Sumário: 1. Introdução; 2. Incursões em torno do sentido e extensão das capacidades e incapacidades: autêntica reestruturação sociocultural; 3. Das capacidades jurídicas; 3.1. Capacidade de direito e capacidade de fato; capacidade plena e capacidade limitada; capacidade geral e capacidade especial; 4. O conceito de capacidade no âmbito processual; 4.1. Capacidade de ser parte X Capacidade processual; 4.2. Capacidade processual das pessoas com deficiência; 4.2.1. Capacidade processual plena sem medida de apoio: regra para as pessoas com deficiência mental ou intelectual; 4.2.2. Capacidade processual das pessoas com deficiência curateladas e que sejam incapazes de exprimir sua vontade: curatela interditiva ou interdição; 4.2.3 Capacidade processual das pessoas com deficiência e com decisão apoiada; 4.2.4 Capacidade processual das pessoas com deficiência incapazes por prodigalidade ou por ebriedade ou viciadas em tóxicos; 4.3. Legitimidade ad causam e processual X Capacidade processual; 5. Conclusões; 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Diz-se que todos os seres vivos são dotados de habilidades e capacidades. Assim, por exemplo, em sentido lato, a pessoa humana ao nascer é capaz de chorar, de movimentar membros superiores e inferiores dando nítido sinal de vida; com o passar dos meses, a criança é capaz de engatinhar, sorrir, reconhecer silhuetas e sons; à medida em que se desenvolve, o leque de suas capacidades físicas e intelectivas se amplia, pois começa a ganhar confiança, autonomia e passa a expressar suas vontades. Do mesmo modo, pode-se reconhecer muitas capacidades nos idosos, mestres da história, cujas memórias e experiências transmitem muito mais do que os livros. Os deficientes, por seu turno, também têm suas capacidades especiais eis que desenvolvem habilidades e sensibilidades que cumprem a função de suprir e/ou substituir aquilo que lhes falta.
Mas, não se associa a capacidade apenas à pessoa humana, senão, também, a outros seres vivos. As plantas, por sua vez, durante o processo de fotossíntese, são capazes de transformar, por meio da energia solar, substâncias inorgânicas (água e gás carbônico) em orgânicas (glicose), produzindo o alimento necessário para a sua própria sobrevivência, tornando-se fundamentais para o bem-estar do planeta, além de ser fonte de energia para os animais. Estes - os animais - são igualmente capazes de colaborar com a pessoa humana na sobrevivência terrena; os domesticados servem como meios de transporte e de companhia. Capazes de sentir e demonstrar suas emoções, os animais têm talentos inatos que cada vez mais os aproximam da pessoa humana.
Em vista disso, o estudo da capacidade em contexto contemporâneo merece um obrigatório repensar. Pretende-se, pois, neste ensaio, analisar a reestruturação das capacidades no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo a partir de uma visão multidisciplinar pela intersecção dos Direitos Humanos, Constitucional, Civil e Processual Civil. Dentro desta perspectiva, indaga-se: o que afinal deve-se ter em conta para reconhecer as capacidades jurídicas? Só a pessoa humana, nascida, é dotada de capacidade? A capacidade civil é a base que sustenta a capacidade de ser parte? Confundem-se capacidade processual e capacidade de ser parte?
Enfrentaremos, pois, essas indagações na certeza de inspirar reflexões sobre os aspectos atuais norteadores da matéria.
De fato, no desenvolvimento deste trabalho, discorreu-se sobre os conceitos de capacidade jurídica e suas classificações, nos âmbitos material e processual. No encaminhamento do estudo, adotou-se o método dedutivo, partindo-se da análise da capacidade específica dos nascituros, dos deficientes e dos seres sencientes no cenário jurídico brasileiro a revelar uma necessária adequação. Para tanto, foram adotados alguns procedimentos metodológicos: seleção doutrinária além de análise jurisprudencial. Destaque-se a demonstração de que os nascituros e animais também possuem capacidade de ser parte. Tratou-se igualmente da amplitude que se deve dar à capacidade processual para as pessoas com deficiência. O resultado deste estudo destaca que a capacidade de ser parte e a capacidade processual de tais sujeitos ainda precisam ser discutidas e revistas. Como considerações finais, cabe colocar holofotes sobre as principais contribuições que norteiam a dimensão atual do conceito de capacidades jurídicas, tanto no plano material quanto no processual.
2 INCURSÕES EM TORNO DO SENTIDO E EXTENSÃO DAS CAPACIDADES E INCAPACIDADES: AUTÊNTICA REESTRUTURAÇÃO SOCIOCULTURAL
Ao se falar em capacidade, remete-se, automaticamente, à pessoa humana dotada de alguns atributos e revestida de algumas peculiaridades.
Tanto é assim que os léxicos apontam que capacidade, do latim capacitate, corresponde a qualidade que uma pessoa ou coisa tem de possuir para um determinado fim; habilidade, aptidão. Pessoa de grande ilustração; talento, sumidade3.
Deveras, não se vai longe para associar a imagem do “capaz” ao ser humano adulto, do sexo masculino, dotado de autonomia, liberdade, com poder decisional e estrutura patrimonial sólida. Não à toa, o Código Beviláqua - primeiro diploma civil brasileiro, promulgado em 1916 - prescrevia, logo em seu artigo 2º, que “todo homem é capaz de direitos e de obrigações na ordem civil”.
Justamente por isso, e a despeito de partir-se do pressuposto de que “a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”, reconheceu-se durante mais de um século como incapazes, os escravos, os menores de 21 anos de idade, a mulher casada, os deficientes mentais e todos aqueles que tivessem comprometido seu discernimento e dificultada sua socialização, como os ausentes, os surdos-mudos, os pródigos e os silvícolas4.
Referida associação se apoiou, em grande medida, em pilares sociais fincados à uma cultura patriarcal europeia, aristocrática, latifundiária e segmentária, herança do Brasil colonial. Nesta senda, partiu-se do pressuposto de que aqueles a quem o legislador identificou como “incapazes” faltaria aptidão, juízo, inteligência que lhes impossibilitava agir com autodeterminação, confiança e conhecimento para atender a uma finalidade pretendida, bem assim, para contrair obrigações, adquirir e exercer direitos.
Dir-se-á que o Estado brasileiro assim procedeu com o intuito eminentemente protecionista, apoiado na equidade, que pugna tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na tentativa de alcançar um autêntico senso de justiça.
Não se menospreze o mérito de proteger; por outro lado, não se o vanglorie a ponto de fazer minguar a liberdade e a autonomia, tampouco servir de instrumento discriminatório. Tanto é assim que, apoiados em movimentos políticos e sociais revolucionários, boa parte dos quais ganharam palco a partir dos derradeiros anos do século XIX para efetivamente eclodir no século XX, como a abolição da escravidão, as marchas feministas, a luta pelo respeito ao natural desenvolvimento infantil, a preservação dos povos originários, a intocabilidade da memória do idoso e a inclusão dos deficientes, destacaram-se normas com o objetivo de atribuir dignidade à essa parcela da população legalmente considerada (in)capaz. Apontem-se, ilustrativamente, a Carta Internacional dos Direitos Humanos, composta pela Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, legítimo instrumento internacional consagrador dos Direitos Humanos; a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas, em 20 de dezembro de 1959, por meio da qual passaram a ser regulados os direitos da criança, enquanto sujeito de direito, a quem se deve proteger de maneira especial, e a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1979; a Carta de Princípios para as Pessoas Idosas, de 1991 e a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, de 2015; a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2008 e, ainda, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova Iorque), assinada em 2007. Referidas Convenções, Cartas e Declarações foram, paulatinamente, incorporadas à nossa ordem jurídica interna, respaldadas pela Constituição cidadã, ensejando a promulgação de leis infraconstitucionais5 que não só recepcionaram sua essência como, principalmente, levantaram o véu preconceituoso que encobria esses sujeitos, para mostrar suas faces, sem pechas ou máculas, e lhes garantir o exercício regular de seus direitos. Sob essa perspectiva, deve-se reconhecer, realmente, haver vulnerabilidades nas assim denominadas incapacidades, mas, não, vice-versa.
Como acentua Rodrigo da Cunha Pereira6 (2022, p. 514), a incapacidade é um estado da pessoa que presume a sua vulnerabilidade, mas a recíproca não é válida. Nesse sentido, é claro que os vulneráveis exigem maior cuidado não só do Estado, como também da própria sociedade. Entretanto, referida proteção não pode lhes abafar a voz nem lhes tapar olhos e ouvidos. Obtempera-se, pois, a partir de uma nova concepção Civil-Constitucional, lastreada na dignidade da pessoa humana, que provoca a releitura do sentido e da extensão de capacidade e incapacidade. Destarte, hoje, a incapacidade surge com um viés humanitário, dentro de um paradigma de humanização da legislação civil, desapegando-se cada vez mais de uma visão patrimonialista das relações civis, no âmbito da qual a incapacidade objetivava a proteção dos negócios e atos praticados pela pessoa7. Neste contexto, a incapacidade deve ser tratada, primeiramente, como um instrumento de defesa da dignidade da pessoa humana. Não se sustenta, portanto, uma visão de incapacidade que restrinja o exercício de todos os direitos por parte do incapaz, colocando-o na posição de mero expectador de sua própria vida8. Deveras, não se deixe ao desabrigo nem mesmo o nascituro - ser humano concebido, mas não nascido - cujos direitos são preservados desde a concepção (artigo 2º do diploma civil pátrio)9.
De outra banda, expande musculatura o princípio da dignidade da pessoa humana, para, ora, atingir também o ser não humano. De acordo com o Direito Animal - que tem se multiplicado em território fértil - sustenta-se que os animais, em especial os domésticos ou de estimação, são seres sencientes10 eis que capazes de sentir e de demonstrar esses sentimentos, cujos direitos, já agasalhados pela Constituição Federal11, devem, pois, servir para o fim de considerá-los sujeitos de direito.
Diante dessa condição - tal qual sujeitos de direito - garante-se aos animais exercer direitos e contrair obrigações.
Como salienta Vicente de Paula Ataíde Junior12,
Dessa forma, basta que o ordenamento jurídico reconheça um direito que seja a um determinado ente para que possa galgar ao posto de sujeito de direito, ‘desvencilhando-se de sua condição de objeto de direito ou mesmo deixando o limiar da mais completa irrelevância jurídica’.
Realmente, a qualidade de “sujeito de direito” não é necessariamente atribuída apenas aos seres humanos. Tanto assim que são considerados entes despersonalizados, assim como o espólio e a massa falida. Nossos Tribunais, inclusive, em respeito aos direitos de proteção ambiental e animal previstos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, bem assim em diversas13 tratativas internacionais que cultuam a preservação das espécies no planeta já vêm admitindo tratar os animais não humanos como sujeitos de direito com capacidade de ser parte em demandas que discutam seus interesses, devendo, pois, serem devidamente representados por seus tutores ou responsáveis legais, para que tenham capacidade processual14, como será aprofundado abaixo.
Dentro dessa perspectiva, é curial revisitar as capacidades e incapacidades reconhecendo a metamorfose sociocultural influente sobre tais institutos e partindo de algumas premissas básicas, a saber: (i) a incapacidade não se presume, decorre, obrigatoriamente da lei, não comportando interpretação analógica; (ii) por ingerência do princípio da dignidade da pessoa humana, mitigadas as incapacidades no ordenamento jurídico brasileiro; (iii) a incapacidade pressupõe vulnerabilidade, mas o inverso não é verdadeiro; (iv) deve-se reconhecer capacidade à pessoa humana como corolário obrigatório de uma visão Civil-Constitucional que protege sem aniquilar autonomia e liberdade e (v) expande-se a capacidade para abarcar, igualmente, os seres sencientes identificando-se, ora, como pessoas não-humanas e a quem, tal qual sujeitos de direito, reconhece-se personalidade jurídica.
3 DAS CAPACIDADES JURÍDICAS
Toda pessoa humana, desde o início de sua existência, nasce sujeito de direito e é dotada de personalidade e capacidade jurídicas. Essa concentração em um mesmo sujeito resulta, como já se disse, de um processo histórico de emancipação da humanidade, no sentido de afirmação da dignidade da pessoa humana15.
A personalidade, como atributo do ser humano (e, ora, também do não-humano), está a ele indissoluvelmente ligada; é o atributo necessário para ser sujeito de direito.
Há, contudo, uma sutil diferença entre “personalidade” e “capacidade”, pois enquanto a primeira é um fenômeno de “investidura” experimentado pelos sujeitos, a segunda é uma eficácia atributiva própria dessa investidura16.
A personalidade, no direito, é, portanto, a capacidade de titularizar direitos, vale dizer, de ser sujeito de direitos, deveres e responsabilidades17, conferida à pessoa humana, não humana, e, ainda, a determinadas realidades às quais o sistema jurídico confere a condição de sujeito de direitos, deveres e responsabilidades. Logo, personalidade e capacidade completam-se, pois àquele que tem aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, ou seja, ao sujeito investido de personalidade, deve se somar a possibilidade de gozá-los e exercê-los, por si ou por meio de representação. Por via de consequência, a capacidade jurídica é classificada e não está adstrita ao campo civilista18.
Na seara privatista, fala-se em capacidade de direito e em capacidade de fato; em capacidade plena e em capacidade limitada; em capacidade geral e em capacidade especial. Deveras, o conceito de capacidade está entranhado no conhecimento básico teórico do sistema jurídico, a partir do tripé (sujeito-ato-objeto) em que se apoia a Teoria Geral do Direito Privado, porque é a condição de ter capacidade jurídica, ou a capacidade de ter direitos, ou, ainda, a capacidade de gozo de direitos que qualifica o sujeito, ou seja, a pessoa19.
Analise-se, pois, ainda que perfunctoriamente, referidas classificações.
3.1 Capacidade de Direito e Capacidade de Fato; Capacidade Plena e Capacidade Limitada; Capacidades Geral e Especial
Diz-se que a capacidade de direito corresponde a aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil, que não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade20.
Destarte, por ser a pessoa humana e, agora, também a não humana sujeito de direito em plenitude, tem capacidade de direito ilimitada21.
De fato, não se pode ter personalidade e ser-se inteiramente desprovido de capacidade22. Ao lado da capacidade de direito, destaque-se a capacidade de fato, ou como também é chamada, capacidade de exercício, isto é, capacidade de praticar, por si, validamente, os atos da vida civil23.
Atrelados ao conceito de capacidade de fato, a legislação e doutrina privatistas associam alguns derivativos, tais como autonomia e discernimento. Assim, são capazes de exercer direitos e contrair obrigações os sujeitos que têm autonomia para agir por si mesmos (dar, fazer ou não fazer) e discernimento para compreender a extensão, efeitos e consequências desse mesmo agir, num contexto jurídico.
A legislação brasileira parte do pressuposto de que todos aqueles com idade igual ou superior a dezoito anos são, em princípio, capazes, vale dizer têm capacidade de fato.
Nessa esteira, o legislador brasileiro indicou, expressamente, aqueles a quem arrolou como incapazes, o que fez nos artigos 3º e 4º do diploma civil, em uma gradação em níveis, apontando, assim, os que são absolutamente incapazes e, aqueloutros, relativamente incapazes. Para esse recorte, em princípio, adotou-se critério eminentemente etário, certos de que a maturidade traz consigo o senso de responsabilidade e acuidade suficientes a dar respaldo à pratica efetiva de atos da vida civil, bem como a aptidão para distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.
São absolutamente incapazes, assim, apenas os menores de 16 anos; dentre os relativamente incapazes, por seu turno, estão os menores entre 16 e 18 anos de idade, afora os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade e os pródigos24. Justificou-se dito rol por entender-se faltar a certos indivíduos requisitos materiais para autodirigirem-se no mundo civil. Os absolutamente incapazes devem ser representados na prática de atos da vida civil; os relativamente incapazes, assistidos.
Em síntese, o critério de idade e as situações que mitigam a compreensão e entendimento traçam uma linha cartesiana na delimitação da capacidade de fato. Logo, dir-se-á que os absoluta e relativamente incapazes têm capacidade limitada, tendo em vista que dependem da devida representação/assistência sofrendo, assim, alguma limitação no exercício de seus direitos. Contrario sensu, os capazes têm capacidade plena25. Seja como for, importante salientar, a essa altura, que mesmo os assim considerados incapazes, tanto os absoluta, como os relativamente incapazes, têm preservada, integralmente, a capacidade de direito, lembrando, outrossim, que os relativamente incapazes, por seu turno, dentre os quais as pessoas com necessidades especiais, podem praticar alguns atos da vida civil, no exercício de sua capacidade, não havendo restrições, por exemplo, às relações de âmbito existencial26. Dita orientação, absorvida a partir da Lei Brasileira de Inclusão, revela uma tendência de modernização das normas jurídicas, em prestígio aos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade27.
No que tange às capacidades geral e especial, frise-se inserir no âmbito da primeira todas as apontadas até o momento (capacidade de direito, capacidade de fato, capacidade plena e capacidade limitada), e reservar-se a especial, para aproximá-la da chamada legitimação ou legitimidade negocial.
Realmente, ao lado da noção de capacidade, deve-se entender, no sistema jurídico contemporâneo, o que se denomina de legitimidade negocial, ou seja, aptidão concreta para celebrar determinado negócio jurídico, decorrente de específica relação com outros sujeitos de direito ou com o objeto da declaração28.
A capacidade especial ou legitimação, assim, pois, corresponde a posição das partes num ato jurídico negocial em virtude da qual elas têm competência (ou não) para praticá-lo. Assim, dir-se-á que os casados nos regimes de comunhão universal e parcial de bens e/ou aqueles cujo matrimônio é regido pelo da participação final de aquestos devem, para a prática de determinados atos, obter prévia e expressa outorga uxória/consentimento marital, sem os quais não têm capacidade especial ou legitimidade para realizá-los29. Nos próximos tópicos veremos que, para a validade do processo, esse tipo de capacidade negocial imporá um requisito especifico, que não pode ser confundido nem com a capacidade processual, nem com a legitimidade ad causam, consubstanciando-se na legitimidade processual.
4 O CONCEITO DE CAPACIDADE NO ÂMBITO PROCESSUAL
4.1 Capacidade de Ser Parte x Capacidade Processual
No âmbito processual, o regime das incapacidades também é imposto visando preservar o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, somente deve haver previsão de incapacidade processual, caso se destine a preservar os próprios incapazes30. Para o exame da capacidade no âmbito processual, primeiramente, faz-se necessário diferenciar capacidade de ser parte da capacidade processual.
O conceito de capacidade de ser parte é mais amplo que o de capacidade processual. De fato, a primeira, que decorre do art. 5º, inciso XXXV da CF, autoriza todos os entes, sejam pessoas físicas, jurídicas, públicas ou privadas, entes despersonalizados e, inclusive, animais a figurar no processo como parte, em qualquer polo da ação31. É a capacidade de estar em juízo, agindo. Nesse sentido, pode-se verificar que tanto o nascituro como os animais podem ser parte porquanto o art. 5º, inciso XXXV garante a todos, indistintamente, o direito de acesso à justiça porquanto nenhuma lesão, ou ameaça a direito individual ou coletivo será subtraída à apreciação jurisdicional. No que tange aos nascituros, entende-se que esse direito não deve ser garantido apenas a partir do nascimento com vida, mas mesmo antes disso, o feto, já detém a capacidade de ser parte32.
Quanto aos animais, conforme visto acima, por constituírem seres sencientes, a aceitação de que são titulares de direitos e deveres e gozam de capacidade de ser parte, e até mesmo, processual, vem ganhando força33, nos últimos anos, embora seja tema ainda muito polêmico. No entanto, pode-se reconhecer outras subjetividades e constatar a existência de uma realidade social não mais humanocentrada, aferindo a permissão para interpretar que os animais possam ser sujeitos de direitos e, portanto, possuir capacidade de ser parte, da própria Constituição Federal, que, no seu art. 225, parágrafo 1º, VII, coíbe os maus-tratos contra a fauna e protege a dignidade animal34.
Já a capacidade processual é mais específica e está ligada à capacidade de exercício dos direitos. Nas palavras de Teresa Arruda Alvim35,
Capacidade processual é aptidão conferida pela lei processual que absorveu os critérios da lei civil (art. 70 do CPC) e ainda criou outras situações (v.g. art. 75, V e §2º do CPC/15) para agir em juízo.
Portanto, verifica-se que, pela lei processual, ou a pessoa tem plena capacidade para os atos da vida civil ou deverá ser representada ou assistida conforme seja absoluta ou relativamente incapaz, respectivamente. De fato, o art. 70 do CPC reza que “Toda pessoa que se encontra no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.
Veja-se que a lei usa o termo capacidade para estar em juízo, que é sinônimo de capacidade processual e também de capacidade de agir. Em regra, a capacidade processual que é uma aptidão genérica, está restrita àqueles que são capazes para os atos da vida civil. Assim, em regra, pode-se dizer que aquele que é capaz civilmente, tem capacidade processual. Conforme Pontes de Miranda36, pode-se ter capacidade de ser parte e não ter capacidade processual, mas não o contrário.
De resto, verifica-se, pela lei processual, que, ou a pessoa tem plena capacidade para os atos da vida civil, ou, deverá ser representada ou assistida, conforme seja absoluta ou relativamente incapaz, respectivamente. O art. 71 do CPC dispõe que o incapaz precisa ser representado ou assistido, em juízo, por seu representante legal, pais, tutores ou curadores. O processo não será válido, caso o incapaz não seja representado em juízo, preenchendo a falta de capacidade processual. Assim, a integração da capacidade será necessária para proporcionar a complementação da capacidade processual tanto dos incapazes, como dos nascituros e animais.
Os animais, apesar de terem capacidade de ser parte, conforme acima exposto, não possuem capacidade processual, conferida pela lei, necessitando ser representados em juízo por seus tutores, na forma do art. 71 do CPC. De fato, os animais, apesar de serem seres sencientes não têm capacidade de exercício, sendo impossível a eles, a exemplo das crianças, defender direitos, sozinhos, necessitando de alguém que o faça. Falta a eles a capacidade processual, portanto.
Por outro lado, o art. 72 do CPC contém uma imprecisão porquanto trata de nomeação de advogado público e não de representação para integração de capacidade, pois prevê que, nas hipóteses em que não exista representante ou haja colidência de interesses, o juiz nomeará curador, qual seja, a defensoria pública, tanto para o incapaz como para o réu preso revel, bem como réu citado por edital ou hora certa, que tenha ficado revel, enquanto não seja contratado advogado. Ora, não seria a defensoria pública, que é meramente advocacia pública, mas sim o MP, que deveria ser nomeado para atuar em prol do incapaz, nos casos de colidência de interesses.
De outra parte, as hipóteses constantes do art. 75 do CPC não são casos de integração de capacidade, como aquelas insertas no art. 71, mas, sim, retratam hipóteses de presentação, nomenclatura utilizada por Pontes de Miranda37. Ocorre que, nos casos relacionados na referida norma, aquele que está designado como representante não é uma outra pessoa, diversa do representado, mas sim o próprio representado. O chamado representante, na verdade, faz parte da própria pessoa jurídica, ou ente representado. Portanto, a hipótese é diferente da representação dos incapazes em que, claramente, se verifica que o representante não é a mesma pessoa que o representado. Além disso, nos casos de massas falidas, espólio, heranças jacente e vacante, o representante nomeado não exercerá apenas representação judicial no processo, mas sim fará a representação de todas essas universalidades de bens, direitos e obrigações, dentro e fora do processo. Em razão disso, no caso dos animais, que, como vimos têm capacidade de ser parte, mas não gozam de capacidade processual, a exemplo das crianças38, carecendo de integração dessa capacidade, por uma terceira pessoa, que será seu representante, a dita representação se dará conforme o art. 71 do CPC e não conforme o art. 7339.
De fato, a irregularidade na representação das empresas (art. 73) é um vício que torna o processo nulo, sendo um pressuposto processual, mas não coincide com a falta de capacidade processual, que se constitui de pressuposto processual distinto. Ora, nos casos de falta de juntada de contrato social, constata-se que a pessoa jurídica é plenamente capaz, pelo que o vício existente é de falha na representação, que preferimos incluir na falta de legitimação processual, cujo conceito trataremos adiante. Por isso, obviamente, não há como inserir a capacidade processual dos animais, no referido art. 73 do CPC. No entanto, a consequência para ambos os vícios será a mesma. Caso seja verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício (art. 76, CPC). Se o vício não for sanado, o processo será extinto, sem resolução do mérito, no que tange ao autor ou será decretada a revelia, caso se trate do réu (art. 76, CPC §1º). Já a capacidade de ser parte é conferida a todos os seres e entes, indistintamente, só deixaria de existir, no curso do processo, pela morte da pessoa física, do animal ou pela falência ou extinção da pessoa jurídica, que esteja atuando como parte. Nessa hipótese, caso não ocorra a regularização, o processo também deverá ser considerado nulo.
4.2 Capacidade Processual das Pessoas com Deficiência
Conforme visto acima, o Estatuto da Pessoa com Deficiência passou a prever que os deficientes gozam, em regra, de plena capacidade para os atos da vida civil, salvo se forem interditados. Essa normatização trouxe grande impacto sobre o conceito de capacidade processual, na esfera civil, mas, o CPC/15 ignorou completamente essa questão. De fato, essa total falta de compatibilização do CPC/15 com as normas da Lei de Inclusão fica clara quando o art. 178 do CPC/15 manteve a obrigatoriedade de participação do MP para a defesa dos direitos dessas pessoas no processo. Entretanto, apesar de inexistir preocupação do legislador do CPC/15 com a compatibilização com a Lei de Inclusão, pode-se inferir da lei processual civil a plena capacidade processual das pessoas com deficiência mental, pelo teor do art. 70 do CPC/15, que determina que gozará de capacidade processual todo aquele que se encontrar no exercício de seus direitos. Ora, como o art. 85, §1º da Lei de Inclusão vedou expressamente que a curatela das pessoas com deficiência reduza autonomia no que diz com os direitos da personalidade, poderá ela sozinha, exercer seus direitos, tendo plena capacidade de exercício. Portanto, a regra é que as pessoas com deficiência mental tenham plena capacidade processual, a qual somente poderá ser retirada após estudo biopsicossocial, que avaliará os aspectos médicos e sociais, levando-se em consideração a necessidade de apoio e os impactos da deficiência sobre a declaração de vontade da pessoa40.
Dentro desse panorama surgem as seguintes hipóteses41, quanto à capacidade processual da pessoa com deficiência:
4.2.1. Capacidade processual plena sem medida de apoio: regra para as pessoas com deficiência mental ou intelectual
Nos casos de pessoas que, apesar da deficiência mental, sejam plenamente capazes e não estejam submetidas a medidas de apoio, é de se considerar que tenham plena capacidade processual, podendo estar em juízo, apenas acompanhadas de seu advogado, como fazem as pessoas sem deficiência mental. Vale ressaltar que as pessoas com deficiência, desde que tenham discernimento, podem, inclusive, requerer tomada de decisão apoiada, constituindo advogado para tanto. O instrumento de procuração será perfeitamente válido nesses casos42. No entanto, em todas essas situações, a nulidade dos atos processuais praticados por pessoa carente de capacidade processual, seja aquela que não tem discernimento ou, ainda, a pessoa com deficiência capaz, mas, com tomada de decisão apoiada, somente será decretada caso o órgão julgador venha constatar a ocorrência de prejuízo ao vulnerável43.
4.2.2 Capacidade processual das pessoas com deficiência curateladas e que sejam incapazes de exprimir sua vontade: curatela interditiva ou interdição
Nessa hipótese, será indispensável uma avaliação biopsicossocial, tendo sido decretada a interdição provisória ou definitiva da pessoa com deficiência, a qual somente poderá praticar atos civis ou processuais, caso esteja representada ou assistida por seu curador, conforme sejam os parâmetros apurados para a impossibilidade de exprimir sua vontade (art. 4º do CC e art. 71 do CPC). Portanto, ainda que a pessoa com deficiência tenha sido interditada, o juiz poderá, com auxílio do estudo biopsicossocial, entender pela plena capacidade processual dela. Também, poderá ser definido, no processo judicial de interdição, se a pessoa será relativa ou absolutamente incapaz, tudo conforme o discernimento para exprimir sua vontade, de acordo com o art. 755, I do CPC. No caso de se concluir pela absoluta impossibilidade de discernimento, de tomada de decisão, a pessoa não terá capacidade processual, devendo ser representada pelo curador, sendo o processo nulo, caso inexista essa intervenção, por força dos arts. 1.748 e 1.774 do CC, não revogados. Por fim, é importante ressaltar que, conforme já decidiu o STJ44, os atos processuais anteriores à decretação judicial de interdição, podem ser anulados quando reconhecida a incapacidade para os atos da vida civil. Entretanto, a nulidade da sentença não pode ser pleiteada nos mesmos autos, mas sim deve ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com a comprovação da existência da incapacidade anterior.
4.2.3 Capacidade processual das pessoas com deficiência e com decisão apoiada
Na hipótese de pessoas com deficiência, em regime de decisão apoiada, as quais normalmente podem expressar sua vontade, submetem-se a uma curatela extraordinária e, às vezes, temporária, gozando de plena capacidade processual, para pleitos que não estejam englobados na decisão que instituiu a curatela de apoio, como, por exemplo, um divórcio ou pedido para mudança de nome45. Nesses casos, a pessoa com deficiência pode participar do processo, sem qualquer assistência ou representação, por possuir plena capacidade processual, inexistindo qualquer nulidade do processo. Pode ocorrer, no entanto, que, na tomada de decisão apoiada, o juiz estabeleça a necessidade de acompanhamento de curador para prática de atos da vida civil, por ele indicados, sendo que, nesses casos, haverá necessidade de o curador também integrar a capacidade processual da pessoa com deficiência, caso o objeto do processo envolva o referido ato civil, e, em consequência, haverá nulidade processual, caso não ocorra a assistência ou representação do curador. Nos demais casos, principalmente direitos da personalidade, não haverá qualquer incapacidade processual.
4.2.4 Capacidade processual das pessoas com deficiência incapazes por prodigalidade ou por ebriedade ou viciadas em tóxicos
É preciso ressaltar a hipótese das pessoas que sendo alcoólatras e drogadas habituais são privadas de discernimento por essa razão. Nesses casos, as leis civil e processual civil não sofrerão os impactos da Lei de Inclusão, eis que o art. 4º, inciso II do CC, as considera relativamente incapazes. Essas pessoas deverão ser assistidas por um curador para ter sua capacidade processual integrada. Haverá, no entanto, a necessidade de um processo judicial de interdição, em que seja demonstrado o impacto do consumo exagerado na capacidade de tomar decisões, principalmente de natureza financeira, e o correspondente prejuízo na qualidade de vida, bem como que sejam especificados, por sentença, os atos que podem ser ou não praticados, pelo ébrio ou drogado46. Veja-se que pode ser, excepcionalmente, a teor do laudo médico, constatada a incapacidade absoluta, como no caso de um viciado que esteja em coma.
Da mesma forma, de acordo com o art. 4º, inciso IV, do Código Civil, os pródigos são considerados pessoas relativamente incapazes, devendo estar acompanhados de seu curador para prática dos atos da vida civil, de caráter patrimonial, tais como, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração (art. 1.782 do CC). O pródigo não pode optar pela tomada de decisão apoiada, pelo que também não terá capacidade processual, devendo ser assistido, no processo, por um curador.
4.3 Legitimidade Ad Causam e Processual x Capacidade Processual
Outros termos que também são corriqueiramente confundidos são legitimidade, tanto para agir, como processual, e capacidade processual. No entanto, legitimidade e capacidade são conceitos processuais que não se misturam de forma alguma.
Legitimidade ad causam é uma condição da ação, que diz respeito ao exercício do direito de ação, enquanto a capacidade processual é um pressuposto processual de validade do processo e se relaciona com a própria estrutura do processo. De fato, ação é um direito de pleitear a prestação da tutela jurisdicional efetiva, que vai desde o direito de provocar a atuação da Jurisdição para resolver o conflito de interesses, obtendo uma sentença de mérito, de qualquer conteúdo, até o direito de alcançar a satisfação integral do mérito, com a prática de atos executivos que proporcionem a efetividade da tutela. Já o conceito de processo, em nosso sentir47, está ligado à constituição e desenvolvimento da relação jurídica processual formada entre os sujeitos do processo, que ao atuar, praticam atos processuais, sucessivos e encadeados, até um final conclusivo. Assim, processo é relação jurídica processual aliada à noção de procedimento. São conceitos diversos, com requisitos também distintos, que não podem ser tratados como se fossem a mesma coisa. O art. 17 do CPC determina que, para postular em juízo, é preciso ter interesse e legitimidade, estabelecendo requisitos mínimos para exercer o direito de ação. Já o art. 18 do CPC dispõe que ninguém poderá pleitear em juízo direito alheio, em nome próprio, salvo quando autorizado por lei. Referido dispositivo legal, deixa claro que a legitimidade ad causam se refere à necessidade de haver coincidência entre aquele que postula em juízo, ocupando o lugar de parte, e aquele que é, sob a ótica do direito material, titular, ou suposto titular, do direito reivindicado em juízo. Quando não houver essa coincidência, faltará legitimidade ad causam, salvo nas hipóteses previstas em lei. Assim, havendo previsão legal para que alguém esteja em nome próprio defendendo um direito alheio, surgirá uma outra figura jurídica que é a legitimação extraordinária, normalmente, coincidente com a substituição processual. Em regra, substituição processual e legitimação extraordinária são expressões sinônimas. Ocorre que substituição processual designa a hipótese em que a legitimação é exclusiva e não concorrente. Somente o legitimado pode ir a juízo defender direito alheio. O próprio substituído está proibido por lei de agir em juízo. Existem poucas e restritas hipóteses previstas em lei que possibilitam a legitimação extraordinária, como, por exemplo, ocorre nos casos de legitimação extraordinária das ações coletivas, ação popular e da genitora, no caso de alimentos gravídicos, bem como no caso do art. 109 do CPC48.
Em nosso sentir, a legitimação extraordinária, ao contrário da legitimidade ad causam, é pressuposto processual de validade do processo, não se relacionando com a capacidade processual, e, sim, com a legitimidade processual. Portanto, quando a lei estabelece os legitimados para as ações coletivas e congêneres, é de legitimidade processual que se trata e não de capacidade processual.
A legitimação processual é a capacidade de estar em juízo especificamente para determinada lide, ou seja, é a situação jurídica específica que liga o sujeito, que tem a capacidade processual, a um dado objeto ou sujeito determinado. O processo somente será válido se aquele determinado sujeito estiver em juízo agindo. Somente ele tem capacidade de agir em juízo e não outro. O mesmo acontece quando há necessidade de formação de litisconsórcio necessário, como, por exemplo, ocorre no caso do §1º do art. 73 do CPC, em que marido e mulher devem ser, obrigatoriamente, citados para o processo. Só haverá legitimação processual se todos estiverem presentes. Um não tem legitimidade processual para agir em juízo sem o outro. É o que também ocorre com a legitimação extraordinária, quando a lei autoriza determinados sujeitos que não tem legitimidade ad causam a agir em juízo.
5 CONCLUSÕES
Podemos constatar que no direito brasileiro ocorreram grandes mudanças que trouxeram alguns avanços na seara das capacidades civil e processual. De fato, no decorrer dos estudos, foram apontadas inovações que demonstram a total metamorfose sociocultural no tratamento das capacidades jurídicas, tanto que o nascituro, os seres sencientes e as pessoas portadoras de transtornos mentais passaram a ter capacidade de direito, no ambiente privatista, podendo ser parte em juízo, no contexto processual. Por influência dessas transformações, a legislação brasileira se viu diante da necessidade de reestruturar as capacidades (e incapacidades), atenta aos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade incorporando-se de um viés humanitário. Para tanto, foram analisadas tanto a sistematização da capacidade, sob a ótica do direito material, como, principalmente, do direito processual civil, esclarecendo eventuais confusões terminológicas com institutos afins, além de colocar em evidência o alargamento do espectro dos sujeitos de direito capazes de ser parte no processo e/ou com capacidade processual apoiada na representação ou assistência. Justamente por isso, ressaltou-se a preocupação de analisar questões polêmicas e contemporâneas envolvendo a capacidade de ser parte e processual dos nascituros e animais, sem olvidar o impacto do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou, simplesmente, Lei Brasileira de Inclusão, sobre as leis civil e processual civil, no que tange às incapacidades.
Dentre os resultados alcançados, de se observar, pois, que o nascituro e os seres sencientes (seres não humanos) passam a ter capacidade de ser parte e, portanto, podem agir em juízo, por meio de seus representantes e tutores, na defesa de seus interesses. Logo, têm capacidade de direito; no que tange às pessoas com transtornos mentais e psíquicos, a legislação brasileira deixou de considerá-los incapazes como regra. Somente pela via excepcional, fulcrada em decisão judicial lastreada em estudo biopsicossocial, é que tais sujeitos poderão vir a ter sua capacidade civil relativizada o que, por via obliqua, justificará a representação no exercício da capacidade processual.
A doutrina e jurisprudência brasileiras, inclusive, já estão sendo (re) construídas, admitindo possam o nascituro e os animais, por meio de seus representantes e tutores, respectivamente, exercer a capacidade processual; lado outro, os estudos acadêmicos e os Pretórios já aceitam possam os deficientes com capacidade civil agir por si próprios no gozo de sua capacidade processual plena.
Os resultados revelam, pois, a contemporaneidade da matéria.
Não se pretendeu, neste ensaio, esgotar as reflexões em torno da matéria que, a observar pela orientação jurisprudencial, ainda deverá sofrer, no futuro, acomodações imprescindíveis para as quais deve-se permanecer atento, sensível e ávido em exercício contínuo de investigação.
Urge, pois, sejam realizadas reformas legislativas, principalmente na lei processual civil, para compatibilizá-la com o sistema, e, ainda, para que esteja adaptada às nuances contemporâneas relativas as incapacidades jurídicas ampliando, consequentemente, os conceitos de capacidade de ser parte e capacidade processual.