Introdução
A construção imagética das companhias aéreas tenta simultaneamente atrair passageiros do ponto de partida e igualmente do destino. É com base nesta premissa que escolhemos duas campanhas publicitárias que gizaram estratégias de comunicação de modos distintos para a TAP no estrangeiro. No presente caso, a imagem do nosso país junto do mercado norte-americano como duas versões de Portugal “para gringo ver”. Dois modos de ler e interpretar, dois conceitos, dois modos de fazer, duas posturas perante o mesmo tema. Uma centrou-se no convite para visitar um país fechado, exótico, porque desconhecido do turismo de massas, um país governado em ditadura, tolerada, mas incómoda para algumas democracias ocidentais. A outra enalteceu o expoente tecnológico de uma pequena empresa que procurava elevar-se ao nível das suas congéneres. Tentaram convencer o passageiro norte-americano a visitar um país que se colava a esta “pseudo” imagem de modernidade, que só com a “cabeça no ar” correspondia à realidade. A recente descoberta de uma fonte primária não estudada torna o presente artigo inédito, completando alguns hiatos e confirmando simultaneamente algumas hipóteses formuladas noutros artigos.
Demos então sabor a este “romance” luso-americano.
Estado da Arte e Metodologias
O presente artigo prossegue a linha de investigação aberta pela tese doutoral de Pedro Gentil-Homem (2014) [1], que tratou de modo diacrónico a relação entre o design para a TAP em diversas áreas e o regime que a suportava como companhia de bandeira. Com base na consulta de fontes documentais, que ainda se encontram por estudar no Museu TAP (SDA/MTAP), percorremos um interessante documento inédito que relata exaustivamente - cheio de sentido de humor e sabor da época - a construção de uma estratégia integral de comunicação da TAP para o mercado americano (e por extensão global). Esse documento permitiu-nos, com maior grau de rigor, cruzar criticamente outra proposta distinta realizada cinco anos antes, no mesmo país e para o mesmo público-alvo. O arco temporal deste artigo situa-se entre 1967 e 1972, datas em que se inserem os documentos em análise. As metodologias empregues são as mesmas que têm sido adotadas nos diversos contributos por nós publicados: análise empírica de objetos e documentação de base qualitativa e não interventiva. A persecução desta investigação encontra premência, senão mesmo urgência, em ser tratada e estudada uma vez que a estratégia museal da empresa tem recentemente sofrido desinvestimentos significativos - o SDA / MTAP3 encontra-se atualmente (2023) acessível apenas por marcação, e por falta de especialistas no campo da museologia deixou de possuir iniciativa própria de investigação e disseminação.
Desenvolvimento
Na capa desenhada por Boris Chaliapin para a revista Time de julho de 1946 Salazar surge ao lado de uma maçã podre e apelidado como “Dean of Dictators”, ou “Decano dos Ditadores” (fig. 1). No interior o desenvolvimento do artigo traçava um triste retrato de Portugal e fadava-o a um futuro ainda menos brilhante:
“Portugal was a melancholy land of impoverished, confused and frightened people (...) Not only was Portugal at a new low point, it showed every sign of changing for the worse, perhaps slowly, perhaps by violent upheaval.” 4 (Portugal: How Bad Is the Best?, 1946) [2].
Assim permaneceu, de facto, a imagem do país por mais de três décadas. Só a Guerra Colonial o viria sacudir da letargia conformista e motivar uma revolução.
Ao longo dos primeiros 25 anos de operação a estratégia de comunicação da TAP oscilou entre uma atitude diletante - com boa vontade de alguns protagonistas internos sem formação específica - e o convite esporádico a autores com experiência nas áreas da Comunicação e do Design, sobretudo artistas plásticos e arquitetos. Esta atitude teve, expectavelmente, como consequência uma imagem díspar, pouco coerente e pouco sólida. Prosseguindo o “fado” de um país de escassos recursos, surgiu muitas vezes na sequência da aquisição e atualização de frotas, momento em que o elevado orçamento permitia, por um lado a sua inscrição no total das despesas, por outro a assimilação do know-how proveniente do país fabricante das aeronaves.
A publicidade em Portugal, ao longo da década de sessenta, e sobretudo a partir de setenta, entrou no período a que Rui Estrela apelidou de “época de ouro” (Estrela, 2005, p.90) [4]. O desenvolvimento da relação entre as maiores agências de publicidade e os grandes clientes, trouxe à TAP alguma coerência estratégica e alinhando as suas necessidades perante o mercado. Contudo a harmonia entre a imagem nacional e internacional permanecia desarticulada, uma vez que cada delegação estrangeira produzia as suas próprias iniciativas recorrendo a agências de publicidade locais5. Também durante este período a TAP optou por uma frota exclusivamente a jato com maior destaque para o início da relação com a norte-americana Boeing. A poderosa fábrica de Seattle foi uma das que melhor navegou com sucesso a onda de desenvolvimento da aviação a jato. Em 1967 a TAP era, aliás, uma das primeiras companhias mundiais a operar exclusivamente aparelhos desta tecnologia.
O ano de 1967 coincide com a abertura da rota Lisboa - Nova Iorque. O mercado da emigração justificava-a per se, contudo, equacionou-se o preenchimento dos aviões com turistas captados no mercado de destino. Uma das primeiras iniciativas estratégicas para a promoção de Portugal no mercado norte-americano consistiu numa emissão televisiva para o canal WIBF (Pensilvânia). Com o alto patrocínio do consulado português, passou em voo de pássaro uma imagem idílica do nosso país, integrando uma palestra sobre Arte Portuguesa entre outros conteúdos como “regiões, vinhos, artesanato, indústria e turismo” (A TAP na televisão... 1967, p.4) [5].
Do lado de lá do Atlântico a publicidade atingia grande fulgor e ousadia. Foram os anos da geração de agências nova-iorquinas da Madison Avenue, nas quais reinava um ambiente criativo, inegavelmente excessivo e “louco”. Um desses “loucos” foi Jerry Della Femina (n.1936) copyrighter da Delehanty, Kurnit & Geller (DK&G) personagem sui generis que inspiraria em 2007 a criação da série televisiva Mad Men6. Interrogava-se então Femina como transmitir a imagem de Portugal aos norteamericanos, sobretudo aos nova iorquinos, cidade para onde a TAP passaria a voar. Nada mais fácil! Afirmou nas suas memórias desse tempo auto-intituladas “From Those Wonderful Folks That Gave You Pearl Harbor” (1971)6:
“Fazer publicidade de destinos é a coisa mais fácil do mundo. Quando estava na Delehanty tínhamos a conta das linhas aéreas portuguesas, TAP. Não temos de mostrar o avião. Mostramos o sítio para onde vamos se apanharmos esse avião. Apresentámos anúncios lindos porque Portugal é um excelente local para publicidade. Tivemos o cuidado de não mencionar Salazar ou o facto de, em Portugal, nos candidatarmos a passar as primeiras férias de trinta anos do mundo, se cometêssemos algum erro” (Femina, 2011 [1971], p.42) [6].
A citação, enquadrada no contexto sociocultural e político da época, é interessante para a perceção da imagem que tinha Portugal lá fora, em particular nos EUA. Femina reduziu deste modo a nossa cultura a lindas paisagens, acima de tudo porque bastava não provocar o regime para um norte-americano nos visitar tranquilamente sem passar “umas férias de 30 anos” - entenda-se ser preso. Talvez mesmo contra vontade (não conseguimos apurar)7 Femina ficou-se mesmo pelas paisagens. Contudo, com um toque de humor inteligente, contrapôs um claim que satirizava o nosso país como exótico (leia-se estranho, isolado, parado no tempo) para o padrão europeu: “The only foreign country left in Europe”8. Este foi adaptado pela DK&G em toda a comunicação TAP no mercado norte-americano (1967). O desenvolvimento visual coube ao designer e art director Peter Hirsch (1936 - 2011) e assentou num traçado conservador que dividia a composição em aproximadamente duas metades, tendo ao alto a mancha fotográfica e na porção inferior o título e caixa de texto. A composição tipográfica usou fontes da família Grotesque (semelhantes à News Gothic)9 (fig. 2)
Não conseguimos encontrar provas documentais que afirmem inequivocamente a autoria da campanha do ano seguinte (1968) à DK&G, embora vários indícios o apontem10. Não chegamos a caracterizá-la como subversiva, todavia adotou um tom de escárnio, apoiado num humor irreverente. Denota aliás uma estreita relação com o artigo da Time - agora com 20 anos - levando-nos a acreditar não se tratar de mera coincidência. O artigo referia: “They bought from fisherwomen in Bedouin-like headdresses the Portuguese equivalent of hot dogs - grilled sardines.” (Portugal: How Bad Is the Best?, 1946)11 [2]. Um dos cartazes desta campanha chama precisamente a uma sardinha no pão “Portuguese Hot-Dog”, outro apresenta as mulheres da Nazaré com faces marcadas pela dura vida junto ao mar. Nessa campanha estão muitos dos clichês serôdios de Portugal no Estado Novo: de Fátima às sardinhas, do traje negro da Nazaré aos barretes de campino, retratados aqui como “exóticos”. Se atentarmos às declarações cautelosas proferidas por Femina em relação ao regime, temos agora implícita uma crítica a um país não apenas foreign mas também atrasado. Um conjunto de seis provas a preto e branco em papel couché estão à guarda do SDA/MTAP12 (Fig. 3). Por não encontrarmos nenhuma ocorrência impressa em periódicos ao longo dos anos que investigámos este tema, não nos parece estranha a hipótese de a TAP a ter reprovado. As grandes empresas serviam quase todas um estado corporativo, e evitava-se que alguém passasse umas “férias de 50 anos”. Contudo foi recentemente encontrado no site de leilões online eBay um exemplar impresso da mesma campanha13 (fig. 4). Terá afinal sido impressa na totalidade, ou apenas alguns exemplares foram aprovados? Permaneceremos atentos a novas descobertas documentais relacionadas com esta iniciativa.
A conta TAP permaneceu na DK&G pelo menos até 1968, data na qual podemos encontrar dois anúncios impressos (um mono página e outro em página dupla) que destacamos pela qualidade e impacto na área do Design Gráfico. Falamos de “Winter in Portugal, You Don’t Spend to Much, You Don’t Wear to Much” e “American Dream / Portuguese Dream” ambos ilustrados por Edward Sorel (n. 1929)14 [3]. Como deixa antever o claim do primeiro, apoia-se no baixo custo do destino e no clima ameno do inverno português. Uma consequência do fechamento económico português e um bónus para o visitante. É interessante observar como se estabelece paralelo com as Caraíbas, destino barato e preferencial do mercado de inverno norte-americano, mas difícil de reservar. Daí como alternativa Portugal:
“Admittedly it costs more to fly to Portugal than it does to the Caribbean. But once you get there it costs much less. You can stay at a posh Portuguese hotel for 11 dollars a day. With meals. You can sit in a café all night, if you wish, listening to fado and drinking red wine. And never spend more than 2 or 3 dollars.”15 (Winter in Portugal..., 1969) [3].
A composição destaca a ilustração assinada Eduard Sorel, encimada pelo claim e texto descritivo em fonte da família Caslon. O seu característico traçado cartoonesco mostra um casal de turistas nitidamente norte-americano em traje de verão (camisa estampada, calções, meias brancas, vestido curto de praia), carregando uma parafernália de adereços de férias (uma cana de pesca, tacos de golfe, raquetas de ténis, cestas de piquenique, entre outros) (fig. 5). O periódico interno da empresa Inter TAP do 4º trimestre de 1969 uma honra ter este anúncio integrado o anuário 1969 / 70 da conceituada revista Graphis (idem, 1969).
O segundo, em página dupla, confronta um “sonho americano” e um (imaginário) “sonho português”. Novamente apoiada na qualidade das ilustrações, assinadas apenas Sorel, e a composição apresenta dois aviões em corte segundo o eixo de simetria entre as páginas par e ímpar. No interior do avião da esquerda (norte-americano) vêm-se personagens que materializam o sonho americano. Vivendo o pleno final da década de sessenta, nele desfilam naturalmente os clichés da corrida espacial16: hospedeiras flutuando no ar com foguetes acoplados às costas, diversas naves espaciais e passageiros ordenadamente sentados em cápsulas (fig. 6). No interior do avião da direita (português) um ambiente muito curioso: no porão um toureiro abraça um touro, no piso intermédio encontram-se passageiros sentados numa casa de Fado “(...) that strange Portuguese music that’s half flamenco, half blues.”17, e estranhamente (ou talvez não) no piso superior um espaço semelhante a um museu no qual alguns passageiros apreciam um busto e outros escutam o discurso da assistente de bordo sobre uma pintura (fig. 7).
Este último piso constituiu uma surpresa, certamente uma novidade no discurso e na imagem que o país construiu de si próprio, tanto internamente, como para o estrangeiro. Talvez não tão estranho se lembrarmos os conteúdos veiculados pela transmissão televisiva da WIBF, nomeadamente a “brilhante palestra sobre a arte em Portugal, ilustrada com diapositivos (...) [pelo] prof. Robert Smith, da Universidade da Pensilvânia e grande amigo de Portugal” (A TAP na televisão... 1967, p.4) [5]. Não será alheia a esta iconografia a endémica indiferença norte-americana sobre outras nações que (a confirmar-se) se apoiou numa palestra para caracterizar Portugal como um país apreciador de Arte, o que (ainda hoje) é manifestamente distante da realidade. É certo que se trata de outro sinal claro do fechamento a que o país se votou e que se mantém “exótico” aos olhos de norte-americanos. O texto descritivo compara o “tecnológico” sonho americano de desenvolver um avião perfeito, com o “sexista” sonho português de bem receber, como em casa, pela Fada do Lar:
“And our stewardesses can offer you the numberless traditional niceties any self-respecting Portuguese hostess would offer her guest. Things she doesn’t learn at Airlines school, but at her mother’s knee”18 (The American Dream...,1968, p.19) [7]
A TAP expandia-se no número de rotas e frota, apoiada no mercado da emigração, do turismo ainda incipiente, e a partir do início da Guerra Colonial, nas ligações a Luanda e Lourenço Marques19. Este incremento impunha a aquisição de aparelhos com maior capacidade, tornando obvia a opção pelo novíssimo Boeing 747 (Jumbo)20. Este aparelho pela engenharia sofisticada e dimensão impressionante, foi admirado e usado por qualquer companhia como “certidão” de pertença ao grupo das maiores. O avultado custo de aquisição21 de dois (mais tarde quatro) Jumbo permitiu diluir custos de promoção e imagem. Outra vantagem deste englobamento foi a oportunidade de colar a imagem da TAP aquela que a própria Boeing dava sobre os seus aviões.
A agência AC&R22, por intermédio da Ted Bates em Espanha, propôs fazer o lançamento do Jumbo na TAP. Louis “Lou” Miano (n. 1934), director criativo da AC&R encarregou-se do cliente TAP, deslocando-se regularmente a Lisboa para reuniões, cujos briefings rigorosos impressionaram (Batista, 2009) [8]. Desta relação foram identificadas no SDA / MTAP algumas artes finais e provas fotográficas anotadas que comprovam a adopção dessas metodologias. Este processo de design culminou num documento seminal para futuras estratégias de comunicação: o Style Manual for Advertising and Collateral Material23 (AC&R, 1972) [9]. Nele foram diagnosticados erros e metodicamente detalhadas soluções. A parceria com a AC&R iria durar até 1979, contudo foi esta campanha de 1972 - projecto de grande fôlego para o lançamento do 747 na TAP - conhecida por “Big Enough / Small Enough” (fig. 8) - que veio alterar paradigmas a diversos níveis. As mudanças foram notórias, sobretudo na implementação de “boas” práticas. Tratou-se de um trabalho estratégico extenso com indicações específicas a adoptar em futuras campanhas de imagem. A extensa denominação e incoerência de comunicação da imagem TAP foi exposta em relatórios internos com vista a pressionar a administração para a sua importância. Num deles Rui Protásio do departamento comercial diagnosticou problemas de “corporate design” (sic) e de gestão da imagem global, suas relações-públicas, relações com o pessoal, ou como no próprio documento refere: “a nossa face pública”, 1972, p. 2)
Desta relação fértil foi por nós recentemente descoberto (2022) no SDA/MTAP (por inventariar) um interessante álbum encadernado intitulado “The Advertising Story of the 747 Launch TAP”. Este documenta a posteriori e em grande detalhe todo percurso de criação e disseminação da campanha “Big Enough / Small Enough”, reconhecida pela revista Time com “A special award for an outstanding approach to airline advertising”. Constitui igualmente uma preciosa fonte para o estudo de uma campanha de grande fôlego no início da década de setenta nos EUA (e Portugal).
A partir da sua leitura podemos traçar todas as fases do conceito ao clip de cinema. O arranque enquadra o território de actuação, Portugal e a TAP, como pouco conhecidos, adoptando a premissa traçada em 1967 pela DK&G, “First, Portugal - TAP’s home - was one of the last European countries to be discovered by the tourist. (...)” e segue retratando o seu povo “Second, the character of the Portuguese people should not be forgotten. (...) A character epitomised by the glorious Portuguese names wich stud the books of world history: Henry the Navigator, Vasco da Gama, Magellan, Pedro Alvarez (sic), Cabral, Bartolomeu Dias, to name just a few.” (AC&R, 1972a)24 [11]
O documento corrobora as declarações de Campos Batista (2009 25 [6]), completando hiatos e desenvolvendo conteúdos em maior detalhe. Para a estratégia da nova face TAP o enviado da Ted Bates a Lisboa formou um grupo de trabalho constituído por técnicos provenientes de Madrid e Nova Iorque para estudar o novo cliente26. Conceptualmente a campanha apontou quatro pontos que nos parece importante elencar:
“1. The airline could not be described as” big”. However, it serves 34 cities, in 15 countries on 4 continents.
2. By the time that TAP’s new planes - the latest 747 B version - were to be delivered, the “Jumbo Story” would have been worked to death by those airlines wich had purchased the early model.
3. The Portuguese in general, and the TAP stewardesses in particular, had a remarkably high standard of hospitality.
4. TAP had not only invested in the 747 B, but had trained its engineers, and built the facilities, so that it could overhaul and service them itself - an ususually confident investment.”27
Esta percepção caracterizará toda a futura campanha internacional. Em nova reunião efectuada na TAP28 a agência apresentou 4 novas propostas de redenominação para a TAP, acompanhadas de 4 claims:
1. TAP International, the Airline of Portugal, knows you’re name, not a number.
2. TAP International, the Four-Continent Airline of Portugal
3. TAP International´s world - it’s a lot bigger than you think.
4. TAP International - We´re as big as an airline should be.
A escolha recaiu sobre uma fusão da denominação 1 e do claim 4: TAP International, the airline of Portugal, We´re as big as an airline should be.
O Eng. Vaz Pinto (1905-1976)29, que não participara da reunião, discordou da denominação escolhida alegando que a TAP não podia ser apelidada de “International” mas de “Intercontinental” pois operava em 4 continentes (Batista, 2009) [8]. Um mal endémico, não apenas nacional, mas muito lusitano no qual as administrações se imiscuem no trabalho realizado por técnicos da área. Ficou assim a nova denominação como TAP - The Intercontinental Airline of Portugal. Se a anterior “Transportes Aéreos Portugueses” era extensa, a nova não ficou melhor. Esta duraria apenas dois anos tendo, após a saída de Vaz Pinto, passado á versão abreviada The Airline of Portugal. Menos extensa, com melhor sonoridade e melhor expressão visual. O custo total da campanha a implementar nos media ao longo de quatro meses em 34 países foi orçamentada em 500 mil dólares30. A Agência enviou inclusivamente um especialista para estudar in loco a dinâmica dos media nos territórios ultramarinos. O claim desdobrou-se consoante o tema ou conteúdo a promover31 e adaptado para diversas línguas, num esforço de sintonia gramatical, de mensagens e de clarificação fonética. Inclusive foram implementadas versões em português do Brasil e espanhol da América do Sul. Uma tarefa complexa sobretudo em clips com durações fonéticas variáveis consoante a língua.
Visualmente estabeleceram-se novas regras de actuação, num processo de design à data inovador que se materializou, conforme mencionamos, no Style Manual. Pela primeira vez na documentação compulsada na TAP encontrámos artes finais com expressões próprias de um trabalho profissional na área do Design Gráfico, com referências à utilização da fonte Avant Garde para o claim “We’re as Big as an Airline Should Be”, da fonte Cairo Light para textos descritivos, ou do Pantone© 50% process red / 50% process yellow e black, para o logótipo TAP. A campanha enfatizou visualmente a dicotomia de escalas entre o Jumbo e a TAP, e assentou graficamente em grelhas e traçados reguladores bem explícitos como suporte para conteúdos e temáticas.
Como afirmámos, a relação com a AC&R fez escola no departamento de comunicação da TAP. Em virtude desse sucesso Campos Batista foi enviado aos EUA (1973) para obter especialização na área. Como consequência a TAP profissionalizou a gestão da sua imagem e iniciou um conjunto de boas práticas de comunicação que manteve nas décadas seguintes. O projeto de reconfiguração da imagem da TAP pela AC&R esteve previsto desenvolver-se em duas fases, mas ficou-se pela primeira. A segunda trataria a corporate image de raiz (Protásio, 1972) [10]. Embora abdicando desse contributo, em 1979 Campos Batista integrará a equipa que junto com a Boeing desenvolverá a imagem TAP Air Portugal. Uma fractura total com o passado que gerará polémica interna e externa.
Em apenas cinco anos, de 1967 a 1972 a imagem da TAP mudou. A do país embora tentando, mantinha-se. Marcello Caetano (1906 - 1980) entrava televisivamente na casa das famílias portuguesas “dando-lhes conversa”32, como parte estratégica pouco convincente de abertura do regime conhecida por Primavera Marcelista. Ironicamente o regime acabaria por ruir numa primavera, a de abril de 1974.
Conclusões
As companhias de bandeira como a TAP (à semelhança de outras congéneres) geram naturalmente uma relação próxima com os cidadãos dos seus países. Ainda hoje assistimos a esse fenómeno, por vezes exacerbado, entre a TAP e os portugueses. Atitudes muitas vezes acaloradas de defesa ou ataque, esgrimem políticas económicas entre a visão neo-liberal privatizadora e o controlo estratégico pelo Estado. Poucas vezes se discute, contudo, a relação ao nível semiótico, simbólico e/ou cultural. Um lastro identitário que o povo português carrega à décadas. A razão para esta simbiose prende-se com o modo como olhou para a sua companhia de bandeira como expoente de segurança, profissionalismo e orgulho.
As duas estratégias de comunicação lidas pelo olhar norte-americano, e como tal externo, são um bom modo para estudar como essa relação evoluiu ao longo daquele período estreito, mas com impacto muito efectivo. A colagem do destino Portugal aos seus clichés culturais, enaltecendo e.g. os descobrimentos ou o folclore, construíram a imagem da TAP como um espelho no qual o povo se refletiu, e vice-versa. Um peso e duas medidas parece ser a conclusão a extrair do confronto entre as duas abordagens de “gringo”. Duas versões retrataram Portugal, uma recorrendo ao humor e ao escárnio num tom descontraído, outra objectiva e pragmática assente no profissionalismo e nas boas práticas do Design. Foi através do input norte-americano que a identidade visual da TAP evoluiu e se tornou mais consciente de si própria. Um preconceito atávico ainda hoje presente em certos sectores decisórios da sociedade portuguesa. Uma escala de validade pré-concebida no qual “tudo o que é nacional não é assim tão bom”, o que vem de fora é à partida bem melhor. O modo como duas das mais criativas agências de publicidade nos EUA durante a viragem da década de sessenta para a de setenta assimilaram e retrataram os valores que o regime permitia difundir, forneceu-nos inequivocamente duas visões muito interessantes de outro episódio da História e Crítica do Design (que se fazia para Portugal).