Introdução
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam a tendência para o aumento da prevalência de diabetes mellitus (DM) na população mundial com idade superior a 18 anos. Em 2015, estimou-se a existência de 415 milhões de adultos diabéticos no mundo.1 Em Portugal registou-se na faixa etária entre os 20 e 79 anos uma prevalência de 13,3%, uma das mais altas da Europa2,3 Em 2040, as estimativas a nível mundial apontam para que o número de casos diabéticos reportados ascenda aos 642 milhões.3
A úlcera do pé tem uma prevalência global de 6,3% entre diabéticos,4 constituindo-se como uma condição neuropática facilitada por traumatismo prévio, que pode ou não estar associada a doença vascular periférica. Estas lesões são agravadas frequentemente por infeções e/ou gangrena.5 A amputação, com um risco de 15 vezes superior na população com diagnóstico de DM, é o desfecho mais temido, mas potencialmente prevenível.6,7
Cerca de 80% dos casos de amputação da extremidade distal inferior reportados em doentes diabéticos são precedidos por úlcera.8
No âmbito do Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes, a circular normativa de 2010 Nº5/PNPCD regulamenta os procedimentos a adotar pelos serviços e prestadores de cuidados de saúde para uma abordagem sistematizada do pé diabético.9 Não obstante, após um ano de tratamento standard, a taxa de cicatrização completa alcança valores que rondam os 60%.10 A prestação de cuidados contínuos às úlceras é um procedimento dispendioso e moroso, com uma taxa de recorrência de 70% das feridas num período de cinco anos.11 O estudo EURODIALE 2016, realizado pelo European Study Group on Diabetes and The Lower Extremity, revelou que o tratamento de uma úlcera não infetada envolve um custo médio de 10 000€, aumentando para os 17 000€ em caso de infeção e doença arterial periférica concomitante.10
O pé diabético refratário ao tratamento convencional e os seus elevados custos económicos associados, em paralelo com a investigação crescente na área, permitiram o aparecimento e desenvolvimento de outros tratamentos para este contexto clínico. Neste âmbito, a oxigenoterapia hiperbárica tem vindo a constituir-se como uma modalidade terapêutica complementar em centros certificados e especializados.12-14
A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é um tratamento baseado na inalação de O2 puro (100%) num ambiente sob uma pressão atmosférica superior à existente ao nível da superfície do mar (1 atmosfera absoluta - ATA). As sessões de OHB são realizadas no interior de câmaras hiperbáricas que constituem compartimentos estanques, sendo classificadas como dispositivos médicos tipo IIB (diretiva 93/42 CCE de 14 de junho de 1993, relativa a dispositivos médicos), destinados ao tratamento e atenuação de doenças e para fins de investigação.12,15
Através das suas propriedades fisiológicas, a OHB parece ter uma ação multifatorial com potencial benefício clínico no pé diabético:
Efeito anti-hipóxico: através do aumento da concentração de oxigénio dissolvido no plasma é promovida a correção da hipoxia tecidular (lei de Henry e de Dalton);
Efeito angiogénico: desencadeia a formação de novos vasos a partir de células endoteliais locais e de vasos pré-existentes; está também descrito o recrutamento de células estaminais ou progenitoras de células circulantes através da estimulação da enzima óxido nítrico sintetase endotelial medular.
Efeito pró-cicatrizante: estimulação da síntese de colagénio pelos fibroblastos e a sua deposição na matriz extracelular, favorecendo o processo da reepitelização;
Efeito anti-infecioso: contribui para a atividade antimicrobiana, principalmente para microrganismos anaeróbios, através do sinergismo com alguns antibióticos, do efeito bactericida e bacteriostático e pela promoção da diapedese e fagocitose dos leucócitos; de destacar o efeito local obtido pelo aumento da concentração do antibiótico na zona da lesão;
Efeito anti-inflamatório: redução de citocinas e prostaglandinas intervenientes no processo inflamatório;
Efeito anti-edematoso - a vasoconstrição hiperóxica, não hipoxemiante, seletiva (efeito “Robin Hood”) ao nível dos tecidos sãos, promove a atenuação do edema e redistribuição da volémia periférica a favor dos tecidos hipóxicos.15-17
Atendendo à evidência científica existente, o pé diabético foi considerado pelo European Committee for Hyperbaric Medicine (ECHM), em abril de 2016, como sendo uma das indicações clínicas para OHB com grau de recomendação II e nível de evidência B.18
Material e métodos
Realizada pesquisa bibliográfica na PubMed, CINAHL, Cochrane e Google Académico utilizando os termos “Diabetic foot” AND “Foot ulcer” AND “Hyperbaric oxygenation therapy”. A seleção de artigos teve como base os seguintes critérios:
Revisões sistemáticas, com caráter qualitativo ou quantitativo, de estudos prospetivos aleatorizados e controlados (EPAC). Podem ainda incluir estudos prospetivos não-aleatorizados (EPNA) e/ou de caso-controlo (ECC);
Publicações com uma análise centrada em pelo menos dois dos seguintes outcomes: amputação major, amputação minor, taxa e/ou tempo de cicatrização, redução da área da úlcera, saturação de oxigénio transcutânea, efeitos adversos, impacto na qualidade de vida e custo-efetividade;
Em revisões de múltiplas terapêuticas complementares e/ou condições patológicas, foram valorizadas apenas as secções relativas à OHB no pé diabético;
Revisões sistemáticas redigidas em língua inglesa, com data posterior a 2004 (inclusive).
Na pesquisa inicial, foram identificados trinta e dois artigos. Entre estes, seis foram selecionados13,14,19,20-22 após revisão manual dos resumos e a aplicação dos critérios definidos.
Foi também utilizada a Database of Randomised Trials in Hyperbaric Medicine (DORCTHIM)23 para a consulta dos estudos incluídos nas revisões sistemáticas. Quatro estudos24-27 utilizados como referência bibliográfica complementar nos artigos selecionados foram também abordados nesta revisão da literatura por serem considerados pertinentes para a discussão. Adicionalmente, foi consultado o Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes 2015 e websites de entidades oficiais como Direção-Geral da Saúde e OMS.
Resultados
Com a exceção das revisões sistemáticas descritivas de FL Game et al13 e de RM Stoekenbroek et al,21 todos os estudos referidos na Tabela 1 apresentaram os seus dados segundo uma avaliação qualitativa. Através da análise da Tabela 2 confirma-se que a OHB diminui o risco de amputação e, em especial, a amputação major, determinando um impacto significativo na cicatrização aos seis meses. Em úlceras de pé diabético com mais de 12 meses de evolução, a sua eficácia clínica, embora promissora, carece de maior robustez estatística. A saturação de oxigénio transcutânea do pé afetado foi também maior nos doentes tratados com OHB. Em relação à redução do tamanho da úlcera não existem dados estatísticos que permitam estabelecer conclusões. A incidência de efeitos laterais da OHB foi baixa e sem significado estatístico, envolvendo maioritariamente eventos de barotrauma do ouvido.
Do conjunto de estudos prospetivos, aleatorizados e controlados (EPAC) analisados, destaca-se M Londahl et al24 pelo maior tamanho amostral e pelo benefício clínico demonstrado na cicatrização completa das úlceras ao final de 12 meses (52% OHB versus 29% placebo; p=0,03) e com melhoria da qualidade de vida a longo prazo.
Revisão sistemática | Nº e características dos estudos incluídos | ND | Comparadores e critérios de inclusão e exclusão | Parâmetros analisados |
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I Roeckl-Wiedmann et al, 200519 | 5 EPAC Total: 5 estudos | 175 |
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FL Game et al, 201213 | 2 EPAC 1 ECC Total: 3 estudos | 236 |
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R Liu et al, 201320 | 7 EPAC 4 EPNA 2 ECC Total: 13 estudos | 624 |
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RM Stoekenbroek et al, 201421 | 7 EPAC Total: 7 estudos | 376 |
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P Kranke et al, 201522 | 10 EPAC Total: 10 estudos | 531 |
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T Elraiyah et al, 201614 | 7 EPAC 7 EPNA 2 ECC Total: 16 estudos | 7570 |
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EPAC - estudos prospetivos, aleatorizados e controlados; EPNA - estudos prospetivos e não-aleatorizados; ECC - estudos de caso-controlo; ND - número de doentes com úlcera de pé diabético envolvidos; DM - diabetes mellitus; OHB - oxigenoterapia hiperbárica.
Revisão sistemática | Caráter quantitativo/qualitativo da análise | Benefício clínico documentado da OHB | Efeitos adversos relacionados com a utilização da OHB |
I Roeckl-Wiedmann et al, 200519 | Quantitativo |
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Dois estudos referem barotrauma do ouvido (n=2). |
FL Game et al,201213 | Qualitativo |
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Sem referência. |
R Liu et al.,201320 | Quantitativo |
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Três estudos referem barotrauma, hiperóxia, claustrofobia e efeitos oculares; sem diferença significati- va dos efeitos adversos entre OHB e controlo (RR 1,41; p=0,37). |
RM Stoekenbroek et al, 201421 | Qualitativo |
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Cinco estudos referem hipoglicemia (n=4), otite barotraumática (n=2), tonturas e agravamento de cataratas (n=1). |
P Kranke et al, 201522 | Quantitativo |
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Três estudos referem claustro- fobia (n=2), barotraumatismo do ouvido (n=1), acufenos (n=1) e cefaleias (n=1). |
Tarig Elraiyah, et al, 201614 | Quantitativo |
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Sem referência. |
EPAC - estudo prospetivo aleatorizado e controlado; OHB - oxigenoterapia hiperbárica; RR - risco relativo; WMD - diferença média ponderada; OR - odds ratio.
Discussão e perspetivas futuras
Em termos teóricos, a utilização da OHB no pé diabético poderá facilitar o processo de encerramento da úlcera a curto prazo, diminuir o risco da sua recorrência e a amputação major, melhorando a qualidade de vida destes doentes. Consequentemente, nos diferentes estudos, os outcomes “amputação major” e “cicatrização” são transversalmente avaliados. A amputação minor, a variação da oxigenação transcutânea, a área da úlcera e a documentação dos efeitos adversos também permitem uma avaliação do seu potencial benefício clínico. Para além do referido, alguns estudos incluem uma análise de custo-efetividade e de qualidade de vida dos doentes tratados.
O resultado da análise dos estudos, de uma forma geral, sugere um benefício da OHB. Não obstante, o caráter retrospetivo, não aleatorizado ou de estudo-caso pode condicionar a confiabilidade dos resultados apresentados. Para além disso, alguns dados dizem respeito a estudos que decorreram há mais de duas décadas, pelo que se encontram desadequados face ao atual conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico.
Apesar do maior poder estatístico dos EPAC, os tamanhos amostrais não foram significativos. Por outro lado, a inclusão de EPNA e de ECC enviesou a análise global dos resultados.13,14,20,21 Destaca-se, a título de exemplo, RM Stoekenbroek et al21 que previam realizar inicialmente uma meta-análise, mas que se revelou impossível pela heterogeneidade dos dados analisados. Para além das limitações inerentes a cada tipologia de estudo, há a destacar a variabilidade das metodologias consideradas, assim como o perfil clínico de cada doente tratado. Adicionalmente, o protocolo de OHB aplicado e as definições dos parâmetros “amputação major” e cicatrização de úlcera também não foram uniformizados transversalmente nos estudos analisados.
A maior parte dos estudos recorreu à utilização do sistema de Wagner para a classificação de úlceras. No entanto, este revela-se pouco objetivo e detalhado em comparação com outras escalas existentes, como é exemplo a escala de Texas. Atualmente estão também disponíveis no mercado aparelhos que permitem uma colheita digital das dimensões da úlcera que facilitam o processo de registo.28
O tempo de seguimento dos doentes incluídos é divergente entre os estudos e foi muitas vezes insuficiente para obter conclusões do tratamento a longo-prazo.
Constata-se também que a etiologia das úlceras incluídas nos grupos de tratamento e de controlo é variável: certos estudos incluem úlceras isquémicas, outras úlceras não-isquémicas, havendo ainda os que não prestam qualquer esclarecimento quanto à presença de doença vascular periférica.21
Na individualidade dos EPAC analisados, o estudo de M. Londahl et al24 pode ser estatisticamente questionado em dois pontos de análise. Por um lado, apenas 55% dos doentes elegíveis foram avaliados no seguimento de um ano. Por outro, o número de amputações major foi reduzido em ambos os braços em estudo, o que torna difícil retirar ilações sobre o efeito terapêutico da OHB.26
Enumeram-se ainda três estudos considerados relevantes para a discussão, por contraporem os benefícios da OHB neste contexto.
Fedorko et al26 (107 doentes submetidos a tratamento convencional e a 30 sessões de OHB versus doentes sob tratamento convencional), concluiu que a OHB não conferiu, às 12 semanas, redução da indicação para amputação (OR 0,91; p=0,846), nem de facilitação do processo de cicatrização (OR 0,90; p=0,823).26 Estes dados corroboram o estudo de coorte multicêntrico e retrospetivo de Margolis et al 18 (793 doentes submetidos a OHB versus 5466 sob tratamento convencional), sugerindo que não existiria benefício clínico da OHB [hazard ratio (HR) 0,68]. Aliás, foram mesmo registadas maiores taxas de amputações major no grupo de OHB (HR 2,37) depois de 16 semanas de seguimento.25
Contudo, o estudo Fedorko L et al26 pode ser criticado em várias vertentes. A avaliação do parâmetro “amputação” revela uma discrepância entre o protocolo do estudo validado e a concretização efetiva. O protocolo publicado definia o envio do doente, seis semanas após o término do tratamento, a um cirurgião vascular para avaliação da necessidade de amputação em consulta. No entanto, verifica-se que tal avaliação foi feita à distância com base em fotografias da úlcera e informação clínica.
Tal procedimento não está cientificamente comprovado. Por outro lado, aos doentes tratados com OHB, foi administrado um número considerado subótimo de sessões para que possam ser garantidos resultados clinicamente significativos.29 O curto seguimento de seis semanas após conclusão do tratamento é justificado pelos autores com o facto do estudo incluir apenas úlceras classificadas em grau 1 e 2 de Wagner e de excluir doentes com isquemia e infeção da ferida. No entanto, além do período de seis semanas ser considerado insuficiente para a obtenção de conclusões fidedignas, o perfil das úlceras incluídas não é considerado representativo dos doentes com pé diabético.29
Por outro lado, o ponto forte do estudo de Margolis et al25 centra-se no elevado número de doentes tratados com OHB. Não obstante, várias limitações também podem ser apontadas. Em primeiro lugar, o inevitável viés introduzido pelo caráter retrospetivo do estudo. Em segundo, a maioria das úlceras envolvidas foram classificadas com o grau II no sistema de Wagner antes do tratamento, enquanto outros estudos prospetivos já realizados abrangeram graus de maior gravidade. Em terceiro lugar, é necessário um seguimento superior a 16 semanas para que um benefício significativo da OHB possa ser demonstrado. Por último, a coexistência de doença arterial periférica nos doentes tratados não é referida em momento algum.21
Recentemente, o ensaio clínico DAMO2CLES27 aleatorizou doentes diabéticos com úlcera isquémica crónica dos membros inferiores para tratamento convencional versus tratamento convencional combinado com até 40 sessões de OHB. Houve diferenças na diminuição do risco de amputação (10%) e da sobrevivência livre de amputação (13%) a favor do braço terapêutico com OHB. Por outro lado, a diferença no processo de cicatrização completa, para além dos 12 meses, foi apenas de 3% a favor do último. Os autores concluíram que a OHB não teria aumentado de forma significativa a cicatrização completa ou a preservação do membro inferior em doentes diabéticos com úlcera isquémica crónica dos membros inferiores.
No entanto, apesar do DAMO2CLES corresponder a um ensaio clínico aleatorizado multicêntrico e de ter uma previsão inicial de 226 doentes com úlceras isquémicas crónicas com grau Wagner 2-4 (com avaliação antecipada da indicação para revascularização), existem inúmeras vieses metodológicos que importam ser salientados e que mereceram a atenção dos especialistas na área.30-32 Existe uma discrepância significativa entre a previsão inicial do tamanho amostral (n=226) e o número de doentes recrutados (n=120). Neste âmbito, poderemos estar perante um erro estatístico do tipo II, uma vez que a tendência dos endpoints deste estudo são a favor do braço experimental com OHB, não tendo sido alcançada a significância estatística. Noutro âmbito, o protocolo do estudo estabelece que o ciclo de tratamentos com OHB compreenderia um número máximo de 40 sessões ou até à cicatrização completa da úlcera do membro inferior. Contudo, na análise dos resultados, o número máximo de sessões é redefinido para um máximo de 30, contrariando o estipulado no protocolo inicial do estudo. De salientar, que 30 sessões é considerado, por centros especializados, como sendo um tratamento subótimo para o contexto do pé diabético, principalmente se se incluírem casos mais gravosos. Para além do referido, a estratificação da gravidade das úlceras diabéticas incluídas nos dois braços não foi equilibrada, com 42% dos doentes com úlceras de graus III e IV no braço de controlo e 55% no braço experimental com OHB. As úlceras de maior gravidade são mais propensas a osteomielite e, por conseguinte, à maior necessidade de tratamentos com OHB mais prolongados (para além das 30 sessões) e até ao maior risco de amputação do membro inferior. Por outro lado, apesar de se tratar de um ensaio multicêntrico (n=25), não estão definidos o número de doentes que estão alocados a cada centro, nem qual é o protocolo do tratamento convencional em cada um deles, variáveis que também poderão influenciar na análise dos resultados. No que concerne o tratamento com a OHB, 15% dos doentes aleatorizados para o braço experimental não chegaram a iniciar este tipo de tratamento e apenas 65% vieram a completar as 30 sessões de OHB (por decisão dos próprios doentes, por ausência de critérios para a OHB, por necessidade de internamento hospitalar ou de outro tipo de tratamento e por morte). Estes dados vêm diminuir ainda mais o subgrupo de doentes tratados com OHB e suportam, mais uma vez, a importância da seleção adequada dos doentes para o tratamento com a OHB. Para finalizar, constatou-se, respetivamente, que em 56% e 45% das úlceras diabéticas incluídas nos braços do tratamento de controlo e experimental, o seu grau era o II de Wagner, contrariando as orientações da UHMS que não recomenda a OHB neste estadio.
A discussão na comunidade científica mantém-se dividida entre os diferentes estudos realizados até à data, havendo ainda questões que carecem de uma resposta mais objetiva. A taxa de recorrência da úlcera do pé diabético de cerca de 70% num período de 5 anos determina a necessidade de estudar as intervenções terapêuticas durante um período de seguimento mais longo.33
A evidência atual neste parâmetro não é ainda suficientemente esclarecedora, segundo os resultados analisados. Conduzir um EPAC desta natureza é um processo dispendioso, especialmente quando a dimensão da amostra em causa determina estatisticamente a qualidade e universalidade dos resultados.
Demonstrou-se anteriormente que não são ainda conhecidas inequivocamente as características clínicas que devem conduzir à prescrição de OHB. Por ser uma modalidade terapêutica dispendiosa, torna-se necessário estabelecer com rigor científico os fatores preditivos de maior resposta a este tratamento especializado. Foi neste sentido que parâmetros clínicos como a gravidade e o número das úlceras, a dependência de insulina, os valores da oximetria de pulso e a insuficiência renal foram apontados pela análise de Bishop AJ et al34 como potenciais determinantes ao ponderar o uso da OHB no algoritmo de tratamento da úlcera do pé diabético. O trabalho destes autores corroborou ainda as conclusões de Otto G et al35 ao verificar que o consumo de tabaco acima de quarenta maços-ano tem um impacto negativo importante na efetividade do tratamento com OHB. Por outro lado, nos grupos de doentes fumadores com consumos abaixo daquele valor e de doentes que nunca fumaram a resposta clínica foi bastante favorável. Desta forma, é necessário que novos ensaios aleatorizados e prospetivos procurem validar a aplicação destes parâmetros com vista a maximizar o custo-benefício da OHB a curto, médio e longo prazo.
A avaliação vascular imagiológica e a saturação transcutânea de oxigénio deverão ser consideradas antes e após a realização de cada ciclo de tratamentos com OHB de forma a objetivar a sua eficácia clínica. Para além da identificação do grau de isquemia periférica, torna-se relevante documentar a existência da componente neuropática ou neuroisquémica da úlcera, consubstanciando a necessidade deste tipo de tratamento complementar.
Numa perspetiva farmacoeconómica, têm de ser definidos os custos diretos e indiretos inerentes ao funcionamento e manutenção de um centro especializado em Medicina Hiperbárica. No entanto, de uma forma global e a longo prazo, o custo final de cada plano de tratamentos será, na maioria dos casos, menos dispendioso quando comparado com outras modalidades terapêuticas, incluindo a amputação major.
Conclusão
A revisão da literatura do pé diabético e, em especial, do papel da OHB neste contexto, aponta no sentido da utilidade clínica deste tipo de tratamento complementar, nomeadamente, na melhoria do processo de cicatrização e na diminuição do risco de amputação. Contudo, ainda não está definido o perfil ideal do doente com pé diabético que beneficiará da OHB, nem o melhor protocolo de tratamento a realizar na câmara hiperbárica.
Apesar dos inúmeros estudos realizados com diferentes níveis de evidência e de qualidade metodológica, ainda persiste controvérsia em relação à eficacidade da OHB. Neste sentido, torna-se necessária a realização de mais investigação e de ensaios clínicos que respondam adequadamente à questão, ainda latente, relacionada com o benefício clínico da OHB neste contexto clínico em particular.