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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.7 no.2 Queluz jun. 2020  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.29315/gm.v7i2.365 

Casos Clínicos

COVID-19: Relato Radiológico de Dois Casos

COVID-19: Radiologic Report of Two Cases

António Pedro Matos1 
http://orcid.org/0000-0001-9191-3742

João Lopes Dias1  2 

José Sardinha1 

1 Serviço de Radiologia, Hospital CUF Infante Santo, Lisboa, Portugal.

2 Serviço de Radiologia, Hospital de S. José, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Lisboa, Portugal.


Resumo

A evolução da infeção e pandemia SARS-CoV-2 à escala mundial teve um significativo impacto social, económico e nos sistemas de saúde. Através da apresentação de dois casos clínicos, revê-se e discute-se o papel da Radiologia na COVID-19. No enquadramento clínico de cada caso, os achados em tomografia computorizada de tórax serão discutidos. É importante que todos os médicos estejam conscientes do papel da Radiologia, nomeadamente dos estudos tomografia computorizada para o diagnóstico da pneumonia SARS-CoV-2. Para os radiologistas é fundamental saberem

reconhecer os padrões típicos desta patologia.

Palavras-chave: COVID-19; Pneumonia/diagnóstico por imagem; SARS-CoV-2; Síndrome Respiratória Aguda Grave/diagnóstico por imagem; Tomografia Computorizada

Abstract

The world spread of the infection and pandemic of SARS-CoV-2, had a significant social and economic impact, as well as in health systems. Through two case reports, the role of Radiology will be reviewed and discussed. In each clinical scenario the computed tomography findings will be discussed. It is important that all medical personnel are aware of the role of Radiology, namely the computed tomography studies for the diagnosis of SARS-CoV-2 pneumonia. For the radiologists it is imperative to recognize the typical patterns of this disease.

Keywords: COVID-19; SARS-CoV-2; Severe Acute Respiratory Syndrome/diagnostic imaging; Tomography, X-Ray Computed

Introdução

A 12 de dezembro de 2019, em Wuhan, na China, as autoridades de saúde locais começaram a investigar um surto de pneumonia provavelmente viral, mas de agente específico desconhecido. A identificação de um local de convívio comum à maioria dos infetados - um mercado de animais vivos da cidade de Wuhan - levantou a suspeita de doença zoonótica semelhante a outras epidemias com a síndrome respiratória aguda grave de 2002 (SARS) e a síndrome respiratória do Médio Oriente de 2012 (MERS).

Desde então, assistimos à evolução de uma pandemia à escala mundial, com significativo impacto social, económico e nos sistemas de saúde.1 Confirmou-se que uma nova estirpe de coronavírus (SARS-CoV-2) era o agente biológico envolvido, e a doença passou a designar-se por COVID-19.

Devido ao envolvimento predominante do sistema respiratório nesta doença, a avaliação radiológica, como método de diagnóstico não invasivo, foi assumindo um papel fulcral na abordagem inicial e no seguimento destes doentes.2

Assim, através da apresentação de dois casos clínicos, este artigo pretende rever e discutir o papel da Radiologia na COVID-19. No enquadramento clínico de cada caso, os achados em tomografia computorizada (TC) de tórax serão discutidos.

Casos clínicos

Caso 1

Uma doente do sexo feminino, de 52 anos, recorre ao Atendimento Permanente (AP) com quadro de 13 dias de evolução de tosse seca, cefaleias e náuseas, sem febre. Como contacto epidemiológico relevante, apenas a assinalar a filha, com quem vive, igualmente com queixas de tosse. Com antecedentes pessoais de dislipidemia e HTA, destaca-se, na medicação habitual, o atenolol. Apresentava-se, à observação, com bom estado geral, eupneica e com saturação periférica de O2 de 98%. À auscultação pulmonar, sobressaía murmúrio vesicular rude, essencialmente à direita, sem sinais de broncospasmo. Analiticamente, destacavam-se leucócitos de 7900 x 103/μL (64% de neutrófilos e 26% de linfócitos), D-dímeros ligeiramente elevados (627 ng/mL), LDH de 240 U/L, PCR de 5,4 mg/dL e antigenúrias negativas para S. pneumoniae e Legionella. Foi efetuada gasimetria em ar ambiente, com critérios de alcalose respiratória e hipoxemia: pH 7,49; pCO2 31 mmHg; pO2 60 mmHg; HCO3 - 23 mmHg; Sat.O2 93%. Realiza-se zaragatoa nasal para pesquisa de SARS-CoV-2.

Foi realizada TC de tórax (Fig. 1), que revelou múltiplas opacidades parenquimatosas em vidro despolido, essencialmente periféricas, em número superior a 3 e a mais expressiva com 3 cm de diâmetro máximo. Coexistiam áreas de padrão em calçada, com vidro despolido associado a espessamento de septos inter e intra-lobulares. De acordo com os critérios da British Society of Thoracic Imaging (BSTI), o diagnóstico de pneumonia por SARS-CoV-2 foi considerado provável, com um nível de gravidade entre moderado e severo.

Figura 1: Caso 1 - Imagens axiais (a, b) e reconstruções coronais (c) de aquisição TC de alta resolução do tórax sem administração de contraste iodado EV. É possível observar opacidades em vidro despolido (seta preta, a), condensações (ponta de seta, a) e espessamento vascular (seta branca, a), bem como padrão em pedras de calçada (seta preta, b). Estas opacidades distribuem-se de forma periférica e bilateral. Note-se a distribuição coronal das opacidades, bem como a ausência de adenopatias e de derrame pleural. 

É então internada com o diagnóstico presuntivo de COVID-19 (posteriormente confirmada por teste de reação em cadeia de transcriptase reversa - RT-PCR positiva), complicada de insuficiência respiratória de tipo 1, em enfermaria de Medicina dedicada. Inicia tratamento com hidroxicloroquina 400 mg bid no primeiro dia e 200 mg bid nos 7 dias seguintes e azitromicina 500 mg no primeiro dia e 250 mg/dia nos 4 dias seguintes. Clinicamente, verificou-se uma evolução favorável, com resolução sintomática precoce, apirexia e sem necessidade de oxigenoterapia a partir do primeiro dia de internamento (O2 a 2 L/min por óculos nasais).

Em TC de reavaliação (Fig. 2), os achados radiológicos acompanharam a evolução clínica, tendo-se verificado redução numérica e dimensional das opacidades parenquimatosas.

Figura 2: Caso 1 - Imagens axiais (a, b) de aquisição TC de alta resolução do tórax sem administração de contraste iodado EV, da doente do caso 1 sete dias após a realização da TC da Fig. 1. Estas imagens são ao mesmo nível topográfico que aquelas da Fig. 1. É possível reconhecer a favorável evolução radiológica em relação ao estudo TC da Fig. 1, com imagens ainda presentes de pneumonia organizativa em resolução (setas pretas, a, b). 

No entanto, notam-se aspetos de pneumonia organizativa, com opacidades lineares subpleurais, demonstrando o habitual padrão evolutivo de resolução do processo infecioso.

Por ausência de condições familiares de isolamento, manteve-se o internamento até negativação laboratorial confirmada. Após três testes de cura por zaragatoa nasal positivos, foram realizadas serologias que confirmaram ausência de IgM e positividade para IgG.

Caso 2

Um doente do sexo masculino, de 39 anos, recorre ao AP com quadro de febre e contexto epidemiológico relevante (contacto com os pais, ambos positivos para SARS-CoV-2). Como antecedentes pessoais relevantes, destacavam-se tabagismo e seminoma testicular submetido a orquidectomia e quimioterapia. Com RT-PCR inicialmente negativa em zaragatoa nasal, é medicado com azitromicina 500 mg durante 6 dias, sem melhoria significativa, pelo que regressa ao AP por febre alta (TT 39,0ºC), mialgias e dorsalgia, sem dispneia ou tosse. À observação, apresentava-se pálido, febril (TT 38,6ºC), eupneico, com saturação periférica de O2 de 98% e auscultação pulmonar normal. Analiticamente, destacavam-se leucócitos de 4700 x 103/μL (58,3% de neutrófilos e 30,8% de linfócitos), D-dímeros de 253,2 ng/mL, LDH de 146 U/L, PCR de 2 mg/dL e antigenúrias negativas para S. pneumoniae e Legionella. Realiza TC de tórax (Fig. 3), que revela achados suspeitos de pneumonia por SARS-CoV-2, de grau moderado (opacidades nodulariformes em vidro despolido, de predomínio periférico e inferior, algumas com “crazy-paving”), e repete a zaragatoa nasal, desta vez com RT-PCR positiva. Dada a estabilidade clínica e a ausência de dispneia ou toracalgia, tem alta com indicação para manter medidas de isolamento social e tratamento sintomático, com resolução dos sintomas.

Figura 3: Caso 2 - Imagens axial (a) e de reconstrução coronal (b) de aquisição TC de alta resolução do tórax sem administração de contraste iodado EV. É possível observar, em posição periférica e de predomínio na base esquerda, opacidades em vidro despolido, algumas esboçando padrão em pedras de calçada (setas brancas, a). Na imagem de reconstrução coronal é possível perceber a distribuição inferior e periférico das opacidades em vidro despolido (setas pretas, b), bem como a sua bilateralidade, embora de ténue expressão à direita. Note-se, tal como no caso 1, a ausência de adenopatias e de derrame pleural. 

Discussão

A deteção precoce da infeção causada pelo SARS-CoV-2 tem sido atrasada pela necessidade de produção em massa e disseminação generalizada de testes de reação em cadeia de transcriptase reversa (RT-PCR). Para além disto, a sensibilidade do teste na prática clínica pode ser afetada por várias variáveis, resultando em falsos negativos frequentes reportados em doentes com achados TC compatíveis com COVID-19, que acabam por testar positivo para o teste.3,4 Desta forma, mesmo em casos com resultado de RT-PCR negativo, num ambiente de recursos limitados, os exames radiológicos estão indicados para triagem médica de doentes com suspeita de COVID-19, que apresentem manifestações clínicas moderadas a graves e uma probabilidade pré-teste elevada para a doença.5,6 Os exames radiológicos, desempenham assim uma função essencial na triagem e diagnóstico presuntivo, em determinados contextos.

Os casos clínicos apresentados demonstram a utilidade dos estudos TC no auxílio diagnóstico, nos quais os achados radiológicos, no contexto pandémico SARS-CoV-2, foram essenciais para o diagnóstico presuntivo desta infeção viral.

Os TC da pneumonia COVID-19 mostram opacidades em vidro despolido (OVD) (88%), sejam OVD isoladas ou associadas a espessamento dos septos interlobulares e/ou consolidações.7 Outros achados compreendem bronquiectasias, espessamento pleural, padrão em calçada e pneumonia organizativa.7 Estes achados são frequentemente bilaterais (87,5%), periféricos (76%) e multilobar (78,8%).7

No seu conjunto, estas características das imagens TC encontram-se presentes nos estudos TC dos casos apresentados, demonstrando a utilidade dos mesmos no diagnóstico presuntivo de pneumonia a SARS-CoV-2.

Tal como acontece nestes casos, a ausência de derrame pleural e de adenopatias é característico desta patologia.

Conclusão

No contexto pandémico e de acesso limitado aos meios de diagnóstico para o SARS-CoV-2, o papel da Radiologia, nomeadamente dos estudos TC do tórax, é fundamental para triar e estabelecer o diagnóstico, tal como estes dois casos o demonstram.

É importante que todos os médicos estejam conscientes do papel da Radiologia, nomeadamente dos estudos TC para o diagnóstico da pneumonia SARS-CoV-2. Para os radiologistas é fundamental saberem reconhecer os padrões típicos desta patologia.

Referências

1. Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, Liang WH, Ou CQ, He JX, et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020 (in press). doi: 10.1056/NEJMoa2002032 . [ Links ]

2. Jin YH, Cai L, Cheng ZS, Cheng H, Deng T, Fan YP, et al. A rapid advice guideline for the diagnosis and treatment of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infected pneumonia (standard version). Mil Med Res. 2020 (in press). doi: 10.1186/s40779-020-0233-6. [ Links ]

3. Fang Y, Zhang H, Xie J, Lin M, Ying L, Pang P, et al. Sensitivity of Chest CT for COVID-19: Comparison to RT-PCR. Radiology. 2020 (in press). doi: 10.1148/radiol.2020200432. [ Links ]

4. Huang P, Liu T, Huang L, Liu H, Lei M, Xu W, et al. Use of Chest CT in Combination with Negative RT-PCR Assay for the 2019 Novel Coronavirus but High Clinical Suspicion. Radiology. 2020;295:22-3. doi: 10.1148/radiol.2020200330. [ Links ]

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Responsabilidades éticas

Fontes de financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes

Consentimento: Consentimento do doente para publicação obtido

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares

Ethical disclosures

Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients

Patient consent: Consent for publication was obtained

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 08 de Junho de 2020; Aceito: 14 de Junho de 2020; Publicado: 30 de Junho de 2020

Autor Correspondente/Corresponding Author: António Pedro Matos [antoniopmatos@gmail.com] Tv. Castro Nº 3, 1350-070 Lisboa, Portugal ORCID iD: 0000-0001-9191-3742

Conflitos de interesse:

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest:

The authors have no conflicts of interest to declare.

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