Introdução
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença altamente prevalente a nível mundial (4% a 6%).1
Em Portugal a prevalência estimada é de 14,2% dos indivíduos com mais de 40 anos.2
O curso da doença é pautado por episódios de deterioração aguda, as exacerbações, que contribuem para a progressão da doença, implicando uma diminuição da qualidade de vida, aumento do risco de internamento e de futuras exacerbações.3 As infeções respiratórias víricas ou bacterianas e exposição a agentes poluentes são os principais responsáveis pela exacerbação.4,5
Os Cuidados de Saúde Primários, pelo seu caráter abrangente, de proximidade, continuidade de cuidados, e foco na prevenção, têm um papel fulcral na vigilância e gestão dos utentes com DPOC. Incentivar a adesão terapêutica, a evicção tabágica e a vacinação para o vírus influenzae e para o Streptococcus pneumoniae são consideradas as principais medidas para melhorar o controlo da doença.3,6
A Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (2019),7 recomenda a vacinação anti-pneumocócica polissacárida 23-valente (VPP23) a todos os doentes com mais de 65 anos, pela redução da incidência de Pneumonia Adquirida na Comunidade. A vacina conjugada 13-valente (VPC13) está preconizada nos mais jovens com comorbilidades pelo impacto na redução da bacteriémia e doença invasiva pneumocócica. A Norma da Direção Geral da Saúde (DGS) nº 011/2015 recomenda vacinação com VPP23 e VPC13 a todos os indivíduos com DPOC e idade igual ou superior a 18 anos.8 Contudo, existe uma baixa taxa de vacinação antipneumocócica destes doentes, por diversos motivos tanto sociais como económicos, religiosos/crenças, falta de prescrição médica ou baixa adesão por parte do doente. 9-11 Portanto, a implementação da vacinação adequada nestes doentes é uma medida essencial para a prevenção de exacerbações e consequente diminuição do número de hospitalizações e melhoria da qualidade de vida.12
Neste sentido, foi delineada uma estratégia para melhoria da qualidade da prescrição da VPC13 nos utentes com DPOC da Unidade de Saúde Familiar (USF) Lethes, com intuito de avaliar e melhorar a prescrição, adesão e cobertura desta vacina. No projeto não foi considerada a VPP23 pelo facto de não estar disponível no mercado durante o período da intervenção.
De acordo com a norma da DGS referida, o valor alvo a atingir idealmente seria a cobertura vacinal plena em todos os utentes com DPOC. Contudo, dada a baixa taxa de cobertura inicial obtida (16,7%) foi definido como critério de qualidade o aumento da taxa de cobertura vacinal com VPC13 para 25% dos utentes com DPOC, com uma adesão à prescrição pretendida de 100%.
Métodos
O projeto foi desenvolvido na USF Lethes desde julho de 2017 até dezembro de 2018, após parecer favorável (nº 34/2017 e nº 48/2018) da Comissão de Ética para a Saúde da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM). Foram considerados os utentes com inscrição ativa na USF Lethes durante o período de estudo, com codificação no processo clínico (SClínico®) R95 (“DPOC”) e com registo de pelo menos uma espirometria diagnóstica. Foram excluídos os utentes com idade inferior a 18 anos e com codificação no processo clínico de R96 (“Asma”) ou R79 (“Bronquite Crónica”). Desenvolveu-se um projeto de melhoria contínua da qualidade composto por três fases (Fig. 1).
Fase A: Pré-intervenção
A primeira fase do projeto decorreu num período de 3 meses com início em julho de 2017. Foi efetuado um estudo de tipo longitudinal prospetivo com vista o diagnóstico de situação no sentido de caracterizar a população em estudo e determinar o perfil de prescrição, adesão e de cobertura com a VPC13 nos utentes com DPOC da USF Lethes, de acordo com os dados até 30 de junho de 2017. Os dados foram obtidos por consulta do processo clínico eletrónico SClínico®, plataforma “Vacinas” e Prescrição Eletrónica de Medicamentos®.
Fase B: Intervenção
Desenhou-se uma estratégia de intervenção multimodal, com envolvimento da equipa (médicos, enfermeiros e secretariado) ao longo de quinze meses.
Primeiramente, foram apresentados os resultados obtidos na Fase A à equipa. Posteriormente, foi efetuada formação em serviço relativa à importância e indicações da VPC13. O terceiro momento consistiu na realização de um Focus Group, com envolvimento da equipa médica e de enfermagem com debate e definição de estratégias corretoras. Posteriormente, e tendo sido revelada a sua necessidade nos momentos anteriores, procedeu-se à atualização do folheto relativo à DPOC e respetiva distribuição junto dos utentes, com envolvimento do secretariado clínico.
No ponto médio do período destinado a esta fase, foi efetuado lembrete junto dos profissionais no sentido da importância da melhoria dos resultados.
Resultados e discussão
Os resultados serão apresentados de acordo com as fases do projeto.
Fase A: pré-intervenção
Inicialmente foi efetuada a caracterização da população em estudo. No projeto foram incluídos 126 utentes que reuniam os critérios de inclusão. Na Tabela 1 é apresentada a caracterização da população em estudo.
Dos 126 utentes incluídos, 19% (n=24) apresentavam registo de prescrição de VPC13. A adesão à prescrição foi de 87,5%, sendo que a taxa de cobertura vacinal à data de 30 de junho de 2017 era de 16,7% dos utentes com DPOC incluídos no projeto (n=21 utentes).
De notar que, contrariamente à vacina antipneumocócica polissacárida 23-valente (VPP23), a recomendação da VPC13 nos indivíduos com > 18 anos surge apenas em 2015 em Portugal. Esta realidade pode justificar a taxa de cobertura inicial encontrada no presente projeto.8
De acordo com um estudo realizado em 2017 em Espanha, a taxa de cobertura com a VPC13 nos utentes com bronquite crónica/enfisema foi de 2,2% de um total de 132 306 utentes, contrariamente à VPP23 que apresentava uma taxa de 72,9%.13 Portanto, colocando os resultados obtidos da fase A do presente projeto em perspetiva, verifica-se uma realidade significativamente mais favorável, logo à partida, mas com potencial ainda para melhoria.
Em Portugal não foi possível obter dados para comparação direta. Um estudo realizado em utentes com diabetes melitus numa USF relativo a dados entre 2005-2010, obteve uma taxa de vacinação antipneumocócica de 5,3%, sendo de ressalvar que neste período apenas nos referimos à VPP23, não sendo possível o acesso a dados mais recentes que incluam a VPC13.14,15
Atendendo à realidade traduzida nos referidos estudos, os resultados encontrados nesta fase pré-intervenção, apesar de aparentemente baixos, parecem traduzir já uma realidade mais favorável.
Fases B e C (Intervenção, Avaliação e Apresentação de Resultados)
Após a aplicação das estratégias de intervenção, obteve-se um aumento na taxa de prescrição, adesão e cobertura com a VPC13 como demonstra a Fig. 2.
Idade (anos) | Média 69 (min. 36 e máx. 91) |
Género | Masculino: 62%; Feminino: 38% |
Profissão | Agricultor de subsistência: 8% Trabalhador da construção civil: 5% Pedreiro: 5% Criador de animais de rodução: 4% Motorista de esados: 3% Reformado: 30% Outras atividades rofissionais: 45% |
Ano de diagnóstico | 75% com diagnóstico révio a 2015 |
Seguimento hositalar | 16,9% em Pneumologia |
Teraêutica inalatória | 76,5% medicados |
Esirometria | 83,1% com esirometria realizada há menos de 3 anos |
Exosição a biomassa | 8,1% |
Número de eisódios de Urgência na ULSAM or motivos do foro resiratório (01/01/2016 a 31/07/2017) | Média de 0,6 eisódios 79,3% sem registos de entradas no SU 9,6% registo de 1 entrada no SU 3,7% registo de 2 entradas no SU 7,4% registo de 3 ou mais entradas no SU (máx. 11) |
Número de internamentos na ULSAM or doença resiratória (01/01/2016 a 31/07/2017) | 92% sem registo de internamentos; 1 internamento: 4,4%; 2 internamentos: 2,9%; 3 internamentos: 0,7% |
Como referido anteriormente, previamente à intervenção, 24 utentes (19%) possuíam prescrição da VPC13, dos quais 21 utentes realizaram a vacina, o que correspondia a uma adesão de 87,5%. Assim, a taxa de cobertura com a VPC13 inicial foi de 16,7%.
Durante o período definido para plano de melhoria da qualidade, a VPC13 foi prescrita a mais 14 utentes com DPOC. Destes utentes, todos realizaram a vacina, correspondendo a uma adesão de 100% às novas prescrições.
Com a intervenção realizada obteve-se um aumento da taxa de cobertura com a VPC13 de 16,7% para 27,8%, o que, considerando a taxa de cobertura inicial, corresponde a um aumento percentual relativo de 66,7%.
Após revisão bibliográfica não foram encontrados estudos semelhantes que permitam comparação e análise mais completa e exaustiva dos dados apresentados.
Os objetivos “Healthy People 2020” definidos pelo gabinete de Prevenção de Doenças e de Promoção da Saúde do Departamento de saúde dos Estados Unidos definem como metas o aumento das taxas de cobertura com as vacinas antipneumocócicas para 60% nos adultos de alto risco com 18 a 64 anos (base de 16,6% em 2008) e de 90% nas pessoas com mais de 65 anos (base de 60% em 2008). Na monitorização desde objetivos em 2017, a taxa de cobertura vacinal em indivíduos com menos de 65 anos era de 24,3%, sendo esta taxa superior (69%) nos indivíduos com mais de 65 anos.16 Portanto, o incremento verificado de 2008 a 2017 foi de 7,7 pontos percentuais nos indivíduos com menos de 65 anos e de 9 pontos percentuais nos com mais de 65 anos. De notar que estes ganhos se referem à vacinação antipneumocócica em geral e não apenas à VPC13.
Portanto, o objetivo definido neste trabalho como critério de qualidade, como o aumento da taxa de cobertura vacinal com VPC13 para 25% dos utentes com DPOC (um aumento de 11,1 pontos percentuais), corresponde já a um incremento superior ao que resultou do esforço das instituições americanas.
No presente projeto de melhoria obteve-se a pretendida adesão à vacinação de 100% e a taxa de cobertura superior a 25%. Estes resultados reforçam a importância da literacia em saúde, tanto do utente como do próprio médico de família. Através da atualização e divulgação dos folhetos sobre DPOC procuramos aumentar a literacia dos nossos utentes. As sessões formativas e discussão em grupo permitiram uma maior capacitação e consciencialização dos profissionais de saúde. Ambas as medidas se mostraram efetivas tanto no incentivo à prescrição como na adesão à vacinação.
Ao constatarmos uma adesão de 100% aos utentes a quem foi prescrita a vacina parece-nos que os obstáculos por parte do doente foram mais eficazmente ultrapassados. Estará do lado dos profissionais de saúde o obstáculo maior à vacinação? (Ideias pré-concebidas? Prescrevemos apenas a classes socioeconómicas mais elevadas? Prescrevemos apenas aos utentes com patologia mais grave?).
Conclusão
O objetivo proposto inicialmente foi atingido, tendo sido obtida taxa de cobertura vacinal de 27,8%.
Contudo, esta taxa de cobertura encontra-se muito aquém dos objetivos propostos pela DGS (que preconiza uma taxa da vacinação ideal de 100% dos utentes com DPOC). Assim, consideramos necessário o reforço da literacia em saúde dos nossos utentes e da formação e consciencialização para a importância da vacinação por parte dos profissionais de saúde.
Os resultados obtidos são um ponto de partida para investigação futura no sentido de uma melhor compreensão dos determinantes da prescrição e adesão à vacinação relacionados com o médico e utente.