Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e características da teoria do caso e sua adequação ao sistema processual penal brasileiro; 3. A utilização da teoria do caso nas decisões e sentenças criminais; 4. Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Pergunta atemporal e universal no âmbito do mundo jurídico é a de como aplicar, na prática do dia a dia forense, a teoria ensinada nas Faculdades de Direito. O problema tem ligação com o suposto caráter científico do Direito, tão questionado, há tempos, por inúmeros juristas, a exemplo de Julius Hermann von Kirchmann2.
Tal vínculo é oriundo do fato de se considerar que a solução dos processos judiciais não é resultado de uma operação científica de silogismo, sendo ela, amiúde, simplesmente encontrada no caso concreto, conforme as suas especificidades. Nessa ordem de ideias, os julgamentos parecem mais depender de exceções verificáveis in casu do que, propriamente, de normas ou regras jurídicas3. Também na mesma linha de raciocínio vem a concepção de que o Direito é aquilo que é definido pelo juiz no bojo dos autos.
Embora o ceticismo de Kirchmann sobre o caráter científico da jurisprudentia seja justificado pelo que se vê na praxis forense, é necessário ter cautela para que isso não resulte em uma completa negação da dogmática na resolução dos conflitos levados ao Judiciário, eis que isso geraria forte risco de instituição do arbítrio judicial.
Como uma das formas de impedir esse cenário nefasto, propomos, no presente estudo, a conciliação entre a dogmática e a prática, por intermédio do método da teoria do caso. Essa ferramenta, introduzida até em alguns códigos processuais penais latino-americanos, como o da Colômbia4, tem encontrado diversos adeptos entre doutrinadores de língua espanhola e, ainda, alguns poucos no Brasil. Trata-se de metodologia relativamente simples, porém eficaz, que parte da premissa de que a resolução dos conflitos passa pela análise conjunta, invariavelmente, de três aspectos: fáticos, jurídicos e probatórios. Assim, são eleitos, pelas partes, e apresentados no decorrer do processo, nos momentos adequados, os fatos juridicamente relevantes, juntamente com as respectivas evidências, criando-se uma narrativa objetiva e adequada, apta ao convencimento do julgador.
Chamou-nos a atenção, no entanto, o fato de que a teoria do caso foi tratada, por parte da doutrina pesquisada5, como uma ferramenta exclusiva das partes (Ministério Público e Defesa), não podendo ser utilizada pelo juiz, a quem caberia, exclusivamente, adotar uma das teorias apresentadas no processo judicial.
Todavia, não obstante o sistema acusatório realmente trazer diversas limitações à atividade judicial, não pode haver uma vedação absoluta de utilização da teoria do caso pelo magistrado. Afinal, ao menos no Brasil, a necessidade de fundamentação das decisões e sentenças judiciais torna altamente recomendável o uso de tal método, a fim de integrar a dogmática da teoria do crime à decisão, aprimorando o rigor científico da última.
Com efeito, a principal meta é a de tornar a decisão criminal mais técnica e menos suscetível a fundamentações arbitrárias ou insuficientes. A despeito de ser pouco explorado pela doutrina processual, o juiz, ao proferir a sua decisão, também tem um objetivo de convencimento. Por meio da fundamentação, ele deve convencer as partes e a própria sociedade de que foi imparcial em seu julgamento, examinando com rigor os argumentos da acusação e da defesa, bem como as provas dos autos.
É certo que, à primeira vista, seria possível alguém objetar no sentido de que o magistrado poderia fazer isso, simplesmente adotando uma das teorias do caso apresentadas nos autos. Contudo, essa não é a melhor solução, em especial quando o advogado não lograr produzir uma teoria do caso adequada, apesar de ter meios para tanto. Assim, demonstraremos, neste trabalho, que o juiz, desde que não viole o sistema acusatório, ocupando o papel do Ministério Público, poderá reorganizar as provas do processo na formulação de uma teoria do caso própria, que solucione as controvérsias dos autos.
Para isso, faremos, a seguir, uma breve apresentação do conceito e das características da teoria do caso, no intuito de confirmar a sua compatibilidade com o processo penal brasileiro. Posteriormente, destacaremos os pontos positivos da teoria do caso como método de elaboração de sentenças criminais, enfatizando a função judicial de convencimento das partes e da sociedade como um todo.
2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA TEORIA DO CASO E SUA ADEQUAÇÃO AO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Inicialmente, quando se fala em caso, pensa-se em um evento, acontecimento ou fato. Um mesmo caso pode ter diversas interpretações, a depender de aspectos fáticos, jurídicos e probatórios. Se Caio mata Tício para defender-se de uma tentativa de homicídio, é um caso diferente de Caio matar Tício para roubar-lhe um celular, ou mesmo para impedi-lo de testemunhar em um processo judicial. Desse modo, fatos que, a princípio, poderiam ser enquadrados na mesma norma jurídica podem ter diferentes soluções, a depender de variáveis circunstâncias. Todavia, a fim de o caso encontrar a sua adequada roupagem jurídica, é necessário que as circunstâncias sejam devidamente comprovadas ou que, pelo menos, haja uma razoável dúvida sobre elas, nas hipóteses de absolvição.
Nesse diapasão, a teoria do caso, em um primeiro momento, envolve uma narrativa construída acerca de determinado fato, com o intuito de classificá-lo como fato jurídico penal (teoria do caso acusatória) ou de afastá-lo da subsunção à norma penal em geral (teoria do caso defensiva principal) ou da norma mais grave (teoria do caso defensiva subsidiária).
Só que a teoria do caso é mais do que uma história, tratando-se de uma verdadeira metodologia e estratégia com o intuito de convencimento, seja do juiz (concepção doutrinária usual), seja das partes (concepção defendida no presente trabalho).
No que tange à concepção usual, mencione-se o conceito adotado por Hesbert Benavent Chorres:
Para nós, a teoria do caso é a abordagem metodológica que cada uma das partes deve realizar desde o primeiro momento em que tenha tomado conhecimento dos fatos, com a finalidade de fornecer um único sentido, significado ou orientação aos fatos, normas jurídicas - substantivas e processuais -, assim como o material probatório - também conhecido como evidências6.
Acerca desse conceito, é necessário destacar que a teoria do caso, como método que é, não tem um momento processual específico para ser aplicada, devendo ser preparada desde o primeiro contato com os fatos. Isso, por si só, demonstra que se trata de uma metodologia de trabalho que visa a uma atuação adequada e estratégica no processo penal. Ou seja, deduz-se que a teoria do caso não depende de uma expressa previsão legal para que possa ser aproveitada pelo profissional do Direito (advogados, promotores e, conforme sustentaremos, também os juízes).
Com efeito, a lei até impõe deveres e impedimentos éticos para quem lida com o processo penal, porém não detalha o modo como deve atuar o operador do Direito. Sabe-se, por exemplo, que o promotor não pode produzir nem utilizar provas ilícitas, que o defensor deve garantir a ampla defesa, não podendo trair o seu cliente, e que o juiz precisa ser imparcial e necessita fundamentar as suas decisões. Entretanto, não existe norma disciplinando o modo de argumentação das partes ou de fundamentação dos magistrados, muito menos uma metodologia própria de análise dos processos judiciais, seus elementos e provas. Daí, tem-se que a teoria do caso pode ser aplicada mesmo na ausência de uma referência expressa da lei, tal como se dá na ordem jurídica brasileira.
Ainda em relação ao conceito de Chorres, é indispensável aclarar que a finalidade de dar um único sentido ou orientação aos fatos não significa a imutabilidade da teoria do caso. De fato, conforme o processo se desenvolve, evidências podem surgir ou desaparecer, de modo que pode ser necessária uma adaptação da teoria, de acordo com os acontecimentos processuais.
Por exemplo, se uma prova é posteriormente declarada ilícita por um tribunal superior, ela não pode mais ser, de forma alguma, direta ou indiretamente, utilizada no processo. Caberá, então, ao Ministério Público, adaptar a teoria do caso, consoante as demais provas do processo, que também não sejam oriundas da declarada ilícita (teoria dos frutos da árvore envenenada). Se a prova declarada ilícita era essencial para o pedido de condenação, só restará ao promotor reconhecer a superveniência de ausência de justa causa para o processo penal7.
Aliás, convém salientar que é importante que o promotor use a teoria do caso, desde o início da acusação, com o oferecimento da denúncia, a qual deve conter os aspectos fáticos relevantes, a fundamentação jurídica e os respectivos elementos probatórios, até para se demonstrar a presença de justa causa para a ação penal.
Nesse sentido, a posição de João Porto Silvério Júnior:
O dever de fundamentação do provimento acusatório encontra respaldo não somente quando o Ministério Público promove o arquivamento do inquérito policial, mas, principalmente quando, como parte, exerce o direito ao processo penal (formulando a hipótese acusatória), já que tal provimento inaugurará a segunda e, talvez, terceira fases da tecnologia punitiva. Somente em sendo fundamentada (indicação dos fundamentos jurídicos), a denúncia possibilitará, na sua plenitude, o exercício do contraditório e da ampla argumentação8.
Já o advogado de defesa precisa ter especial cautela ao formular a teoria do caso. Enquanto o Ministério Público não tem compromisso com a condenação, podendo até mesmo abandonar a tese acusatória caso se comprove incorreta, o defensor tem a obrigação de prover a melhor defesa possível ao réu, independentemente de sua culpa. Assim, o defensor necessita ter o cuidado de desenvolver uma teoria do caso coerente e crível, apta a convencer o julgador da causa, não obstante o princípio da eventualidade para as teses defensivas9, segundo o qual pode apresentar teses diversas, ainda que contraditórias.
A utilização de defesas contraditórias deve ser evitada, eis que pode prejudicar a credibilidade da teoria do caso defensiva. Por exemplo, se em um processo de porte ilegal de arma, o advogado diz que o seu cliente é inocente porque apenas recebeu o revólver momentaneamente de um terceiro, pretendendo devolvê-lo em seguida, será, no mínimo, estranho sustentar, em seguida, que o réu portava a arma ilegalmente por estado de necessidade, porque estava jurado de morte por agentes criminosos. Nessa ordem de ideias, a tese defensiva deve ser cuidadosamente montada, considerando os elementos probatórios iniciais do inquérito policial e antecipando-se, ainda, eventuais provas produzidas durante o processo judicial.
Daí a relevância de uma inicial e efetiva conversa entre o advogado e a pessoa investigada ou acusada pelo crime. Nessa linha, o ensinamento de Gustavo Henrique Badaró:
Para que a ampla defesa seja efetivamente exercida, é fundamental a integração entre a defesa técnica e a autodefesa. A CADH [Convenção Americana sobre Direitos Humanos], em seu art. 8.2.d, assegura o direito de todo acusado “comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor”. Assim, mesmo no caso de réu preso, o defensor, seja ele constituído, nomeado, ou defensor público, deverá se entrevistar reservadamente com o acusado, para conjuntamente definirem a defesa a ser seguida e as provas a serem produzidas10.
Em verdade, referida entrevista será o primeiro grande desafio do defensor, pois terá que ganhar a confiança do seu cliente, obtendo dele todas as informações necessárias para começar a modelar a teoria do caso: foi ele mesmo quem cometeu o delito? Em caso positivo, onde, quando, como e por quê? Em caso negativo, deverá descobrir qual a relação dele com o fato delituoso, o motivo de ser considerado suspeito, potenciais álibis, testemunhas, perícias, documentos e outras provas capazes de demonstrar a sua inocência. De todo modo, ainda que claramente contraproducente uma possível mentira do representado, o causídico terá que se precaver contra isso, examinando, desde o início, todas as potenciais provas produzidas na investigação, procurando ouvir, sempre que possível, eventuais testemunhas, peritos e os próprios investigadores, até para que conheça ou antecipe a teoria do caso a ser preparada pela acusação.
A propósito, o cotidiano forense revela um outro tipo de dificuldade, a saber, a de acusados sem condições financeiras para constituir um advogado, que necessitam ser representados pela Defensoria Pública ou por defensor dativo, quando inexistente a citada instituição na comarca do inquérito ou do processo penal. É certo que o Brasil, não obstante ser um país de proporções continentais, ainda está atrasado em relação à instalação de Defensorias Públicas nos municípios, especialmente em comparação com Promotorias e unidades do Poder Judiciário, em maior número, eis que estruturadas há mais tempo.
Amiúde, os defensores públicos e dativos são chamados a atuar por ocasião da prisão em flagrante. Nesse ponto, deveras importante a recente previsão da obrigatoriedade da audiência de custódia, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da prisão em flagrante (CPP, art. 310, § 4º), porquanto, para além das questões concernentes à regularidade da prisão, representa uma oportunidade efetiva para a primeira entrevista com o acusado.
Contudo, até paradoxalmente, quando o réu não teve a sua prisão decretada, é comum que os defensores dativos sejam intimados a atuar no caso somente quando já instaurada e recebida a ação penal, a fim de apresentarem a chamada resposta à acusação, consistente na primeira defesa do processo penal, no prazo de 10 (dez) dias11. Ocorre que, diversas vezes, o defensor não consegue contato com o denunciado, seja presencial, seja por videoconferência, ou mesmo telefone, o que dificulta, ou até impossibilita, que formule uma teoria do caso estrategicamente adequada. As dificuldades são ainda potencializadas em razão de a lei designar a resposta à acusação como momento processual adequado para a indicação de provas e a apresentação de rol de testemunhas, sob pena de preclusão (CPP, art. 396-A)12.
Diante de tais circunstâncias que violam potencialmente o princípio da ampla defesa, mostra-se correto o entendimento da Defensora Pública Federal Ana Luisa Zago de Moraes:
Na atuação em virtude do art. 396-A, § 2º, uma dificuldade comum é o contato com o réu para especificar provas pretendidas e arrolar testemunhas, sob pena de preclusão. Daí porque as tentativas de contato acima são imprescindíveis. Caso não haja contato prévio, apesar das tentativas, sugere-se, em tópico próprio da resposta à acusação, postular ao juízo a oportunização de arrolar testemunhas após o primeiro contato com o réu durante a audiência de oitiva de testemunhas de acusação (caso haja testemunhas de defesa a arrolar, será necessário cindir a audiência de instrução e julgamento, mormente porque o interrogatório, no rito comum, será após a oitiva das testemunhas de defesa)13.
Em suma, a teoria do caso, como metodologia estratégica de atuação, é adequada e até recomendada, especialmente para os defensores, no sistema processual brasileiro. O motivo da relevância para os últimos é o dever de defesa dos interesses do representado até o final, ainda que as provas dos autos demonstrem a sua culpa. Os membros do Ministério Público podem, em tese, mudar de posição, mas nunca o advogado, sob pena de cometimento de infração ética, ou até mesmo crime de patrocínio infiel14.
Vista a adequação da teoria do caso ao sistema processual brasileiro, cumpre analisar as suas características básicas. Nesse aspecto, Raphael Jorge de Castilho Barilli, também defendendo a teoria do caso no contexto brasileiro, sintetiza os seus atributos: a) simplicidade; b) lógica ou coerência; c) credibilidade; d) suficiência jurídica; e) flexibilidade15.
A simplicidade, por sinal, é corolário do caráter utilitário ou instrumental da teoria do caso. Em outras palavras, não se almeja trazer complexidade ao feito, muito pelo contrário. Argumentos muito complexos costumeiramente são difíceis de provar e, por conseguinte, insuficientes para o convencimento do julgador. Assim, a teoria do caso busca a ordenação de perguntas elementares que devem ser respondidas: 1ª) O que houve?; 2ª) Quem está envolvido?; 3ª) Quando teria ocorrido o evento?; 4ª) Onde?; 5ª) Como teria sido praticado o fato?; e 6ª) Por que o suspeito teria praticado tal fato? As respostas a essas indagações envolvem elementos fáticos, jurídicos e probatórios, e a sua correta ordenação, que pode variar conforme a situação concreta, será determinante na concepção de uma teoria do caso adequada.
É imprescindível, ainda, que, nessas respostas, sejam observadas a lógica e a coerência. A título de exemplo, não haveria, a princípio, lógica em se afirmar que o veículo do suspeito não foi utilizado no assalto, porquanto dias antes teria estado em uma oficina. Tal álibi, por assim dizer, só teria sentido, caso se comprovasse que o veículo estava ainda na oficina ou gozava de um defeito impeditivo no dia dos fatos. De outro prisma, a lógica e a coerência também recomendam que o advogado busque formular apenas uma teoria do caso, não obstante o princípio da eventualidade. Como dissemos anteriormente, se, em uma mesma peça defensiva, sustenta-se, de maneira simultânea, que o réu tinha recebido a arma por um mero acaso, não tendo dolo de posse, e que, alternativamente, tinha comprado o equipamento ilegal por estado de necessidade, por estar ameaçado de morte, é evidente que tais teses, para além da contradição lógica, afetam a terceira e próxima característica da teoria do caso, que é a credibilidade.
Com efeito, a teoria formulada deve ser crível, sob pena de não se alcançar o objetivo do convencimento. A credibilidade também dependerá muito das provas já produzidas e das que ainda o serão, cabendo lembrar que o ônus da prova, acerca da materialidade e da autoria delitiva, recai sobre a acusação. Isso não significa que devem ser utilizadas teses cinematográficas, como a de que um sósia praticou o crime, até porque tal assertiva teria que ser provada pela defesa, já que seria um fato positivo, a princípio, alheio aos autos. Não caberia a produção de prova de fato negativo (não foi um sósia do réu que praticou o crime), dita diabólica, pelo Ministério Público. É preciso ter em mente que teses irreais podem prejudicar a credibilidade da defesa.
Sobre a suficiência jurídica, assevera Raphael Jorge de Castilho Barilli:
Por se tratar de uma metodologia que tem como pano de fundo a atuação na área penal e processual penal, a teoria do caso precisa estar correlacionada com as teorias jurídicas que orientam as decisões nesse campo específico do Direito. Sendo assim, de nada adianta a parte apresentar argumentos políticos, sociológicos ou de cunho moral se, no final das contas, serão os argumentos jurídicos que irão predominar na fundamentação da decisão16.
É aqui, portanto, que a teoria do caso deve encontrar a teoria do crime, a fim de conferir rigor técnico e científico às manifestações processuais. Na prática, de acordo com a concepção dominante na doutrina17, o crime é fato típico, antijurídico e culpável (conceito analítico). Assim, a teoria do caso, em relação aos seus aspectos jurídicos, deve demonstrar a existência dos elementos do delito: tipicidade (formal e substancial), antijuridicidade ou ilicitude e culpabilidade. Por vezes, muitas das questões problemáticas já ocorrerão no âmbito da tipicidade, tal como o reconhecimento do dolo ou do nexo de causalidade, bem como a diferenciação entre atos preparatórios e atos de execução (para se determinar se houve crime tentado ou não). A tipicidade, de acordo com o tradicional entendimento de Max Ernst Mayer, já configura indício da antijuridicidade. Nessa ordem de ideias, se Caim mata Abel, já existe indício de ilicitude, não se podendo partir da premissa de que agiu em legítima defesa ou estado de necessidade. Dessa forma, eventuais excludentes da antijuridicidade devem ser objeto de prova, o que deve ser observado na elaboração da teoria do caso.
A propósito, eventualmente o caso pode envolver problemas atinentes à culpabilidade, como a imputabilidade (podendo ter que se verificar a sanidade mental do acusado), a potencial consciência da ilicitude (a qual pode ser excluída, caso se comprove erro de proibição) e a exigibilidade de conduta conforme o Direito. Note-se que a exata compreensão de tais aspectos dogmáticos do crime pode evitar reflexos danosos no âmbito da prova e a teoria do caso certamente será uma importante ferramenta auxiliar para tanto. Ilustraremos esse raciocínio por ocasião da simulação de elaboração da teoria do caso que faremos adiante.
Finalmente, a última característica da teoria do caso é a sua flexibilidade. Como já adiantamos, a teoria do caso não precisa ser considerada imutável no decorrer do processo. Afinal, várias mudanças podem ocorrer, especialmente no campo probatório: o reconhecimento pessoal em sede policial pode não se repetir em juízo, pode-se demonstrar, durante a instrução, violação da cadeia de custódia, a ponto de afastar uma determinada prova pericial, testemunhas podem mudar os seus depoimentos etc. Diante disso, cabe reconhecer que pode haver alterações de estratégias e da teoria do caso no decorrer do feito, com o que se torna recomendável efetivamente analisar, desde o início, todos os pontos de vista possíveis, inclusive os da parte contrária, com o propósito de deixar espaço para flexibilizar a teoria do caso, sem, com isso, causar dano à sua coerência e credibilidade.
Constatados o conceito, as características e a adequação da teoria do caso ao sistema processual brasileiro, bem como a sua utilidade para as partes (Ministério Público e Defesa), veremos, em seguida, como tal metodologia pode ser utilizada também pelo juiz e quais os seus limites.
3 A UTILIZAÇÃO DA TEORIA DO CASO NAS DECISÕES E SENTENÇAS CRIMINAIS
Sem embargo da utilidade constatada no tópico anterior acerca da metodologia da teoria do caso para as partes, é certo que o seu uso, por si só, não é capaz de afetar a imparcialidade. Dito isso, defendemos, aqui, a possibilidade de a teoria do caso ser empregada como instrumento para aprimoramento da fundamentação das decisões judiciais.
Na prática, invariavelmente, em diversos momentos do inquérito e do processo, o juiz estará às voltas com aspectos fáticos, jurídicos e probatórios do caso concreto. O uso do método auxilia no objetivo de deixar as decisões em consonância com os preceitos técnico-dogmáticos do Direito Penal, servindo ainda para torná-las mais simples e objetivas, o que contribui para a comunicação do juiz não apenas com as partes, mas também com a própria sociedade.
De fato, lembre-se que a regra é a publicidade do inquérito e do processo penal. Ainda que haja documentos específicos protegidos por algum tipo de sigilo, fiscal ou bancário, o processo em si deve ser público ou, pelo menos, deve estar caminhando para a publicidade. Publicidade, evidentemente, não se confunde com a espetacularização do crime nem com a estigmatização dos acusados, no que também contribuirá a teoria do caso, afastando decisões emocionais, intuitivas (baseadas em uma convicção sem provas, por exemplo) e arbitrárias. Assim, o objetivo da publicidade é justamente o de evitar o perigo de processos secretos, demonstrando à sociedade que a decisão foi devidamente fundamentada de acordo com a lei, aplicada com rigor técnico-científico.
Nesse ponto, é também necessário dizer que a teoria do caso a ser formulada pelo juiz depende, sobretudo, da teoria do caso elaborada pelo Ministério Público, não cabendo ao magistrado, em nosso sistema acusatório, proferir decisões citra, ultra ou extra petita. Tem-se, aqui, o princípio da correlação entre acusação e sentença, bem explicado por Gustavo Henrique Badaró:
O acusado não pode ser julgado por fato diverso. São nulas as sentenças extra petita (por exemplo, acusação por estelionato e condenação por apropriação indébita) ou ultra petita (por exemplo, denúncia por lesão corporal leve e condenação por lesão corporal grave). Por outro lado, a sentença não pode ser citra petita, deixando de julgar toda a imputação. O juiz não pode deixar de se pronunciar sobre fatos que foram imputados ao acusado (por exemplo, se a acusação imputa os crimes de roubo e resistência e a sentença tem por objeto apenas o crime de roubo, sem que o juiz analise a imputação do crime de resistência). Aliás, no caso de sentença citra petita haverá ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (CR, art. 5º, caput, XXXV) e, no caso da ação penal condenatória, o art. 129, I, do CR. A sentença que não guarde correlação com a acusação é absolutamente nula18.
Trata-se, pois, da limitação que já aduzimos no tocante à teoria do caso formulada pelo juiz. Mesmo que amparado na prova dos autos, o magistrado não pode, exemplificativamente, fundamentar um caso mais grave ou diverso do que o que foi estabelecido na acusação inicial. Da mesma forma, também não pode meramente ignorar fatos que foram imputados ao réu.
Aliás, vamos além: o juiz não pode se omitir sobre nenhum dos argumentos ministeriais para a condenação nem, muito menos, sobre nenhum dos argumentos defensivos para a absolvição. Ignorar um argumento não faz com que ele desapareça: tal atitude somente debilita a fundamentação da sentença criminal, isso quando não a anula.
Conclui-se, portanto, que a teoria do caso a ser formulada pelo juiz tem duas limitações: 1ª) a necessária correlação com todos os fatos trazidos pela acusação, não se podendo inová-la, aumentá-la ou diminuí-la; e 2ª) todos os argumentos das teorias do caso acusatória e defensiva devem ser enfrentados, sob pena de omissão na fundamentação.
Diante disso, é preciso esclarecer, no entanto, que o magistrado, na sua tarefa decisória, não está limitado à escolha da teoria do caso, acusatória ou defensiva, que lhe parecer mais convincente. Respeitados os limites retromencionados, o juiz pode encontrar fundamentos diversos para a condenação ou para a absolvição.
A propósito, não existe um princípio ou regra de correlação entre a sentença e a defesa, de modo que o magistrado pode construir uma teoria do caso, utilizando elementos fáticos, jurídicos e probatórios que foram olvidados pela defesa técnica. Não fosse assim, o juiz, na realidade, seria apenas um árbitro que daria a vitória à melhor argumentação, como se se tratasse de um concurso de melhores debates.
Desse modo, ainda que a teoria do caso seja também vista como estratégia para ganhar a causa19, em nossa proposta para a sua utilização pelo juiz, o seu objetivo é a resolução do conflito, buscando sim convencer as partes (inclusive a que “perdeu” a causa) e a própria sociedade (considerando a publicidade inerente ao processo penal) de que foi proferida a decisão tecnicamente mais adequada, em conformidade com as leis e com a Constituição.
Poder-se-ia questionar, entretanto, se essa possibilidade de o juiz utilizar outros argumentos não violaria a paridade de armas. A resposta é negativa, tendo em vista que o objeto do processo é fornecido exclusivamente pelo Ministério Público. Assim, a Defesa técnica não inova o pedido, limitando-se a confrontá-lo, ainda quando faz requerimento de desclassificação para infração penal menos grave. De outro lado, dentro dos limites fixados pela inicial acusatória, e das provas apresentadas, é possível que o magistrado interprete elementos fáticos, jurídicos ou probatórios diferentemente de qualquer uma das partes.
Desse modo, por exemplo, se o promotor pede a condenação de um réu por crime de roubo, sustentando que ele subtraiu coisa móvel, mediante violência, é possível que o juiz entenda que não ficou comprovada a violência, porém que teria havido comprovação de grave ameaça, pelo depoimento de uma testemunha, não explorado nas alegações finais ministeriais.
Da mesma forma, se o advogado de defesa não se atenta nos autos para um documento que traria uma dúvida razoável sobre a tese acusatória, nada impede o juiz de constatar tal elemento probatório e fundamentar em que sentido ele coloca em xeque o pedido de condenação.
Posto isso, lembramos que a teoria do caso judicial também será construída ao longo do processo penal e, aliada à teoria do crime, servirá de base para as futuras decisões, até chegar à sentença, que porá fim ao processo.
Na fase do inquérito policial, o juiz não faz parte da investigação e, basicamente, só atua quando houver risco a uma garantia do investigado protegida pela exigência de autorização judicial, como a quebra do sigilo bancário ou fiscal, bem como a propriedade (na busca e apreensão) ou a liberdade de ir e vir (nas prisões cautelares requeridas na fase inquisitória). Invariavelmente, portanto, a decisão será baseada somente em uma teoria do caso montada na investigação. Para tais medidas, em regra, é necessária a demonstração de, pelo menos, indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva. Traduzindo esses conceitos para a dogmática penal, deve haver indícios suficientes ao menos da possibilidade de uma conduta típica e antijurídica20 e de que a pessoa investigada é o sujeito ativo do crime. Falamos aqui em possibilidade, pois, amiúde, é necessário apurar se, de fato, ocorreu um delito ou não. Contudo, deve haver indícios mínimos da prática criminosa, não sendo admissível que direitos fundamentais dos investigados sejam violados com base em meras conjecturas ou juízos hipotéticos.
Posteriormente, para o recebimento de eventual denúncia, a teoria do caso, em seus aspectos probatórios, já deve estar mais robusta do que na fase investigatória. De fato, enquanto as medidas investigativas exigiam indícios mínimos, justamente para se averiguar se ocorreu ou não o crime, outro deve ser o standard probatório exigido para o recebimento da denúncia. A razão disso é simples: a ação penal não é um meio de investigação, de modo que ela deve se revestir de justa causa. Acerca de tais diferenças, a lição de Gustavo Henrique Badaró:
Quando se tem notícia de um fato que se afigura crime, sem ter a certeza de tanto, deve-se investigar. Basta a notitia criminis, ou melhor, a notícia de um possível crime, para que se instaure a investigação. Assim, por exemplo, encontrado um cadáver, havendo elementos a indicar que se possa tratar de um homicídio, deve-se instaurar um inquérito policial. Entretanto, persistindo a dúvida se o fato é crime ou não, mesmo que haja maior probabilidade de se tratar de delito, já se justificaria uma denúncia? Para continuarmos no mesmo exemplo, se os elementos do inquérito indicarem ser mais provável ter se tratado de um homicídio do que um simples suicídio, já se poderia denunciar alguém, sem a certeza de que existiu um crime? A resposta é negativa. Não há justa causa para a ação penal se não se tem certeza da ocorrência de um crime. Sem a certeza do crime, a ação penal é injusta e desnecessária21.
Concordamos parcialmente com o ilustre processualista. É certo que os standards probatórios para o recebimento da denúncia e a consequente instauração do processo penal devem ser maiores do que os do inquérito policial. Isso significa que se pode utilizar a teoria do caso como ferramenta, concebendo-a na fase de investigação e na fase do oferecimento da denúncia. Em regra, será necessário que a teoria posterior tenha mais elementos fáticos, jurídicos e, sobretudo, probatórios do que no início da investigação. Excepcionalmente, podem ter os mesmos elementos, quando, desde o início, o inquérito já tinha elementos suficientes, como sói acontecer nos eventos de prisão em flagrante. Mas se, desde o início, havia dúvidas sobre a materialidade ou autoria, e essas dúvidas não foram sanadas, trata-se de um caso de ausência de justa causa, por meio da constatação de que a teoria do caso não evoluiu para a instauração do processo.
Todavia, não chegaríamos ao ponto de se exigir, neste momento, uma certeza absoluta, nem mesmo da existência do crime. Talvez seja possível falar em uma certeza provisória da existência do crime. Essa provisoriedade decorre da ausência de contraditório na fase de recebimento da denúncia.
Imagine-se que tenha sido recebida uma denúncia por crime de estelionato tentado contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo fato de o acusado ter rasurado um atestado médico de incapacidade, nele colocando uma data posterior, no intuito de obter a prorrogação de benefício que vinha percebendo. Suponha-se que ele tenha ficado em silêncio na fase policial, deixando de explicar o motivo de ter entregue um documento rasurado. Ouvido o médico, ele nega que tenha atendido o acusado na data rasurada. Nessa ordem de ideias, há elementos fáticos (entrega de documento rasurado) e probatórios (confirmação pericial da rasura e oitiva do médico) com indícios suficientes de que o acusado tentou obter um benefício previdenciário por incapacidade indevido, rasurando o documento, colocando-lhe uma data posterior, a fim de fazer parecer que ainda estava incapacitado pela doença. Como a rasura foi descoberta e a prorrogação do benefício foi indeferida, tem-se a tentativa. Tal parece o suficiente, ao menos no momento do recebimento da denúncia, para a caracterização de uma tentativa de estelionato contra o INSS.
Entretanto, imagine-se que, por ocasião da resposta à acusação, o advogado demonstre que o réu efetivamente rasurou o documento, porém com o único intuito de evitar a ida ao médico, distante de sua casa, sabendo que ainda estava com os mesmos problemas de saúde e ainda impossibilitado de trabalhar. Para tanto, o causídico evidencia que, após o indeferimento administrativo, o acusado ingressou com ação previdenciária, na qual, passando por perícia judicial, constatou-se até mesmo a piora dos sintomas, bem como a incapacidade absoluta e permanente para todo e qualquer trabalho, com o que lhe foi concedido judicialmente o benefício.
Esse singelo exemplo revela que a certeza sobre a existência do crime pode desaparecer até mesmo com o advento da resposta à acusação, ou seja, com o início do contraditório. Como poderia haver tentativa fraudulenta de obter um benefício por incapacidade na esfera administrativa, se o mesmo benefício foi posteriormente concedido por ordem judicial? Como dizer que o acusado tentou mentir sobre a sua incapacidade, se a mesma incapacidade foi reconhecida pela perícia determinada pelo Juízo Cível?
Assim, quando muito, podemos falar apenas em uma certeza provisória da existência do crime para o recebimento da denúncia, visto que ainda inexistente o contraditório.
A decisão que se segue à resposta à acusação poderá reexaminar o recebimento da denúncia, reconhecer alguma nulidade, decretar a absolvição sumária ou determinar o prosseguimento do feito. Acerca da primeira função, não se trata de um segundo recebimento, praticamente em seguida ao primeiro, logo após a peça defensiva. Trata-se, sim, de um verdadeiro reexame, que pode determinar o prosseguimento do feito ou não.
Com a metodologia da teoria do caso, podemos separar analiticamente os argumentos fáticos, jurídicos e probatórios da denúncia, no intuito de observar se é possível que a defesa os tenha rebatido de plano, como no exemplo ilustrativo supranarrado. Se isso não tiver ocorrido ou se for preciso aguardar a instrução, a teoria do caso elaborada pelo juiz continuará sem alterações, ou, no máximo, com a perspectiva de ser futuramente reexaminada (o que se dará após a instrução probatória), com o que será determinado o prosseguimento do feito.
Após a instrução, caberá ao magistrado o julgamento definitivo do processo por meio da sentença. Aqui, referimo-nos à última decisão da primeira instância, não olvidando a possibilidade de interposição de recursos. Mas, ao menos em tese, será a última decisão a ser subscrita pelo mesmo juiz22.
Adotando-se a teoria do caso, poder-se-á fazer, na sentença, um comparativo com os elementos colhidos anteriormente na fase de recebimento da denúncia e por ocasião da decisão que determinou o prosseguimento do feito. Como visto anteriormente, os elementos fáticos referentes ao delito estão delimitados na acusação, sendo, pois, o momento de confirmá-los ou não, seja quanto à classificação jurídica, seja quanto à corroboração ou não pelas provas produzidas durante a instrução.
Não custa lembrar que a teoria do caso não é uma simples descrição dos fatos, como alerta Cesar Higa Silva23, mas sim um método de exposição ordenada, lógica, que também busca o convencimento das partes, mesmo daquela que perdeu a causa. Sobre isso, vale recordar a lição de Cândido Rangel Dinamarco:
Por outro lado, existe a predisposição a aceitar decisões desfavoráveis na medida em que cada um, tendo oportunidade de participar na preparação da decisão e influir no seu teor mediante observância do procedimento adequado (princípio do contraditório, legitimação pelo procedimento), confia na idoneidade do sistema em si mesmo. E, por fim: psicologicamente, às vezes, a privação consumada é menos incômoda que o conflito pendente: eliminado este desaparecem as angústias inerentes ao estado de insatisfação e esta, se perdurar, estará desativada de boa parte de sua potencialidade antissocial24.
Elaborar a teoria do caso para os diferentes momentos decisórios do processo é um agir metodológico que trará maior visão e clareza para a fundamentação da sentença, que poderá melhor ordenar e classificar juridicamente os fatos, de acordo com as respectivas provas, garantindo, ainda, que serão examinados todos os argumentos da acusação e da defesa. Ao verem os seus argumentos devidamente examinados na sentença, mesmo que rejeitados, as partes podem se dar conta do acerto da decisão judicial, eventualmente optando por não interpor recurso. Ainda que seja mais comum convencer o Ministério Público, que não é obrigado a interpor recurso, o réu condenado pode também perceber o acerto e a justiça da sentença, principalmente se constatar que não houve exagero na fixação da pena.
Além disso, especificamente na sentença, a teoria do caso, quanto aos aspectos jurídicos, deve observar a teoria do delito, apontando-se a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade na hipótese de condenação. De fato, a dogmática penal também não foi concebida apenas para o âmbito teórico ou dos livros, cabendo, acertadamente, a sua aplicação prática nas decisões.
No exemplo retroaludido, do agente que rasura um atestado médico, colocando data posterior, para fins de prorrogação do benefício, uma vez comprovado, por perícia, que estava efetivamente incapaz, pode-se entender a atipicidade em relação ao estelionato tentado. Porém, comprovando-se, ainda, a dificuldade de locomoção pela doença, também é possível constatar ausência de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, evitando, assim, eventual desclassificação para crime de falsidade de documento.
Por fim, enfatizamos que nada impede o emprego da metodologia aqui defendida em outras decisões criminais, como as relativas a prisões cautelares, bem como as proferidas em outras instâncias. Os magistrados das instâncias superiores podem usar a metodologia da teoria do caso, com o propósito de verificar a adequação formal, assim como o conteúdo da sentença de primeira instância. Claro que isso também contribuirá para a melhor fundamentação do acórdão e, por conseguinte, para a maior racionalidade do processo penal como um todo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria do caso é uma metodologia já utilizada em outros países, havendo até previsão legal de seu emprego em alguns deles. Pela maior proximidade com o sistema processual brasileiro, foram consultadas, sobretudo, obras de países de língua espanhola, em face da tradição romano-germânica.
Analisando-se o conceito e as características da teoria do caso, concluiu-se que, por se tratar de uma ferramenta metodológica, é despicienda a sua expressa previsão na lei brasileira, a fim de que seja aplicada.
Nessa linha, a teoria do caso, ao propiciar uma visão ordenada dos elementos fáticos, jurídicos e probatórios do evento concreto, permite que seja utilizada de modo estratégico pelas partes, buscando o convencimento do julgador.
Finalmente, os juízes brasileiros, com o seu dever de fundamentar as suas decisões, podem empregar a teoria do caso, dentro dos limites constitucionais e legais, não podendo inovar, aumentar ou diminuir a ação penal ajuizada pelo Ministério Público (princípio da correlação entre sentença e acusação) nem deixar de analisar todos os argumentos das partes em suas decisões.
A teoria do caso permitirá a integração da teoria do delito dentro de cada decisão, conforme os diferentes momentos processuais. Além de contribuir para aprimorar a fundamentação, servirá para convencer as partes e a sociedade de que a melhor decisão foi adotada.
Enfim, temos que a utilização da metodologia da teoria do caso pelos juízes contribuirá para uma maior racionalização do processo penal brasileiro como um todo.