INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva analisar a livre circulação de trabalhadores no bloco econômico europeu e a proteção desse Direito Fundamental Comunitário pela Corte de Justiça europeia: o Tribunal de Justiça da União Europeia. Para se chegar ao objetivo principal deste estudo, será preciso, primeiramente, analisar o processo de integração das Comunidades Europeias, atualmente denominadas de União Europeia, instituídas através dos Tratados de Paris (1951) e Roma (1957) com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM).
Feita a análise sobre a formação da atual União Europeia, será estudada a legislação da União Europeia, no tocante à proteção ao trabalhador migrante, somada à análise doutrinária sobre a circulação de trabalhadores, para posterior análise do papel do Tribunal de Justiça da União Europeia como responsável pela guarda do Direito Europeu e pela efetiva proteção da aplicação do Direito Fundamental Comunitário da livre circulação de trabalhadores no âmbito da União Europeia.
A crescente migração de trabalhadores representa parte significativa das transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais processadas no âmbito da União Europeia, a qual revela-se de suma importância para a manutenção da integração do respectivo bloco. Não obstante, muito embora os trabalhadores europeus já tenham conquistado o direito à livre circulação, os mesmos ainda enfrentam alguns obstáculos para a efetivação de seus direitos.
Diante desses desafios, faz-se necessária a análise sobre a proteção do movimento migratório de trabalhadores na União Europeia, com o objetivo de garantir a não discriminação e a efetividade de seus direitos. A metodologia empregada na pesquisa é crítico-reflexiva, que se opera através da revisão bibliográfica e da análise de casos concretos apreciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
1 A INTEGRAÇÃO DO BLOCO ECONÔMICO EUROPEU E O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO E IDENTIDADE EUROPEIA
Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) surgiu na Europa a necessidade de reconstrução, estabilização e defesa através de um quadro político, econômico, social e cultural (MACHADO, 2018, p. 11-12). Para que isso fosse possível, os europeus tiveram o auxílio dos Estados Unidos na estabilização política da República Federal da Alemanha, ao passo que àqueles coube a responsabilidade de cooperação política e reconstrução econômica do continente europeu - em especial da França e da Alemanha (MACHADO, 2018, p. 11).
Em decorrência da referida cooperação, surgiu, em 1949, o Conselho da Europa e outras organizações com base regional europeia para auxiliar a reconstrução e o desenvolvimento da Europa: Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OCEE), em 1948; a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), em 1949; a União Europeia Ocidental (UEO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ambas em 1960; e a Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), em 1995.
Porém, foi em 1950 que a ideia de construção das Comunidades Europeias efetivamente se consolidou através da Declaração Schuman, também conhecida como Tratado de Paris, através do qual foi proposta a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Anos mais tarde, em 1957, através do Tratado de Roma, foi instituída a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Pode-se dizer que ambos os tratados (Paris e Roma) representaram “(...) apenas o ponto de partida das comunidades europeias. A evolução posterior assenta, basicamente, em dois aspectos fundamentais: aperfeiçoamento institucional e alargamento” (MACHADO, 2018, p. 16).
Posteriormente a criação dos Tratados de Paris e Roma, as Comunidades Europeias passaram por importantes reformas, ilustradas através dos tratados firmados posteriormente. Dentre tais reformas, é possível destacar a ampliação do número de Estados que aderiram ao bloco econômico europeu, originalmente composto por Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos e atualmente composto por 27 Estados-membros.
Além do progressivo aumento do número de Estados-membros, cabe aqui destacar também o Tratado da União Europeia (1992), também conhecido por Tratado de Maastricht, que constituiu um importante avanço no processo de integração das Comunidades Europeias, pois ultrapassou, pela primeira vez, o objetivo econômico inicial das respectivas Comunidades ao atribuir a vocação de unidade política e consagrar oficialmente a nomenclatura União Europeia.
De igual modo, o Tratado de Maastricht foi quem introduziu, pela primeira vez, a cidadania europeia, ao estabelecer que todos os nacionais dos Estados-membros são cidadãos da União Europeia. Posteriormente, o Tratado de Amsterdã (1997) tratou sobre a cidadania nacional e a natureza complementar da cidadania europeia, haja vista que cidadania europeia é dependente das leis de nacionalidade dos Estados-membros, trazendo um norte mínimo a ser seguido.
O Tratado de Lisboa (2007) é o tratado mais recente da União Europeia e confere mais responsabilidade aos parlamentos nacionais na determinação de políticas europeias. Dentre outros assuntos, é importante destacar que este Tratado concede aos cidadãos da União Europeia o poder de iniciativa. Inclusive, é bom lembrar que o Tratado de Lisboa veio substituir o projeto de Constituição para a UniãoEuropeia que foi rejeitado pelos referendos ocorridos em França e Holanda.
Ao se estudar a cidadania, verifica-se, geralmente, que ela é indissociável da nacionalidade, e, em um contexto mundial de desequilíbrios políticos, econômicos, sociais e culturais entre Estados, a nacionalidade e a cidadania podem ser consideradas como importantes “ativos” dos indivíduos, conferindo-lhes um estatuto jurídico e social considerável (MACHADO, 2018, p. 292).
Neste contexto, pode-se dizer que a cidadania europeia representa um importante ativo aos que a possuem, à medida que abrange qualquer nacional de qualquer Estado-membro, sendo complementar à nacionalidade, como também confere a capacidade de gozo e exercício dos direitos (MACHADO, 2018, p. 292).
2 A CIRCULAÇÃO DE TRABALHADORES NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPEIA
O movimento migratório na União Europeia surgiu com a consolidação da plena atuação da livre circulação, através do Regulamento n. 1.612/1968, do Conselho das Comunidades Europeias, o qual previa que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros que limitassem o emprego dos estrangeiros em número, porcentagem, por ramo de atividade, por empresa, por região ou a nível nacional, não seriam aplicados aos nacionais oriundos de outros Estados-membros da UE.
Neste mesmo sentido, o Acordo de Schengen (1985) promoveu a liberdade de circulação dos cidadãos europeus, os controles fronteiriços foram extintos entre os Estados-membros, e, inclusive, o controle com relação à entrada de imigrantes de outros Estados foi reforçado (BABACE, 2004, p. 183-185).
Com a evolução da sociedade e a formação de conglomerados econômicos, a livre circulação de trabalhadores se tornou um elemento essencial para o processo de integração, o qual inclusive, é reconhecido como um Direito Fundamental Comunitário (BABACE, 2004, p. 183-185). O movimento migratório de trabalhadores ultrapassa o objetivo único de manutenção e crescimento do bloco econômico europeu, pois representa a união das populações, os esforços e as experiências dos países-membros, o que por certo culmina no crescimento do sentimento de acolhimento, pertencimento e de integração (BARROS, 2000, p. 97).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a livre circulação de trabalhadores também facilita a criação de laços comerciais entre países, o desenvolvimento de novos mercados, reformas políticas e econômicas, bem como o compartilhamento de tecnologia, inclusive, com o fortalecimento da troca de experiências de vida entre nacionais e estrangeiros. Diogo Pereira Machado (2013, p. 146) conceitua que:
O mercado interno da UE é caracterizado pela abolição dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. Os trabalhadores não encontram barreiras para livremente responderem a ofertas de empregos, para entrarem no território dos demais Estados-membros, para se deslocarem livremente e residirem em qualquer dos Estados, a fim de aí exercerem uma atividade laboral e permanecerem no território de outro país-membro onde estejam desempenhando serviços.
Muito embora o movimento migratório de trabalhadores seja bastante estimulado pelo bloco econômico europeu, a livre circulação de trabalhadores não pode ser exercida de forma plena em relação aos cargos da administração pública, os quais competem exclusivamente aos nacionais natos de cada Estado-membro (MACHADO, 2013, p. 146).
Em 1989 foi aprovada a Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais Sociais dos Trabalhadores, na qual foram estabelecidos princípios baseados no modelo europeu de Direito Laboral, dentre os quais, destaca-se o emprego, a livre circulação, a melhora das condições de vida e de trabalho, a proteção social, a formação profissional, a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, a informação e a participação dos trabalhadores, a segurança no meio ambiente, a proteção à saúde, a proteção às pessoas idosas e deficientes.
Nesta lógica, pontua-se as importantes contribuições de Jacques Delors e Vasso Papandreou (1989, p. 3, 5-6), os quais participaram de forma decisiva na formulação da Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais Sociais dos Trabalhadores:
Inspirada em textos-quadro como a Carta Social do Conselho da Europa e as convenções da Organização Internacional do Trabalho, esta carta constitui, doravante, um pilar essencial da dimensão social da construção europeia, no espírito do Tratado de Roma completado pelo Acto Único Europeu.
(...)
Já em 1972 os chefes de Estado ou de Governo da Comunidade Europeia, reunidos em Paris, concordavam em afirmar a dimensão social da construção europeia. Dos anos mais tarde, será a vez do programa de acção social, apresentado pela Comissão e adoptado pelo Conselho. Não quer isto dizer que, desde a sua fundação, a Comissão tenha se mantido inactiva nesta matéria: os primeiros regulamentos relativos à livre circulação dos trabalhadores datam de 1968, e já em 1963 o Conselho tinha estabelecido os princípios gerais da formação profissional. Todavia, na véspera do seu primeiro alargamento, parecia necessário sublinhar que a Europa era mais do que o simples mercado comum e a eliminação das barreiras alfandegárias.
(...)
A <<Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores>>, tal como foi adoptada em Estrasburgo, há algumas semanas, pelos onze chefes de Estado ou de Governo, tem, pois, a sua história. Com base num texto - na realidade um anteprojecto que, após consulta dos parceiros sociais, se transformou num projecto - proposto pela Comissão em setembro de 1989, o Conselho <<Assuntos Sociais>> primeiro, e, depois o Conselho Europeu ocuparam-se desta questão com os resultados que são do domínio público. Tal como a conhecemos, esta carta constitui um primeiro passo, o primeiro passo que era preciso dar.”
Em 1992, o Tratado da União Europeia previu na alínea “c” do seu art. 3º, um mercado interno caracterizado pela abolição entre os Estados-membros dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais.
Apesar de existir um cenário de proteção à figura do empregado migrante, a exemplo do direito à residência, observa-se que muitos trabalhadores ainda enfrentam diversas dificuldades para conseguirem habilitar seus cursos profissionais em outro Estado-membro que não o do local do curso, o que pode ser constituir em um fator preponderante para a busca pelo trabalho informal.
A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, adotada pela Resolução n. 45/158 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1998, estabelece que os Estados devem respeitar os Direitos Humanos Fundamentais de todos os trabalhadores migrantes, com a supressão das migrações clandestinas e o emprego ilegal de mão de obra migrante.
O princípio da não discriminação do trabalhador em virtude de sua nacionalidade deverá ser analisado com base nos direitos individuais e sociais de cunho fundamental, os quais guardam origem comum nas diretrizes internacionais dos Direitos Humanos. Neste sentido, Angel G. Chueca Sancho (1989, p. 147) corrobora o entendimento de que:
(...) em geral pode assinalar-se que a proibição de discriminar constitui um dos direitos fundamentais mais sólidos de qualquer sistema de proteção de direitos humanos ou fundamentais, seja interno ou internacional. Isto é assim porque não é concebível um ordenamento jurídico medianamente evoluído no qual se consagre a discriminação racial ou segregação, a discriminação religiosa, ou política etc.; se se produz uma situação de tal caráter, estaremos diante de algo muito distinto de um Estado de Direito.
Para que o trabalhador migrante possa exercer, de forma plena, o trabalho em qualquer Estado-membro da União Europeia a ele deve ser garantido o acesso ao trabalho, nos mesmos moldes que em seu país de origem, sob pena de configuração de discriminação na oferta e seleção de emprego por parte do empregador (MELGAR; MORENO; NAVARRO, 1994, p. 75). Na verdade, o que se espera é que um dia o trabalhador migrante possa ser reconhecido e respeitado como sujeito de direito ao pleno emprego.
3 O PAPEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA COMO GUARDIÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL COMUNITÁRIO EUROPEU À LIVRE CIRCULAÇÃO DE TRABALHADORES
O Tribunal de Justiça da União Europeia foi instituído pelo Tratado de Paris (1951), com a principal finalidade de garantir uma segura construção da ordem comunitária. Assim como o tratado da CECA, os tratados instituidores da Comunidade Econômica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM) também previam a criação de um Tribunal de Justiça com estrutura jurisdicional semelhante à da CECA, de modo que, a partir de 1957, o referido órgão passou a ser denominado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) e a exercer sua competência não apenas no âmbito da CECA, mas também na CEE e na EURATOM.
Algumas décadas depois, com o Tratado da União Europeia (1993), passou a ser denominado Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e funcionar como uma das sete instituições da União Europeia3. Embora a atuação do Tribunal de Justiça da União Europeia seja regida pelo Tratado da União Europeia, pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e o Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal, o que se espera é que as suas decisões sejam adequadas para favorecer a garantia da ordem e a manutenção da integração do Bloco Econômico.
O TJUE é uma instituição jurisdicional da União Europeia, localizado em Luxemburgo e cuja missão consiste na garantia da correta interpretação e aplicação dos tratados que compõe o Direito Comunitário (BORCHARDT, 2011, p. 72). Cabe ao TJUE fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da UE, assegurar o respeito das obrigações decorrentes dos tratados pelos Estados-membros e interpretar o Direito da UE a pedido dos juízes nacionais.
Segundo Pagliarini (2004, p. 231), o TJUE é a instituição que mais contribuiu para o desenvolvimento do Direito comunitário. Canotilho (2003, p. 828), ao tratar do TJUE e do respeito ao Direito comunitário por parte dos magistrados dos Estados-membros da UE, discorre que:
(...) O Tribunal de Justiça da Comunidade tem sistematicamente repetido que o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições de direito comunitário, deve garantir a plena eficácia dessas normas, desaplicando qualquer disposição constante da legislação nacional, mesmo posterior. O princípio da aplicação preferente (Anwendungsvorrang) exigirá, pois, a não aplicação da norma jurídica nacional e a aplicação da norma comunitária com ela colidente na solução de um caso pelo juiz ou pela administração.
O TJUE possui um relevante papel jurídico-normativo tanto na criação do Direito da UE, como na integração europeia (MADURO, 1998, p. 7 e ss), pois é a jurisdição suprema e única, responsável pela solução de todas as questões normativas da UE. Além de exercer jurisdição constitucional - a exemplo do momento no qual o TJUE interpreta, integra e aplica o Direito derivado em conformidade com o Direito primário e realiza um controle por ação ou omissão -, o TJUE também exerce a jurisdição administrativa - a exemplo dos casos em que os particulares são protegidos das medidas administrativas tomadas pelas instituições da UE -, a jurisdição internacional - a exemplo da decisão proferida pelo TJUE com força vinculativa aos tribunais nacionais dos Estados-membros - e a jurisdição cível - a exemplo do momento em que o TJUE é chamado para resolver litígios que envolvem a atuação de Direito privado dos órgãos da UE (MACHADO, 2018, p. 609-611).
Ele não possui competência genérica, motivo pelo qual suas principais atividades concentram-se na verificação de compatibilidade dos Tratados com os atos das instituições públicas e privadas, bem como o pronunciamento sobre a validade ou interpretação do direito comunitário, a pedido dos Tribunais nacionais (GOMES, 2009, p. 111).
O TJUE é composto, de forma ampla, pelo Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Geral e pelos tribunais especializados e, de forma estrita, pelo Tribunal de Justiça propriamente dito. Institucionalmente, a jurisdição da UE compreende o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e os tribunais especializados, além dos advogados-gerais, todos localizados em Luxemburgo.
No intuito de garantir a correta interpretação e aplicação dos Tratados e, no exercício da competência contenciosa, o Tribunal de Justiça da União Europeia é o responsável pela análise e julgamento dos litígios atrelados ao Direito Laboral, no qual se inserem os conflitos de migrantes, e pelo resguardo do Direito Europeu, no qual se insere o Direito Fundamental Comunitário à livre circulação de trabalhadores no âmbito da União Europeia.
Dentre estes conflitos, cabe aqui destacar o famoso litígio europeu proposto pelo ex-jogador de futebol belga Jean-Marc Bosman, julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 15.12.1995, que envolveu a questão da cidadania europeia. O que parecia, em um primeiro momento, se tratar de mais um caso de livre circulação de trabalhadores no âmbito da União Europeia, se revelou o contrário: além da Corte de Justiça europeia reforçar o entendimento de que a livre circulação de trabalhadores é um Direito Fundamental comunitário, declarou também que os nacionais dos Estados-membros da União Europeia devem ser tratados com igualdade de direitos, como se nacionais fossem de qualquer um dos outros Estados-membros da União Europeia. Confira-se:
Acórdão do Tribunal de 15 de Dezembro de 1995. Union royale belge des sociétés de football association ASBL contra Jean-Marc Bosman, Royal club liégeois SA contra Jean-Marc Bosman e outros e Union des associations européennes de football (UEFA) contra Jean-Marc Bosman. Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Liège - Bélgica. Livre circulação dos trabalhadores - Regras de concorrência aplicáveis às empresas - Jogadores profissionais de futebol - Regulamentações desportivas relativas à transferência de jogadores que obrigam o novo clube a pagar uma indemnização ao antigo - Limitação do número de jogadores nacionais de outros Estados-Membros que podem ser utilizados em competição. Processo C-415/93. Colectânea de Jurisprudência 1995 I-04921 Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1995:463.
Além deste emblemático caso, é possível destacar os seguintes acórdãos que versam sobre a garantia do direito à livre circulação e residência no território dos Estados-membros da União Europeia:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 14 de março de 2019. Maria Vester contra Rijksinstituut voor ziekte- en invaliditeitsverzekering. Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo arbeidsrechtbank Antwerpen. Reenvio prejudicial - Regimes de segurança social - Prestações por invalidez - Arts. 45.º e 48.º TFUE - Livre circulação de trabalhadores - Regulamento (CE) n.o 883/2004 - Regimes do subsídio diferentes consoante os Estados‑Membros - “Período de carência de incapacidade para o trabalho” - Duração - Atribuição do subsídio por incapacidade para o trabalho - Desvantagens para os trabalhadores migrantes. Processo C-134/18. Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:212.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 6 de outubro de 2015. Alain Brouillard contra Jury du concours de recrutement de référendaires près la Cour de cassation e État belge. Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (Bélgica). Reenvio prejudicial - Livre circulação de pessoas - Arts. 45.° TFUE e 49.° TFUE - Trabalhadores - Empregos na Administração Pública - Diretiva 2005/36/CE - Reconhecimento das qualificações profissionais - Conceito de ‘profissão regulamentada’ - Admissão a um concurso para o recrutamento de referendários na Cour de cassation (Bélgica). Processo C-298/14. Coletânea digital (Coletânea de jurisprudência - geral). Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:652.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 4 de Junho de 2009. Athanasios Vatsouras (C-22/08) e Josif Koupatantze (C-23/08) contra Arbeitsgemeinschaft (ARGE) Nürnberg 900. Pedidos de decisão prejudicial: Sozialgericht Nürnberg - Alemanha. Cidadania europeia - Livre circulação de pessoas - Arts. 12.º CE e 39.º CE - Directiva 2004/38/CE - Art. 24.º, n.º 2 - Apreciação de validade - Nacionais de um Estado-Membro - Actividade profissional noutro Estado-Membro - Nível da remuneração e duração da actividade - Manutenção do estatuto de ‘trabalhador’ - Direito ao benefício de prestações para quem procura emprego. Processos apensos C-22/08 e C-23/08. Colectânea de Jurisprudência 2009 I-04585. Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2009:344.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 30 de Janeiro de 2007. Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Dinamarca. Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Livre prestação de serviços - Livre circulação de capitais - Liberdade de estabelecimento - Imposto sobre o rendimento - Previdência de velhice - Subscrição numa instituição gestora de planos de pensões estabelecida noutro Estado-Membro - Legislação fiscal - Limitação da dedutibilidade ou exclusão do rendimento tributável das contribuições pagas no quadro de um plano de pensão - Razões imperiosas de interesse geral - Eficácia dos controlos fiscais - Coerência do sistema fiscal - Simetria do sistema fiscal - Convenção fiscal preventiva da dupla tributação. Processo C-150/04. Colectânea de Jurisprudência 2007 I-01163. Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2007:69.
Acórdão do Tribunal (Grande Secção) de 7 de Setembro de 2004. Michel Trojani contra Centre public d'aide sociale de Bruxelles (CPAS). Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Bruxelles - Bélgica. Livre circulação de pessoas - Cidadania da União Europeia - Direito de residência - Directiva 90/364/CEE - Limitações e condições - Pessoa que trabalha numa casa de acolhimento em troca de benefícios em espécie - Direito às prestações de assistência social. Processo C-456/02. Colectânea de Jurisprudência 2004 I-07573. Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2004:488.
Cabe ao TJUE a figura de guardião do Direito da União Europeia para garantir a efetiva proteção jurídica, o processo justo e equitativo, além de promover a garantia da superioridade hierárquica das normas de Direito Comunitário em face daquelas de Direito nacional.
Deste modo, verifica-se que a competência atribuída ao Tribunal de Justiça, embora não seja ilimitada, tem contribuído para a construção do Direito Comunitário europeu especialmente no tocante à efetivação dos Direitos Fundamentais Comunitários, no qual se insere o direito à livre circulação de trabalhadores no âmbito da União Europeia.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo migratório de trabalhadores no âmbito da União Europeia na contemporaneidade tem determinado a construção de uma nova processualidade e a construção de instâncias jurisdicionais diferenciadas, o que, na verdade, impõe a reconstrução teórica e pragmática da jurisdição e do processo.
Por isso mesmo, que, através desta pesquisa, foi possível observar o processo de integração do bloco europeu, sua evolução legislativa, as propostas de proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes e o papel de guardião do Tribunal de Justiça da União Europeia para a proteção do Direito Fundamental Comunitário à livre circulação de trabalhadores.
Verificou-se que os tratados da União Europeia, na verdade, têm por objetividade a maior efetivação jurídica e social (comunitária) dos direitos relativos/pertinentes à livre circulação de trabalhadores migrantes. De igual maneira, foi possível observar que essas regulamentações tratadistas estabelecem critérios objetivos para identificar e impedir toda sorte de discriminação.
No entanto, adverte-se que a realidade social nos países que fazem parte da União Europeia é muito diferente dos propósitos de uma tal regulamentação. Esta constatação está evidenciada na jurisprudência produzida pela Corte de Justiça europeia nos últimos anos.
As implicações subjetivas e comunitárias atreladas ao Direito Laboral devem ser destacadas pela extrema importância que têm para o reconhecimento da pessoa do trabalhador migrante como sujeito de direitos e, consequentemente, como estratégia inclusiva e sustentável das atividades de produção isentas de violações às liberdades públicas (interesses individuais, subjetivos e objetivas).
Nestes termos, revela-se de extrema importância o estudo das implicações subjetivas atreladas ao direito laboral, tal como o reconhecimento da pessoa do trabalhador migrante como sujeito de direitos, sob pena de reiterada incidência em violação às liberdades fundamentais e a discriminação.