INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos a generalidade dos países foi desenvolvendo normas relativas à diminuição dos locais onde continua a ser possível fumar, nomeadamente em contexto laboral. Pretendeu-se com esta revisão resumir o que de mais recente se publicou sobre o tema.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores expostos laboralmente ao tabagismo passivo (TP)
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre como evolui a exposição a este fenómeno, em função das alterações criadas pelas normas e quais os procedimentos que parecem ser mais eficazes neste contexto
-C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas ao TP.
Assim, a pergunta protocolar será: Como evolui o Tabagismo Passivo ao longo das últimas décadas, quais as principais consequências médicas, quais as principais alterações verificadas e quais os procedimentos que obtiveram mais sucesso?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
CONTEÚDO
Caraterísticas dos Produtos Tabágicos
O TP é definido como fumo de "segunda mão" que engloba uma mistura complexa de poluentes, que permanece na poeira das superfícies locais onde se fumou, constituída pelos produtos tabágicos originais e os componentes originários pela respiração do consumidor direto, eventualmente reagindo a outros agentes presentes. Estes produtos podem permanecer nas paredes, chãos, carpetes/tapetes, cortinas e móveis, persistindo, por vezes, por meses; a transmissão pode ocorrer pelo toque (1). Ou seja, tal implica exposição a uma mistura complexa de milhares de gases e matéria particulada, resultante da combustão do tabaco e do fumo exalado (2); alguns investigadores estimam que sejam cerca de 4000 agentes químicos, dos quais 250 são tóxicos e 50 são inclusivamente carcinogénicos (1).
Os e-cigarros, em específico, vaporizam nicotina, aldeídos, metais pesados e outras toxinas (3); ou seja, mesmo este tipo de consumo de tabaco emite produtos nocivos para a atmosfera e interior dos edifícios; logo, justifica-se a existência de legislação limitativa. Os produtos eletrónicos são compostos por um componente atomizador, um constituinte em ácido inoxidável, uma bateria iónica de lítio, um chip com o programa que controla o funcionamento e um cartucho removível (que contém propilenoglicol, glicerina vegetal, aromatizantes e nicotina). Contudo, como os cigarros eletrónicos não queimam o tabaco e não se produz fumo, há a noção empírica de que são inofensivos. Eles surgiram em 2006 e foram progressivamente aperfeiçoados, podendo se considerar que estão presentemente na quarta geração (4).
O tabaco aquecido, por sua vez, pode atingir os 250-350º, versus os mais de 800º do cigarro clássico. Nestes também é produzido um aerossol e não fumo. São constituídos por uma resistência elétrica, um suporte e um carregador (por exemplo, IQOS). Parte destes produtos contêm aromatizantes e a sua popularidade tem vindo a aumentar, mesmo em não fumadores, sobretudo nos muito jovens. Por vezes é fornecida uma dose superior de nicotina (por comparação com o cigarro clássico), o que tanto pode potenciar a cessação deste último, como aumentar o patamar de dependência global (4).
Nestas novas formas de fumar, a qualidade do ar interior fica pior (por comparação com locais onde não há nenhum tipo de consumo), nomeadamente devido à matéria particulada, ainda que menos do que com o cigarro clássicoserá relevante que a população tenha esta noção, para perceber o porquê de se colocarem as restrições em espaços públicos, incluindo também estas versões mais modernas de tabagismo (4).
Consequências do Tabagismo
O tabaco é uma das causas preveníveis de morte mundialmente e fator de risco modificável (2) (5), por mecanismos que abarcam o dano de DNA, inflamação e stress oxidativo (1). Ele implica custos de saúde e de diminuição da produtividade laboral, em função das doenças associadas:
-patologia cardiovascular (1) (2) (3) (5) (6) (7) (8) (nomeadamente angina (8), enfarte agudo do miocárdio (3) (8), disrritmias (8))
-doença pulmonar crónica obstrutiva- DPCO (1) (5) (6) (7) (9) e asma (7)
-diabetes mellitus (5)
-diversos cancros (1) (7) (5), nomeadamente pulmonar (3)
-alterações obstétricas [como parto pré-termo (5) T1, baixo peso ao nascer (7) (5), morte súbita infantil e infeções respiratórias agudas (5)] e
-infeções (7).
Assim, eliminar o TP deverá ser um foco dos programas de saúde pública (8).
Estatísticas associadas ao Tabagismo
A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que mais de oito milhões de indivíduos morram anualmente devido ao tabaco; dentro destes, a exposição passiva poderá justificar cerca de 1,2 milhões de mortes no mesmo intervalo de tempo. Quando existem áreas restritas para fumar, por vezes, esses locais funcionam como fonte relevante de exposição ao tabagismo passivo; situações em que tal acontece, deveriam levar ao encerramento das mesmas. Alguns estudos estimam que cerca de 12% dos trabalhadores estão expostos ao tabaco no seu local de trabalho, mesmo referindo que existem restrições ao ato de fumar (5). Porventura, medida para atenuar o TP mais eficaz, talvez fosse o aumento dos impostos (2).
O TP é mais frequente nas classes socioeconómicas mais baixas (6) (7), nos postos de trabalho mais manuais, com vínculos mais precários e com menos habilitações; por vezes, com risco até duplicado. Outros investigadores também concluíram que é mais provável no sexo masculino (9).
Num estudo escocês 1/5 dos indivíduos não tabagistas apresentava evidência de exposição ao TP, através de níveis de cotinina salivar, devido a exposição domiciliar e/ou laboral. No Reino Unido estima-se que dez milhões de indivíduos (cerca de 1/5 também) estejam expostos ao TP no seu ambiente de trabalho; sobretudo os que estão dentro de edifícios, mesmo com a legislação elaborada nesse sentido, há cerca de uma década (6). Por sua vez, no México, estima-se que cerca de 10.000 indivíduos estão expostos ao TP; sendo que, no sexo masculino, a exposição é superior nos locais públicos e de trabalho (7). Já em norte-americanos, o tabaco é responsável por cerca de 443.000 mortes anualmente; destas, 50.000 não são fumadores e cerca de 3000 morrem de cancro pulmonar e 46.000 apresentam doença cardíaca. Acredita-se que existiam cerca de 88 milhões de norte-americanos expostos ao TP (1). Por sua vez, em 2018, estimou-se que existam cerca de oito milhões de adultos afirmaram fazer vaping nos EUA (3). Na Ásia, o Bangladesh é um dos países com maior consumo de tabaco (21% da população fuma diariamente, 48% dos indivíduos do sexo masculino e 1,5% dos do sexo feminino); destes, 24% fazem-no com tabaco sem fumo e 36% são fumadores passivos (10).
Normas/Legislação associadas ao Tabagismo
Na generalidade dos países foram surgindo leis/normas para diminuir a exposição ao tabagismo passivo e desincentivo ao ato de fumar (impostos e maior acesso a consultas para cessação tabágica, por exemplo) (5). Países com mais normas/legislação acerca de restrições ao tabaco, geralmente implicam menor exposição passiva (2). A maioria destes tem normas/legislação para o TP (6). O local de trabalho é uma importante fonte de exposição a este último (2). Alguns setores profissionais diminuíram bastante o TP, nomeadamente escritórios, bares e restaurantes (6) (7). Estima-se que as proibições de fumar diminuem o TP no local de trabalho e no domicílio em cerca de três vezes (7) (9). Por exemplo, num estudo sul-coreano, os níveis de cotinina urinários passaram a metade em não fumadores, após a introdução de restrições no consumo de tabaco. Conclusão equivalente se obteve entre barmans irlandeses. Genericamente, o TP diminuiu significativamente na maioria dos países europeus e Austrália nos últimos 25 anos. Contudo, por sua vez, os países da europa de leste têm exposição superior aos da europa ocidental (9).
No Reino Unido é proibido fumar em locais fechados e espaços públicos desde 2007; bem como viaturas que transportam pessoas com menos de 18 anos, em relação ao tabaco convencional. Os e-cigarros não têm legislação neste país, ainda que estudos entre 2012 e 2014 tenham concluído que também esta versão implica toxicidade a nível passivo (ainda que outras investigações sejam contraditórias) (11). A Espanha, por exemplo, em 2011, ficou totalmente "smoke-free" (12).
A indústria tabaqueira tenta sempre minar as normas/legislação que possam ir contra os seus interesses comerciais e obter o apoio da população (sobretudo não tabagista) (12).
Por vezes esta chega a financiar grupos de direitos de fumadores, para que estes se oponham publicamente à legislação antitabágica; argumentando que tal constituiu um fundamentalismo, ou seja, algo intolerante e extremista (12).
Consumo de Tabaco em ambiente laboral
Um estudo norte-americano concluiu que a generalidade dos trabalhadores avaliados valorizava um ambiente laboral sem tabaco, incluindo as novas formas de consumir, uma vez que mesmo o vaping poderá originar alguns problemas nos funcionários (3), como já se mencionou.
A maioria dos indivíduos que costuma vaporizar no posto de trabalho, por vezes não exala totalmente, para que a atividade passe mais discreta aos colegas e/ou que os incomode menos (3). Na Inglaterra, por sua vez, a maioria dos postos de trabalho apresenta normas restritivas quanto ao uso dos e-cigarros (11), ainda que outros autores mencionem que não existem normas oficiais em relação ao tema, como atrás descrito.
A maioria dos indivíduos avaliados defende a necessidade de não fumar em casa e no local de trabalho, independentemente do tipo de tabaco; sobretudo não fumadores e tabagistas recentes (11).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ao longo das últimas décadas verificou-se, globalmente, uma diminuição ao TP, devido à introdução de normas cada vez mais restritivas em relação aos locais onde ainda é permitido fumar, na sociedade em geral e, obviamente, em contexto de trabalho também. Os artigos selecionados não realçaram muito o seguinte detalhe mas, criando-se áreas onde é permitido fumar na empresa, estas devem minimizar a exposição de todos os trabalhadores, fumadores e, sobretudo, não fumadores. Seria desejável que os países/instituições onde as normas são menos restritivas e/ou cumpridas, tal se alterasse, de forma a todos os trabalhadores terem um ambiente laboral seguro.
Para além disso, seria interessante perceber qual a opinião que os trabalhadores portugueses têm em relação a este tema, de que forma as normas são cumpridas e quais as técnicas mais eficazes para obter mais sucesso neste contexto, entre as diversas técnicas utilizadas no nosso país.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Tabagismo passivo | -título e/ ou assunto | 32 | 1 | Sim | - | - | - | |
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Passive smoking | -2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
841 | 2 | Não | - | - | - | |
+ work | 85 | 3 | Sim | 1 2 5 19 30 32 33 34 38 43 44 54 60 62 |
T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10 T11 T12 T13 T14 |
5 2 6 7 9 1 - 8 3 11 12 4 - 10 |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
---|---|---|---|
1 | Estudo Original | EUA | Este artigo pretendeu avaliar a exposição ao TP numa amostra de 37 indivíduos, em contexto de hotelaria. Os autores concluíram que os trabalhadores poderão ser afetados, ainda que também sugiram mais estudos. |
2 | Alemanha | Os autores idealizaram investigar as alterações existentes nos postos de trabalho em 29 países europeus, relativamente ao TP, em 2005, 2010 e 2015, abrangendo quase 96.000 funcionários. Percebeu-se que países mais rigorosos e/ou rápidos a aplicar as restrições, conseguiram menores níveis de exposição para os trabalhadores. | |
3 | EUA | Este projeto teve como objetivo perceber a opinião sobre os trabalhadores em relação às normas relativas ao tabagismo eletrónico, considerando empresas com pelo menos 150 funcionários, numa amostra final superior a 1600 indivíduos. A nível estatístico encontrou-se uma elevada aprovação em relação às normas antitabágicas, incluindo as versões eletrónicas, dada a melhoria global de saúde. | |
4 | Itália | Neste documento publicou-se a testagem de matéria particulada, antes e depois da utilização do cigarro eletrónico e convencional. Ainda que variável entre dispositivos, a percentagem de partículas nocivas revelou-se preocupante, pelo que se justificam as normas restritivas de qualquer consumo tabágico em locais públicos. | |
5 | Catar | Este artigo objetivou avaliar a exposição ao TP entre o sexo feminino, até porque a percentagem de fumadoras neste país é muito baixa. Numa amostra de quase 8000 indivíduos maiores que 18 anos, em 2019, verificou-se que a exposição era significativa em contexto domiciliar, podendo tal ser razoavelmente extrapolado para o ambiente de trabalho, em condições semelhantes. | |
6 | Reino Unido | A publicação aqui mencionada pretendeu desenvolver uma metodologia com capacidade para avaliar o TP, em contexto ocupacional. | |
7 | México | Os investigadores que divulgaram este documento desejaram correlacionar o TP existente em locais públicos e privados, em 2016. Nesse país verificou-se que os níveis de exposição ainda eram elevados e que era relevante existir mais rigor na aplicação das normas já existentes. | |
8 | Escócia e EUA | O projeto em causa analisou os dados colhidos entre 2008 e 2011, na Escócia, de forma a investigar a evolução do TP em diversos contextos, após a introdução de normas restritivas. Como conclusão geral, os autores publicaram que a eliminação deste era uma questão fundamental em contexto de Saúde Pública. | |
9 | Itália, Espanha, Alemanha, Austrália, França, Suécia, Islândia, Estónia, Suíça, Bélgica e Reino Unido | Este estudo planeou avaliar de que forma as normas restritivas influenciaram o TP, no local de trabalho e domicílio. Verificou-se que estas foram eficazes na Europa, ainda que as estratégias globais possam ser aperfeiçoadas. | |
10 | Bangladesh, Japão e EUA | Uma vez que o Bangladesh é dos países com maior consumo tabágico, estruturou-se um projeto que conseguisse correlacionar variáveis socioeconómicas e demográficas ao TP. O problema parece ser mais grave com um menor nível educacional e residir em zonas mais urbanas; para além disso, talvez fosse pertinente introduzir áreas de tabagismo seletivas, para atenuar o TP global. | |
11 | Reino Unido | Este estudo pretendeu compreender o apoio populacional às restrições associadas ao TP, através de um inquérito online, em 2016, numa amostra de mais de 11.000 trabalhadores no Reino Unido. Verificou-se que, neste país, a maioria dos locais de trabalho apresenta restrições ao consumo do cigarro eletrónico, sendo estas apoiadas pela generalidade da população, com mais intensidade por quem nunca fumou. | |
12 | EUA | Este trabalho analisou a situação das normas antitabágicas na Holanda e concluiu que a sua escassa implementação se deveu ao fato de as mesmas não terem acautelado a oposição que surgiu, usando de forma mais assertiva os meios de comunicação social e a opinião pública, interação essa eventualmente mais hábil da parte da indústria tabaqueira, em alguns contextos. |