Sumário: 1. Introdução; 2. Características do mercado de trabalho 5.0: as mudanças implementadas pela inteligência artificial; 3. O agravamento da desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0; 3.1. Viés de gênero e distriminação algorítmica; 4. Medidas para o combate à desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0; 5. Considerações Finais; 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A tecnologia tem ocasionado uma revolução na sociedade, transformando todas as relações sociais, e a inteligência artificial (“IA”) impulsionou essas transformações, por trazer mudanças ainda mais expressivas. Diuturnamente, a IA altera de forma significativa todos os aspectos da vida humana, impactando de forma positiva, trazendo agilidade, otimização de tempo e economia em algumas atividades, ocasionando fortes mudanças também no mercado de trabalho, que podem vir a refletir os vieses de gênero, causando discriminações.
A pesquisa tem como propósito mostrar os obstáculos que as mulheres enfrentam para ingressar e progredir no mercado de trabalho 5.0. O intuito do estudo visa destacar as razões que ampliam a desigualdade de gênero, especialmente devido à automação e ao uso da IA para ingresso e na execução das tarefas profissionais.
Neste cenário onde se verifica o agravamento da desigualdade de gênero em diversos setores do mercado de trabalho, surgem relevantes questões a serem respondidas, debatidas, estudadas: como ficará o mercado de trabalho diante da IA, qual será o destino da empregabilidade feminina, a máquina poderá naturalizar a exclusão da mulher, tirando-lhe postos de trabalho?
São questões inquietantes e que nos fazem debruçar sobre o futuro da empregabilidade feminina, que já sofre ao longo do tempo, com as mazelas sociais que geram discriminação.
Assim, como conjugar os avanços tecnológicos com a igualdade de gênero, como harmonizar o uso da IA com a preservação da dignidade da pessoa humana no ambiente de trabalho?
Com efeito, assim concentra-se a justificativa e relevância do tema, pois a tecnologia deve servir em favor à humanidade de forma igualitária, e jamais contribuir com o aumento das desigualdades já existentes.
Por meio do método exploratório, a análise do impacto da IA sob uma perspectiva de gênero permite o desenvolvimento de uma visão crítica a respeito do quanto as transformações tecnológicas têm sido prejudiciais às mulheres no ambiente laboral, mas também demonstra que há formas de prevenir e até afastar tais situações.
Assim sendo, as pesquisas bibliográficas e dados coletados trouxeram resultados que apontam a urgente necessidade da implementação de medidas destinadas a proporcionar melhores oportunidades para as mulheres no mercado de trabalho 5.0, conforme demonstraremos a seguir.
2 CARACTERÍSTICAS DO MERCADO DE TRABALHO 5.0: AS MUDANÇAS IMPLEMENTADAS PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Não há dúvidas sobre as mudanças que já se constatam no mercado de trabalho, com a implementação da IA nas atividades laborais.
E vem com ela a inescusável interrogação: o ser humano perderá o emprego para a máquina?
Em que pese o fato dessa interrogação haver permeado todas as revoluções industriais, com sobressalto e expectativa relacionados à empregabilidade, nenhuma delas mobilizou preocupação de tamanha magnitude, porque, em nenhuma delas houve o vislumbre de que a máquina poderia ter alguma espécie de independência cognitiva ou habilidades intelectuais.
De toda sorte, sempre é bom lembrar as interrogações do passado, como alento às aflições do presente, com a extinção de algumas profissões, mas o concomitante surgimento de outras.
Já temos como exemplo o surgimento do engenheiro de prompt, cientista de dados, como novas profissões que despontam, mas não contemplam os trabalhadores menos qualificados.
Essa problemática relativa à empregabilidade e da substituição do homem pela máquina em face da inteligência artificial (IA) já vem inquietando os estudiosos do assunto há muito.
Há dez anos, por exemplo, os autores Erik Brynjolfsson e Andrew MacAfee debatiam o assunto. Ao discorrerem na obra Novas Tecnologias versus Empregabilidade, sobre a crise de emprego nos Estados Unidos e a preocupação com os postos de trabalho retirados do homem pela tecnologia, pontuaram que:
As tecnologias digitais mudam depressa, mas as organizações e as habilidades não estão acompanhando o ritmo. Assim, milhões de pessoas são deixadas para trás. Suas rendas e empregos estão sendo destruídos, deixando-as com menos poder de compra do que antes da revolução digital4.
Diante desse cenário, devemos repelir o uso da tecnologia, procurar meios de estancar o seu progresso? Seria isso possível?
O Prêmio Nobel da Paz do ano de 1973, Henry A. Kissinger, destaca no livro, “A era da IA e o nosso futuro como humanos”, escrito em coautoria com Eric Schimidt e Daniel Huttenlocher, que estabeleceram como marco da revolução da IA, o programa de IA do Google, denominado Alpha Zero, que derrotou o Stockfish, considerado o programa de xadrez mais poderoso do mundo, até então. O diferencial é que a estratégia de jogo foi desenvolvida pela própria Alpha Zero, após jogar durante apenas quatro horas, contra si mesma5.
Destacam os autores que naquele momento, houve uma revolução silenciosa, porque a máquina não dependeu de prévio comando humano, de forma sincronizada, para desempenhar a tarefa que lhe foi confiada.
Discorrem, ainda, que no ano de 2020, o Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), divulgou uma vitória biológica sobre cepas de bactérias que nenhum antibiótico era capaz de vencer, o que só foi possível com o uso de IA.
Fizeram, então, uma comparação com a atuação da IA no xadrez para concluir que, enquanto no jogo, as regras são claras, as peças são limitadas e o alvo a ser atingido é simplesmente alcançar o Rei, na indústria farmacêutica, há uma complexidade mais severa, onde as peças podem chegar a milhares de condições (até ilimitadas) e as regras são basicamente desconhecidas.
Ora, se a IA foi capaz de ter o domínio de todas essas expressivas variáveis e chegar a um resultado satisfatório, com economia desmensurada de tempo e dinheiro, comparando-se com a atuação humana, que levaria talvez anos para chegar ao mesmo resultado, então esta tecnologia é fantástica, e pode agregar muito à humanidade.
No mundo do trabalho a aplicação da IA pode trazer significativos benefícios, como a substituição do homem em atividades perigosas, insalubres.
No Brasil, a empresa Vale criou um projeto de uso de caminhões autônomos, operados integralmente por IA nos campos de minerações, que são altamente insalubres para os humanos, os caminhões que retiram os minérios são capazes de transportar toneladas dos matérias, sem que um ser humano opere diretamente nas cabines, dependendo somente de um painel de controle distante das áreas de risco.
A iniciativa da Vale traz múltiplos benefícios para a saúde e a segurança dos trabalhadores, afastando-os de ambientes tóxicos. Os veículos operados por IA possuem sensores que detectam a presença de pessoas ou obstáculos, prevenindo acidentes. Desde 2019, a empresa implementou esse projeto inovador, sendo a Mina de Brucutu, em Minas Gerais, a primeira a operar com IA.
No entanto, em que pesem os benefícios trazidos pela IA no ambiente laboral, não podemos descartar os riscos, as decisões enviesadas que impactam diretamente na admissão, permanência, ascensão e desligamento de trabalhadores, atingindo vulneráveis como pessoas pretas e mulheres.
Sem o olhar humano de ponderação e critérios subjetivos, avaliando individualmente cada uma das situações que são postas no momento da admissão, ascensão e desligamento de trabalhadores, não é possível equiparar aos critérios rígidos utilizados pela IA nesses mesmos momentos da vida do trabalhador.
Nesse sentido, Erotilde Mirraro explica que a inteligência artificial não possui sentimentos humanos, como a empatia, portanto, é capaz de reproduzir padrões que prejudiciais aos trabalhadores:
A preocupação de “não se desviar de fazer a coisa certa” deve-se ao fato de a inteligência artificial não ter discernimento próprio para saber quando a ordem que lhe foi dada é ou não prejudicial ao ser humano. Não se trata de transformar as máquinas em seres conscientes, mas de minimizar possíveis efeitos colaterais não benéficos da informática sobre os humanos. Por ora, a inteligência artificial não tem sentimentos, empatia ou explicabilidade, por isso, ainda que não intencionalmente, por vezes, as máquinas podem prejudicar pessoas6.
Na verdade, pelos critérios da IA, a mulher sequer teria acesso ao mercado de trabalho, considerando que ainda vivemos em um mundo bastante machista, onde o comando das empresas se concentra em figuras do gênero masculino, bem como os desenvolvedores, que são aqueles que alimentam os dados na IA, também têm predominância masculina, e passam para a máquina os critérios que refletem essas mazelas sociais, permeados de discriminações.
Cathy O’Neil nos conta sobre uma excelente professora que foi despedida por decisão enviesada de algoritmo, em seu livro “Algoritmos de destruição em massa - como o Big Data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia”. Relata que o Prefeito de Washington, percebendo um baixo desempenho das crianças, atribuiu a falha aos professores e, assim, desenvolveu uma ferramenta de avalição dos professores. Uma das professoras que era constantemente elogiada pela Diretoria da Escola e pelos pais dos alunos, recebeu baixa pontuação por critério equivocado do algoritmo, e foi demitida junto com outros 205 professores que também receberam baixa pontuação7.
Nesse exemplo, podemos observar o quão significativo é o impacto de decisões automatizadas e que, muitas vezes, se mostram enviesadas. Como garantir que desses 205 professores demitidos, a decisão foi justa e livre de discriminações? Talvez existam muitos outros casos iguais ao da Professora citada, entre eles.
Portanto, é preciso minimizar os riscos da IA e garantir que seus benefícios sejam acessíveis a todos, bem como que não seja meio de perpetuação/agravamento da disparidade de gênero já existente.
3 O AGRAVAMENTO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO 5.0
A análise do mercado de trabalho demonstra que a desigualdade de gênero é fruto das dificuldades enfrentadas no tocante ao acesso a oportunidades, remuneração adequada, representação em posições de liderança e condições de trabalho entre homens e mulheres. Essas disparidades são ainda mais agravadas no mercado de trabalho 5.0.
As mulheres representam mais da metade da população brasileira e uma parcela significativa da força de trabalho em todos os setores da economia, já que quase cinquenta por cento da força de trabalho atualmente empregada no Brasil é feminina8. Não obstante isso, a combinação de fatores socioculturais, econômicos e políticos influenciam o sistema para a geração e manutenção desse cenário de desigualdades, vez que práticas culturais e estereótipos de gênero historicamente enraizados desempenham um papel significativo na limitação das expectativas e oportunidades para mulheres em diversos setores da economia.
Conforme consta no Relatório da OIT datado de 06 de março de 2023, denominado “Spotlight on Work Statistics n°12: New data shine light on gender gaps in the labour market”9, a criação de um novo indicador desenvolvido pelo órgão (o Jobs Gap), permitiu, por meio da análise de diversos fatores, a constatação de que o acesso das mulheres ao emprego, as condições de trabalho e a disparidade salarial entre homens e mulheres pouco melhoraram nas últimas duas décadas, ao indicar, por exemplo que 15% das mulheres, intentavam trabalhar, mas não conseguiam emprego, ao passo que esse índice no caso dos homens é de 10,5%.
Ademais, a segregação ocupacional das mulheres, ocorrida em certas profissões que são predominantemente masculinas, não apenas reflete, mas também reforça as disparidades de gênero no mercado de trabalho 5.0. Isso porque, embora mulheres tenham alcançado avanços significativos em termos de educação, ainda são sub-representadas em cargos de liderança e em áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), ou seja, um conjunto de atividades que são bem remuneradas e que tendem a crescer com o avanço da IA. Inclusive, pesquisa realizada pela Microsoft demonstrou que meninas de 11 (onze) anos têm interesse em STEM, mas que, aos 15 (quinze) anos, há um declínio desse interesse, sendo a principal razão dessa mudança a falta de referências10.
Contudo, é importante ressaltar que há sim muitas referências femininas nas mencionadas áreas: um dos primeiros livros didáticos sobre IA foi publicado em 1983 por Elaine Rich, uma engenheira da computação aposentada da Universidade do Texas; Cynthia Breazeal, especialista em robótica, professora do MIT e cofundadora da startup de robótica Jibo, desenvolveu um dos primeiros "robôs sociais", o Kismet, no final dos anos 90 e início dos anos 2000; e Fei-Fei Li, codiretora do Instituto de IA Centrada no Humano de Stanford, é uma das principais figuras no desenvolvimento da IA contemporânea e do aprendizado de máquina, notadamente por seu trabalho na criação do ImageNet nos anos 2000.
É essencial, portanto, que as histórias de mulheres influentes que estão contribuindo para a revolução da IA sejam divulgadas e difundidas, inclusive para que mais meninas e mulheres sejam encorajadas não apenas a atuar na área, mas também a utilizarem a IA no desenvolvimento de suas atividades (pesquisa realizada no Reino Unido no início de 2023, revelou que 54% dos homens utilizam a IA na vida profissional ou pessoal, ao passo que apenas 35% das mulheres fazem uso da IA11), aumentando suas produtividades, tal qual fazem os homens. Consta-se que há um receio das mulheres de que o uso de ferramentas de IA poderia colocar em questão suas capacidades12, e, além disso, deve-se ser levado em considerações que este afastamento das mulheres do uso da IA poderá aumentar ainda mais as desigualdades já existentes.
Ademais, a disparidade de gênero é mais alta em setores que exigem habilidades técnicas disruptivas, como as profissões de STEM, conforme demonstra o Relatório de Diferenças de Gênero de 2023, produzido pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com o referido relatório, as mulheres representam quase metade (49,3%) do emprego total havido nos países pesquisados, mas apenas 29,2% dos trabalhadores nas áreas de STEM13.
Outro problema que não merece a atenção de todos foi revelado em um estudo da UNESCO produzido em 202314, consistente no fato de que apesar de estimar- -se que, até 2050, 75% dos empregos corresponderão às áreas relacionadas à STEM, apenas 30% das mulheres optam por fazer carreira nestes segmentos15. Isso revela que a inserção das mulheres no mercado de trabalho poderá ser cada vez mais difícil e desigual.
Assim, além de afastar a discriminação de gênero existente em tais áreas, se mostra necessário gerar nas mulheres maior interesse nas áreas de STEM e IA, e, para tanto, é imperioso que as contribuições das mulheres em tais atividades sejam produzidos e divulgados, de modo a garantir-se que os modelos de IA possam aprender com diversos conjuntos de dados, a fim de criarem resultados justos para as gerações futuras16.
A desigualdade de gênero também é intensificada no mercado de trabalho 5.0 devido ao fato de que nessas áreas do mercado as mulheres estão sub-representadas não apenas em cargos de liderança e de tomada de decisões como ocorre nas demais áreas, mas na integralidade de cargos disponíveis.
Nos Estados Unidos, áreas como programação, desenvolvimento de software, administração de redes e engenharia de hardware, em 2021, contavam com menos de 25% dos postos de trabalho ocupados por mulheres e o componente racial agravava ainda mais esta disparidade. Isso porque, em 2020, 13% das vagas de trabalho relacionadas à computação estavam ocupadas por mulheres brancas, 7% por mulheres asiáticas, 3% por mulheres negras e 2% por mulheres latinas17.
Outro ponto que contribui para o ainda baixo número de mulheres nas áreas em questão é que elas são desproporcionalmente impactadas pelas responsabilidades domésticas e familiares, o que pode resultar em suas disponibilidades de trabalho apenas para meio período ou até mesmo em abandono total do mercado de trabalho. Vale lembrar que o estudo que concedeu à estadunidense Claudia Goldin o Nobel de Economia em 2023 tratou justamente de desvendar os "gargalos" para mulheres no mercado de trabalho, consistentes nos impactos ocasionados pela utilização de métodos contraceptivos e pela evolução dos aparelhos domésticos, que afetaram as decisões das mulheres entre carreira e família18.
Nesse diapasão, oferecer às mulheres opções de trabalho híbrido ou remoto, bem como creches e licença parental flexível, poderia tornar as carreiras no setor de tecnologia uma opção mais viável para um número maior de mulheres.
A par de tudo isso, há que se considerar também a diferença salarial entre homens e mulheres como um importante indicador chave da desigualdade de gênero, vez que comumente mulheres ganham menos que homens, em média, por trabalho de igual valor. Isso é parcialmente explicado pela aludida segregação ocupacional, bem como por fatores como a discriminação que ocorre no mercado de trabalho.
Inúmeros dados indicam que a diferença salarial de gênero persiste, com mulheres ganhando menos que homens por trabalho equivalente. Essa diferença é observada em praticamente todos os setores e níveis de qualificação, conforme análise feita pela Deltafolha (Folha de São Paulo), a partir do exame da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2022, divulgada em abril de 202419.
A diferença salarial e a discriminação das mulheres perpetuam estereótipos de gênero e estruturas de poder desiguais, o que gera um ambiente de trabalho onde a desigualdade é normalizada, mas não se pode olvidar que essas práticas, ilegais e antiéticas, também podem ter repercussões econômicas negativas também para as empresas, consistente na perda de talentos, no aumento de processos judiciais e danos à sua reputação perante a sociedade.
Além disso, referidas práticas causam impacto abrangente, que vai além da simples questão econômica, vez que afetam os direitos, a dignidade e o bem-estar das mulheres, de modo que perpetuam desigualdades estruturais na sociedade, algo que pode ser minimizado por meio da capacitação das mulheres para o mercado de trabalho 5.0 e da adoção de práticas inclusivas, conforme será abordado em tópico específico adiante.
Mesmo porque, como destaca o DIEESE no Boletim Especial 8 de março dia da mulher, março - 2023, “é preciso que o país cresça e gere renda e emprego de qualidade, mas é necessário também enfrentar as desigualdades de gênero e raça/cor e que as mulheres tenham mais voz na sociedade, via negociação coletiva e políticas públicas”20.
Não se pode olvidar que as mulheres tendem a ser as mais afetadas pelo aumento da IA nas diversas categorias laborais, vez que ocupam a maior parte dos empregos operacionais. Os setores de administração, saúde, educação e serviços sociais possuem alta proporção de mulheres e são algumas das áreas mais suscetíveis a perdas significativas de empregos devido ao impacto da IA e da automação21.
Tal fato é confirmado por meio de pesquisa realizada pela Kenan-Flagler Business School da Universidade da Carolina do Norte (EUA), que destaca o considerável percentual de mulheres em comparação com os homens, que podem ter suas atividades impactadas pela automação, destacando que “aproximadamente 79% das mulheres trabalhadoras, totalizando quase 59 milhões, ocupam posições suscetíveis a interrupções e automação. Esse número contrasta com os 58% dos homens trabalhadores em situação semelhante”22.
Como se não bastasse isso, conforme abordaremos em tópico próprio, as mulheres são vítimas de discriminação por viés de gênero na seleção ao emprego de forma automatizada, o que também evidencia a dificuldade de inserção no mercado de trabalho enfrentada pelas mulheres em razão da crescente utilização de IA no recrutamento dos trabalhadores.
Portanto, verificamos que a desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0 é um desafio complexo que requer uma abordagem ampla, para ser efetivamente analisado e combatido. O progresso tecnológico, a utilização de IA, bem como os avanços algorítmicos e nos recursos computacionais são irrefreáveis, mas é imperioso que as contribuições das mulheres para essa revolução sejam devidamente oportunizadas e reconhecidas, para que elas também possam contribuir com os mencionados avanços.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 da ONU é a igualdade de gênero, cuja finalidade é o alcance da “igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas”. Tal ODS insta a adoção de medidas isonômicas entre homens e mulheres e, no Brasil, temos normas recentes nesse sentido - a Lei nº 14.457/2022 (emprega mais mulheres) e a Lei 14.611/203 (Lei de igualdade salarial) - as quais poderão diminuir a disparidade de gênero no mercado de trabalho 5.0, desde que as questões éticas atinentes ao tema também sejam devidamente observadas.
À medida que vivenciamos este renascimento tecnológico, é imperioso que utilizemos essa aceleração técnica para colocar as mulheres na vanguarda da inovação em IA. As questões éticas, como a igualdade de gênero, devem estar na linha de frente do desenvolvimento da IA e das tecnologias, de modo a priorizar a transparência e a responsabilidade para criar sistemas que respeitem os direitos individuais e também sejam inclusivos, de forma a promoverem a justiça e a equidade, conforme veremos a seguir.
3.1 Viés de Gênero e Discriminação Algorítmica
Apesar da modernidade e da crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, ainda há evidente desigualdade, na contratação, permanência, e ascensão da mulher no meio laboral.
Os direitos concedidos às mulheres e o aumento da qualificação feminina ainda não tiveram o impacto desejado na conquista da plena igualdade de gênero.
A sociedade ainda é predominantemente machista, resultando em desigualdade para as mulheres no mercado de trabalho, especialmente em posições de liderança, assim, combater a discriminação é um desafio para os desenvolvedores de sistemas de IA.
Portanto, o debate sobre viés de gênero é fundamental para combater a discriminação, por exemplo, crenças infundadas de que mães são menos competentes ou mais propensas a faltar ao trabalho reforçam a preferência pelo gênero masculino, exacerbando a desigualdade.
A IA, inicialmente alimentada por dados humanos, ganha autonomia cognitiva somente em segundo momento, no processo denominado Machine Learning, portanto cabe aos desenvolvedores a responsabilidade e o desafio em evitar os vieses algorítmicos.
Um exemplo emblemático que retratou viés de gênero, na utilização de IA, e repercutiu negativamente no cenário internacional, foi o caso da empresa Amazon, que apresentou uma plataforma inovadora de recrutamento, em que por meio de IA, selecionava os currículos dos candidatos mais compatíveis com as vagas ofertadas, no entanto, o que faria otimizar os processos de contratação, mostrou-se discriminatório às mulheres, porque a ferramenta construída com base de dados nas contratações dos últimos anos, assimilou a ideia de que deveria diminuir a pontuação dos currículos femininos, porque sobressaia a figura masculina. Assim, o programa entendia que as mulheres eram menos qualificadas para ocupar os cargos oferecidos.
Em face da repercussão negativa, a Amazon resolveu desistir da ferramenta23.
Outro ponto que chama atenção, é que a maioria das pessoas que trabalham no ramo da tecnologia são do gênero masculino, interferindo ainda mais no abastecimento da IA, que passa a entender como um padrão a escolha por candidatos do gênero masculino, naturalizando a exclusão feminina.
Este cenário mostra-se desafiador e digno de estudo, considerando que o uso da IA é algo crescente e irreversível, mostrando a necessidade de ajuste da ferramenta.
Nesse diapasão, a pesquisadora Rita Wu24, propõe meios de refrear a reprodução de preconceitos por meio da IA, por intermédio dos dados, algoritmos e pessoas.
Sobre os dados, propõe alimentação do maior número de dados possíveis, que reflitam a diversidade e variedade, como meio de evitar que a IA crie padrões estereotipados sobre as mulheres.
Com relação aos algoritmos, que são as informações e instruções, para que o aplicativo execute as funções designadas, incumbe ao programador evitar que sejam reproduzidos preconceitos ou estereótipos, que ocasionem discriminação.
Já referente às pessoas, conforme exposto ao longo do presente artigo, são seres humanos que operam e alimentam os dados da IA, então cabe às pessoas apresentarem informações imparciais sobre os gêneros, para que o Machine Learning entenda que homens e mulheres são iguais.
O Ministério Público do Trabalho do Brasil elaborou uma cartilha de suma importância, que visa instruir os cidadãos e principalmente os atores sociais, sobre o uso da IA com vistas ao combate à discriminação. Nesse estudo, a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, há uma relevante reflexão sobre o tema, que merece destaque:
As narrativas em torno do big data e da ciência de dados são baseadas majoritariamente em masculinidades dados e da inteligência artificial, vez que é capaz de promover o acesso à informação e inclusive a exposição de tiranias, mas por outro lado, também pode ocasionar em brancas e em uma concepção heroica da tecnologia (techno-heroic). A ciência por dados é uma forma de poder que tem sido utilizada para promover a democracia e os direitos humanos (expor a injustiça, otimizar os resultados de saúde e derrubar governos autoritários), mas que também tem sido usada para discriminar, vigiar e punir25.
O respaldo legal do direito à explicação no direito brasileiro também se consolida com a interpretação extensiva da base principiológica da Lei Geral de Proteção de Dados, em especial o princípio da transparência, que garante aos titulares de dados informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial. Tais informações devem ser capazes de combater a opacidade no processo de coleta e tratamento de dados pessoais nas decisões algorítmicas, evitando-se justificativas fundadas na suposta impossibilidade de demonstrar os fundamentos das decisões, principalmente quando se tratam de mecanismos de utilização do sistema de inteligência artificial denominado Machine Learning.
A cartilha revela as duas faces da ciência de disseminação de preconceitos e estereótipos.
Desta feita, órgãos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos e do trabalho digno, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), têm disponibilizado cartilhas e estudos sobre o tema.
FELICIANO e AQUINO26, asseveram que todos os Estados-Membros da OIT assumiram o compromisso internacional de promover a proteção de quatro eixos fundamentais estabelecidos no artigo 2º da Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998), entre eles, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação”.
A UNESCO, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a OCDE, desenvolveu um relatório sobre o uso da IA no trabalho. Concluíram que, por ser um tema novo, faltam dados suficientes para avaliar o impacto da IA no trabalho feminino, necessitando de mais estudos. Não obstante, fizeram algumas sugestões, entre elas, a qualificação feminina para o uso da tecnologia e a regulamentação, considerando a diversidade cultural e o acervo legislativo de cada nação, mas sempre com o pilar nos princípios universais dos direitos humanos27.
O relatório conclui que governos e empresas devem observar o impacto da IA e oferecer suporte para garantir trabalho digno e igualitário.
Considerando a centralidade dos direitos humanos na regulamentação da IA, é necessário aplicar o princípio pro homine em conflitos normativos para favorecer o ser humano. Este enfoque assegura que a tecnologia beneficie a humanidade sem perpetuar estereótipos ou discriminação.
Assim, guiados pelos princípios dos direitos humanos, previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, é possível adotar medidas eficazes para evitar decisões enviesadas da IA e impedir que a tecnologia traga agravamento da desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Por derradeiro, interessante notar que, no Brasil, a celeuma encontra amparo na Lei Geral de Proteção de Dados, ao preconizar o princípio da transparência, no artigo 20, que é capaz de combater a opacidade das decisões algorítmicas, segundo estudo publicado na Revista do Consinter, pelos autores Toniazzo, Barbosa e Ruar28.
A seguir será aprofundado o estudo sobre as medidas hábeis a combater a desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0.
4 MEDIDAS PARA O COMBATE À DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO 5.0
À medida que a IA e as novas tecnologias continuam a transformar o mercado de trabalho, as empresas precisam gerenciar os impactos dessa mudança com atenção às questões de gênero, ou seja, devem buscar mais do que apenas ganhos de produtividade.
Ao enfrentar preconceitos, promover habilidades digitais e reformular o trabalho para melhorar o bem-estar da integralidade dos trabalhadores, as organizações podem melhor explorar o potencial dessas novas tecnologias, criando um ambiente de trabalho inclusivo e justo.
A transição para o futuro do trabalho exige esforços para assegurar que a IA traga benefícios a todos os trabalhadores, independentemente de gênero. Mesmo porque, segundo registram BRAMANTE, PASCINI e FERREIRA, as novas tecnologias devem ser utilizadas sempre “pro homine” (artigo 218, da CF/88), mote da Carta de Princípios da Inteligência Artificial da Europa29.
O relatório “Os efeitos da inteligência artificial na vida profissional das mulheres”30, elaborado pela UNESCO, BID e OCDE, em 2023, aborda como a IA impacta as oportunidades e condições de trabalho das mulheres e traz as seguintes recomendações:
(i) governos e empresas devem colaborar para criar políticas inclusivas de IA;
(ii) é necessário que haja melhoria na transparência e no desenvolvimento de IA, observando-se critérios éticos, de modo a afastar a manutenção e o aumento da desigualdade de gênero; e
(iii) devem haver investimentos em programas de educação e requalificação para mulheres em STEM.
A necessidade de ética e transparência no desenvolvimento da IA foi abordada no tópico anterior. Como exemplos de políticas inclusivas de IA, podemos citar o programa “TechWomen”, do Departamento de Estado dos EUA, que oferece oportunidades de mentoria e intercâmbio para mulheres em áreas de STEM31; o Plano de Ação para a Transição Digital32, aprovado por Portugal em 2020, que é composto de três pilares estratégicos e objetivos, quais sejam, capacitação e inclusão digital das pessoas, transformação digital do tecido empresarial e digitalização do Estado; bem como, o Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027) da OCDE, destinado a apoiar a adaptação dos sistemas de educação e formação às transformações digitais33.
No tocante a investimentos para educação e requalificação, trazemos os significativos exemplos a seguir:
- programa de bolsas exclusivo para mulheres, lançado em 2019 pela Digital House Brasil (escola especializada em cursos intensivos voltados à tecnologia), que ofereceu 100 (cem) bolsas com o valor de 80% para os cursos de Web Full Stack, Mobile Android e Mobile iOS34;
- programa “Mil Mujeres IA” (M1000IA) desenvolvido pela Intel (em colaboração com a Positivo BGH, com a Bounty Edtech e com a Universidade Tecnológica Nacional da Argentina) em 2024, com o objetivo capacitar 1000 (mil) mulheres na América Latina por meio de cursos especializados em IA democratizar o acesso a essa tecnologia e seu uso prático no ambiente de trabalho produtivo35;
- o FluêncIA, lançado pela Microsoft em fevereiro de 2024, consistente num pacote de cursos on-line gratuitos, ministrados em português, voltados para quem deseja aprender sobre IA ou se atualizar para melhor atuar no mercado de trabalho, cujo conteúdo foi gravado somente por especialistas mulheres da empresa, com o objetivo de reforçar que não há distinção de gênero para carreiras de tecnologia36;
- a Google disponibilizou, em abril/2024, curso gratuito de AI específico para mulheres empreendedoras. “Nomeado de ‘Cresça com Google: Liderança Feminina na Era Digital’, as participantes vão conhecer novas possibilidades de integrar a tecnologia com negócios, além de receber capacitação para utilizar produtos e serviços que podem colaborar com as rotinas das pequenas empresas”37; e
- o “reprograma”38 e o “programaria”39, iniciativas sociais brasileiras voltadas para aumentar a participação de mulheres na tecnologia, especialmente nas áreas de programação e desenvolvimento de software, por meio do oferecimento de cursos, palestras e mentorias;
- a ONG Woncy, formada por mulheres com foco na capacitação feminina para atuação na área da cibersegurança40; e
- o Kode With Klossy, uma organização fundada pela supermodelo e empresária Karlie Kloss em 2015, com o objetivo de capacitar, capacitar jovens mulheres, proporcionando-lhes habilidades em programação e desenvolvimento de software, a fim de aumentar a diversidade e a inclusão no setor tecnológico. Também ministra treinamentos, cursos, palestras e bolsas de estudos (entre 2020 e 2022, cerca de 6.000 bolsas foram concedidas)41.
Boas práticas sindicais também são importantes no tocante ao tema em análise. Tendo em vista que os sindicatos são as organizações que representam os trabalhadores e trabalhadoras, a atuação sindical é de suma importância para que seja possível combater a desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0, o que pode ser feito por meio do desenvolvimento dos relevantes deveres-poderes sindicais, previstos nos artigos 8º e 9º, da CF/88, e 511, e seguintes da CLT.
Além de poderem negociar cláusulas que garantam igualdade salarial entre homens e mulheres para funções equivalentes, bem como benefícios que tragam melhores condições e estímulo à participação feminina em áreas STEM (como licença parental, auxílio-creche e horários flexíveis), os sindicatos também podem oferecer programas de capacitação e desenvolvimento de habilidades digitais específicos para mulheres, preparando-as para os empregos da era digital. Outrossim, as entidades sindicais podem ajuizar ações coletivas contra pátricas discriminatórias42 e têm papel de destaque no apoio a iniciativas legislativas que visem a melhoria das condições de trabalho para as mulheres nesse novo cenário.
Portanto, os sindicatos têm papel fundamental na representação e defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadores, de modo que devem assumir papel ativo para superar a desiguladade de gênero no mercado de trabalho 5.0, sendo oportuno trazer à baila as seguintes atuações nesse sentido:
- no 11º Fórum Sindical do Brics43, ocorrido em 13 de julho de 2022, que teve como tema “Aprofundando a Parceria para um Futuro Melhor”, as lideranças sindicais do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul debateram a importância da adaptação à transformação industrial e da melhoria das competências dos trabalhadores, bem como da necessidade de salvaguardar o direito destes ao desenvolvimento sustentável, resguardando-se também o equilíbrio ambiental e a segurança alimentar de todos. Especificamente com relação aos impactos da tecnologia nas relações laborais, a Declaração do 11º Fórum Sindical do Brics44 destacou expressamente o seguinte:
4. O início do século 21 marca o desenvolvimento sem precedentes das inovações tecnológicas globais. Tecnologia da informação, novas energias, novos materiais e biotecnologia estão ganhando força e estão profundamente interligadas. Qualquer economia que não consiga acompanhar a modernização industrial global seria abandonada pelo mercado e, assim, levaria ao encolhimento e declínio de suas indústrias.
(...)
5. Para se adaptar à nova rodada de revolução científica e tecnológica, bem como às mudanças e desafios no mundo do trabalho, instamos os governos dos países BRICS a reformar os sistemas de formação profissional e educacional, expandir a escala das faculdades de formação profissional passo a passo, alinhar a formação profissional com as necessidades industriais e promover a cooperação entre universidades, faculdades e empresas; responder rapidamente à demanda de habilidades em drástica mudança, estabelecer um sistema de serviço público com recursos de educação digital e construir plataformas on-line para aprendizagem continuada ao longo da vida. Os governos, empregadores e sindicatos devem conduzir o diálogo social a esse respeito.
(...)
7. Instamos as empresas a prestar muita atenção ao conhecimento industrial de ponta e aos avanços tecnológicos, reforçar o papel das empresas no treinamento de habilidades ocupacionais (...).
8. Os sindicatos devem se adaptar aos requisitos da ciência global, e revoluções industrial e tecnológica, intensificar os esforços para motivar os trabalhadores a se concentrarem em novas tendências de desenvolvimento tecnológico, organizar os trabalhadores para realizar várias formas de competências e habilidades e torná-las importantes plataformas para a inovação e criatividade dos trabalhadores.
Na plenária “Mulheres com Lula para Reconstruir o Brasil”, ocorrida em 10 de março de 2022, o Fórum Nacional de Mulheres Trabalhadoras das Centrais Sindicais entregou ao então candidato à Presidência da Repúlica um documento denominado “A pauta das mulheres trabalhadoras e os seus direitos - compromisso da candidatura Lula”, no qual consta expressamente:
POR MAIS E MELHORES EMPREGOS
Garantir cursos de formação gratuitos, sobre as novas tecnologias voltado para as mulheres e instituir política de requalificação e atualização profissional, para garantir acesso igualitário entre mulheres e homens aos novos postos de trabalho promovidos pelas novas tecnologias e acompanhar as mudanças no mundo do trabalho.
Assim sendo, verificamos que, embora a utilização da IA e das novas tecnologias possam apresentar desafios às mulheres, há também inúmeras oportunidades para promover a igualdade de gênero se as ações corretas, a exemplo das acima, forem devidamente implementadas.
A IA e as novas tecnologias têm o potencial de transformar o mercado de trabalho para as mulheres, mas isso depende de como as políticas e práticas serão executadas. Diante disso, entender melhor os impactos das novas tecnologias é o primeiro passo para saber lidar da melhor forma com a nova realidade do mercado laboral, sendo certo que a participação ativa de mulheres no desenvolvimento dessas novas tecnologias (e, para tanto, elas devem ser devidamente capacitadas e incluídas) e suas contínuas e crescentes capacitações são, conjuntamente, a chave para assegurar que não seja perpetuada e muito menos aumentada a desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção crescente da IA e das tecnologias digitais vem ocasionando profundas transformações no ambiente laboral, fato este que torna necessária uma abordagem cuidadosa e inclusiva dessa nova realidade, de forma a garantir que os benefícios dessas tecnologias sejam equitativamente distribuídos. Portanto, a análise do impacto da IA no mercado de trabalho para mulheres revela um cenário complexo e desafiador, mas também repleto de oportunidades para promover a igualdade de gênero.
Para tanto, é essencial reconhecer que as mulheres enfrentam obstáculos significativos para ingressar e progredir no mercado de trabalho 5.0. As responsabilidades domésticas e familiares, a sub-representação em áreas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e em cargos de liderança, bem como a persistente disparidade salarial são barreiras que precisam ser superadas. A oferta de opções de trabalho híbrido ou remoto, a disponibilização de creches e a licença parental e jornadas de trabalho flexíveis mostram-se como importantes medidas para tornar as carreiras em tecnologia mais acessíveis às mulheres.
Além disso, a conscientização sobre a importância da diversidade de gênero no desenvolvimento e aplicação da IA é fundamental. As histórias de mulheres influentes na área de tecnologia devem ser amplamente divulgadas para inspirar e encorajar mais mulheres a ingressarem nesse campo. Exemplos como Elaine Rich, Cynthia Breazeal e Fei-Fei Li mostram que as mulheres têm contribuído significativamente para a revolução da IA e devem ser reconhecidas por seus esforços.
Os sindicatos desempenham um papel vital na promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0. Através da negociação coletiva, podem garantir igualdade salarial, benefícios adequados e oportunidades de capacitação para mulheres. Além disso, os sindicatos podem atuar como defensores de políticas públicas que promovam a inclusão e combatam a discriminação no ambiente laboral.
Governos e empresas também têm responsabilidades importantes nesse contexto. A criação de políticas inclusivas de IA, a melhoria na transparência dos algoritmos e o investimento em programas de educação e requalificação para mulheres mostram-se fundamentais. Iniciativas como o “TechWomen” dos EUA, o Plano de Ação para a Transição Digital de Portugal e o “Mil Mujeres IA” da Intel são exemplos de esforços bem-sucedidos para capacitar mulheres para a nova realidade do mercado de trabalho.
Ademais, a ética e a transparência no desenvolvimento da IA devem estar na linha de frente das iniciativas de todas as empresas e órgãos. É imperativo que os sistemas de IA sejam projetados para respeitar os direitos individuais e promover a justiça e a equidade. O princípio da tecnologia "pro homine" deve ser sempre observado, a fim de garantir que a tecnologia não perpetue estereótipos ou discriminação e, assim, beneficie igualmente a todos.
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho 5.0 é um desafio que requer uma análise abrangente e integrada. A colaboração entre governos, empresas, sindicatos e organizações de direitos humanos é essencial para criar um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo. Ao implementar medidas eficazes e promover a participação ativa das mulheres, poderemos assegurar que a revolução tecnológica seja efetivamente benéfica.
Concluímos, por derradeiro, que o progresso tecnológico deve ser acompanhado de um compromisso firme com a igualdade de gênero. Somente através de esforços concertados para eliminar as barreiras e promover a inclusão é que poderemos aproveitar plenamente o potencial da IA e das novas tecnologias, assegurando que o mercado de trabalho 5.0 seja um espaço de oportunidades iguais para todos.














