Introdução
As neoplasias malignas da tiroide são as mais frequentes do sistema endócrino. Nas últimas três décadas assistiu-se a um aumento significativo da incidência deste tipo de tumores (fundamentalmente à custa dos carcinomas diferenciados da tiroide (CDT), dos carcinomas papilares em particular). Em 2012 as taxas de incidência no género feminino eram aproximadamente três vezes superiores às verificadas no género masculino (9,3 e 3,1 casos por 100 000 pessoas - ano respetivamente). Não obstante a taxa de mortalidade continua baixa (0,7 e 0,5 casos por 100 000 pessoas - ano para mulheres e homens respetivamente).1
Classificam-se de acordo com o seu tipo histológico e a maioria dos tumores tiroideus com exceção do carcinoma medular, deriva da célula folicular, que origina neoplasias benignas/malignas com diferentes características fenotípicas, biológicas e clínicas. Os carcinomas papilares e foliculares são considerados diferenciados (CDT), uma vez que mantêm uma semelhança estrutural e funcional com o tecido tiroideu normal e são responsáveis por 94% dos tumores da tiroide.2,3 O comportamento é variável de formas leves a extremamente agressivas de elevada mortalidade, mas regra geral, com prognóstico na maior parte das vezes, favorável.4
Os CDT manifestam-se através de um nódulo na tiroide isolado ou num contexto de um bócio multinodular. A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) permite classificá-los em seis categorias e correlaciona o resultado com a probabilidade de carcinoma de tiroide5 - classificação de Bethesda (I/VI). A maioria dos tumores malignos pode ser identificada por citologia. Os carcinomas foliculares e neoplasias foliculares da tiroide não invasiva com aspetos nucleares de carcinoma papilar (NIFTP) são exceções, sendo geralmente classificados como indeterminados.
O carcinoma papilar engloba vários tipos histológicos: clássico, encapsulado, folicular, macrofolicular, de células altas, de células colunares, de células claras, carcinoma esclerosante difuso, difuso, cribiforme, oncocítico, microcarcinoma, entre outros. O tumor é multicêntrico em 20%-80% dos casos e bilateral em cerca de metade. Recentemente, Shattuck et al6 avaliaram se focos contíguos do tumor, surgem como metástases de um tumor primário ou se originam de novos clones com precursores independentes e concluíram, que em tumores com carcinoma multifocal, os tumores papilares são tumores independentes.
O acompanhamento destes pacientes é feito de uma forma geral, com a monitorização de vários parâmetros, com sensibilidades e especificidades diferentes. O tipo de exames e a periodicidade dependem do tipo histológico, tratamento inicial, risco de recidiva/persistência da doença e resposta ao tratamento. O doseamento da tireoglobulina e a ecografia cervical são os pilares do follow-up dos tumores diferenciados da tiroide.
A NIFTP é um tumor não invasivo encapsulado ou clinicamente delimitado, com um padrão de crescimento e características nucleares de carcinoma papilar da tiroide. A ecografia, a citologia e os testes moleculares são úteis para o estudo de nódulos tiroideus, mas há grande sobreposição dos resultados com a variante folicular encapsulada de CPT e outros tumores com padrão folicular.
O diagnóstico de NIFTP é realizado após estudo histológico da peça operatória. A cápsula pode ser fibrosa, espessa, fina, mas clinicamente demarcada do tecido tiroideu adjacente. O padrão de crescimento é folicular e pode ser micro, normo ou macro folicular com coloide, por vezes, abundante. As características nucleares são as do carcinoma papilar-like com núcleos volumosos, alongados, sobrepostos, com irregularidades da membrana nuclear, dando a ilusão de fendas nucleares (pseudo - inclusões), e núcleos vitrais, em vidro fosco (“ground-glass”), com cromatina dispersa, que causa um aparente vazio, em aspeto de “olho de órfã de Annie”. Existem também invaginações no citoplasma.7,8
Critérios de Nikiforov - Abril de 20168:
Encapsulamento ou demarcação clara do tumor do tecido tiroideu adjacente sem nenhuma invasão;
Padrão de crescimento folicular com menos de 1% de papilas, ausência de corpos psamomatosos e menos de 30% de padrão de crescimento sólido, trabecular ou insular);
Características nucleares de carcinoma papilífero (em grau 2 e 3);
Ausência de invasão da cápsula;
Inexistência de necrose;
Escassa atividade proliferativa (menos de 3 mitoses/campo).
São sempre critérios de exclusão: invasão da cápsula ou vascular, estruturas papilares verdadeiras em mais de 1% do volume do tumor, necrose tumoral, qualquer característica celular ou morfologia, de qualquer outra variante de carcinoma papilar, sem corpos psamomatosos ou qualquer mutação dos promotores BRAF v6ooo e TERT, ou qualquer metástase.
A excisão do tumor é suficiente não sendo necessária a totalização da tiroidectomia, ou qualquer dissecção ganglionar cervical, iodoterapia ou terapia supressora. Descrevemos dois casos clínicos de NIFTP em contexto de tiroides multinodulares.
Casos clínicos
Caso 1
Paciente do género masculino com 45 anos, que apresentava nódulo da linha média do pescoço de consistência firme, contornos regulares, indolor e móvel.
Os doseamentos hormonais da função da glândula tiroide eram normais e a ecografia demonstrava uma tiroide multinodular com nódulo do istmo, bem delimitado, com 3 cm. Diversos nódulos em toda a glândula de menores dimensões. PAAF-tumor folicular (Bethesda IV).
Submetido a tiroidectomia total, sem intercorrências. O estudo histológico evidenciou: no istmo lesão de 2,9 cm correspondendo a um NIFTP-OMS; nódulos microfoliculares na glândula restante (Fig.s 1 e 2).
Caso 2
Paciente do género feminino com 75 anos com nódulo da região látero-cervical esquerda de consistência firme, indolor e móvel.
Os doseamentos hormonais eram normais e a ecografia mostrava um nódulo de 2,5 cm no lobo esquerdo, com vários nódulos de menores dimensões. PAAF-Lesão folicular de natureza indeterminada (Bethesda III).
Submetida a tiroidectomia total sem intercorrências.
O estudo histológico evidenciou: no lobo esquerdo da glândula NIFTP-OMS de 2 cm em contexto de bócio multinodular adenomatoso (Fig.s 3 e 4).
Conclusão
A eliminação da designação “carcinoma” da definição desta variante de carcinoma papilar da tiroide enfatiza o excelente prognóstico: não há registo de mortes relacionadas e o risco de recorrência é inferior a 1%.
O diagnóstico de NIFTP (s) requer um exame anatomopatológico minucioso. A identificação correta reduz o recurso desnecessário a procedimentos cirúrgicos radicais e a administração de iodo radioativo após tiroidectomia. O follow-up é sobreponível aos carcinomas de muito baixo risco.
Apesar de se tratar de NIFTP (s) e de a lobectomia/istmectomia ser uma solução adequada e suficiente nestas neoplasias, nos doentes apresentados optou-se pela tiroidectomia total, pelo facto das lesões se enquadrarem em bócios multinodulares. Os doentes foram dispensados de qualquer outra terapêutica e/ou acompanhamento que não fosse o suplemento com levotiroxina.
Somos de opinião que o reconhecimento desta entidade clínica (NIFTP) venha agora reforçar uma indicação, para uma atitude mais conservadora, isto é, menos invasiva nas citologias tipo III e IV da classificação de Bethesda.