Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico no Brasil: inspiração Norte-Americana; 3. O sistema de indicação de Justices para a Suprema Corte Norte-Americana; 3.1. A politização da Suprema Corte Norte-Americana; 3.2. Como consertar a Suprema Corte Norte-Americana?; 3.3. Comissão para reforma da Suprema Corte Norte-Americana; 3.3.1. Limitação de poderes; 3.3.2. Court-Packing - aumento do número de membros; 3.3.3. Mandato; 4. Propostas de alteração do processo de nomeação para Ministros do Supremo Tribunal Federal; 4.1 Proposições de aprimoramento; 5. Conclusão; 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O processo de seleção de Ministro para o Supremo Tribunal Federal é baseado no modelo Norte-Americano de nomeação de “Justices” para a Suprema Corte. Consistindo, basicamente, em escolha livre do Presidente da República com posterior aprovação do Senado Federal. Este processo, da mesma forma que nos Estados Unidos, atualmente está sob intenso questionamento, com diversas propostas visando sua alteração.
Nos Estados Unidos se acredita que a Suprema Corte atual é uma das mais conservadoras da história, composição que teria sido obtida pela utilização de subterfúgios políticos.
No Brasil, o processo de nomeação para Ministros do Supremo Tribunal Federal é objeto de constantes críticas e discussões toda vez que surge vaga. Tanto é que existem várias propostas de Emendas à Constituição em tramitação na Câmara dos Deputados e Senado Federal visando alterar este processo.
O presente texto explora as origens constitucionais do processo de nomeação dos Ministros da mais alta Corte no Brasil e sua inspiração Norte-Americana, abordando os fatos que levaram o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a formar uma comissão para repensar a Suprema Corte Norte-Americana.
Com a análise das propostas abordadas por essa comissão e sugestões de juristas Norte-Americanos, bem como das diversas propostas legislativas de alteração em trâmite no Brasil, sugestões serão apresentadas para colaborar no debate acalorado acerca do sistema de nomeação de juízes para a mais alta Corte do país, que ocorre tanto aqui quanto nos Estados Unidos.
2 HISTÓRICO NO BRASIL: INSPIRAÇÃO NORTE-AMERICANA
A primeira Constituição do Brasil, após a independência, data de 25 de março de 1824, criou Tribunal Superior com o nome de Supremo Tribunal de Justiça, com o fim de ser a mais alta corte de justiça do país. Era composto por 17 juízes, nomeados pelo Imperador, utilizando-se critério de antiguidade e não dependia de prévia aprovação do Senado do Império.
Foi a Constituição seguinte, a primeira após a proclamação da república, de 24 de fevereiro de 1891, que cunhou o nome Supremo Tribunal Federal. Composto por 15 juízes dentre os cidadãos de notável saber e reputação, que pudessem ser elegíveis para o Senado, nomeados pelo Presidente da República com posterior aprovação do Senado.
Com a Revolução de 1930, o número de juízes foi reduzido para 11, o que se manteve com a Constituição de 1934, a qual estabeleceu que a indicação do Presidente e posterior aprovação do Senado exigiria que o cidadão, além de notável saber jurídico e reputação ilibada, fosse eleitor e não tivesse menos de 35 nem mais de 65 anos de idade, salvo se fosse magistrado. Outra novidade foi a possibilidade da própria Corte poder elevar o número de Ministros até 16, mas jamais reduzir.
A Constituição de 1937 (de 10 de novembro), praticamente manteve todas as regras anteriores, salvo a condição de ser eleitor (agora bastava ser brasileiro nato) e alterou a idade máxima para 58 anos, independentemente de ser magistrado ou não. Outra mudança foi a de que o Ministro do Supremo Tribunal Federal agora precisava ser aprovado pelo novo Conselho Federal, órgão que substituiu o Senado (extinto pelo ex-presidente Vargas).
Após a redemocratização do país, a Constituição de 18 de setembro de 1946 previu um Supremo Tribunal Federal composto por 11 Ministros (número que, mediante proposta do próprio Tribunal, poderia ser elevado por lei, sem limite máximo) nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros maiores de 35 anos (não havia limite de máximo de idade), de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Em 1965, já no período do regime militar, o número de Ministros foi aumentado para 16 por meio do Ato Institucional nº 2, o que foi mantido pela Constituição de 1967 além de os demais requisitos de nomeação. O Ato Institucional n.º 6, de 1º de fevereiro de 1969, reduziu o número de Ministros para 11.
A atual Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de 1988) manteve o número de 11 Ministros, os quais são escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 703 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Portanto, durante toda sua história, o Brasil sempre adotou o sistema de nomeação de integrantes da mais alta Corte do Judiciário baseada na indicação pelo chefe do Executivo, após aprovação por uma das casas do Legislativo.
Trata-se de sistema inspirado no modelo Norte-Americano por indicação do próprio imperador D. Pedro II, que tinha grande interesse por aquele sistema4.
Assim, a influência para nosso sistema de nomeação de juízes para a mais alta Corte do país veio da Constituição Norte-Americana5. Por isso, importante analisar tal sistema e como atualmente está sendo visto este processo por aquele país.
3 O SISTEMA DE INDICAÇÃO DE JUSTICES PARA A SUPREMA CORTE NORTE-AMERICANA
O sistema de indicação de membros da Suprema Corte6 encontra-se disposto, desde 1787, na Constituição Norte-Americana que estabelece que o Presidente “(n)omeará, mediante o parecer e aprovação do Senado, os (...) juízes da Suprema Corte (...)”7.
Em momento algum é exigida qualquer qualificação dos possíveis candidatos, deixando a escolha inteiramente à discricionariedade do Presidente da República.
Assim, o Presidente Norte-Americano pode indicar um candidato exclusivamente em razão de sua visão ideológica, independentemente de qualquer mérito jurídico.
Muito embora não se possa afirmar de forma absoluta que isso tenha efetivamente acontecido na história da Suprema Corte Norte-Americana, a verdade é que a ideologia sempre desempenhou algum papel nas nomeações e sua importância vem aumentando de forma exponencial nos últimos anos: “O grau em que os candidatos compartilham os valores políticos do Presidente que os indicou é maior agora do que há apenas três décadas atrás”8.
Ou seja, cada vez mais o processo de nomeação dos membros da Suprema Corte Norte-Americana “tornou-se destrutivamente politizado”. Agora, a regra é que passam a existir “dois blocos ideologicamente coesos na Suprema Corte e a única questão relevante é, tanto na lei quanto na política, qual bloco vai dominar. A noção de um estado de direito vinculativo para todos não existe. As qualificações judiciais e a índole são irrelevantes”9.
Segundo Steven G. Calabresi, Professor de Direito da Northwestern University, ao fato de que “o sistema atual também cria a impressão de que os juízes são mais atores políticos do que magistrados, o que prejudica o estado de direito”10.
E o papel do Senado neste processo11, que costumava ser famoso por ser muito atuante, está se tornando, como no Brasil, uma mera chancela das escolhas do Presidente12.
Tanto é que a última nomeação rejeitada pelo Senado Norte-Americano foi a de Robert H. Bork, no ano de 1987, ou seja, há mais de três décadas atrás. Rejeição esta que teve participação significativa do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na época Senador pelo Estado de Delaware13. Na condição de chefe do Comitê Judiciário do Senado, Biden presidiu as audiências de confirmação e foi um dos principais responsáveis pela rejeição, tendo, inclusive, justificado sua desistência em concorrer às primárias do partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos naquele ano para poder se dedicar às audiências do caso Bork14.
No entanto, essa rejeição só aumentou a crescente politização no processo de nomeação, haja vista que os motivos da rejeição não decorreram de questões técnicas, mas principalmente de motivações políticos/ideológicos15. Inclusive, seu nome virou um verbo: “To Bork”, incorporado nos dicionários norte-americanos16. Sempre que a reputação de alguém é atacada exclusivamente por suas opiniões, é referido que essa pessoa sofreu um “borking”17.
3.1 A Politização da Suprema Corte Norte-Americana
A crescente politização na indicação de juízes da Suprema Corte culminou no recente caso Garland que, pode-se dizer, levou o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a expedir uma ordem executiva para formar uma comissão para repensar a Suprema Corte18.
O caso Garland teve início em fevereiro de 2016 com a morte repentina do Justice Scalia (nomeado pelo Presidente republicano Ronald Reagan). Menos de vinte e quatro horas depois, o líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, anunciou que o Senado recusaria realizar audiências de confirmação de quem quer que o então Presidente dos Estados Unidos Barack Obama, do partido democrata, nomeasse para substituir o Justice Scalia.
Em março de 2016 Obama nomeou Merrick Garland para a vaga da Suprema Corte. Cumprindo sua promessa, o Senado, de maioria republicana, não realizou as audiências de confirmação. A justificativa do Senador McConnell foi de que, em ano eleitoral, era tradição deixar escolha da nomeação para o vencedor da próxima eleição presidencial19, o que não era verdade20:
Tanto é que no ano de 2020, o Senado deixou de lado a alegada “tradição” e, apenas dias antes do novo pleito eleitoral Presidencial que ocorreu em 03/11/2020, aprovou a indicação da Justice Amy Coney Barrett (na data de 26/10/2020), feita pelo então Presidente Donald Trump, para ocupar a vaga na Suprema Corte deixada pela morte da Justice Ruth Ginsburg21.
Esse fato, o “abandono radical do precedente histórico, os republicanos negaram a autoridade do presidente para nomear um novo juiz”22, foi considerado pelos Professores da Universidade de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, como um dos motivos pelos quais “as instituições democráticas americanas estão se desintegrando, abrindo um vazio desconcertante entre como nosso sistema político funciona e as expectativas há muito arraigadas de como ele deve funcionar”23.
Tudo isso demonstra que atualmente não é o mérito que mais conta. Evidentemente que o candidato deve possuir uma qualificação jurídica relevante para ter seu nome aprovado, mas o principal fator para sua indicação e posterior aprovação é a sua posição política, sua ideologia.
Foram esses acontecimentos que levaram a atual Suprema Corte Norte-Americana a ser considerada uma das mais conservadoras da história24, tendo 6 Justices nomeados por Republicanos e apenas 3 nomeados por Democratas.
3.2 Como Consertar a Suprema Corte Norte-Americana?
Vários juristas norte-americanos abordam temas sobre como a Corte chegou ao ponto em que se encontra hoje, afirmando que o sistema atual estaria quebrado e que necessitaria de reformas para seu conserto.
Para se entender a força atual da Suprema Corte Norte-Americana, deve-se voltar ao ano de 1803, quando da decisão do caso Marbury v Madison, em que a Corte decidiu ter o poder de considerar uma lei aprovada pelo Congresso inconstitucional25.
Essa decisão gerou o que Alexander Bickel chamou no livro “The Least Dangerous Branch”26 (O Poder menos Perigoso) de problema contramajoritário,27 qual seja, embora os Estados Unidos sejam uma democracia, pessoas não eleitas (juízes) passaram a ter o poder de desfazer ações dos legisladores que representam diretamente os cidadãos28.
O que foi reforçado anos mais tarde por David Kaplin no livro “The Most Dangerous Branch” (O Poder mais Perigoso) em que afirmou que “nunca antes a Suprema Corte foi tão central na vida americana”. E que “(s)ão os juízes que agora decidem as questões polêmicas de nosso tempo - do aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo ao controle de armas, financiamento de campanha e direito de voto”29.
Justamente por isso é que as discussões acerca das nomeações ganharam cada vez mais importância nos Estados Unidos, diante do papel destacado que a Suprema Corte passou a exercer na política nacional.
Com isso, também aumenta uma das maiores preocupações nos Estados Unidos acerca da atuação judicial, a “accountability”30, que passa necessariamente pelo processo de escolha dos juízes31.
Esses fatos fizeram com que a popularidade da Suprema Corte venha caindo consistentemente ano após ano32. E as recentes decisões polêmicas proferidas pela Suprema Corte Norte-Americana (todas do ano de 2022) que reverteram precedentes históricos para restringir o combate às mudanças climáticas33, ampliar o exercício do direito ao porte de armas34, reduzir a separação igreja/estado35, e reduziu o direito ao aborto36, fizeram com que a confiança dos cidadãos americanos na Suprema Corte atingisse uma baixa histórica37, reforçando a concepção da população38de que é a política, e não a lei, que orienta as decisões da Suprema Corte39.
3.3 Comissão para Reforma da Suprema Corte Norte-Americana
Prevendo esta guinada conservadora e diante da forma “não convencional” como se chegou a atual composição da Suprema Corte, como se referiu no item 3.1, é que o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, formou em 2021 uma comissão para apresentar propostas de reforma da Suprema Corte Norte-Americana com o fim de “analisar os principais argumentos no debate público contemporâneo a favor e contra a reforma da Suprema Corte”40.
Essa comissão debateu temas como o aumento do número de membros da Corte (que demandará novas indicações); o estabelecimento de mandato fixo (não mais vitalício); e limitar certos poderes (transferindo o poder de resolver grandes questões sociais, políticas e culturais para os poderes políticos)41.
O relatório final da comissão42, apresentado em dezembro de 2021, trouxe argumentos contra e a favor de cada um dos temas.
3.3.1 Limitação de poderes
Com relação à limitação dos poderes do Tribunal por ter se tornado muito influente na decisão das principais questões do dia a dia, as quais deveriam ser deixadas para os legisladores eleitos, constou do relatório que “o caráter fundamentalmente ‘contramajoritário’ da Corte está em tensão com os compromissos básicos de uma democracia; um judiciário não eleito, nessa visão, age de forma antidemocrática quando invalida os atos de órgãos representativos eleitos democraticamente”43.
Esse acúmulo de poder pela Suprema Corte foi documentado pelo professor de direito da Universidade de Stanford, Mark A. Lemley, em artigo intitulado “A Suprema Corte Imperial” em que afirma que o tribunal vem acumulando cada vez mais poder, e rapidamente, às custas de praticamente todas as demais áreas do governo44.
No entanto, a comissão entendeu que “não é possível avaliar a constitucionalidade da destituição de competência em abstrato”. Ou seja, o Congresso certamente pode ter algum poder para impor limites à jurisdição da Suprema Corte, mas a extensão desse poder não é clara. Com isso concluiu estarem “céticos de que o objetivo de promover um controle mais democraticamente responsável da política pública possa ser alcançado apenas limitando a jurisdição da Suprema Corte”45.
3.3.2 Court-packing - aumento do número de membros
Quanto ao aumento do número dos membros da Corte, o chamado “court-packing”, é de se ressaltar que a Constituição Norte-Americana não define um número fixo de membros, sendo possível, portanto, sua alteração, algo que já ocorreu sete vezes ao longo da história dos Estados Unidos46.
O argumento utilizado para realizar essa alteração agora é a necessidade de dar uma consequência à violação das normas pelo partido Republicano ao não permitir a sabatina para nomeação de Merrick Garland indicada pelo presidente Barack Obama. Afirma o relatório que “(p)or conta disso, uma reforma significativa, como a expansão do Tribunal, pode ser necessária para acalmar a controvérsia em torno do Tribunal, anexando consequências às ações do Senado durante os anos Trump, a fim de impedir futuras condutas desse tipo”47.
Inclusive, o “court-packing” é defendido por uma das maiores autoridades em Direito Constitucional dos EUA, Laurence Tribe, professor emérito da Universidade de Harvard e que fez parte dessa comissão para reforma da Suprema Corte48. Ele afirma que a atual Suprema Corte dos EUA é a mais perigosa e prejudicial ao país do que em qualquer outro tempo, desde Dred Scott - a corte que, em 1857, negou cidadania e direitos dos cidadãos a descendentes de africanos, fossem escravos ou não. A atual Suprema Corte está levando o país de volta a tempos terríveis49.
Mesma opinião de outro Professor de Harvard, Michael Klarman, que afirma ser o “court-packing” a última chance para salvar a democracia americana50.
No entanto, segundo Larry Kramer, ex-reitor da Universidade de Stanford, a mudança no número de membros da Suprema Corte agora seria apenas e tão somente resposta ao jogo Republicano que recusou a nomeação de Garland e se apressou na aprovação da juíza Barrett e que “(a)mbos os atos revelaram uma vontade implacável de politizar a seleção judicial de maneiras extremas que derrubaram normas há muito estabelecidas”51. Ainda que o aumento do número de membros fatalmente levará a uma maior politização, pois, “adicionar juízes seria uma resposta política a um ato político”52.
Inclusive, a própria comissão reconheceu em seu relatório final que isso criaria um “precedente perigoso”, vez que “a manipulação da composição do judiciário tem sido um sinal preocupante de retrocesso democrático” em outras partes do mundo como em Tribunais da Argentina, Venezuela, Turquia, Hungria e Polônia. Acrescenta que, em contraste, “as democracias estáveis desde meados do século XX mantiveram um forte compromisso com a independência judicial e não tenderam a fazer tais movimentos”, sendo essencial que “os Estados Unidos permaneçam firmemente nas fileiras das democracias que apoiam esse compromisso”. Em outras palavras, por pior que seja o problema, a suposta solução poderia ser pior53.
Inclusive, o “court-packing”, como afirmam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, é uma das formas pelas quais “autocratas eleitos subvertem a democracia” e que realizar tal operação gera um precedente perigoso que pode ser utilizado por um autocrata em algum momento futuro54.
3.3.3 Mandato
Essa foi considerada a proposta mais aceita entre participantes da comissão, tanto que o grupo bipartidário componente da comissão concluiu que mandato fixo de tempo não renovável “deve ser seriamente considerado”55.
Dois terços dos americanos são contra mandato vitalício de ministros da Suprema Corte nos EUA56 e diversos juristas57 sugerem essa medida como forma de se manter um equilíbrio nas nomeações.
Steven G. Calabresi, afirma que nenhuma outra democracia no mundo tem mandato vitalício para os membros da Suprema Corte e que esse sistema torna imprevisível a indicação, fazendo com que “quatro presidentes escolhessem seis ou mais juízes e quatro presidentes não escolhessem nenhum, como aconteceu com Jimmy Carter. Isso dá a alguns Presidentes muita influência na Suprema Corte e a outros muito pouca”58. E é justamente por isso “que precisamos reformar, de forma permanente, o processo danificado de seleção dos juízes da Suprema Corte. Minha proposta é uma emenda constitucional que criaria um único mandato de 18 anos para cada um deles”59.
Mais uma vez a preocupação é a influência política nas indicações, que geraria um desequilíbrio na Corte pela imprevisibilidade do momento da nomeação.
Lee Epstein, Jack Knight & Olga Shvetsova fizeram um estudo analisando 21 Cortes Superiores da Europa e verificaram que o tempo médio de duração do mandato de um ministro da Suprema Corte na Europa é de 9,3 anos e chegaram a conclusão de que “um mandato temporário e não renovável pode realmente promover e sustentar a independência judicial a longo prazo - preservando a legitimidade da Suprema Corte como um ramo independente do governo”60.
O argumento contrário ressalta que isso poderia “prejudicar a independência judicial em virtude do fato de que pelo menos alguns juízes teriam que considerar o que fariam após o término de seus mandatos”61. Esse problema pode ser solucionado por meio de quarentena para que o Ministro da Suprema Corte não possa exercer cargos políticos após o final de seu mandato. Outra solução é a sugestão feita pelo ex-Reitor da Universidade de Cornell, Roger Cramton, e pelo Professor da Universidade de Duke, Paul Carrington62 que, ao mesmo tempo em que limita o tempo de exercício dos juízes, mantém a vitaliciedade (evitando uma difícil alteração por emenda constitucional), além de permitir uma escolha igualitária de novos membros por futuros Presidentes da República.
A proposta dos professores é de que, a cada nova legislatura, o Presidente poderia escolher apenas dois juízes. Os nove nomeados mais recentes decidem os casos da pauta regular da Suprema Corte. Os demais permaneceriam na Suprema Corte como membros sênior, com seus vencimentos integrais e cumpririam as atribuições de preencher uma vaga quando um dos novos fosse impedido ou estivesse indisponível, bem como de ajudar a administrar o Poder Judiciário como um todo, e participar do processo de seleção de casos para a Suprema Corte.
Segundo Larry Kramer, ex-reitor da Universidade de Stanford, esta é uma “fácil solução que cria limites de mandato sem entrar em conflito com a Constituição, reduz as apostas para qualquer nomeação única e garante que os casos não sejam decididos por juízes que já passaram de sua vida útil de carreira. Ela protege a independência judicial e é justa para todas as partes, ao mesmo tempo que reduz a probabilidade de um tribunal ideologicamente extremo ou fora de sincronia com o resto da sociedade”63.
Com isso se evitaria o que aconteceu nos últimos anos nos Estados Unidos em que um único partido (o Republicano) escolheu 16 dos últimos 20 juízes da Suprema Corte, embora tenha perdido no voto popular em 6 das últimas 7 eleições presidenciais64.
4 PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO DE NOMEAÇÃO PARA MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No Brasil, toda nova indicação de um novo Ministro para o Supremo Tribunal Federal gera debates acerca dos critérios de nomeação e sobre a capacidade dos indicados.
O sistema de indicação de Ministros aqui, embora tenha mais requisitos do que nos Estados Unidos, não afasta o subjetivismo da indicação, vez que os requisitos técnicos de notável saber jurídico e reputação ilibada possuem conceitos muito abertos.
Outro problema no Brasil é o papel do Senado na nomeação. Enquanto nos Estados Unidos existe um amplo debate e escrutínio acerca do nome indicado, com sessões de inquirição durando dias (embora nas últimas três décadas nenhum indicado tenha sido rejeitado), aqui no Brasil as sessões não passam de horas, não sendo exercida adequadamente a função de analisar a fundo as indicações feitas, tornando o Senado um mero chancelador das escolhas Presidenciais.
Tanto é que, no Brasil, em toda sua história, somente 5 nomeações foram rejeitadas pelo Senado65, todas ocorridas no ano de 189466, desde então, as indicações feitas pelos Presidentes da República são sempre aprovadas.
Assim, ao menos 35 propostas de Emenda à Constituição visando modificar o processo de escolha e nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal estão em andamento no Congresso Nacional.
As propostas são as mais variadas e vão desde limitações nas escolhas do Presidente (por meio de nomes em listas apresentadas por outros Poderes, ou pela criação de um Conselho Eleitoral para indicação); divisão das próprias escolhas com outros Poderes; alteração do quórum para aprovação pelo Senado; alteração da idade mínima e máxima dos candidatos; exigência de tempo mínimo de atividade jurídica; vagas determinadas para integrantes do Judiciário; mandatos fixos; estabelecimento de quarentenas; sistema de eleição; concurso público para escolha dos Ministros, entre outras67.
4.1 Proposições de Aprimoramento
Entre os assuntos mais abordados que buscam aprimoramento da forma de nomeação de Ministro de Cortes Supremas estão a politização da indicação pelo Presidente da República e a necessidade de estabelecimento de mandato temporal limitado.
Para evoluir é importante que as escolhas dos membros do STF sejam equilibradas e distantes da politização e polarização excessiva que ocorrem atualmente68. Para tanto, é necessário aprimorar a forma de nomeação destes Ministros, que hoje é totalmente subjetiva, vez que os requisitos técnicos exigidos possuem conceitos genéricos e o Senado não exerce seu papel de efetivo fiscal das nomeações. Portanto, são necessários critérios objetivos de escolha, preferencialmente com nomeações técnicas em detrimento de indicações meramente calcadas em razão do espectro ideológico.
Entre as sugestões propostas para evitar a politização excessiva nas nomeações, o legislador poderia esclarecer o conceito de notório saber jurídico e estabelecer a exigência de pelo menos 10 anos de atividade jurídica (se exige um prazo de 03 anos de atividade jurídica para poder se tornar juiz de 1ª instância, portanto, nada mais justo que se exija o mesmo, com tempo maior, para se tornar Ministro do Supremo Tribunal Federal). E quanto ao conceito de reputação ilibada, a exigência do candidato não ter quaisquer condenações criminais ou por improbidade (que também é exigência para os juízes de 1ª instância para poderem fazer o concurso de ingresso).
A elaboração de listas ou indicação direta pelos demais Poderes, como forma de limitar a liberdade de escolha pelo Presidente da República, poderia gerar um desequilíbrio entre os Poderes, vez que ampliaria o poder do Legislativo, que já tem papel de destaque no processo de nomeação, e daria ao Judiciário o poder de escolher ou limitar a escolha de seus próprios integrantes.
Portanto, para se manter um equilíbrio de forças entre os Poderes, não se deve ampliar o papel de um em detrimento dos demais, mas estabelecer regras e requisitos mais objetivos (como o esclarecimento dos critérios de nomeação) e exigentes (como, dentro do papel que cabe ao Legislativo, estabelecer maior escrutínio ao prever maioria qualificada, de 3/5, por exemplo, para aprovação do nome indicado).
Outra sugestão seria vedar a indicação para o Supremo Tribunal Federal de pessoas que foram nomeadas pelo Presidente para cargos ou funções no Poder Executivo. Isso diminuiria a politização nas escolhas, bem como o estabelecimento de número mínimo de integrantes advindos do Poder Judiciário (os quais não podem exercer atividades político-partidárias). No caso, o Judiciário passaria a ter um papel indireto nas nomeações, o que não afetaria a separação dos Poderes69, por meio de regra, por exemplo, que estabelecesse ao menos 1/3 dos Ministros do Supremo Tribunal Federal oriundos da carreira da magistratura. Isso geraria ganhos ao manter no Supremo Tribunal Federal, sempre, número mínimo de Ministros com experiência na atividade judicante, além de ser compatível com o que já acontece, de forma inversa, em todos os Tribunais do país, em que 1/5 dos seus integrantes são compostos por membros de carreiras jurídicas diversas da magistratura.
Quanto à ideia de mandato fixo, que é atualmente a proposta mais aceita nos Estados Unidos, seria de grande valia acatar a sugestão do ex-Reitor da Universidade de Cornell, Roger Cramton, e do Professor da Universidade de Duke, Paul Carrington, que estabelece equilíbrio nas nomeações ao permitir e limitar, que cada Presidente nomeie número fixo de juízes para a Suprema Corte a cada legislatura, sem necessidade de esperar pela abertura de vagas70.
Trata-se de proposta que traz inúmeras vantagens e seria aplicável com enormes ganhos para o processo de nomeação no Brasil. Com base nesta, o tempo de atuação dos Ministros estaria limitado ao período correspondente ao número de indicações a serem realizadas pelo Presidente da República em cada legislatura. Se são estabelecidos 2 novos Ministros por legislatura (ou seja, um novo Ministro a cada dois anos), como temos 11 Ministros, o tempo de atuação de cada Ministro seria de 22 anos (ele atuaria por cinco legislaturas e meia, até ser substituído por novo Ministro a ser indicado para sua vaga). No entanto, este tempo é muito superior ao tempo médio das propostas legislativas existentes no Congresso. Para chegar mais próximo a esse tempo, a sugestão seria a indicação de 4 novos Ministros por legislatura (ou seja, um novo Ministro a cada ano), o que acarretaria em um mandato de 11 anos (cada Ministro atuaria então por duas legislaturas e três quartos, quando seria substituído por novo Ministro indicado para sua vaga).
Com isso, mantém intacto o papel do Executivo no processo de nomeação, preservando a livre indicação do Presidente da República, com a vantagem de evitar que esta se dê apenas quando surgir vaga (ao acaso), e garantindo sempre um número mínimo de indicações por legislatura (4 indicações, uma por ano).
Ademais, asseguraria maior equilíbrio nas indicações pois, além de garantir número mínimo, também limita o número de indicações, evitando que um Presidente possa nomear mais do que 4 novos Ministros por legislatura.
Isso resolve o grande problema que existe nas atuais propostas legislativas em tramitação no Congresso que sugerem mandato de tempo fixo, mas sem estabelecer regras de equilíbrio nas indicações. Sem estas regras, a depender da data do fim do mandato de cada Ministro, um Presidente poderia nomear, por exemplo, 5 novos Ministros enquanto outro apenas 1 ou nenhum.
Além disso, a presente proposta também visa preservar as prerrogativas dos atuais Ministros do STF que continuariam a exercer normalmente suas funções até a data de suas aposentadorias voluntárias ou compulsórias. Assim, quando o Presidente da República indicar novo Ministro, este iniciaria suas atividades, num primeiro momento, em atuação limitada, apenas para os casos de suspeição, impedimento ou licença dos atuais Ministros.
Esta situação permaneceria até que os atuais Ministros encerrem as atividades por meio de aposentadoria, impeachment, exoneração ou morte, assumindo assim o novo Ministro de forma plena as funções e iniciando seu tempo de atuação de 11 anos. Com a saída gradual dos atuais Ministros, o sistema entraria em equilíbrio e, desse modo, cada novo Ministro indicado pelo Presidente da República teria imediata atuação plena e assim permaneceria até o término do mandato com a nomeação de novo Ministro para sua vaga (o que ocorreria em 11 anos).
Diante do termo limitado, é possível que algum Ministro seja tentado a utilizar do cargo para fazer proselitismo político ou catapultar carreira na política. Para evitar isso e manter a independência necessária, estes novos Ministros devem permanecer no STF, na condição de Ministros sêniores, após o término de seu mandato. Assim, sua atribuição passaria a ser consultiva e atuaria na pauta regular apenas em casos de ausência, vacância ou licença do novo Ministro nomeado para sua vaga, até que ocorra sua aposentadoria compulsória. Isso evitaria aspirações políticas ou sociais que poderiam surgir em razão do tempo mais curto de atuação e se preservam as prerrogativas constantes da Constituição relativas aos membros da Corte máxima do Poder Judiciário.
Portanto, a grande vantagem da presente proposta é que esta respeita as normas constitucionais (mantendo as prerrogativas dos atuais e futuros Ministros do STF, bem como do Executivo no processo de indicação e do Legislativo no processo de aprovação), evita o court-packing, mantém sempre à disposição da Corte 11 Ministros atuando em pauta de julgamento, estabelece equilíbrio nas nomeações (cada Presidente terá garantida e limitada a nomeação de 4 novos Ministros por legislatura), além de delimitar o tempo de atuação judicante (aumentando a rotatividade e possibilitando novas visões e opiniões).
5 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, a fim de aprimorar o sistema brasileiro de nomeação de Ministros para o STF se propõe o estabelecimento de uma regra com número fixo de Ministros a serem indicados a cada legislatura, com isso limitando o tempo de atuação e garantindo um equilíbrio no processo de nomeação pelos futuros Presidentes da República, vez que, a cada ano, o Presidente da República poderá nomear um novo Ministro que permanecerá no cargo até ser substituído por outro Ministro a ser nomeado para seu lugar após 11 anos de exercício, quando então passará a condição de Ministro sênior atuando apenas em caso de aposentadoria, impeachment, exoneração ou morte de um Ministro em atuação.
Outras propostas que visam diminuir a politização das nomeações são: (i) que se estabeleça de forma objetiva os conceitos de notável saber jurídico e reputação ilibada; (ii) que o Presidente da República não possa indicar para o STF pessoas nomeadas por ele para cargos no Executivo; (iii) que se exija do Senado um quórum qualificado de, no mínimo, 2/3 para aprovação dos nomes indicados; (iv) que o Poder Judiciário, único alijado deste processo, passe a ter um papel indireto com a presença constante de um número mínimo (no mínimo 1/3) de membros com experiência prévia na magistratura.