Ao publicar este número sob o título “Inclusão das Pessoas com Deficiência. Políticas, Práticas, Investigação e Narrativas” a Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC) torna-se, seguramente, a primeira revista portuguesa na área das ciências sociais que dedica integralmente um dos seus números ao tema da inclusão das pessoas com deficiência (PCD). Trata-se, pois, de um acontecimento importante pelo seu contributo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para as PCD. Se mais nada justificasse a oportunidade desta publicação, bastaria recordar que o conhecimento historicamente acumulado mostra, sem reservas, o como e o quanto as PCD têm sido socialmente discriminadas, rejeitadas e desprezadas. Para levar a efeito a edição deste número, digamos que a direção do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade e os editores se inspiraram nos Artigos 8.º e 27.º da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) das Nações Unidas (CDPD), tendo como especial propósito contribuir para uma melhor consciência social sobre a deficiência, tentando ajudar a combater estereótipos e preconceitos e a promover os direitos das PCD. Esses direitos que, desde 2006, com a promulgação da convenção, pelas Nações Unidas, passaram oficialmente a ser uma questão dos direitos humanos - direito ao respeito, dignidade, escolha, liberdade, trabalho, escolaridade, constituir família, entre outros.
Quando falamos da necessidade de promover a inclusão das PCD, podemos recorrer a Arnold Van Gennep (1981), ao seu modelo de sequência de passagem, para analisar como tendem a ocorrer os processos de inclusão das PCD nos vários espaços sociais, trabalho, educação ou lazer. Trata-se de espaços onde diversas contradições, paradoxos e dualismos mostram como a perda do estatuto de pessoas socialmente excluídas devido à deficiência não conduz necessariamente à aquisição do estatuto integral de pessoas socialmente incluídas. Ou seja, a inclusão efetiva continua por realizar, permanecendo as pessoas naquela que é designada por “condição limiar”, num estado de suspensão social, num limbo de indefinição e ambiguidade, colocadas perpetuamente entre a inclusão e a exclusão, conforme argumentam, entre outros, Robert Murphy, Alain Blanc, Michel Calvez e Charles Gardou. Nesse sentido, a produção de conhecimento científico é fundamental para compreender os fatores que interagem nos espaços sociais onde a inclusão se cruza com a exclusão. Esses fatores que, no essencial, advêm das crenças socialmente instituídas, que colocam as PCD à margem da produção de relações sociais tidas como adequadas. Por outro lado, esses fatores impelem os antagonismos culturais entre a deficiência e a “normalidade” a manifestarem-se e estão também presentes nos argumentos que os atores tecem a propósito da presença e da participação das PCD naqueles espaços. Na condição limiar, as pessoas estão ocultas para os restantes membros da sociedade, na situação que Victor Turner (1990) designa de “invisibilidade estrutural”, e por via disso são facilmente prescindíveis. Sendo uma situação ambígua, as pessoas com deficiência são alvo de atitudes e práticas sociais excludentes, dado que a situação de sujeitos em condição limiar as torna simbolicamente invisíveis, ou seja, como referem Ravaud e Stiker (2000), não estão “nem verdadeiramente vivas, nem verdadeiramente mortas, nem verdadeiramente excluídas, nem verdadeiramente incluídas” (p. 2). Em suma, encontram-se de passagem da exclusão para a inclusão, na medida em que, hipoteticamente, tanto podem regressar à anterior situação de exclusão como serem efetivamente incluídas.
Portanto, são múltiplas as razões pelas quais a investigação social sobre deficiência pode dar contributo para a inclusão das PCD e, por consequência, melhorar a sua qualidade de vida. Deve, por isso, ser disseminada para comunicar teorias e resultados, com interesse para académicos, legisladores, jornalistas, ativistas, decisores políticos, profissionais das organizações de e para PCD, incluindo as próprias PCD. É neste sentido que se orienta estrategicamente este número da RLEC. Pretende-se, essencialmente, que possa contribuir para a divulgação de conhecimento científico, tendo como pano de fundo problemáticas do campo da deficiência. Em rigor, trata-se de contribuir para o cumprimento dos objetivos da CDPD, para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitadora dos direitos humanos. Nessa estratégia de disseminação cabe também a ideia de o conteúdo dos artigos aqui publicados chegar ao conhecimento dos agentes que atuam no campo da deficiência, pessoas, famílias, organizações de (re)habilitação e seus profissionais, incluindo as próprias PCD, por forma a aumentar a consciência social dos problemas que as afetam e das soluções que podem eliminá-los ou, ao menos, mitigá-los. É, ainda, nossa intenção promover a sensibilização para os direitos das PCD, conforme determina o Artigo 31.º da CDPD ( Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006). Neste artigo, apela-se expressamente à criação de conhecimento científico neste domínio. Igualmente, pretende-se contribuir para o sucesso dos objetivos de desenvolvimento do milénio, que estão intimamente ligados à satisfação das necessidades das PCD. Os oito artigos aqui publicados cumprem exemplarmente esses propósitos.
Com alcance estratégico, ainda que mais difuso e abrangente, importa relevar a importância do conhecimento científico na condução da mudança social. Para isso, basta atentar nos problemas colocados pelo envelhecimento da população (que acarreta um crescente número de pessoas incapacitadas) e pelas deficiências adquiridas, decorrentes dos riscos da organização social, com impactos nos sistemas de saúde e nos processos de reabilitação funcional e biopsicossocial. Ou seja, investigar em deficiência e disseminar os resultados da investigação é contribuir para a melhoria das políticas e das práticas de (re)habilitação, no pressuposto de que, como decorre das pesquisas de Robert Shalock e Miguel Verdugo, a promoção da qualidade de vida das PCD se joga no contexto da vida quotidiana. De facto, na atualidade, esses autores estão a propor a união do modelo de qualidade de vida com o de apoios, já que o propósito não é tanto a reabilitação, mas a melhoria da qualidade de vida, através do apoio do meio ambiente (família, profissionais, organizações, administrações).
Por outro lado, estando a deficiência tão entranhada nos sistemas sociais, há uma miríade de problemáticas a necessitar de investigação científica, tanto do ponto de vista estritamente cultural e social, como multidisciplinar. Efetivamente, há imenso espaço para desenvolver estudos focalizados, comparados ou longitudinais, sejam de alcance nacional, regional ou internacional. Este espaço está a desafiar a formação de parcerias de investigadores dos países lusófonos, e também dos países latino-americanos e da União Europeia. Digamos que este número da RLEC aposta na mobilização dos investigadores sociais, na defesa de valores inclusivos, que permitam identificar, compreender e explicar as dificuldades e os problemas sentidos pelas PCD. Estas pessoas que, para além das suas limitações físicas, sensoriais e cognitivas, vivem em contextos sociais regidos por regras sociais que as discriminam, desvalorizam e excluem. Tais regras produzem-se e reproduzem-se na relação entre a deficiência e a “normalidade”, ou seja, nos momentos e espaços da interação entre as PCD e o seu meio social envolvente, físico e relacional.
Na verdade, cada PCD é um ser único, podendo ser multiplas as causas e as consequências da sua situação, em função do tipo e grau de deficiência e do ambiente concreto, físico, organizacional e social, da sua vida quotidiana. Por esta razão, importa que o conhecimento científico também permita compreender e explicar como as experiências individuais contribuem para a construção social da deficiência. Com efeito, a própria exclusão e discriminação das PCD não resultam apenas das limitações colocadas pela deficiência em si ou decorrentes da sua situação de classe ou socioeconómica. A exclusão e discriminação resultam também do facto de que vivem e se mobilizam em ambientes que não têm em conta as suas necessidades físicas, sociais, comunicacionais ou relacionais (transportes, elevadores, escadas, balcões de atendimento, livros, língua gestual, registos áudio...).
Importa, também, que a investigação social analise as políticas sociais públicas direcionadas direta ou indiretamente para as PCD. E deve fazê-lo na sua relação com as práticas das organizações que promovem a inclusão. Será a forma de compreender e explicar como interatuam na reprodução e/ou transformação da qualidade de vida das PCD. Estas necessidades de investigação social estendem-se à análise dos processos, práticas, discursos e estratégias, com que agentes públicos e privados aplicam os princípios da CDPD. O conhecimento científico daí resultante é indispensável para se compreender como está a ser (re)construída social e politicamente a deficiência. Com efeito, é no encontro das políticas governamentais com as práticas organizacionais que se vai fortalecendo o lugar da deficiência na sociedade e se vão afirmando os direitos das PCD. Embora atravessemos um momento histórico de um notório abrandamento da ação cívica e cidadã organizada, os movimentos sociais da deficiência, particularmente em Portugal e no Brasil, foram determinantes na criação, adaptação e transformação de quase todas as organizações especializadas atualmente existentes, em especial, na obtenção de recursos, no desenvolvimento do enquadramento legal e na melhoria do próprio meio ambiente físico ou socialmente construído. A ação desses movimentos precisa de ser amplamente estudada nas múltiplas relações com o Estado e a sociedade, nas suas estratégias e práticas de ação. E, sendo uma evidência que a deficiência ocorre em todos os lugares e em todas as culturas conhecidas, é necessário encontrar respostas para diversas questões. Assinalamos algumas: há ou não uma cultura da deficiência, oriunda das diversas categorias de PCD e da deficiência no geral? Ou seja, há ou não uma cultura da cegueira, e também uma cultura da surdez, e ainda uma cultura das limitações à mobilidade? E será que estamos perante verdadeiras culturas? Ou estas culturas não passam de subculturas, e mesmo de contraculturas? Isso deixa espaço para investigar como se formam e variam as definições, tratamentos e experiências de vida das PCD, em função das diferentes culturas ou subculturas que existem numa dada sociedade ou meio social.
O conhecimento das ciências sociais também é fundamental para a compreensão das barreiras físicas e sociais, e das razões pelas quais estas barreiras persistem, e também para a promoção de uma melhor redistribuição dos recursos públicos direcionados para a sua eliminação. Importa, ainda, promover o conhecimento rigoroso e permanen te da composição qualitativa e quantitativa da população com deficiência, dos impactos das novas formas de definição da deficiência, assim como da sua medição e operacionalização. Neste particular, à investigação pedem-se contributos para a criação de instrumentos de medição válidos e confiáveis, além do apoio na resolução de numerosos problemas associados à recolha de dados. Igualmente, importa que a investigação social se interesse por estudar os ambientes físicos e sociais em que vivem as PCD. Estamos a falar de investigação essencial para compreender os diferentes fatores da construção social da deficiência. Referimo-nos, por exemplo, às consequências das barreiras físicas e ambientais, às atitudes atitudes e representações sociais dominantes, aos fatores de risco associados aos estilos de vida urbano e rural e à sua prevenção. Como bem sabemos, tais fatores limitam as oportunidades de inclusão das PCD no acesso ao sistema educativo e ao mercado de trabalho, entre outros papéis e funções sociais relevantes.
A investigação social também pode proporcionar uma melhor compreensão das consequências da rápida expansão da chamada “tecnologia assistiva”, a qual está a conceber e a produzir dispositivos de assistência que estão a mudar a vida das PCD. Além disso, pode contribuir para a melhoria desses dispositivos e para a compreensão dos fatores que regulam o seu acesso, assim como os seus impactos na vida quotidiana e na participação social das pessoas que os utilizam. Igualmente, da investigação social na área da deficiência podem surgir contributos para solucionar problemas, relaciona dos, designadamente, com cuidados prestados pelas famílias às PCD, assim como com os seus impactos nas relações intrafamiliares. Mas da investigação social na área da deficiência podem ainda surgir contributos que regulem as atividades de adaptação familiar à situação, assim como a redistribuição de papéis e processos de integração ou desintegração familiar. A investigação social pode, ainda, apoiar a ação, comunicação, estruturação e desenho organizacional das organizações que atuam no campo da deficiência, bem como as suas relações com o Estado, as famílias, as PCD e demais atores do meio em que se inserem.
Por outro lado, na esfera da investigação social também há espaço para analisar os processos de socialização primária das crianças (casos de deficiência congénita) e a socialização dos adultos (deficiência adquirida por acidente ou doença) ou dos idosos (deficiência por via do envelhecimento). A investigação social pode, ainda, recair sobre os efeitos desses processos na interação destas pessoas com a família, grupos de pertença e referência e as instituições sociais e organizacionais. Relevam também contributos de investigação que acompanhem o aumento da longevidade. Contributos que ajudem a compreender e explicar, por exemplo, as consequências sociais da capacidade da medicina em prolongar a vida de pessoas com doenças graves e lesões crónicas e incapacitantes, que vivem vidas individual e socialmente limitadas. Ou seja, a deficiência obriga a investigar as questões demográficas e epidemiológicas, de modo a serem conhecidas as distribuições, geográficas e sociais, dos vários tipos de deficiência, bem como a incidência ou prevalência da deficiência por idade, sexo e etnia.
Existem, ainda, muitas questões relacionadas com os cuidados de saúde das PCD, que podem ser do interesse dos cientistas sociais, que estudam os sistemas de saúde, por exemplo, questões relacionadas com a forma como as PCD usam os cuidados de saúde ou como são acolhidas e tratadas nas organizações de saúde. Os estudos culturais e sociais centrados na deficiência podem, sem dúvida, enriquecer-se com investigação que dê alguma atenção às vítimas e aos processos de vitimização e de violência que atingem as PCD, em especial as mulheres, e também sobre as estratégias e as práticas de resposta do sistema de investigação e de justiça criminal às ações criminosas e seus impactos, nomeadamente enquanto fatores causais de incapacidade seio da sociedade.
Todavia, não basta investigar com recurso às tradicionais metodologias de investigação social. Os investigadores devem privilegiar metodologias emancipadoras, garantindo a participação das PCD nas investigações que lhes digam respeito, em conformidade com o lema do internacionalmente reconhecido Movimento para a Vida Independente: “nada sobre nós sem nós”. Este movimento demonstrou quão prejudicial era a abordagem individualista e biomédica da deficiência e alertou para a importância de examinar a experiência da deficiência como percebida individual e coletivamente pelas PCD. Claramente, quando desenvolvemos programas de apoio ou reabilitação, os interesses e desejos do indivíduo são da maior importância no estabelecimento dos planos. Mas, para apreciar as mudanças que resultam dos planos implementados, temos de as medir objetivamente, o que requer a participação dos profissionais ou membros da família.
Tal como atestam os artigos aqui publicados, a deficiência é sobretudo uma questão social e cultural, não uma questão biomédica, que afeta uma pequena parte da população, convertida em minoria social, mas um dos principais fenómenos sociais da atualidade, que afeta as sociedades no seu todo. A partir da diversidade do conteúdo dos artigos aqui publicados, acreditamos estar a viver um novo tempo na relação do campo de deficiência, não apenas com o campo científico, mas também com o campo social. Tendo em conta o passado recente, este tempo novo pode caraterizar-se pela existência da crescente atenção científica às questões da deficência, assim como uma atenção social aos problemas das PCD. Vários sinais dão testemunho de uma consistente evolução nesse sentido, muito embora se trate de um tempo ainda prenhe de contradições, ambiguidades e ambivalências, face à continuidade da marginalização, exclusão e baixa qualidade de vida das PCD.
A despeito dessa evolução, a verdade é que, incluindo os países mais desenvolvidos nos estudos culturais, incluindo a sociologia e as ciências sociais em geral, só tardia- mente a deficiência se converteu em objeto científico. Nos países lusófonos, incluindo Portugal, o panorama continua bastante desolador, com as questões da deficiência ainda longe de fazerem parte integrante da agenda dos cientistas sociais. Na verdade, os países lusófonos estão bastante atrasados, quando comparados com países como o Reino Unido e a França. No caso do Reino Unido, a Disabled People International anda há pelo menos 30 anos a estimular os estudos culturais e sociais sobre a deficiência. Para o efeito, orienta-se por um modelo teórico (modelo social) que fornece algumas orientações práticas que devem ser desenvolvidas para apoiar as necessidades das PCD. O mesmo acontece em França com a ação da Maison des Sciences Sociales du Handicap, da École des Hautes Études en Santé Publique. Em Portugal, por exemplo, apesar de existir uma organização estatal para área da deficiência (Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P.), não existe nenhuma revista de ciências sociais que dissemine conhecimento oriundo do campo da deficiência. Aparentemente, no restante espaço lusófono também não existe nenhum grupo (instituto ou centro de investigação universitário), formalmente constituído, que investigue de forma permanente no campo da deficiência, na ótica dos estudos culturais ou sociológicos. Na verdade, podemos constatar, percorrendo a literatura lusófona dedicada às questões da deficiência, que poucos investigadores nos países lusófonos se interessam, de forma permanente, pelas questões culturais e sociais da deficiência. Precisamos com urgência de mais e mais investigação, com a mesma urgência com que precisamos de mais e mais inclusão. Com a edição deste número da RLEC, estamos a fazer a nossa parte.
Assim sendo, Michelli Agra e Valdelúcia Alves da Costa, em “Políticas de Educação Inclusiva e Práxis Pedagógica na Escola Pública: Experiências no Brasil”, através de uma abordagem centrada na teoria crítica da sociedade, analisam a implementação de políticas públicas de educação inclusiva e as experiências de inclusão escolar de estudantes com deficiência visual numa escola pública de Niterói, estado do Rio de Janeiro (Brasil). O seu objetivo central é caracterizar as experiências sobre as práxis pedagógicas com estudantes com deficiência visual considerados em situação de inclusão. No essencial, os resultados deste artigo vão no sentido de mostrar que a inclusão escolar de estudantes com deficiência, para ser efetivamente inclusiva, obriga a um “compromisso político-pedagógico coletivo de professores, gestores e familiares em prol da escola pública” (p. 21).
O artigo seguinte, de título “Estabelecimento Francês de Apoio e Assistência ao Trabalho e Integração Social e Profissional dos Trabalhadores com Deficiência nas Zonas Rurais. O Exemplo de Habert (Sabóia, França)”, Meddy Escuriet, Mauricette Fournier e Sophie Vuilbert, centra-se no processo de inclusão profissional de um coletivo de pessoas com deficiência psíquica e/ou com deficiência intelectual, num estabelecimento francês de apoio e assistência ao trabalho localizado numa pequena aldeia rural e montanhosa dos Alpes. Essa experiência, segundo os autores, oferece às PCD não apenas uma remuneração pelo trabalho realizado, mas funciona também como uma terapia que produz satisfação com a vida, sentimentos de utilidade, reconhecimento social e opor tunidades de vida independente e participação comunitária. Concluem os autores que, apesar da inclusão profissional decorrer num meio rural situado em território agreste e geograficamente afastado dos grandes centros, dado o facto de a instituição proporcionar apoio personalizado à mobilidade, o isolamento geográfico pode funcionar como um fator de inclusão profissional, social e espacial.
Em “Educação Inclusiva na Contemporaneidade à Luz da Teoria Crítica da Sociedade”, Jaciete Barbosa dos Santos e Jenifer Satie Vaz Ogasawara, recorrendo à teoria crítica da sociedade, sobretudo aos estudos de Adorno, ensaiam uma importante reflexão sobre os caminhos da educação inclusiva. Uma tal inclusão, apesar dos avanços sociais e políticos, continua, no Brasil e em muitos países do mundo, atravessada por barreiras físicas, sociais e de atitude, que criam limitações e dificuldades várias ao pro- cesso educacional das PCD. O seu percurso continua permeado por muita precariedade, evidenciada, tanto pela indisponibilidade de recursos e serviços básicos de acessibilidade, quanto pela manutenção de crenças e atitudes que impedem a inclusão educacional digna das PCD. As autoras concluem que a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva obriga a olhar para além das necessidades específicas das PCD. Ou seja, a educação inclusiva depende também da formação, pelos sistemas educativos, de sujeitos comprometidos com a valorização da diversidade humana e que a aceitem sem reservas. Sem essa formação, a escola inclusiva existirá apenas no plano formal, continuando a vigorar as práticas de discriminação, marginalização e segregação, pelo que, segundo as autoras, é a “barbárie, resultante de uma pseudoformação/semiformação, que ainda impera na maioria das nossas instituições” (p. 63).
Segue-se o artigo “Inclusão Profissional de Trabalhadores com Síndrome de Down na Cidade de São Paulo: Satisfação Pessoal, Produtividade e Relações Sociais no Ambiente de Trabalho”, de Ricardo Casco, Patrícia Ferreira de Andrade, Cintia Copit Freller, Gabriel Katsumi Saito e Roberta Cruz Lima. Neste artigo, os autores apresentam os resultados de uma pesquisa realizada em 2018, com base numa amostra de 20 jovens trabalhadores com síndrome de Down. Da análise feita pelos autores a um conjunto de dimensões relacionadas com o processo de inclusão profissional dos jovens da amostra, é possível concluir que estão satisfatoriamente incluídos nos sistemas relacionais e laborais das organizações empregadoras. A prova disso está nos níveis de satisfação com o trabalho e no adequado desempenho das atividades e tarefas que realizam.
Da autoria de Sérgio Sampaio Bezerra, o artigo denominado “Eficácia e Eficiência nas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais de Minas Gerais” traz-nos alguns traços e retratos da ação da Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais de Minas Gerais (Brasil). Esses traços e retratos foram obtidos a partir do ponto de vista dos seus gestores, considerando as três dimensões da missão daquelas organizações: oferta de serviços; melhoria da qualidade dos serviços; e defesa de direitos das pessoas com deficiência intelectual. Desenvolvendo um laborioso e criterioso processo metodológico e ancorando-se nos princípios da análise sistémica, o autor analisou, com o recurso a diversas técnicas de análise estatística, os dados provenientes de uma amostra aleatória de 199 Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais, com vista a medir a eficácia e eficiência da rede mineira dessas organizações. Os resultados obtidos podem, de certo modo, considerar-se surpreendentes, considerando a heterogeneidade da rede no que concerne às diferenças existentes entre as organizações que a compõem, especialmente em termos de localização, dimensão e variedade dos serviços prestados às pessoas com deficiência. De facto, ao contrário do que seria de esperar, os resultados da análise es tatística apontam para uma homogeneidade da rede. Daí não ter sido possível ao autor construir um modelo explicativo quantitativo capaz de captar as diferenças de eficácia e eficiência da ação das organizações da rede.
No artigo “Tematização da Deficiência na Literatura Infantil - Olhares Sobre as Personagens”, Renata Junqueira de Souza e Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues discutem a forma como são representadas as pessoas com deficiência física em seis obras de literatura infantil. Trata-se de uma discussão relevante, face aos desígnios da inclusão das crianças e jovens com deficiência física, nos quais se intercetam os objetivos da política nacional de educação especial brasileira com a forma como as editoras de literatura infantil interpretam esses desígnios nas obras que publicam. As obras analisadas pelas autoras colocam as personagens com deficiência em dois registos diferenciados entre si. Por um lado, segundo um registo pouco inclusivo, que olha a deficiência com as lentes do politicamente correto e estereotipa as PCD. Este registo representa-as como sujeitos, tanto capazes de superação heroica como de aceitação, pura e simples, das limitações da situação em que se encontram. Por outro lado, segundo um registo inclusivo, que olha a deficiência com as lentes da diversidade humana, colocando as personagens com deficiência em condições de igualdade com as outras sem deficiência. Neste registo, a superação e aceitação do real inspiram as interações entre as personagens envolvidas nas narrativas das histórias apresentadas. Concluem as autoras que “é relevante analisar obras que não reforcem estereótipos, colocando as personagens em condições de subalternidade e/ou que inspirem piedade, nem remetam à deficiência como superação heroica, resignação e aceitação do destino ou vontade divina” (p. 135).
No artigo “(Re)Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência: Perceções das Medidas Contrato Emprego Inserção e Contrato Emprego Inserção+ por Beneficiários e Promotores”, Neuza Cardoso Borges e Paula Campos Pinto questionam a política do Estado português para a promoção da empregabilidade das pessoas com deficiência e os seus resultados. Para o efeito, as autoras apresentam e discutem
os resultados de um estudo de natureza exploratória e qualitativa sobre as medidas contrato emprego inserção e contrato emprego inserção+ (CEI/CEI+), realizado na região de Lisboa e Vale do Tejo, que analisou a perceção de três stakeholders - 16 beneficiários/as com deficiência, nove entidades promotoras das medidas e sete entidades promotoras de formação e emprego de pessoas com deficiência - com o objetivo de conhecer as suas perspetivas sobre os aspetos facilitadores e as limitações na aplicação destas medidas. (p. 139)
Segundo as autoras, no essencial, deve concluir-se que, apesar de as medidas analisadas terem efeitos positivos no bem-estar das pessoas envolvidas e serem consideradas como boas oportunidades para mostrarem as suas capacidades e competências profissionais, não resolvem de forma satisfatória e permanente as necessidades de em- prego das pessoas com deficiência. O artigo é concluído com um conjunto de recomendações, retiradas dos testemunhos dos atores envolvidos, que podemos considerar de relevante contributo para uma maior eficácia das medidas analisadas.
Finalmente, em “Trabalhadores com Síndrome de Down: Autonomia e Bem-Estar no Trabalho”, Alex Sandro Corrêa, José Leon Crochick, Rodrigo Nuno Peiró Correia e Fabiana Duarte de Sousa Ventura mostram-nos como a inclusão profissional de uma amostra de trabalhadores com síndrome de Down impactou a sua qualidade de vida. Esses impactos são múltiplos e fazem-se notar a vários níveis: individual; relações sociais e afetivas; e expetativas para o futuro. Em especial, os autores dão-nos conta de melhorias ao nível do bem-estar, da autoestima e da autonomia e de outras “conquistas no campo afetivo-social (namoros e amizades), nos âmbitos familiar, econômico e profissional, ainda que com restrições” (p. 157). Além disso, o emprego também provocou melhorias ao nível dos sentimentos de utilidade e de aceitação pelos outros, bem como a projetarem o futuro de maneira semelhante aos restantes jovens com idades semelhantes.
A seção “Varia” contém três artigos. O primeiro, de José Ricardo Carvalheiro, tem como título “‘O Povo Desliga, Vai à Procura do Fado’ - A Rádio e a Resistência Fadista ao Estado Novo na Década de 1930”. No essencial, o autor procura identificar as articulações da rádio com o fado ao longo dos anos 30 do século XX, período marcado pela ascensão do salazarismo em Portugal, articulações essas que podem ser consideradas o resultado de lutas pela dominação do campo da difusão radiofónica, entre diversos atores, com diferentes objetivos e estratégias próprias. O segundo, denominado “O Mundo Fora do Lugar: A Trajetória de Degradação do Edifício Holiday Sob a Perspectiva do Espaço Social Bourdieusiano” de Victor Lucena e Julieta Leite é, segundo os próprios autores, “uma interpretação reflexiva sobre a trajetória de degradação simbólica de um emblemático prédio construído em 1957 no Recife (Brasil) - o Edifício Holiday” (p. 193). Finalmente, integra a seção o artigo da autoria de Olga Estrela Magalhães, Clara Almeida Santos, Catarina Duff Burnay, Rita Araújo, Felisbela Lopes e Ana Teresa Peixinho, intitulado “Vacinação Contra a Covid-19 - Uma Análise da Comunicação de Saúde das Fontes Oficiais Portuguesas em Ambiente Digital”. Neste artigo as autoras analisam e avaliam a forma como o Estado português e as organizações de saúde portuguesas comunicam com os seus públicos via digital, num tempo marcado pela crise sanitária provocada pela pandemia covid-19. Para o efeito, recolheram informação sobre os conteúdos digitais publicados em cinco websites e quatro páginas de redes sociais online. Essa recolha decorreu entre o dia do anúncio da autorização da primeira vacina e o início da aplicação da administração da segunda dose aos profissionais de saúde. Os resultados apontam para a emissão de informação de cariz meramente informativo, à qual faltou o conteúdo pedagógico necessário ao envolvimento e capacitação dos destinatários.