Introdução
O primeiro caso de duplicação intestinal foi descrito por Calder em 1733, mas só em 1941 é que Ladd e Gross definiram esta patologia como se tratando de “estruturas ocas, esféricas ou alongadas, com parede de músculo liso, revestidas por mucosa, intimamente ligadas a alguma porção do tubo digestivo.”1
A incidência desta patologia é de 1:5000 nados-vivos, sendo mais frequente no sexo masculino. Geralmente são lesões únicas, podendo haver lesões síncronas em 10%-20% dos casos. São diagnosticadas antes dos 2 anos em 80% dos doentes.2-4
A localização mais comum é o ílion (30%) e válvula ileocecal (30%), seguidos do jejuno (8%), cólon (6%-7%) e reto (5%). A duplicação pode ser de 3 tipos, segundo McPherson: tipo I, quistos simples; tipo II, diverticular; tipo III, tubulares. O seu diagnóstico baseia-se nos critérios de Rowling: 1 - duplicação da parede em continuidade com a do órgão duplicado; 2 - quisto coberto por
parede muscular lisa; 3 - presença de mucosa do trato digestivo, podendo existir por vezes mucosa heterotópica.5,6
Têm surgido várias propostas para tentar explicar a origem desta patologia, nomeadamente a teoria de Bremer (1944) que sugere ser secundária a erros de recanalização do tubo digestivo durante a fase embrionária.7
As duplicações completas são raras. As formas quísticas, mais frequentes, geralmente não comunicam com o lúmen; as tubulares podem ter uma ou mais comunicações.
As duplicações do trato digestivo são em 13% dos casos de origem colorretal e devem ser abordadas cirurgicamente quando encontradas para evitar futuras complicações.8
O quadro sintomático pode apresentar-se por obstipação, perfuração, hemorragia digestiva ou oclusão intestinal. A estratégia cirúrgica requer uma ressecção conjunta da área duplicada até pelo menos 2 cm além da duplicação. A cirurgia pode ser dificultada por fibrose na área de duplicação, presença de neoplasias e alterações no suprimento sanguíneo.4,8
As duplicações tubulares do cólon com extensão abaixo da reflexão peritoneal podem estar associadas a malformações do aparelho genito-urinário.9
Caso clínico
Apresentamos o caso de uma doente de 60 anos de idade, com antecedentes pessoais conhecidos de hipertensão arterial e lúpus eritematoso sistémico.
A doente recorreu ao serviço de urgência por queixas de obstipação e dor abdominal com vários dias de evolução. Ao exame objetivo apresentava um abdómen distendido, doloroso à palpação nos quadrantes inferiores, com massa palpável no hipogastro. Ao toque retal apresentava a ampola colapsada por compressão extrínseca.
Foram pedidos vários exames complementares de diagnóstico realizados na urgência. O estudo analítico não apresentava alterações. O radiograma de abdómen mostrava alguns níveis hidroaéreos e ausência de ar na ampola retal. Realizou tomografia computorizada (TC) abdominopélvica que mostrava “(…) volumoso fecaloma retal, medindo 23x9 cm, condicionando oclusão intestinal e espessamento parietal do cólon. Útero atrófico, desviado para a direita (…), malformação renal com rim direito resultante da fusão dos dois rins, com evidência de 2 ureteres que têm implantação vesical separada e bilateral” (Fig.s 1,2 e 3).
Foi proposta para cirurgia urgente. No intraoperatório constatou-se a presença de duplicação do cólon sigmoide e reto que terminava em fundo cego no reto médio, preenchida por um volumoso fecaloma. A taneia coli duplicada estendia-se de forma contínua até ao cego, pelo que não era possível avaliar de forma segura a extensão proximal da duplicação (Fig. 4). Optou-se por realizar uma ressecção tipo Hartmann com secção distal ao nível do reto inferior e exteriorização de ambos os lúmenes em cano de espingarda (Fig. 5).
No pós-operatório, a doente foi submetida a colonoscopia para estudo do restante cólon. O limite proximal do lúmen duplicado situava-se cerca de 10 cm proximalmente à colostomia, não sendo encontradas outras alterações no restante cólon.
Aos 6 meses foi submetida a cirurgia de ressecção da restante área duplicada e restabelecimento do trânsito intestinal, que decorreu sem intercorrências.
O exame histopatológico de ambas as peças operatórias, confirmou tratar-se de uma duplicação tubular, sem mucosa heterotópica ou neoplásica.
Discussão/conclusão
A apresentação clínica dos casos de duplicação cólica depende da sua localização, extensão, e de outros fatores, como a presença de mucosa heterotópica. A obstipação, perfuração e a oclusão intestinal são as apresentações mais comuns, atendendo a presença de um lúmen distalmente cego.
A abordagem cirúrgica depende da localização e do tipo de duplicação. As duplicações quísticas, quando pequenas, são excisadas em bloco com o cólon normal adjacente à semelhança das duplicações tubulares. Se a duplicação se estende abaixo da reflexão peritoneal devem ser excluídas malformações do aparelho génito-urinário.
A ressecção cirúrgica deve estender-se até cerca de 2 cm além do óstio do lúmen duplicado atendendo à presença de alterações fibróticas, ao suprimento sanguíneo partilhado e ao risco de desenvolvimento de neoplasia no segmento duplicado. O adenocarcinoma é o tipo de neoplasia mais frequentemente encontrado, seguido do carcinoma escamoso e do carcinoide.10