Introdução
O presente artigo insere-se no debate acerca da gestão de organizações da sociedade civil (OSC) e está voltado para compreender como eficácia e eficiência podem ser verificadas nesse tipo de organização.
De acordo com Steinberg e Powell (2006), existem múltiplas definições e categorizações para esse tipo de organização, fato que gera muitas confusões, tais como, organizações não governamentais, do terceiro setor, sem fins lucrativos, sem fins econômicos, filantrópicas, voluntárias, do setor independente, entre outras.
Essas múltiplas definições geraram muita confusão ao longo do tempo, levando o congresso brasileiro a aprovar a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que define as organizações sem fins lucrativos e com origem na sociedade civil, como OSC.
A pesquisa teve o objetivo de compreender a eficácia e a eficiência nas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do estado de Minas Gerais, Brasil, OSC criadas por uma necessidade da sociedade civil para apoiar as pessoas com deficiência intelectual e múltipla, no processo de habilitação e reabilitação e em parceria com as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro.
Para tanto, essa investigação se ancorou numa perspectiva sistêmica e nos conceitos de eficácia e eficiência organizacional. Utilizando uma abordagem quantitativa, foi enviado um questionário autoaplicado para uma amostra aleatória de 199 gestores de APAE. O esforço, aqui, foi buscar elementos para compreender quantitativamente a eficácia e a eficiência na rede das APAE mineiras a partir da percepção dos gestores das organizações, entendendo-a como parte de um sistema mais vasto e considerando sua heterogeneidade quanto à oferta de serviços.
A partir dos dados coletados, foram efetuadas análises descritivas, de cluster e quartílica, coeficientes de correlação de Pearson e construído um modelo de regressão linear múltipla, para se tentar encontrar um modelo explicativo da eficácia e da eficiência nas APAE mineiras. Apenas o recurso à análise quartílica permitiu a segmentação das APAE em oito clusters, não tendo sido possível chegar ao desejado modelo explicativo da eficácia e eficiência das APAE.
Enquadramento Teórico-Conceitual
O crescimento generalizado da complexidade e da incerteza presentes no mundo contemporâneo nos leva, lentamente (mas inevitavelmente), a uma visão geral do mundo que, segundo Rosnay (1975), exige um esforço de síntese que a abordagem sistêmica traz como método de compreensão dos fenômenos da sociedade contemporânea. Assim, de acordo com Durand (1979/1992), temos três grandes categorias de sistemas, os sistemas físicos, o átomo e o sistema solar. Os sistemas vivos, como a ecologia e a biologia; os sociais, como as organizações do trabalho e a família; os econômicos e os políticos.
Sistema é “um conjunto de elementos que se relacionam entre si, formando um todo, e sua estrutura é formada por seus elementos (subsistemas), sendo o elemento vivo − a pessoa ou o grupo − o elemento transformador dentro das organizações”, segundo Bériot (1992/1997, p. 21). Ainda segundo este autor, um sistema terá mais oportunidade de otimizar os seus resultados se existir uma coerência entre seu fim e suas ações. Depois, deve-se conhecer as relações existentes entre os indivíduos que o compõe, pois é essa interação que permite o conhecimento do sistema e não os indivíduos em si mesmos. Para agir sobre um sistema, deve-se ater ao seu funcionamento atual e não sobre sua história ou causas que explicam suas deficiências de funcionamento. Da mesma forma, é essencial ter em conta a tendência natural dos elementos do sistema resistentes à mudança. Além disso, Bériot (1992/1997) observa “a adaptabilidade de um sistema depende do equilíbrio entre o conjunto de regras (as normas), o que pode impedir uma reação desordenada à mudança” (p. 45). Por fim, as informações que circu lam no sistema, bem como as condições de transmissão dessas informações permitem orientar ou desorientar a mudança a ser feita.
Por sua vez, Brito (1989) entende sistema como “um conjunto de símbolos por meio dos quais descrevemos o comportamento empírico que caracteriza a organização” (p. 35). As OSC se caracterizam por não terem fins lucrativos e serem autônomas, ou seja, sem vínculo com o governo. Em geral, o produto das atividades dessas organizações não gera bens ou recursos financeiros, o que as torna dependentes de doações e de parcerias governamentais. Além disso, sua finalidade é definida nos estatutos e sua organização prima pela informalidade, praticamente sem normas e procedimentos escritos. E, apesar de haver um processo de planejamento, ele não é formalizado. Também não há sistematização de dados para efeito de avaliação (Tenório, 2009).
Drucker (1990/1994) complementa que “essas organizações existem para provocar mudanças nos indivíduos e na sociedade” (p. 3). Portanto, as APAE existem para gerar transformações na relação dos brasileiros em situação de deficiência com a sociedade. Dessa forma, esse tipo de organização não deve ser uma mera prestadora de serviços, mas considerar seu usuário final como um agente de transformação dos indivíduos e da sociedade (Brito, 1989). Entretanto, numa perspectiva sociológica, as OSC possuem alguns pontos em comum com as outras formas de organização do trabalho, pois envolvem formações sociais com membros definidos e uma clara diferenciação in- terna de papéis. Além disso, apresentam uma orientação racional do seu fim, sendo essa a maneira de estudá-las como um sistema social (Brito, 1989). Essa orientação, de acor do com Drucker (1990/1994), deve ter clareza e objetividade e estar expressa na missão da organização, sendo de fundamental importância para fixação de metas concretas de ação e para o comprometimento dos indivíduos em relação ao objetivo a ser alcançado.
Portanto, para que uma OSC como a APAE tenha um funcionamento de boa qualidade, não basta que pais, pessoas com deficiência intelectual e amigos se agrupem e busquem recursos para a sobrevivência da associação. É preciso, igualmente, garantir que os recursos conseguidos sejam alocados da melhor forma possível e que o trabalho seja desenvolvido da forma correta. Assim, para atingir o seu objetivo, há que se definir, de forma clara e objetiva, sua missão quanto aos fins, para haver uma boa fixação de metas e um gerenciamento eficiente das partes que constituem essa associação: áreas
administrativa e financeira, educacional, de saúde e de assistência social.
Essas metas devem ser avaliadas a partir da missão estabelecida e descrita no Capítulo 1, Artigo 3.º do seu estatuto padrão:
Art. 3º - A Apae tem por MISSÃO promover e articular ações de defesa de direitos e prevenção, orientações, prestação de serviços e apoio à família, direcionadas à melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência e à construção de uma sociedade justa e solidária. (APAE Brasil, 2015)
Esse conjunto de elementos se relacionam e formam o sistema social que tem na sua estrutura subsistemas, sendo o elemento vivo - a pessoa ou o grupo - transformador dentro das organizações. Entretanto, esses elementos podem comportar-se de maneira diferente em função do sistema no qual estão inseridos e serem influenciados pelos elementos com os quais se relacionam reciprocamente, podendo, inclusive, se decompor em elementos menores de acordo com o nível de observação que pretendemos. Neste caso, o menor elemento humano considerado na abordagem sistêmica é a pessoa individual (Bériot, 1992/1997). Ainda, segundo este autor, um sistema terá mais opor tunidade de otimizar os seus resultados se existir uma coerência entre seu fim e suas ações e se conhecermos as relações existentes entre os indivíduos que o compõem.
A forma de verificar se os objetivos de uma APAE, ou de outra forma qualquer de organização do trabalho, estão sendo atingidos são as medidas de eficácia e eficiência. Para Cameron (1986), apesar dos conceitos de eficácia e eficiência serem centrais nos estudos organizacionais, existe alguma confusão em relação a eles. Contudo, essa confusão se torna compreensível ao percebermos que se deve ao fato de as organizações mudarem e, consequentemente, o modelo organizacional de eficácia e eficiência também mudar, ou seja, qualquer modelo usado para medir esses conceitos será dinâmico, por ser afetado diretamente pelas mudanças organizacionais.
De acordo com Robalo (1995), os termos eficácia e eficiência não são equivalentes, mas a distinção entre eles nem sempre é estabelecida da mesma forma. A eficácia é um conceito absoluto, pois uma APAE pode ser eficaz ou não eficaz ao atingir ou não os seus objetivos, desde que os objetivos atingidos sejam realmente aqueles descritos na sua missão e que tenham sido pensados, em relação à APAE como um todo, numa perspectiva sistêmica, levando-se em consideração as condições necessárias para sua manutenção e as dinâmicas das suas relações com outras instituições. Já a eficiência, refere-se à melhor forma de se atingir determinado objetivo. Trata-se, em rigor, de um conceito relativo e não absoluto, ou seja, uma APAE pode ser mais eficiente do que outra ou outras; um serviço ou técnica pode ser mais eficiente do que outro. Portanto, não exis tirá APAE, serviço ou técnica eficiente, mas umas mais ou menos eficientes que outra(s). Castro (2006) complementa esse entendimento ao afirmar que a eficiência não se preocupa com os fins, ela está inserida nas atividades operacionais, isto é, está voltada para aspectos internos da organização. Logo, é a eficácia que se preocupa com os fins, em atingir os objetivos da organização. Uma organização, então, pode ser eficiente e não eficaz, e vice-versa, idealmente deve ser eficaz e eficiente.
De forma resumida Tenório (2009) define que “eficácia é fazer o que deve ser feito, isto é, cumprir o objetivo determinado” e “eficiência é a melhor forma de fazer algo com os recursos disponíveis” (p. 18) e apresenta as seguintes hipóteses de desempenho organizacional (Tabela 1).
Todavia, como assegura Cameron (1986), não há consenso sobre o melhor ou o suficiente conjunto de indicadores para medir a eficácia e eficiência organizacional, não existindo limites especificáveis. Contudo, modelos diferentes são úteis para pesquisas em diferentes circunstâncias, devendo partir da clareza da missão organizacional para se definir a melhor forma de realizar as atividades nas organizações.
Soma-se a isso o fato de que a eficácia e eficiência organizacional, segundo Cameron (1986), são constructos orientados para o problema e não para teoria. Assim sendo, pode-se dizer que o ato de gerenciar uma APAE engloba a busca da eficácia e da eficiência nas atividades do cotidiano, numa perspectiva sistêmica a partir da definição clara e simples da sua missão, atrelada a questões externas que possam impactá-la.
Método
Consideramos esta pesquisa exploratória, pois há pouco conhecimento acumulado e sistematizado sobre eficiência e eficácia nas APAE. É também uma pesquisa de campo, por se tratar de uma investigação empírica realizada nas APAE de Minas Gerais, que busca elementos de explicação do fenômeno (Gil, 2008), com base numa abordagem metodológica quantitativa.
A definição da amostragem seguiu os ensinamentos de Laville e Dionne (1997/1999), para quem o caráter representativo de uma amostra depende do modo como ela é estabelecida. Nesta investigação, a amostra foi selecionada de forma aleatória simples a partir de uma lista completa das APAE. Trata-se de uma amostra probabilística, dado que todas as APAE em funcionamento no estado de Minas Gerais tiveram oportunidade de nela participar. O tamanho da amostra (199) foi determinado com base na população finita de 408 APAE, ao nível de confiança de 95% (n1; Equação 1).
Posteriormente, essa amostra aleatória foi estratificada considerando os três clusters construídos segundo a dimensão (porte) da APAE, conforme definido pela Federação das APAE do estado de Minas Gerais a partir de sua oferta de serviços: as APAE de porte 1 ofertam somente o serviço de educação (autorizado pelo Conselho Estadual de Educação), ou de assistência social (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Assistência Social), ou de saúde (Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde); as de porte 2 que ofertam dois desses serviços, e as maiores, que ofertam os três serviços (Tabela 2).
Cabe salientar que foi sorteado um percentual de 10% de APAE como reserva para o caso de necessidade de substituição. Esse survey foi um levantamento autoadministrado (Almeida & Botelho, 2006) pelos interrogados, composto por uma série de pergun tas em função das três dimensões observadas na missão estatutária das APAE: oferta de serviços, melhoria da qualidade de vida e defesa de direitos.
Na perspectiva da oferta de serviços, as perguntas se basearam no conhecimento das APAE mineiras e buscaram contemplar aspectos das quatro funções da administração (planejamento, organização, direção e controle), a capacidade instalada das APAE, a qualidade dos serviços prestados, os resultados alcançados com os usuários, a satis- fação dos usuários com os serviços ofertados e as inovações incorporadas aos serviços.
Na perspectiva de melhoria da qualidade de vida, o modelo aplicado no campo da deficiência intelectual tem sido aquele desenvolvido por Schalock e Verdugo (2007), so mados aos ensinamentos de Veiga et al. (2014). A partir daí, foram definidas as perguntas referentes à inclusão da pessoa com deficiência intelectual e múltipla no mercado formal de trabalho, sua integração na comunidade, o desenvolvimento de suas competências pessoais, suas relações sociais e de interação, aspectos de sua autodeterminação e vida independente, além de aspectos do seu bem-estar psicológico e satisfação pessoal.
Na perspectiva da defesa de direitos, as perguntas tiveram como base a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência incorporadas à Constituição Brasileira de 1988 (Decreto nº 6.949, 2009).
Após definidas as perguntas, elas foram submetidas a uma discussão num painel de especialistas que trabalham nas organizações estudadas, composto por fonoaudiólogo, assistente social, cientista social, especialista em artes, terapeuta ocupacional, administradora e pedagoga, que contribuíram para adequação das mesmas à realidade das APAE mineiras.
Em seguida, o questionário foi testado em uma pequena amostra por conveniência de 16 APAE não sorteadas na amostra aleatória, com o objetivo de adaptar o questionário, em termos de linguagem compreensível e nível intelectual adequado (Almeida & Botelho, 2006), e evitar problemas potenciais, dada a heterogeneidade do perfil dos gestores das APAE mineiras.
Por fim, foi perguntado aos gestores se, na opinião deles, aquelas questões estiveram presentes, ou não, nas respectivas APAE durante o ano de 2019.
Após a realização do pré-teste, o questionário foi finalizado e enviado para as 199 APAE mineiras da amostra aleatória, utilizando a ferramenta online Google Forms que, além de gratuita, possibilitou aos respondentes o acesso em qualquer local e horário, agilizando a coleta de dados, se obtendo um total de 199 respostas em conformidade com a dimensão estabelecida.
Traços Organizacionais: Um Olhar dos Gestores Sobre a Rede Mineira das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
Neste ponto são descritos os principais traços quantitativos que contribuem para compreender as diferenças e proximidades entre os três portes de APAE, no que se refere às três dimensões que compõem sua missão, a partir das evidências encontradas pela análise de frequência dos dados coletados por meio dos questionários e de dados de alguns sistemas oficiais do governo brasileiro: Sistema Único de Assistência Social, Sistema Nacional de Educação e Sistema Único de Saúde.
Dimensão da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e do Município
Comparando as APAE por porte, com a dimensão do município de localização, observamos que das APAE de porte 1, 48,8% se localizam em micro municípios (até
10.000 habitantes), 39% em pequenos municípios (de 10.001 a 25.000 habitantes); e 12,2% em médios municípios (de 25.001 a 55.000 habitantes). Portanto, as de menor porte estão, em sua maioria, localizadas em micro municípios e municípios pequenos.
Em relação ao produto interno bruto (PIB) per capita desses municípios, comparativamente com o PIB médio per capita brasileiro e mineiro (2018), respectivamente, de R$33.593,82 e de R$29.223,00, verifica-se que apenas 14,6% desses municípios superam a média do PIB brasileiro, e 17,1% superam a média mineira. Os 82,9% dos municípios onde se localizam as APAE de pequeno porte possuem PIB abaixo das médias do PIB per capita brasileiro e mineiro.
As APAE de porte médio, isto é, que ofertam dois serviços (educação e saúde, ou educação e assistência, ou assistência e educação) se localizam concentradamente em micro municípios com até 10.000 habitantes (28,4%), e em municípios médios de 25.001 a 100.000 habitantes (56,7%). As demais se dividem: 8,9% estão localizadas em municípios de pequeno porte (de mais de 10.001 até 25.000 habitantes) e 6,0% em grandes municípios (com mais de 100.000 habitantes).
Em relação ao PIB per capita dos municípios onde se localizam as de porte médio, ao serem comparados com a média nacional, verificamos que apenas 9,0% deles estão acima e, quando comparamos com a média mineira, esse percentual cresce para 13,4%. Portanto, 86,6% dos municípios onde as APAE de médio porte estão localizadas possuem PIB per capita menor que as médias brasileira e mineira.
Quando olhamos para os dados das de maior porte, aquelas que ofertam os três serviços, percebemos uma concentração de grandes APAE em municípios pequenos (de até 25.000) e médios (de 25.001 até de 100.000), respectivamente, com 43,8% e 35,2%, enquanto 11% delas estão localizadas em micro munícipios com até 10.000 habitantes e 10% em municípios de grande porte (com mais de 100.000 habitantes). Então, as grandes APAE estão, em sua maioria, localizadas em pequenos e médios municípios.
No que se refere ao PIB per capita dos municípios nos quais se localizam as APAE de maior porte, somente 16,4% dos municípios têm PIB per capita acima da média brasileira, e esse percentual cresce para 24,2% quando consideramos a média mineira. Portanto, mais de 70% dos municípios onde se localizam as grandes APAE de Minas Gerais têm um PIB per capita abaixo das médias brasileira e mineira.
Distribuição dos Recursos Humanos das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
Essa informação foi solicitada a todas as APAE da amostra. A sua composição foi sistematizada e discriminada segundo os portes das APAE. No porte 1, verifica-se que 29,3% das APAE, quando observada somente a dimensão de recursos humanos, se equiparam à microempresa (de um a nove funcionários) e o restante, 70,7%, se enquadram na tipologia de pequenas empresas (de 10 a 99 funcionários). A maioria das APAE, cerca de 87,8%, apresentam uma assimetria entre a distribuição de funcionários técnicos e administrativos a favor de funcionários técnicos, exceto duas que possuem mais funcionários administrativos. Quatro APAE possuem uma distribuição simétrica entre funcionários técnicos e administrativos.
Já no porte 2, verificamos a existência de oito APAE com menos de 10 funcionários se equiparando, quando observamos apenas essa dimensão, à microempresa, representando 11,9% do total das APAE desse porte. As restantes, 88,1%, se enquadram como pequenas empresas.
Quanto à distribuição dos funcionários entre técnicos e administrativos, verifica-se que a maioria das APAE, 97,0 %, apresentam assimetria com um maior número de funcionários da área técnica em relação aos da área administrativa, exceto três que têm um número de funcionários administrativos maior que o de técnicos. Apenas uma APAE apresenta uma relação simétrica entre o número de funcionários técnicos e administrativos.
Nas APAE que ofertam os três serviços (educação, saúde e assistência social), 3,3% se equiparam a médias empresas e 95,6% se equiparam a pequenas empresas, quando olhamos apenas para dimensão do número de funcionários. No que se refere à distribuição dos funcionários entre técnicos e administrativos, 4,4%, apresentam uma simetria entre os dois tipos de funcionários, e 95,6% apresentam uma distribuição assimétrica entre funcionários técnicos e administrativos. Dessas, apenas três APAE têm mais funcionários administrativos do que técnicos; as demais apresentam um número superior de pessoal técnico.
Distribuição dos Usuários das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
Os dados dos usuários das APAE foram coletados dos sistemas oficiais da Secretaria Nacional de Assistência Social (s.d.) e do Sistema Nacional de Educação, por meio dos seus censos (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020), e do Sistema Único de Saúde, por meio das deliberações das metas dos serviços da rede de cuidados da pessoa com deficiência no Brasil (Deliberação CIB-SUS/MG nº 1.404, 2013; Deliberação CIB-SUS/MG nº 1.403, 2013).
No porte 2, temos seis APAE, 9,0% do total, sem nenhuma informação de usuários nos sistemas oficiais, e 19 APAE, 28,4% do total, com informação de apenas um dos serviços ofertados, o que significa que a APAE ou não informou os usuários existentes em um dos sistemas oficiais ou possui um serviço de saúde que apoia usuários de outros serviços e não faz parte da rede de cuidados.
Os dados das APAE de porte 3 apresentam que 62,6% das APAE são da rede de cuidados da pessoa com deficiência com financiamento público específico. Portanto, o número de usuários corresponde a suas metas deliberadas pela parceria pública privada. Além disso, oito APAE apresentam dados de apenas dois serviços, representando 8,8% do total, o que indica não terem informado os usuários de um deles e/ou possuem um serviço de saúde que não faz parte da rede de cuidados, que apoia os usuários de outro serviço.
Quando comparamos o número de usuários das APAE de porte 1 com a população de pessoas com deficiência intelectual (PcDI) estimada no município, verifica-se que duas APAE têm mais usuários do que a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1,4% da população. Nas demais do mesmo porte, a maioria tem um número de usuários menor do que 50% da população de PcDI estimada, sendo que dessas 23 APAEs, nove têm um número de usuários abaixo de 15% da população estimada.
No porte 2, temos sete APAE com número de usuários maior que a população de PcDI estimada. Nas demais, 25,4% apresentam um número de usuários acima de 50% da população estimada e 53,7%, ou seja, nove APAE apresentam usuários abaixo de 50% da população estimada.
Nas APAE de maior porte, 11 (12,1%) apresentam um número de usuários superior à população de PcDI estimada no município; 17,6% apresentam um número de usuários superior a 50% da população estimada do município e 70,3% apresentam um número de usuários abaixo dos 50%, sendo que em 18,7% dessas verifica-se um número de usuários 15% abaixo da população estimada do município.
Dimensão da Rede Mineira das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais: Oferta de Serviços, Melhoria da Qualidade de Vida e Defesa de Direitos
Estes dados são resultados da análise frequencial feita a partir dos dados coletados pelo questionário auto aplicado nas APAE da amostra, considerando as três dimensões da missão institucional das APAE: oferta de serviço, melhoria da qualidade de vida da PcDI e defesa de seus direitos.
No que se refere à oferta de serviços, verificamos que, quanto à organização administrativa e financeira das APAE, fundamental para uma boa oferta de serviço, há uma fragilidade no processo de gestão de pessoas (recrutamento/seleção, treinamento/ desenvolvimento e avaliação de desempenho). Os dados mostram que todas as APAE apresentaram porcentagens reduzidas de realização desse processo, com destaque para a falta de planejamento e organização de um programa estruturado de capacitação dos funcionários. Somente 29,3 % das APAE de porte 1, 20,9% das APAE de porte 2 e 44,0% das APAE de porte 3 o possuem.
No que se refere ao atendimento da demanda da PcDI no município, verifica-se que as APAE não conseguem atender toda a demanda, dando origem a filas de espera. Nas APAE que ofertam somente um serviço, a fila de espera corresponde a 26,8% do total de usuários, aumentando para 40,3% quando ofertam dois serviços e para 59,3% quando ofertam os três serviços. Isso demonstra que quanto maior o número de serviços ofertados, maior é a fila de espera para ingressar nas APAE. Essa fila de espera é grande, também, devido ao fato de apenas entre 60% e 65% das APAE não terem “porta de saída” do usuário estabelecida nos serviços ofertados, isto é, a regra é os usuários entrarem e nunca saírem, fato esse que reduz a capacidade de atendimento dos serviços das APAE.
Segundo a percepção dos gestores das APAE, mais de 65% (conforme a quantidade de serviços oferecidos) organizam esses serviços com base nas necessidades das PcDI, conhecidas por meio da avaliação multidimensional, aplicadas nos seus planos de atendimento, monitoradas e avaliadas por meio de instrumentos validados. Entretanto, o número de APAE que medem seus resultados é inferior ao das APAE que os avaliam (Tabela 3), isto é, há APAE que avaliam os resultados com seus usuários sem utilizar nenhum instrumento de medida padronizado e validado.
Verifica-se, também, que as APAE, de uma forma geral, escutam pouco os usuários (PcDI e suas famílias) em relação à satisfação com os serviços ofertados. Ainda assim, são os gestores das APAE menores (porte 1) que apresentam maiores porcentagens de escuta, quando comparadas com as APAE que ofertam dois e três serviços; por seu lado, as APAE com dois serviços apresentam porcentagens maiores do que as que ofertam três serviços. Isso nos leva a pensar que, quanto maior a APAE, menor é a escuta dos usuários. No que se refere à melhoria da qualidade de vida das PcDI, a promoção da inclusão no mercado formal de trabalho não é muito desenvolvida nas APAE, crescendo na medida em que mais serviços são ofertados. Verifica-se nas de porte 2 e 3, um percentual maior de APAE que apoiam os ex-usuários (trabalhadores) colocados no mercado de trabalho (44,8% e 63,7%, respectivamente), desenvolvendo atividades junto a esses ex-usuários e empresas empregadoras, nas adequações necessárias para a acomodação dos coletivos de trabalho das empresas à presença da diferença, tais como: adequação de atividades dos cargos, postos de trabalho, sensibilização do quadro de funcionários para inserção de uma PcDI na equipe, entre outras.
Quanto a oportunizar a participação das PcDI na comunidade, as APAE de Minas Gerais chegam a percentuais elevados. Em 100% das APAE com um serviço, a PcDI é estimulada a participar de atividades sociais locais, nas com dois serviços o percentual é de 97% e nas com três serviços é de 98,9%.
No desenvolvimento de competências pessoais, verifica-se um percentual de APAE que realizam ações de desenvolvimento de mobilidade independente: 58,5%, nas de porte 1, 55,2% nas de porte 2 e 65,5% nas de porte 3. Foram observados elevados percentuais em relação ao desenvolvimento de ações de cuidados e autocuidados (82,9% nas APAE de porte 1, 83,6% nas APAE de porte 2 e 90,1% nas APAE de porte 3), de linguagem corporal, cognição e comunicação (78,0% nas APAE de porte 1, 80,6% nas APAE de porte 2 e 93,4% nas APAE de porte 3).
No estímulo das relações sociais e de interação, os percentuais das APAE que desenvolvem tais ações, em todos os critérios de evidência, superam os 85%, apontando para a preocupação em estimular a construção de relações sociais, de interação e redes de apoio. Essa preocupação se estende à conquista da autonomia e de vida independente, apesar de ocorrer numa proporção um pouco mais baixa do que as questões de relações sociais e de interação. As atividades que desenvolvem essas competências são realizadas por mais de 80% das APAE de todos os portes. Por fim, mais de 80% das APAE identificam os aspectos emocionais e de vida que afetam o bem-estar psicológico e a satisfação pessoal das PcDI.
Por um lado, no que se refere aos avanços em relação aos princípios gerais da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949, 2009), destaca-se pela positiva o desenvolvimento de ações com vista ao respeito à dignidade da PcDI, embora a disponibilização de serviços jurídicos que garantam seus direitos ainda seja baixa, com percentuais de 53,7%; 56,7% e 61,5%, respectivamente nas APAE de porte 1, 2 e 3. Por outro lado, como destaque negativo, temos os baixos percentuais de promoção da participação da PcDI na vida política e pública, no que se reporta à cria ção de organizações representativas da PcDI, como os Conselhos Municipais da Pessoa com Deficiência e sua participação nos órgãos de direção e gestão das APAE.
Esses traços demonstram que o porte da APAE tem pouca influência para sua diferenciação, indicando uma menor heterogeneidade em relação a que se imaginava inicialmente.
“Retratos” da Rede Mineira das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais: Configurações e Dinâmicas
Inicialmente, criamos 13 indicadores referentes às três dimensões da missão estatutária das APAE, a partir das respostas dos gestores das 199 APAE aos questionários que lhes foram aplicados. Para o efeito utilizamos a aplicação Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Esses indicadores servirão para as APAE fazerem o acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações que compõem o índice de eficácia e o índice de eficiência da rede mineira das APAE.
Na dimensão da oferta de serviço:
Indicador de organização administrativa e financeira: mede a atuação das APAE nas quatro funções básicas da administração - planejamento, organização, direção e controle. Composto por três critérios de evidência que medem a eficiência da instituição.
Indicador de capacidade instalada: mede a capacidade da APAE em atender as demandas das pessoas com deficiência intelectual no seu município. Composto por três critérios de evidência que medem a eficiência da instituição.
Indicador de qualidade dos serviços: mensura a organização dos serviços das APAE de acordo com a necessidade de apoios da pessoa com deficiência intelectual e múltipla. Composto por três critérios de evidência que medem a eficiência da instituição.
Indicador de resultados: mede os resultados individuais dos serviços ofertados pelas APAE às pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição.
Indicador de satisfação do usuário: mede a satisfação dos usuários (pessoa com deficiência intelectual e sua família) com os serviços ofertados pelas APAE. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição.
Indicador de inovação: mede a capacidade da APAE na prospecção e uso de tecnologias assistivas inovadoras. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição
Na dimensão melhoria da qualidade de vida:
Indicador de emprego: mede as atividades que apoiam a inclusão da pessoa com deficiência intelectual e múltipla no mercado formal de trabalho. Composto por três critérios de evidências que medem a eficiência da instituição.
Indicador de integração na comunidade: mede as ações que oportunizam a participação das pessoas com deficiência intelectual e múltipla nas atividades comunitárias. Composto por três critérios de evidência que medem a eficiência da instituição.
Indicador de competências pessoais: mede as atividades de apoio a experiências pessoais, produtivas e de ócio das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Composto por três critérios de evidência que medem a eficiência da instituição.
Indicador de relações sociais e interação: mede as atividades que apoiam as pessoas com deficiência intelectual e múltipla na construção de relações interpessoais e sociais. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição.
Indicador de autodeterminação e vida independente: mede as atividades que apoiam o desenvolvimento da autonomia e independência das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição.
Indicador de bem-estar psicológico e satisfação pessoal: mede as atividades que promovem o autoconceito e a percepção de situações emocionais e de vida das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Composto por três critérios de evidência que medem a eficácia da instituição.
Na dimensão defesa de direitos foi criado o seguinte indicador:
Indicador de defesa de direitos: mede o desenvolvimento de ações que promovem a participação das pessoas com deficiência intelectual e múltipla na vida política e pública. Composto por 18 critérios de evidência, nos quais nove medem a eficiência e nove a eficácia da instituição nesse índice
A partir desses indicadores, fizemos uma análise de clusters na qual usamos o critério da distância euclidiana, buscando agrupar as APAE em quatro distintos clusters. Dessa experiência resultou um mega cluster formado pela quase totalidade das APAE da amostra (196) e três outros compostos por uma única APAE. Tal resultado denotava a existência de uma grande homogeneidade para a quase totalidade das APAE de Minas Gerais, independentemente do seu porte. Essa homogeneidade permaneceu quando se recorreu ao critério da distância euclidiana quadrática e/ou se tentou reduzir o número de clusters.
Configurações dos Clusters da Rede Mineira das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
Dado que o recurso à análise de clusters apontou para uma homogeneização do conjunto das APAE, impossibilitando a sua separação por diferentes níveis de eficácia e eficiência, optou-se por agrupar as APAE através de um ensaio tipológico de classificação com base na análise quartílica dos índices de eficácia e eficiência, cujos valores oscilam entre 0 e 27 pontos, valores mínimo e máximo de eficácia ou eficiência possíveis de atribuir a cada APAE. Os resultados da análise quartílica permitiram reunir as APAEs em oito agrupamentos (clusters) em conformidade com as pontuações obtidas e seu posicionamento num dado quartil, conforme se mostra na Tabela 4.
Retratando as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
Neste item são apresentados os vários retratos das APAE, a partir dos oito clusters, sendo que quatro apresentaram simetrias entre os níveis qualitativos atribuídos de eficácia e eficiência e outras quatros dissimetrias entre esses níveis. O cluster 1 congrega o maior número de APAE (36) e tem medidas baixas de eficácia e eficiência, seguido pelos outros clusters 2, 3 e 4 que apresentam, respectivamente, 28 APAE com média eficácia e média eficiência, 18 com alta eficácia e alta eficiência e 23 com elevada eficácia e elevada eficiência. Nesse grupo de APAE que apresentam níveis simétricos de eficácia e eficiência, observa-se um maior número de APAE: 64 entre baixa e média eficácia e eficiência e 41 entre alta e elevada. Os clusters 5, 6, 7 e 8 apontam para uma assimetria entre eficácia e eficiência. Nos níveis mais baixos estão os clusters 5 e 6 (17 APAE com eficácia variada e baixa eficiência e 18 com baixa eficácia e eficiência variada). Nos níveis mais elevados, estão os clusters 7 e 8, em que observamos 35 APAE com média eficácia e elevada eficiência, e 24 com elevada eficácia e média eficiência. No grupo de APAE que apresentam níveis assimétricos de eficácia e eficiência, percebe-se um maior número de APAE entre média e elevada eficácia e eficiência (59), contra 35 APAE que apresentaram baixa eficácia ou baixa eficiência, conforme a Tabela 5 abaixo expõe.
Analisando a distribuição territorial das APAE por clusters pelas 12 regiões administrativas do estado de Minas Gerais, é possível verificar uma grande dispersão (Figura 1).
As APAE com baixa eficácia e eficiência (cluster 1) concentram-se nas regiões Metropolitana de Belo Horizonte e Central de Minas, se espalhando para as regiões do Vale do Rio Doce e da Zona da Mata, entrando no Sul de Minas Gerais.
Já as APAE do cluster 2, com média eficácia e eficiência, apresentam uma dispersão territorial maior, espalhando-se pelas regiões Norte; Jequitinhonha; Vale do Mucuri; Noroeste e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, descendo para o Campo das Vertentes e Sul de Minas. As APAE que na opinião de seus gestores, apresentam medida melhor e simétrica de eficácia e eficiência (cluster 3 e 4) estão mais concentradas na região Central Mineira, passando pelas regiões Metropolitana de Belo Horizonte e Campo das Vertentes; chegando ao Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Sul de Minas.
Portanto, ao analisarmos esses clusters que apresentam simetria entre as medidas de eficácia e eficiência a partir da categoria territorial, verificamos que as APAE das regiões mais carentes do estado (Jequitinhonha e Vale do Mucuri) se localizam no extrato de média eficácia e eficiência e não no extrato mais baixo. Isso nos leva a refletir acerca a existência de dois fatores possíveis: ou a compreensão de eficácia e eficiência é diferente nessas regiões, ou a complexidade do sistema onde essas APAE estão inseridas é menor, o que lhes permite alcançar maiores medidas de eficácia e eficiência. Já o Norte de Minas, também uma região carente do estado, concentra APAE com as medidas simétricas mais baixas (baixa e média eficácia e eficiência).
Chama, também, a nossa atenção a grande heterogeneidade existente nas regiões do Sul de Minas Gerais, Triangulo Mineiro/Alto Paranaíba e Metropolitana de Belo Horizonte, regiões ricas do estado, nas quais estão localizadas APAE de todos os níveis de eficácia e eficiência, desde o mais baixo até ao mais alto. As regiões da Zona da Mata, Central Mineira, Oeste de Minas, Campo das Vertentes e Vale do Rio Doce também apresentam uma variedade de APAE com níveis distintos de eficácia e eficiência, porém, concentradas nos níveis de baixos e médios. As APAE do Noroeste Mineiro não apresentam simetria entre as duas medidas de eficácia e eficiência, apenas numa delas isso acontece (níveis médios de eficácia e eficiência).
Ao analisarmos os clusters que apresentam assimetrias entre as medidas de eficácia e eficiência, verificamos que estão presentes em todas as regiões do estado. Contudo, as regiões do Sul de Minas, Metropolitana de Belo Horizonte, Norte de Minas, Vale do Mucuri, Central de Minas, Oeste de Minas, Zona da Mata e Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba apresentam a maioria das APAE com uma das duas medidas no nível mais elevado. Já as regiões do Noroeste Mineiro e Jequitinhonha apresentam a maioria das APAE a pelo menos um nível baixo de eficácia ou de eficiência. Por fim, as regiões do Vale do Mucuri e Campo das Vertentes, respectivamente, com apenas uma e duas APAE, apresentam níveis assimétricos de eficácia e eficiência.
Seguindo a configuração dos oito clusters determinados pela distribuição quartílica dos valores dos índices de eficácia e eficiência, buscou-se relacionar esses índices com as variáveis consideradas na pesquisa: três variáveis externas (número de habitantes por município; PIB per capita e população estimada de PcDI no município) e duas variáveis internas (número de usuários e número de funcionários).
Começámos por recorrer ao coeficiente de correlação de Pearson (Tabela 6), tendo verificado que não existe correlação estatisticamente significativa entre a maioria das variáveis externas e internas e os índices de eficácia e eficiência.
Nota. **correlação é significativa no nível 0,01(duas extremidades); *correlação é significativa no nível 0,05 (duas extremidades).
Apenas uma variável interna se apresenta associada de modo estatisticamente significativo com o índice de eficiência. Trata-se da variável “número de funcionários”, cujo valor do coeficiente de correlação de Pearson sendo igual a 0,182, mostra que se trata de uma fraca associação entre essa variável e o índice de eficiência. Tal valor de correlação significa que quanto mais funcionários possuírem, mais eficientes tenderão a ser as APAE. Os índices de eficácia e eficiência, contudo, se apresentam fortemente associados com o valor do coeficiente de correlação de 0,795, revelando que quanto maior a eficácia, maior a eficiência, e vice-versa. Isso significa que as APAE mais eficazes tendem a ser mais eficientes e as menos eficazes a serem menos eficientes.
Apesar dos resultados atrás apresentados, resolvemos avançar na análise construindo dois modelos de regressão linear múltipla, nos quais os índices de eficácia e de eficiência foram incluídos como variáveis dependentes e as variáveis externas e inter nas introduzidas como variáveis independentes (população municipal; PIB per capita; população estimada de PcDI; número de usuários e número de funcionários). Desses modelos, observamos que os coeficientes de determinação (R²), obtiveram o valor de 0,027, quando considerado o índice de eficácia como variável dependente, e o valor de 0,054 quando a variável dependente considerada foi o índice de eficiência, ou seja, em ambos os casos denunciando que as variáveis independentes pouco ou nada explicam as variações ocorridas nos dois índices. Portanto, as variáveis independentes: população do município, PIB per capita do município, população estimada de PcDI, número de usuários e funcionários da APAE - não são adequadas para explicar as variações nos níveis de eficácia e eficiência das APAE mineiras.
Esse fato coloca duas questões: ou a compreensão dos gestores em relação aos índices de eficiência e eficácia variaram muito, existindo na rede mineira das APAE compreensões diversas das perguntas feitas aos gestores no questionário; ou a compreensão e explicação dos modelos de eficiência e eficácia das APAE mineiras dependem de variáveis não conhecidas e que podem ser de caráter qualitativo, e não quantitativo como as usadas neste estudo.
Considerações Finais
Os resultados da pesquisa apontam para uma certa homogeneidade das APAE do estado de Minas Gerais no que se refere aos resultados em relação aos objetivos descritos na sua missão. Ao analisarmos a percepção dos gestores das APAE em relação à sua missão a partir das três dimensões: oferta de serviços, melhoria da qualidade de vida da PcDI e a defesa de direitos desse sujeito, percebe-se que a dimensão de melhoria da qualidade de vida é a mais presente nas ações cotidianas de todas as APAE, independentemente do seu porte, e que há, portanto, uma centralidade dessas organizações no atendimento ao sujeito com deficiência, sendo seu investimento maior em pessoal técnico. O baixo investimento em pessoal administrativo está a influir no fornecimento de alguns dados pelas APAE nos sistemas oficiais do Estado brasileiro, pois percebemos que um número significativo não informou o número de usuários atendidos nos serviços existentes.
A pesquisa aponta, também, para a necessidade de ampliação da política pública voltada para a pessoa com deficiência no estado de Minas Gerais. Por um lado, quando comparamos a população estimada de pessoas com deficiência intelectual, verifica-se que a maioria das APAE atende abaixo de 50% dessa população e, por outro lado, a existência de filas de espera mostra estarmos perante uma população sem atendimento, seja pelas APAE ou por outros serviços nos municípios. Essa situação é agravada pela dificuldade das APAE desligarem as pessoas com deficiência intelectual dos seus serviços.
Por fim, cabe ressaltar a pouca participação dos usuários (pessoas com deficiência intelectual e suas famílias), na definição dos serviços prestados pelas APAE. Além disso, não foi possível traçar um modelo explicativo quantitativo dos níveis de eficiência e eficácia presentes nas APAE mineiras, haverá que partir para a descoberta das variáveis, quiçá qua litativas, que efetivamente expliquem a dinâmica sistêmica dos vários clusters, realçando os traços que contribuem para o “retrato” distinto e coerente de cada um deles.