade da enfermeira incluía prestar cuidados diretos de enfermagem com monitorização dos doentes; administração de medicamentos; cuidados de higiene e conforto dos pacientes.
Caso 2: Trabalhadora do sexo feminino, AAM de 35 anos, observada em contexto de Exame de Saúde Ocasional após Acidente de Trabalho por entorse tibiotársica direita. Antecedentes profissionais de trabalho em superfície comercial como repositora durante cinco anos, presentemente trabalha em enfermaria de Medicina Interna. Antecedentes pessoais de síndrome depressivo, diagnóstico recente de retinopatia diabética e doença profissional reconhecida de síndrome do túnel cárpico. Da caracterização da atividade da AAM destaca-se colaborar na prestação de cuidados de higiene e conforto dos doentes; assegurar as condições de higiene de todos os locais de trabalho; bem como rececionar, arrumar e repor pelas várias unidades do internamento, todo o material e roupas necessários.
Em ambos os casos existiam registos de glicemia descompensada, hiperglicemia e hipoglicemia em registos de análises realizadas em contexto de Vigilância de Saúde pelo Serviço de Saúde Ocupacional. Nos dois está presente o trabalho por turnos rotativo com horário noturno e realização de tarefas fisicamente exigentes. As duas profissionais tinham necessidade de realizar tratamento com insulina durante o período de trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Dm é um grupo de doenças metabólicas em que se verificam níveis elevados de glicose no sangue durante um longo intervalo de tempo. Existem quatro tipos clínicos etiologicamente distintos: tipo I, tipo II, Dm gestacional e outros menos prevalentes (6). Em Portugal esta patologia apresenta uma incidência de 680 novos casos por cada 100 000 habitantes (8). Em 2021, a prevalência estimada na população portuguesa com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos foi de 14,1%, tornando a Dm uma das doenças crónicas mais comuns na prática clínica diária de Medicina do Trabalho (4) (8). Em média, a nível nacional estima-se um total de oito anos de vida perdida por cada óbito associado a esta patologia, na população com idade inferior a 60 anos (6).
A avaliação de um trabalhador com Dm pelo Médico do Trabalho (MT) poderá ocorrer na admissão, mas também em exames periódicos ou ocasionais, podendo estes últimos ser motivados pelo diagnóstico de novo, por ausência prolongada por doença ou acidente de trabalho (AT), eventualmente relacionados com a doença (9). Os rastreios biométricos no local de trabalho, como o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) provaram o seu valor na identificação de riscos ou na monitorização de processos de doenças metabólicas (10). O diagnóstico da doença pode ser efetuado pela presença de sintomas clássicos (poliúria, polidipsia, astenia, perda de peso, polifagia, cicatrização lenta de feridas cutâneas, alteração da visão, infeções frequentes) e glicémia ocasional superior ou igual a 200 mg/dL ou glicémia em jejum superior a 126 mg/dL (11). Pode ainda ser utilizado para diagnóstico testes que não são utilizados em Medicina do trabalho, como a prova de tolerância à glicose oral (PTGO) ou a hemoglobina glicada A1c (11). Em anexo, colocam-se os critérios de diagnóstico presentes na Norma de Orientação Clínica emitida pela Direção Geral de Saúde. De acordo com Giese (2018), a Dm tipo I pode apresentar-se em diferentes fases, incluindo glicose pré-sintomática/normal, pré-sintomática/glucose diminuída e sintomática/hiperglicemia (12). A deteção precoce de sintomas de diabetes é um sinal de alerta nos exames de vigilância de saúde dos trabalhadores (12) (13).
Entre as diferentes formas de diabetes, a Dm tipo I representa apenas 10% do total de Dm, com uma incidência típica por volta 12-14 anos, em ambos os sexos, podendo ser mais precoce, como nos dois casos apresentados (6) (8) (14). Sendo mais rara, é importante considerá-la nos Exames de Admissão, mesmo em trabalhadores jovens a entrar no mercado de trabalho. Na emissão da Ficha de Aptidão é preciso levar em conta possíveis necessidades de adaptação do posto de trabalho, com medidas organizacionais que limitem a exposição a fatores de risco ocupacionais que promovam a alteração do controlo metabólico. Esta doença é relevante para o contexto dos Exames de Saúde de Medicina do Trabalho porque a sua incidência está a aumentar; estimando-se existirem cerca de 1,2 milhões de crianças e jovens em todo o mundo afetados por esta doença crónica que entrarão no mercado de trabalho (8).
Dm tipo I é causada pela destruição das células produtoras de insulina do pâncreas pelo sistema de defesa do organismo, geralmente devido a uma reação autoimune, não existem exposições laborais conhecidas para a etiologia desta forma de diabetes (6).
A perda de dias de trabalho relacionados com doença mental também é superior nos trabalhadores que sofrem de diabetes (2). Liu (2017) mediu quantitativamente o estigma do diabetes e seu impacto psicossocial numa população de doentes com Dm tipo I ou tipo II de 12.000 pessoas com diabetes. A maioria dos entrevistados com diabetes tipo 1 (76%) ou tipo 2 (52%) relatou a presença de estigma associado à diabetes, sendo este definido no trabalho como experiências de sentimentos negativos, como exclusão, rejeição ou culpabilização devido à estigmatização percebida de ter diabetes (15). As características socialmente identificáveis relacionadas com a diabetes podem incluir injeções de insulina, monitorização da glicemia, restrições alimentares, obesidade e episódios de hipoglicemia, os quais podem contribuir para a experiência do estigma da diabetes (15). Estudos que investigam as consequências psicossociais de ser estigmatizado relataram que pacientes com diabetes experimentam sentimentos de medo, constrangimento, culpa, ansiedade e baixa autoestima (15). Essas emoções negativas podem resultar em depressão e estão correlacionadas com um aumento da taxa de complicações como retinopatia e problemas macrovasculares(15). Na transição para a idade adulta e entrada no mercado laboral, os doentes são sujeitos a este estigma da doença, dificultando a gestão do tratamento e constituindo um desafio psicossocial relacionado com o trabalho (5) (6) (16) (17). Na base destes efeitos negativos podem estar diversos fatores contributivos, tais como a diminuição da empregabilidade, absentismo para consultas e tratamentos, limitações na aptidão para o trabalho por lesão alvo crónica, diminuição da satisfação no emprego, burnout e riscos físicos por hipoglicémia durante o trabalho (4) (5) (18) (19) (20) (21) (22) (23). Este impacto é mais significativo para os diabéticos tipo I, em que a incidência é mais precoce na população ativa. De acordo com Pearson et all (2017), estima-se que a diabetes tipo I com início na infância reduza rendimentos entre 9% e 10% para indivíduos com idades compreendidas entre os 27 e os 32 anos (2). O início da diabetes tipo I na adolescência reduz os rendimentos em 8% e 4%, respetivamente, para as mulheres e os homens, aos dez anos após o diagnóstico(18). Por sua vez, este impacto adverso na capacidade de trabalho e nos rendimentos pode por si só interferir na capacidade de controlo glicémico (17). Apesar do esforço para controlar a Dm, é frequente os trabalhadores relatarem as dificuldades que encontram no local de trabalho para a manutenção das recomendações dietéticas e até na possibilidade de cumprimento terapêutico (9).
Em contraste com a hipoglicemia, a hiperglicemia não produz qualquer efeito adverso imediato no desempenho profissional. Os sintomas da hiperglicemia geralmente desenvolvem-se ao longo de horas ou dias e não ocorrem repentinamente; portanto, não representa risco imediato de incapacitação súbita (4) (19). A persistência de um nível elevado de glicose no sangue, mesmo na ausência de sintomas de descompensação, resulta em lesões nos tecidos que pode ser encontrada em diversos órgãos. As lesões de órgão alvo mais importantes e com impacto na qualidade de vida dos doentes e capacidade de trabalho estão presentes nos rins, olhos, nervos periféricos e sistema vascular. No caso da Enfermeira e da AAM seguidas pelo SSO, ambas apresentavam já retinopatia diabética. A Enfermeira pelo tempo de progressão da doença tinha nefropatia diabética, neuropatia e uma osteomielite do primeiro dedo do pé direito, todas elas enquadrados nas principais complicações crónicas de Dm. Em ambos os casos estavam ausentes complicações cardiovasculares. A Diabetes é a principal causa de cegueira, insuficiência renal e amputação de membros inferiores nos países desenvolvidos (6). Em anexo coloca-se um resumo das complicações micro e macro angiopáticas da Dm.
O artigo 85.º do Código do Trabalho refere-se aos princípios gerais quanto ao emprego do trabalhador com doença crónica. Este garante o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho à formação, promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, sem prejuízo das especificidades inerentes à sua situação, não podendo o trabalhador com doença crónica ser discriminado negativamente (20). Adicionalmente, no artigo 87.º, é lhe conferido o direito a ser dispensado da prestação de trabalho, entre as 20h de um dia e as 7h do dia seguinte, se esta puder prejudicar a Saúde ou Segurança no trabalho, não sendo ainda obrigado à prestação de trabalho suplementar (20). Relativamente à prevenção dos riscos profissionais a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, refere que o empregador tem a obrigação de assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde no trabalho (21). Na Dm tipo I, a principal questão para o Médico de Saúde Ocupacional é a certificação da presença ou ausência de contraindicações para determinada função ou tarefas, dentro da mesma, resultado das lesões acima mencionados e como forma de prevenir o seu desenvolvimento. As complicações da Diabetes podem afetar a capacidade de trabalho e, por este motivo, devem ser alvo de avaliação periódica pelo Médico do Trabalho (9).
Da revisão da bibliografia identificou-se como estando presentes no ambiente hospitalar e podendo ter impacto na aceleração das lesões de órgão alvo destas duas trabalhadoras o trabalho por turnos noturnos rotativos, as atividades de elevada exigência física, dificuldade em tomar medicamentos ou comer regularmente devido à pressão de trabalho e horários irregulares (2) (12) (16) (22) (23). Os estudos evidenciaram que os trabalhadores noturnos têm mais fatores de risco cardiovascular, o que pode influenciar o controlo glicémico e vem ao encontro com estudos que associam o trabalho por turnos noturnos a um aumento da prevalência da síndrome metabólica, que consistem na junção da alteração lipídica (diminuição do bom colesterol ou HDL e aumento os triglicerídeos), aumento da tensão arterial, obesidade abdominal e glicemia alterada (1). O trabalho por turnos, sobretudo noturnos, associa-se ao aumento da resistência à insulina, por desregulação de ritmos circadianos, podendo dificultar o controlo glicémico, apesar da adesão terapêutica (9). A hiperglicemia crónica pode causar complicações microvasculares (retinopatia, neuropatia, nefropatia) e/ou macrovasculares (doença vascular periférica/cerebrovascular, cardiopatia isquémica), com importantes implicações na capacidade de trabalho (9). Ambas as trabalhadoras beneficiaram em ficar num posto com evicção de trabalho por turnos noturnos rotativos. A diabetes por si só pode constituir um fator de risco para algumas doenças profissionais, nomeadamente, para síndrome do túnel cárpico (STC), pelo que os Exames Periódicos de Saúde devem permitir a exclusão de sintomas desta doença, quando os trabalhadores estão sujeitos a movimentos repetitivos dos membros superiores (24). A STC é uma condição progressivamente dolorosa do punho e mão, causada pela compressão do nervo mediano, ao nível do túnel cárpico, na face anterior do punho, existem vários fatores de risco conhecidos (movimentos repetitivos, cargas, vibrações, gravidez). Costa (2020) destaca a diabetes e a necessidade de um esforço de equipa entre enfermeiros do trabalho, médicos do trabalho, médicos de medicina geral e familiar, fisioterapeutas, nutricionistas, endocrinologistas, neurologistas e cirurgiões no diagnóstico e abordagem à doença (25). Esta doença faz parte de um complexo de condições do membro superior denominado mão diabética. À medida que a força de trabalho envelhece e as taxas de doenças metabólicas aumentam, é provável que surjam cada vez mais manifestações de “mão diabética” nos serviços de Saúde Ocupacional (26). Numa revisão sobre o tema, Costa (2020) reporta um estudo que questionou uma amostra com Dm tipo 1 (n=1911), 586 (31%) auto-reportava pelo menos uma condição no membro superior (com tendência a apresentarem uma idade mais avançada e maior duração de patologia): 293 (15%) dedo em gatilho, 261 (14%) STC, e 92 (5%) contratura de Dupuytren, com 281 (15%) a reportar mais que duas condições (25) (26). Sobre manifestações de “mão diabética”, demonstrou-se que a STC e a contratura de Dupuytren ocorrem com mais frequência em diabéticos, sendo muitas das vezes condições não valorizadas precocemente, bem como a mobilidade articular limitada ou fraqueza nas mãos.
Burton et al (2015) refere que pacientes com diabetes que receberam educação e aconselhamento têm maior probabilidade de melhorar o controlo glicémico, da pressão arterial e perfil lipídico (27). O maior conhecimento do médico do trabalho sobre diabetes irá permitir realizar o aconselhamento, tratamento da diabetes, e treino de carreira de pessoas com diabetes tipo I. Os exames de Medicina do Trabalho podem ser momentos privilegiados de monitorização do controlo glicémico, adesão terapêutica do trabalhador e de implementação de programas de adoção de estilo de vida saudável - dieta adaptada a esta condição e promoção de exercício físico (4) (28).
As grandes complicações agudas da Dm tipo I são a cetoacidose diabética e a hipoglicémia. Enquanto a primeira constitui uma emergência hospitalar e está fora do âmbito da Medicina do Trabalho, estima-se que em indivíduos com Dm tipo I, os episódios de hipoglicemia grave têm tido uma frequência estimada de até três vezes por ano e podem ocorrer no local de trabalho. (19) (29). A hipoglicémia é definida como um episódio clínico em que ocorrem sintomas típicos e glicémia plasmática inferior a 70 mg/dL, é classificada como leve se os sintomas não interferirem com a atividade; moderada se existe alteração neurológica, mas o doente está suficientemente alerta para se tratar e como grave, se a alteração neurológica for severa e impedir o trabalhar de instituir tratamento a si próprio. Fazem parte deste quadro as manifestações clínicas de sintomas adrenérgicos do sistema nervoso autónomo, como tremor, palpitações, ansiedade, sudação, tonturas, irritação, confusão e sensação de fome. Na sua apresentação mais grave a hipoglicémia pode ser confundida com um acidente vascular cerebral e provocar convulsões, lesão cerebral, coma e morte. A Saúde Ocupacional poderá ter um papel interventivo na educação do trabalhador para o reconhecimento dos sintomas e incluindo os colegas de trabalho nesta intervenção e informando-os das medidas imediatas a tomar no caso de o trabalhador apresentar sintomas desta condição (19) (27 ) (30). Deste último tópico destaca-se a diabetes como um fator de risco para lesões traumáticas, resultantes de quedas e colisões de veículos motorizados, e presume-se que a hipoglicemia desempenhe um papel importante nesses acidentes. ( 4) (19) Apesar da história antecedente de acidente de trabalho da AAM, este não teve por base um episódio de hipoglicémia.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A Dm tipo I é uma doença crónica que requer cuidados médicos contínuos e educação do doente, juntamente com apoio na prevenção de complicações agudas e redução do risco de complicações crónicas (11). A maioria dos estudos sobre Dm na área da Saúde Ocupacional foca-se na prevenção e gestão da Dm tipo II. A Saúde Ocupacional poderá ter um papel contributivo para detetar sinais e sintomas de descontrolo da doença nos trabalhadores das estruturas hospitalares e referenciá-los aos cuidados de saúde primários ou consulta hospitalar. Em ambiente hospitalar, no contexto de Serviço Interno de Saúde Ocupacional, em caso de aumento da frequência de episódios de hipoglicémia a emissão da ficha de aptidão para o trabalho deve levar em conta a monitorização do controlo glicémico do trabalhador, por forma a garantir a segurança do profissional com doença crónica e dos utentes. Uma história clínica direcionada à documentação dos episódios de hipoglicémia e a pesquisa de complicações crónicas da diabetes serve de base para a adaptação dos postos de trabalho para prevenir o descontrolo glicémico de trabalhadores como os dois casos clínicos que incluímos neste trabalho. Além da evicção de fatores de risco para esta descompensação, que foi implementado para a trabalhadora mais jovem, a intervenção da Saúde Ocupacional deve passar pela modificação do local de trabalho para acomodar as complicações crónicas da Dm. A Ficha de Aptidão serve para comunicar de modo cuidadoso, claro e sucinto as recomendações, condicionalismos ou limitações profissionais, permite estabelecer uma ponte para a implementação das medidas que previnem o agravamento da Dm em consequência do trabalho, assim como a potencial melhoria do controlo da doença e a prevenção de complicações nos órgãos-alvo(9). Nestes dois casos, foram implementadas recomendações para permitir a estas duas trabalhadoras permanecer mais produtivas. Foi recomendada a adquisição de monitores de maior dimensão ou outra forma de adaptação visual para a Enfermeira com retinopatia diabética. Pela presença de neuropatia periférica foi recomendado a restrição de tarefas que impliquem percorrer longos trajetos e que a trabalhadora pudesse ter períodos para alternar entre a posição sentada e ortostática durante o horário de trabalho. Outro exemplo de futuras recomendações que poderão beneficiar esta trabalhadora podem passar, em caso de agravamento da insuficiência renal, pela flexibilização do horário para tratamentos de diálise (4).
Dado à dificuldade do controle glicémico devido à irregularidade de horários, trabalho por turnos, trabalho noturno que contribuem para a evolução precoce para estádios avançados da doença/LOA, a Saúde Ocupacional pode e deve ter um papel fundamental para a educação para a saúde destes doentes, interferindo na organização do trabalho de forma a proteger o trabalhador das complicações precoces e contribuir para a sua capacidade de trabalho. Estes trabalhadores merecem especial atenção por parte do MT, uma vez que a avaliação do impacto do trabalho e a correção dos fatores agravantes, são intervenções fundamentais para manutenção, quer do adequado controlo da doença, quer da segurança do trabalhador e de terceiros (9). A instituição de medidas preventivas e monitorização destes trabalhadores ajuda a reduzir o absentismo laboral, a perda de produtividade e a perda de rendimento para o trabalhador.