1. Introdução
Embora as mudanças climáticas já fossem um tema amplamente discutido antes da pandemia de COVID-19, a emergência de saúde pública parece ter acelerado a percepção sobre os problemas causados pelo fenômeno em escala global. O paralelo é reforçado por entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU), que alertam sobre a possibilidade de que a próxima pandemia seja a seca (United Nations Convention to Combat Desertification, 2023). No Brasil, a noção de que a emergência climática é um problema grave capaz de afetar significativamente a vida de milhares de pessoas aumentou entre 2020 e 2021. Segundo pesquisa encomendada pelo Instituto Tecnologia e Sociedade, 96% dos respondentes em 2021 reconheceram que o aquecimento global está acontecendo. Além disso, oito em cada 10 respondentes disseram que se trata de um problema importante (Ipec Inteligência, 2022).
Contudo, o mesmo levantamento aponta para um desconhecimento geral da população brasileira sobre o tema. Apenas dois em cada 10 entrevistados se consideram bem informados sobre o aquecimento global. Ainda que veículos tradicionais invistam constantemente na cobertura noticiosa sobre o tema, Nisbet (2009) lembra que provavelmente apenas uma parte do público - já informada e interessada pela discussão - será atingida. Os fatos científicos, aponta o autor, não falam por si só; em um contexto de audiência pulverizada e distanciamento em relação ao aquecimento global, é cada vez mais relevante pesquisar sobre como criar mensagens mobilizadoras para meios e audiências específicos (Nisbet, 2009).
O objetivo deste artigo é realizar uma análise dos discursos sobre mudança climática em circulação na rede social TikTok, cuja popularidade tem aumentado substancialmente no Brasil (Ecwid, 2023). Em outras palavras, buscamos responder à seguinte pergunta: que narrativas predominam no TikTok brasileiro quando se trata de mudanças climáticas e que sentidos essas narrativas engendram? Para tanto, analisamos aspectos como linguagens utilizadas, uso de fontes e estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas, buscando estabelecer um breve panorama sobre as disputas simbólicas atreladas ao problema. Foram coletados 50 vídeos a partir da hashtag #mudancaclimatica indicados pelos motores de busca da própria plataforma. Os vídeos foram classificados segundo diversos critérios, como seu posicionamento em relação à veracidade ou não das mudanças climáticas, os temas ambientais abordados, os impactos sociais e ambientais citados e os eventos climáticos extremos referenciados, entre outros. A metodologia foi inspirada em artigo publicado por Basch et al. (2022), com algumas adaptações para o contexto brasileiro, detalhadas no item sobre os procedimentos metodológicos.
Voltado à publicação de vídeos curtos, o TikTok foi lançado em 2016 pela empresa chinesa ByteDance. A plataforma se popularizou no Brasil em 2019, se tornando rapidamente uma das redes sociais digitais mais acessadas do país - atualmente, perde apenas para YouTube, Instagram e Facebook (Comscore Brasil, 2023). Em 2023, o Brasil contava com cerca de 84.100.000 de usuários ativos no TikTok, atrás apenas da Indonésia (113.000.000 de usuários) e dos Estados Unidos (116.500.000 de usuários; DataReportal, 2023). Apesar de ser conhecida por produções ligadas ao humor, música e dança, a plataforma tem sido palco de discussões sobre temas que vão além do entretenimento. Sua popularidade, especialmente entre o público jovem, impulsionou a proliferação de debates sobre temas “sérios” na plataforma, como saúde mental (McCashin & Murphy, 2023) e política (Herrman, 2020).
O desconhecimento das causas, consequências e debates sobre a emergência climática, tema complexo que articula dimensões diversas além da ambiental, como saúde, economia e política, torna-se ainda mais preocupante no contexto informacional contemporâneo. Nos últimos anos, o Brasil vem se destacando pela disseminação de desinformação em diferentes plataformas digitais (d’Andréa & Henn, 2021; Oliveira et al., 2021). Entretanto, ainda há poucas pesquisas envolvendo particularmente a comunicação e a emergência climática no país. Destacam-se neste sentido iniciativas vinculadas à investigação da produção e da percepção pública do jornalismo ambiental e seus discursos a respeito das mudanças climáticas (Aguiar & Schaun, 2019; Horn & Del Vecchio De Lima, 2019; Loose, 2016; 2021; Loose & Girardi, 2017; Rodas & Di Giulio, 2017; Winch, 2017), como a cobertura de catástrofes climáticas (Bueno, 2017) e denúncias sobre temas relacionados direta ou indiretamente à emergência climática, como queimadas (Pinto & Zanetti, 2021), seca (Farias, 2022) e desmatamento (De Campos et al., 2021), além de investigações sobre a comunicação pública (Quinteros, 2023) e a comunicação científica a respeito do tema (Colatusso, 2022).
Assim, ao observar especificamente as narrativas sobre as mudanças climáticas no TikTok Brasil, esperamos contribuir para o debate sobre a relevância e as problemáticas da comunicação digital na percepção pública do problema.
2. Arenas Públicas e Comunicação da Ciência em Plataformas Digitais
Desde a popularização de plataformas digitais de compartilhamento de conteúdos, tem sido destacado o potencial de participação para a comunicação de temas científicos nestes espaços digitais (O’Neill & Boykoff, 2011). No entanto, para além deste potencial, são muitos os desafios para a circulação de informação científica e para a comunicação na arena pública da internet (Patel et al., 2020; Sloane et al., 2015; Wicke & Taddicken, 2020).
Segundo Ines Lörcher e Monika Taddicken (2017), a formação de arenas públicas na internet permite uma diversificação de agentes públicos que se comunicam online, a partir de um amplo espectro de tópicos e opiniões relacionados à ciência, inclusive céticos. Além do crescimento do ceticismo (Engels et al., 2013) a comunicação da ciência tem sido marcada pelo enfrentamento a movimentos negacionistas (Reichstadt, 2020), movimentos anticiência (Biddle, 2018; Szabados, 2019), anti-intelectualismo (Merkley, 2020) e de populismo relacionado à ciência (Mede & Schäfer, 2020).
Ao fomentar novas formas de participação pública (Dahlgren, 2005; Papacharissi, 2002) tais ambientes, aparentemente descentralizados, com características de comunicação interpessoal e de mídia de massa, reconfiguraram a forma como o debate público sobre tópicos relacionados à ciência, saúde e meio ambiente se desenharam no ambiente digital (Boykoff & Yulsman, 2013; Bucchi & Saracino, 2016). Segundo Schmidt (2013), as arenas públicas contemporâneas podem ser pensadas como constelações específicas de agentes, tanto comunicadores quanto público, que oferecem informações com base em regras particulares de apresentação de argumentação, por vezes conflitivas. Tal reconfiguração das arenas é fundamental para entender como pessoas fora do campo científico aprenderam a criar novas categorias, hipóteses e teorias, a descobrir causas e a testar terapias (Cefaï, 2017), questionando o próprio conceito de especialista (Collins & Evans, 2002). Para pesquisadores como Van Zoonen (2012), a proliferação dessas epistemologias alternativas pode ser lida como a popularização de “eu-pistemologias”, nas quais os sujeitos constroem seu conhecimento a partir de experiências individuais.
Em diálogo com tais autores, pode-se dizer que as plataformas digitais de redes sociais se tornaram ambientes favoráveis a trocas comunicacionais mediadas pela afetividade (Papacharissi, 2015). Embora integre um processo mais amplo de reconfiguração midiática (Baym, 2008), a mescla entre fatos e opiniões, políticas e emoções emerge de forma significativa nessas plataformas, contribuindo para a mobilização, conexão, identificação de públicos afetivos (Papacharissi, 2015) na rede. Amplificada por aspectos próprios de tais ambientes, como a velocidade, o fluxo informacional quase ilimitado e as múltiplas conexões (van Dijck, 2013), essa mediação pela afetividade se torna especialmente visível durante a discussão pública de situações extremas.
Embora essa dinâmica não tenha nascido com as plataformas, há que se reconhecer uma distinção relevante: até então, a comunicação de temas científicos era quase que exclusivamente conduzida com um distanciamento entre público e comunicadores, com protagonismo de divulgadores científicos. Conforme lembram Massarani et al. (2005), o modelo de divulgação científica predominante até o início do século XXI era o do déficit, no qual o público era compreendido como um “conjunto de analfabetos em ciência” (p. 63). A entrada de novos atores em cena, sobretudo após a popularização das plataformas digitais de redes sociais, aproxima o debate científico do cotidiano. Com mais espaço para formas diversas de interação com o público e uma comunicação menos formal, as narrativas sobre temas científicos em rede mesclam formatos já consagrados em outras mídias, como a televisão (Miranda & Guilherme, 2023), com formatos característicos de cada plataforma.
Governadas por lógicas que visam assegurar a permanência do público pelo maior tempo possível em seus domínios para coleta de dados e direcionamento de conteúdos publicitários, as plataformas digitais incentivam e sustentam as trocas afetivas (Papacharissi, 2015). Embora tais dinâmicas possam favorecer os sentimentos de comunidade e a imaginação social do público, possivelmente aumentando as conexões entre divulgadores científicos e sua audiência, também facilitam a disseminação de questionamentos quanto ao próprio lugar da ciência - principalmente em situações críticas.
Desastres naturais, ataques cibernéticos descentralizados ou epidemias de saúde pública refletem as angústias e inseguranças que advêm das ambiguidades em torno do fazer científico (Evangelista & Garcia, 2019). O caso das mudanças climáticas exemplifica um fenômeno tipicamente contemporâneo: embora os resultados e promessas da ciência repercutam cada vez mais em todos os âmbitos do nosso cotidiano (Tucherman & Ribeiro, 2006), a ciência em si repousa sobre areia movediça na sociedade de risco (Giddens, 1991), em teias complexas que dificultam a produção de medidas que, de fato, consigam mitigar o problema. Enquanto isso, cientistas, ativistas, jornalistas, políticos e o público “leigo”, entre outros atores, traçam estratégias diversas para buscar, em poucos segundos, construir e disputar sentidos em torno das mudanças climáticas nas plataformas digitais.
3. Plataformas de Redes Sociais e Mudanças Climáticas: Horizontes de Pesquisa
Ainda incipiente no Brasil, o debate sobre como as mudanças climáticas vêm sendo debatidas em plataformas digitais de redes sociais tem ganhado força no meio acadêmico internacional. Em revisão sistemática sobre o tema, Pearce et al. (2018) concluem, entre outros, que as principais investigações publicadas privilegiam as conversações difundidas na plataforma Twitter, cuja Interface de Programação de Aplicação (ou Application Programming Interface, em inglês), até aquele momento, estava entre as mais acessíveis à pesquisa acadêmica, sobretudo para estudos quantitativos. Contudo, para os autores, tal foco excessivo dificulta investigações mais aprofundadas sobre os imaginários em torno das mudanças climáticas e suas consequências para a vida social. Pearce et al. (2018) também destacam que existe uma relação entre posts nas mídias sociais e experiências locais sobre anomalias na temperatura; contudo, as fontes e o próprio enquadramento dominantes sobre o problema são predominantemente mainstream.
Ou seja, apesar da presença de visões polarizadas e câmaras de eco sobre mudanças climáticas, processo que, conforme argumentam Falkenberg et al. (2022), é fortemente influenciado por disputas políticas, prevalecem visões legitimadas sobre a existência e a seriedade da questão. Entretanto, como lembra Schäfer (2012), a presença de cientistas especializados e instituições científicas nas plataformas digitais não implica no protagonismo destes nos debates sobre mudanças climáticas e políticas climáticas. À medida que efeitos como temperaturas extremas são notados no dia a dia, mais participantes se inserem nas discussões, reiterando o caráter cotidiano das conversações nas plataformas digitais (Papacharissi, 2015). Contudo, para Schäfer (2012), essa pulverização do debate possivelmente está relacionada a debates pouco qualificados, refletindo em impactos pouco visíveis sobre a percepção pública das mudanças climáticas.
Já Parry et al. (2022) apontam, em pesquisa com jovens entre 16-25 anos, residentes em Madri, que a ampliação dos debates sobre o tema tem contribuído para um aumento da ansiedade climática (Hickman et al., 2021), levando alguns à eco-paralisia (Albrecht, 2011). Sentimentos de culpa, ansiedade, desamparo e desesperança foram relacionados ao consumo de informações sobre as mudanças climáticas nas redes sociais digitais. Segundo os entrevistados, abordagens mais propositivas e positivas, com foco em estratégias possíveis - ainda que representadas por pequenas atitudes individuais - para a mitigação das mudanças climáticas foram consideradas mais úteis. Além disso, os jovens que participaram na pesquisa destacaram a necessidade de adquirir habilidades para analisar criticamente as informações disponíveis, buscando compreender como utilizá-las para a tomada de decisões. Ainda nesta direção, concluiu-se que um fator importante para mediar a angústia trazida pelas notícias sobre as mudanças climáticas seria reforçar a ideia de que existe agência por parte desses jovens. Corroborando a percepção de Pearce et al. (2018), Parry et al. (2022) defendem a necessidade de mais estudos envolvendo plataformas digitais de redes sociais predominantemente visuais, negligenciadas nas pesquisas correntes sobre o tema. Também a partir de entrevistas com jovens, Segado-Boj et al. (2019) afirmam que as emoções mais influentes que movem os indivíduos a compartilhar notícias sobre mudanças climáticas em redes sociais digitais são o medo e a raiva - não por acaso, facilmente associáveis à ansiedade climática.
A relação entre a capacidade de estimular determinadas emoções de um texto e o seu compartilhamento também foi verificada por Veltri e Atanasova (2017) em pesquisa de cunho quantitativo no Twitter. Além de ressaltar a relevância da mídia tradicional como fonte para tais conteúdos, os autores destacam a multidimensionalidade dos discursos sobre as mudanças climáticas. Outra pesquisa envolvendo o Twitter, realizada por León et al. (2022), envolveu o engajamento social relacionado às mudanças climáticas a partir de imagens compartilhadas na plataforma. Os autores apontam quatro diretrizes para promover a interação com os usuários no Twitter, todas relacionadas a noções de “significância e personificação” (León et al., 2022, p. 721).
Pesquisas relacionando o negacionismo em relação às mudanças climáticas com a polarização política também têm ganhado espaço nos últimos anos. Williams et al. (2015) afirmam que, também no Twitter, é possível verificar a existência de câmaras de eco relacionadas a grupos ativistas e céticos sobre as consequências do aquecimento global. Mais recentemente, Falkenberg et al. (2022) apresentaram resultados de pesquisa realizada no Twitter, entre 2014 e 2021, analisando os debates sobre as conferências do clima da ONU no período. De acordo com os autores, houve um grande aumento na polarização ideológica a partir da COP26, em 2021, impulsionado pelo aumento da atividade de partidários da direita críticos das mudanças climáticas. A pesquisa mostra ainda que acusações sobre a hipocrisia se tornaram um tópico recorrente em discussões sobre o clima no Twitter desde 2019.
No contexto ibero latino-americano, Balbé e Carvalho (2016) apresentaram um levantamento realizado em grupos do Facebook sobre o tema. Diferentemente de outras investigações que identificaram a relevância da mídia tradicional no compartilhamento de informações sobre as mudanças climáticas (Kirilenko & Stepchenkova, 2014; Pearce et al., 2018; Veltri & Atanasova, 2017), as autoras concluíram que, nos grupos de língua portuguesa ou espanhola analisados, prevaleceram conteúdos publicados no próprio Facebook. Todavia, em investigação posterior no Twitter, as autoras encontraram um panorama diferente: ao buscar identificar os principais atores do debate sobre a “21ª Conferência do Clima da ONU”, a COP21, Balbé e Carvalho (2017) apontam que a mídia tradicional foi uma referência importante de informação naquela plataforma. Contudo, as autoras também pontuam que políticos e cidadãos comuns dominaram a produção de conteúdo sobre o tema.
Destaca-se ainda o dossiê Mudanças Climáticas e Engajamento Digital: Tendências, Hábitos e Dinâmicas nas Plataformas Digitais, disponibilizado pela Revista Ciências Humanas, em 2022. Entre os sete artigos publicados, quatro abordam diretamente questões ligadas ao negacionismo e notícias falsas envolvendo o aquecimento global, sinalizando que o problema identificado por Falkenberg et al. (2022) tem sido alvo de investigações mais recorrentes no país. Salientamos especialmente o trabalho de Junqueira (2022), que analisa disputas envolvendo a hashtag #yes2meat, que se popularizou em contraponto a proposições de dietas alimentares para a saúde planetária formuladas por cientistas. O autor analisa discursos correntes em torno da hashtag na plataforma TikTok e, em diálogo com Treem e Leonardi (2013), observa mais atentamente as affordances1 de editabilidade e associação. A investigação mostra uso intenso de mixagem, recorte e edição de imagens e textos “para a produção e disseminação de conteúdos relacionados ao embate de dados de múltiplas fontes, com diferentes níveis de credibilidade” (Junqueira, 2022, p. 45) sem incentivos para o diálogo ou o debate. O autor argumenta que, se as affordances do TikTok ampliam o espaço público para a emergência de vozes diversas, a falta de embasamento teórico-científico presente nos vídeos que ganham mais visibilidade a partir de tais affordances favorece a circulação de desinformação relacionada às mudanças climáticas (Junqueira, 2022).
Além do referido estudo, outra pesquisa envolvendo o TikTok, desta vez por Basch et al. (2022), traz apontamentos relevantes para o presente artigo. Após análise de 100 vídeos em língua inglesa com a hashtag #climatechange, os autores concluíram que apenas oito dos vídeos encontrados apresentavam informações de fontes confiáveis.
4. Procedimentos Metodológicos
No total, este estudo incluiu 50 vídeos em português relacionados às mudanças climáticas apresentados no TikTok disponíveis até 31 de março de 2023. A plataforma de vídeos curtos2 possibilita visualização, curtidas, comentários, compartilhamento, produção e republicação de vídeos. Além disso, permite seguir e interagir com outros usuários por meio de recursos como mensagens privadas e edição de clipes com duetos. Um dos motivos para sua popularidade está na indicação de vídeos de acordo com informações coletadas dos usuários. A partir de elementos como temas de interesse, conteúdos criados e consumidos previamente, e usuários com gostos parecidos, o algoritmo da plataforma indica vídeos com maior chance de capturar a atenção da audiência, chegando a ser considerado viciante (Brennan, 2020). Contudo, a plataforma também permite a busca de vídeos por categoria e palavras-chave, conforme fizemos nesta pesquisa.
As produções foram catalogadas a partir da busca orgânica da plataforma pela hashtag #mudancaclimatica, por ser a que melhor representava a temática que gostaríamos de abordar. Foi necessário realizar um extenso trabalho de limpeza dos dados coletados, uma vez que a busca do TikTok apresentou vídeos que também tratavam de mudanças no sentido de mudanças de casa ou de cidade e de mudança de vida ou mudanças na vida. Somente os vídeos diretamente relacionados a questões ambientais foram selecionados para análise. Para controle, foram realizadas inicialmente outras buscas com a hashtag #mudancaclimatica entre aspas (“#mudancaclimatica”) e pela hashtag #mudançaclimática. Os resultados, no entanto, foram bastante semelhantes, tanto nos vídeos apresentados quanto na necessidade de limpeza, por isso optamos pela hashtag simples #mudancaclimatica.
Os vídeos do TikTok são caracterizados pela curta duração e pela necessidade de prender rapidamente a atenção do público, que pode passar para a próxima produção com um simples arrastar de dedos. A plataforma também se destaca pela oferta de ferramentas simples para replicar vídeos, que muito frequentemente contêm músicas, dublagem, dancinhas e apelos humorísticos. Entre os principais diferenciais do TikTok está seu poderoso algoritmo de identificação customizada do comportamento do internauta por meio de processamento de linguagem natural e tecnologia de visão computacional e sua alta capacidade de captar e reter a atenção dos frequentadores (Stokel-Walker, 2020, 2022).
A classificação dos vídeos teve como base as categorias propostas por Basch et al. (2022) em estudo similar feito com o TikTok em inglês. No entanto, algumas adaptações foram realizadas no intuito de destacar algumas características dos vídeos e também de produzir uma adequação da análise à realidade brasileira. A tabela original apresenta 29 categorias a partir das quais os autores procuram observar aspectos como a apresentação das mudanças climáticas (se o problema é apresentado como algo real) e impactos ambientais e populacionais do fenômeno3. Em nosso estudo, dividimos as categorias em cinco macrocategorias de análise, a saber: “sobre o tipo de conteúdo apresentado”; “assuntos que relaciona a mudanças climáticas”; “impactos socioambientais abordados”; “eventos extremos citados”; e “responsabilização pelas mudanças climáticas”. As categorias dentro de cada macrocategoria estão apresentadas na Tabela 1. Duas subcategorias relativas a eventos mais comuns no Hemisfério Norte, “tornados” e “furacões”, foram mescladas. Além disso, acrescentamos a essa subcategoria o termo “ciclones”, relativo a eventos mais comuns no Brasil. Outras três subcategorias foram criadas para analisar aspectos específicos: “é um conteúdo jornalístico”, “desmatamento e mineração” e “chuvas, relâmpagos e alagamentos”.
Um revisor (autor 1) assistiu a todos os 50 vídeos e registrou se cada uma dessas características de conteúdo estava ou não presente naquele vídeo. Um segundo revisor (autor 2) observou 10 vídeos selecionados aleatoriamente (uma amostra de 20%) para determinar a confiabilidade entre avaliadores. No trabalho de Basch et al. (2022), a validação foi realizada de forma semelhante, com uma única diferença: a amostra do segundo revisor, naquele trabalho, foi de 10% do material coletado. O Microsoft Excel foi usado para toda a entrada, organização e análise de dados.
5. Resultados
No total, os 50 vídeos somaram quase 20.000.000 de visualizações até 31 de março de 2023, com quase 2.500.000 de curtidas, mais de 70.000 comentários e 130.000 compartilhamentos. A categorização a partir dos impactos que envolvem as mudanças climáticas permitiu construir hipóteses sobre os tipos de conteúdo mais mobilizadores - seja no sentido de conquistar relevância no TikTok, seja pela própria escolha de abordar tais questões por parte dos autores.
Do total analisado, 15 vídeos destacaram os impactos sobre populações, como a necessidade de migrações e a fome, enquanto 13 destacaram os níveis de temperatura do planeta no geral e nove enfatizaram os impactos nos animais, em especial com imagens de grande apelo emocional (ursos isolados em placas de gelo, animais marinhos presos no plástico, grandes mamíferos mortos pela seca, entre outros). Apesar da extensão do litoral brasileiro, impactos relacionados ao aumento do nível e ao derretimento das calotas polares também receberam menos atenção do que outros exemplos, com dois e sete vídeos, respectivamente. Imagina-se que o mesmo tenha ocorrido por tratarem-se de questões menos palpáveis, de longo prazo, e de observação direta mais difícil do que animais em habitats degenerados.
De forma geral, os vídeos destacam a representação de eventos climáticos extremos ocorridos por todo o planeta - são pelo menos 22 os que trazem imagens ou fazem referência a pelo menos um desses acontecimentos. Os mais citados são as secas e as grandes ondas de calor ou de frio ao redor do globo (16 vídeos), seguido por incêndios florestais (14 vídeos), chuvas, relâmpagos ou alagamentos (13 vídeos) e tornados, furacões e ciclones (quatro vídeos).
A análise dos assuntos relacionados ao tema também trouxe apontamentos sobre lacunas importantes, como uma relação pouco direta entre meio ambiente e saúde nos vídeos apresentados. Apesar das ameaças diversas à saúde pública trazidas pelas mudanças climáticas, como epidemias e baixa qualidade da água, apenas um vídeo aborda brevemente questões relacionadas a disparidades de saúde entre as populações de diversas classes e regiões. O mesmo se repetiu em outra macrocategoria com referências ao impacto das mudanças climáticas na saúde humana - apenas cinco vídeos apresentaram argumentos nessa linha.
Observamos de forma mais presente as referências à poluição. Essa categoria incluiu referências dos vídeos à poluição da terra e das águas, o lixo, o acúmulo de plástico. No total, 17 vídeos abordaram a temática, com grande destaque para imagens do mar poluído por plásticos. Para tentar aproximar a tabela de classificação da realidade brasileira e dos temas em evidência no debate sobre meio ambiente no Brasil, foram acrescentadas nessa macrocategoria temas relacionados à questão do desmatamento (13 vídeos) e da mineração (dois vídeos). Temas relacionados à justiça ambiental foram abordados em 11 vídeos. A maioria focava na questão do consumo, ressaltando a necessidade de modos de vida ambientalmente corretos por parte daqueles que têm condições financeiras para tal. Outros vídeos focaram na questão do modo de vida capitalista e no egoísmo e ganância humanas, apontando-os como grandes responsáveis pela exploração do planeta e pela crise climática global.
Este achado remete diretamente à macrocategoria de responsabilização. Foram 11 os vídeos que criticavam diretamente governos pelas mudanças climáticas, a maioria deles relacionados a posturas do governo Bolsonaro, uma mostra de que o processo de intensa polarização política vivido pelo Brasil ao longo dos anos (e o consequente aumento na politização relacionada às mudanças climáticas) apareceu de modo relevante no levantamento. Na mesma categoria, 14 produções culpavam as grandes empresas e indústrias (cinco delas também foram listadas entre as críticas aos governos e governantes). Nesse caso, destacaram-se os ataques ao agronegócio, citado em diversos vídeos como o maior poluidor e gerador de desperdício (e, como já vimos, defendido por Jair Bolsonaro, mais uma mostra da politização em torno do tema). Apenas três vídeos fazem elogios de alguma forma a ações de políticos, países ou autoridades (sendo um deles um autoelogio do então Presidente Jair Bolsonaro) e nenhum vídeo elogia, ou cita de forma positiva, ações de empresas ou indústrias relacionadas ao tema.
No campo das proposições para enfrentamento ao problema, 10 vídeos traziam recomendações pela adoção de modos de vida menos poluidores e para diminuição da pegada de carbono - em especial no campo do consumo consciente e do boicote a empresas poluidoras. Por outro lado, 10 vídeos faziam recomendações políticas, apontando a necessidade de mudanças políticas para dar conta da crise climática, muitas vezes ridicularizando os pedidos de adoção de modos de vida mais “verdes” sem a mudança da postura de líderes globais e grandes empresas.
No entanto, as sugestões tendem a ser muito vagas, com apenas quatro vídeos sugerindo atitudes concretas: dois deles defendiam a eleição de políticos socialistas para a defesa do meio ambiente; e os outros dois estimulavam o engajamento do público em iniciativas da sociedade civil organizada (Amazonia de Pé, contra a grilagem de terras indígenas, e a iniciativa Face of Pollution, em defesa de atitudes mais verdes no dia a dia). Apenas dois vídeos trazem recomendações políticas e individuais ao mesmo tempo, tendo sido incluídos em ambas as categorias.
5.1. Tecendo Relações a Partir das Mudanças Climáticas
Ao observar o conjunto da amostra, questionou-se sobre quais seriam as fontes mencionadas nos vídeos coletados. A análise revelou que, apesar da amostra reduzida em comparação ao estudo de Basch et al. (2022), que investigou 100 produções, o número de vídeos que utilizavam como referência alguma “fonte respeitável”, ou seja, profissionais e instituições relacionados a pesquisas e políticas públicas sobre meio ambiente e saúde pública, foi mais expressivo. Dentre as 50 produções mapeadas no presente estudo empírico, nove utilizaram informações creditadas a esse tipo de fonte, enquanto a pesquisa de Basch et al. (2022) encontrou apenas oito casos entre 100 vídeos. A ONU e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC - foram as fontes mais utilizadas, aparecendo, respectivamente, em três vídeos. Além destes, há menções a pesquisas da Universidade Estadual Paulista, única fonte brasileira utilizada nos vídeos, sobre os impactos das mudanças climáticas no país. Completam a lista citações a alertas feitos por dois cientistas: Peter Kalmus, pesquisador da Agência Espacial NorteAmericana preso durante um protesto em abril de 2022, e Carl Sagan, célebre divulgador científico falecido em 1996. Entretanto, cabe destacar que apenas os vídeos com os alertas dos cientistas apresentam as fontes em questão a partir de suas próprias vozes. As demais produções falam genericamente sobre “o último relatório” do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ou da ONU, por exemplo. Também não há qualquer aprofundamento a respeito das fontes, como links ou outras formas de validação.
É preciso discutir, ainda, o papel do jornalismo nos vídeos analisados. Canais de veículos jornalísticos apareceram apenas três vezes na amostra, dos portais G1, iG e UOL. Junto com a falta de referências a “fontes respeitáveis”, isso parece criar um panorama diferente da revisão publicada por Pearce et al. (2018), a qual indicava que as fontes e o próprio enquadramento dominantes sobre as mudanças climáticas são predominantemente mainstream. Esse resultado pode ser relacionado tanto ao pouco investimento das mídias tradicionais e das instituições científicas na plataforma quanto à popularidade de influenciadores e de outros tipos de usuários nesses espaços. Possivelmente, também há uma relação com a juventude do público predominante na plataforma - mais de 60% dos usuários têm até 34 anos de idade (DataReportal, 2023).
No entanto, as dinâmicas do próprio TikTok, caracterizado pelo alto consumo de vídeos indicados em sequência pelos algoritmos da plataforma (Stokel-Walker, 2020), favorecem a apropriação desses conteúdos mainstream para a construção de discursos próprios. Não é por acaso que outros 15 vídeos da mostra trazem referências midiáticas de grandes meios de comunicação, em geral para ilustrar a situação do planeta em geral ou alguma catástrofe específica. Apenas três desses são reproduções de trechos de jornais ou programas de TV, os demais são sempre ressignificados com comentários, emojis e legendas. A maioria das vezes essas referências aparecem legitimando e comprovando o estado de emergência climática em que nos encontramos, por mais que a matéria original não faça esse vínculo explicitamente. Ou seja, é possível dizer que essas fontes possuem legitimidade suficiente ao menos para servirem de base para a apresentação de um complexo quadro de crise.
Nesta mesma direção, ao analisar o conteúdo dos vídeos em busca de informações sobre os autores dos respectivos canais, é possível fazer duas observações relevantes: a primeira é a presença de muitos jovens como autores das produções - são 24 vídeos que destacam um interlocutor falando diretamente para a câmera, quase todos eles na casa dos 20/30 anos. A segunda observação, complementar à primeira, é a quase total falta de tentativas de legitimação científica relacionada aos criadores dos vídeos. É certo que pela curta duração das produções não seria proveitoso uma apresentação completa do currículo a cada inserção na rede social. Porém, não há a identificação dos autores com suas credenciais “acadêmicas” ou “institucionais” em nenhum local, seja nas legendas, nos letterings ou mesmo na descrição dos vídeos4. As exceções foram um vídeo do canal Sua Mente É uma Revolução, em que o autor tenta entrevistar o ex-Presidente Jair Bolsonaro e se apresenta como estudante de relações internacionais e mudanças climáticas (embora nesse caso ele esteja num ambiente externo e não se caracterize como um apresentador falando com a câmera; https://www.tiktok.com/@suamenteeumarevolucao/video/7054247184866233605), e um vídeo do canal Pura Física, que apresenta na legenda e descrição do vídeo a informação de que o apresentador é um professor (nesse caso um pouco mais velho e de uma área não diretamente relacionada à discussão; https://www.tiktok.com/@purafisica/video/6875401236154191110).
Embora em geral não se identifiquem, é possível observar, pela navegação pelos seus canais na plataforma, que uma boa parte desses jovens são produtores recorrentes de vídeos com temáticas científicas e até mais especificamente sobre meio ambiente - um dos canais chega a se colocar como militante ambientalista. Quatro deles aparecem, inclusive mais de uma vez, na amostra estudada (@andre...francis, com quatro vídeos, @biafumelli, @camilibrio e @hanakhalil, com dois vídeos cada) e possuem um formato majoritariamente explicativo que remete muito às práticas de divulgação científica. Quanto à linguagem, mesmo nos vídeos em que os autores adotam uma postura mais didática, o predomínio é da informalidade, com o uso de poucos termos técnicos. A partir dessas observações, é possível inferir que as iniciativas mais voltadas à divulgação da ciência nessas plataformas acontecem por iniciativa pessoal de jovens estudantes de áreas variadas. Não parece haver muito apoio ou suporte institucional para essas atividades.
Corroborando o estudo de Junqueira (2022), nota-se que as produções indicadas pelo TikTok como mais relevantes sobre o tema frequentemente privilegiam recursos de edição, mixagem e recorte dos vídeos e não necessariamente seu embasamento teórico-científico. Tal informação, aliada ao fato de que os autores dos vídeos aparentemente têm origens diversas, de estudantes a religiosos, não implica necessariamente em debates pouco qualificados que terão poucos impactos sobre a percepção pública das mudanças climáticas, como apontou a pesquisa de Schäfer (2012).
Contudo, um dos reflexos dessa dinâmica emerge na relação entre os vídeos analisados e os sentimentos de ansiedade/frustração climática. Reiterando a pesquisa de Parry et al. (2022) sobre a percepção de jovens a respeito do consumo de conteúdos relacionados a mudanças climáticas em plataformas digitais, pelo menos 20 vídeos da análise fomentam de algum modo tais sentimentos. Tal percepção ocorre a partir de elementos diversos, como o uso de trilhas sonoras marcadas por músicas aceleradas, o uso de cores de tonalidades escuras e narrações em tom apocalíptico, contribuindo pouco para o debate sobre o problema. Nessas produções, a crise ambiental é retratada como uma situação terminal sobre a qual há pouco a fazer.
Não há proposição de ação, apenas destaque para o estrago praticamente irreversível já feito. Seis vídeos apresentam relações com o discurso religioso, seja em menções ao apocalipse (https://www.tiktok.com/@mrffonseca/video/7196807378401119493) e à suposta chegada do planeta Nibiru5 e o fim do mundo, seja a partir da noção de que os efeitos das mudanças climáticas são uma espécie de “carma” da humanidade (https:// www.tiktok.com/@greenchanges/video/6995017658378898694). Diversos vídeos repetem, por exemplo, as mesmas imagens sobre o protesto liderado pelo cientista climático Peter Kalmus em abril de 2022. Nos trechos destacados, ele e seus colegas afirmam já ter avisado inúmeras vezes sobre a crise climática, lamentam que a sociedade não os ouça e destacam que estamos na iminência de destruir o planeta e de condenar as gerações futuras.
Em dois vídeos publicados pelo mesmo usuário, @favtodoroki, existe um chamado à ação, mas que ocorre de forma vaga (“temos que fazer alguma coisa”) e é sublimado por conclusões exageradas sobre estudos envolvendo as mudanças climáticas. Tais produções foram as únicas classificadas na categoria que avaliou uma má interpretação dos padrões climáticos apresentados. O autor dá a entender que o aumento de 1.5 ºC na temperatura da Terra significa o fim da raça humana e que só teríamos três anos para reverter esse quadro. Nesses e nos demais vídeos que relacionamos aos sentimentos de ansiedade/frustração climática, observamos diversos comentários em tom desesperançoso, que não foram avaliados aqui dado o escopo da proposta.
Ainda que sejam necessárias investigações futuras, a ligação entre conteúdos relacionados a mudanças climáticas e os sentimentos de ansiedade/frustração climática nas plataformas digitais parece refletir (e, possivelmente, reforçar) uma relação já existente. Em trabalho sobre a produção de medo nos discursos jornalísticos sobre alterações climáticas, Balbé e Loose (2020) afirmam que os efeitos do problema são majoritariamente tratados sob essa ótica pelo jornalismo. No entanto, segundo as autoras, “não há evidências claras de que seu uso pode, de fato, gerar um enfrentamento massivo” (Balbé & Loose, 2020, pp. 50-51). Ou seja, ainda que a incitação ao medo possa facilitar a disseminação de informações sobre a gravidade das mudanças climáticas, esse conhecimento não leva, necessariamente, a ações para minimizar e/ou buscar adaptações à realidade imposta pela crise.
Por outro lado, apesar de diversos estudos enfatizarem a relação entre a desinformação e as mudanças climáticas (Falkenberg et al., 2022; Pinto & Zanetti, 2021), apenas três vídeos da amostra foram classificados como desinformação, ou seja, quando há a intenção deliberada de manipular o público. Em dois deles, os dados sobre a crise climática são utilizados para concluir que o fim do mundo está próximo pela chegada do planeta Nibiru. No outro, o então Presidente Bolsonaro dá mostras do populismo relacionado à ciência (Mede & Schäfer, 2020) ao afirmar, no debate eleitoral presidencial de 2022, que o aquecimento global é uma mentira inventada para atacar o agronegócio - este, aliás, é o único vídeo que apresenta as mudanças climáticas como algo falso. No total, 44 dos vídeos apresentam as mudanças climáticas como algo verdadeiro. Os outros cinco abordam algum aspecto relacionado à crise climática, como um impacto específico da mudança do campo gravitacional da Terra, mas sem fazer a relação explícita com mudanças climáticas em geral.
6. Considerações Finais
Embora haja confluência de ideias em relação à gravidade das mudanças climáticas, nosso estudo exploratório mostrou que informações sobre a complexidade do problema, como questões ligadas à justiça climática, saúde pública e racismo ambiental, ficam em segundo plano. Tal apontamento não surpreende diante das dinâmicas do TikTok; além de vídeos de curtíssima duração, possivelmente os resultados ilustram a relação entre o sistema de recomendações da plataforma e o favorecimento de conteúdos relacionados a certos estados afetivos, como a ansiedade climática. Futuros estudos poderão confirmar essa hipótese, uma vez que a análise aqui apresentada é insuficiente para apontar uma relação direta. Nessa mesma direção, destacamos que a opacidade sobre o funcionamento dos algoritmos e as limitações impostas pela própria plataforma representam desafios adicionais para o desenho teórico-metodológico de investigações no TikTok. Uma vez que o consumo de informações neste ambiente é mais relacionado às indicações e menos à busca ativa de informações, parece-nos fundamental ampliar tais análises a partir de outras abordagens, como pesquisas etnográficas e de recepção.
Ainda em relação à baixa complexidade dos conteúdos, e considerando a importância das ações dos indivíduos sobre as plataformas na configuração de seus usos sociais (d’Andréa, 2020), cabe-se perguntar: por que os vídeos em questão não oferecem outras fontes para aprofundamento sobre o problema? Seria uma barreira da plataforma (no sentido de limitar o alcance de links externos) ou um condicionamento a partir do consumo de outros vídeos que ali circulam?
Perguntas semelhantes podem ser realizadas se considerarmos tanto o uso das fontes confiáveis quanto a identificação dos criadores dos vídeos. Proporcionalmente, o uso de fontes confiáveis foi mais expressivo do que o constatado no levantamento de Basch at al. (2022). Entretanto, tais fontes são mencionadas de forma vaga. Já em relação aos perfis, mesmo quando se tratava de canais de divulgação científica, pouquíssimos trouxeram algum tipo de identificação mais clara. Não se descarta que a falta de identificação seja proposital - afinal, em um ambiente dominado pela informalidade, o “crachá” institucional pode ser lido como um demérito. Contudo, em um cenário marcado pelo negacionismo climático (Santini & Barros, 2022), é importante questionar se essas estratégias não diminuem a credibilidade de produções cientificamente corretas no enfrentamento à desinformação.
Por fim, a falta de referências ao conhecimento científico formal leva o debate na direção de um certo senso comum, igualando opiniões e dados científicos. O debate, quando existe, gira em torno da própria constatação da crise, seus eventos extremos e alguns impactos locais, com poucas reflexões práticas sobre medidas coletivas/políticas de ação. Outro tópico a ser investigado, portanto, diz respeito aos impactos do consumo de tais conteúdos entre diferentes públicos na percepção sobre o problema das mudanças climáticas - sobretudo de vídeos que fomentam sentimentos de ansiedade climática.
Desta forma, apesar da limitação no tamanho da amostra e da abrangência dos aspectos analisados, esperamos ter contribuído com pistas que instiguem investigações futuras a respeito das muitas lacunas a serem analisadas em torno da circulação de conteúdos científicos em plataformas digitais de redes sociais.