A pandemia COVID-19 criou um problema urgente de saúde pública com consequências a nível mundial. A evidência científica disponível sugere uma associação entre tabagismo e a gravidade da COVID-19, havendo necessidade de reforçar a cessação tabágica a todos os fumadores.1
Sabe-se que o consumo de tabaco constitui um importante fator de risco para várias patologias crónicas, no meadamente doenças respiratórias, cardiovasculares, diabetes e cancro, entre outras, grupos que correm maior risco de doença grave e mortalidade por CO VID-19.2 Vários estudos concluíram que a COVID-19 está associada a maior mortalidade nos doentes fumadores.3
O coronavírus pode representar uma ameaça adicional para os fumadores. O contacto contínuo da mão com a boca durante a atividade de fumar é um fator importante que aumenta o risco de contágio pelo SARS-CoV-2.3 Adicionalmente, a partilha de tabaco e seus produtos está associado a risco de contágio, como por exemplo a partilha de cigarros ou do cachimbo de água ou shisha. Além disso, a utilização de cachimbo de água ou cigarro eletrónico é um risco para transmissão do SARS-CoV-2, pois o utilizador exala gotículas de vapor, que podem transportar o vírus. Por todas estas razões, para além dos benefícios para a saúde e possível impacto na gravidade da doença COVID-19, é plausível que um aumento na taxa de cessação tabágica possa ajudar a reduzir a transmissão comunitária de SARS-CoV-2.2
Em resposta à pandemia COVID-19 e tendo em conta a evidência de que o tabagismo aumenta a gravidade da doença, alguns países proibiram a venda de produtos de tabaco ou tomaram medidas para reduzir o seu consumo, dado o seu potencial para aumentar a probabilidade de transmissão de vírus. Por exemplo, na Índia, as vendas de produtos de tabaco foram proibidas quando o país entrou em confinamento em abril de 2020 e as pessoas foram proibidas de consumir produtos de tabaco em público para evitar a propagação da COVID-19.1 Todas essas ações, embora temporárias, são uma oportunidade para reduzir a carga global do consumo de tabaco, fortalecendo programas de controlo que visam a redução do tabagismo ativo e visam a proteção das pessoas do tabagismo passivo. A COVID-19 pode representar uma oportunidade para fortalecer as políticas de prevenção e controlo do tabagismo.1
A pandemia COVID-19 surge como um momento oportuno para encorajar e apoiar os fumadores à cessação tabágica. As intervenções podem incluir, por exemplo, a utilização de novas tecnologias orientadas especificamente para programas de cessação tabágica como aplicações de telemóvel, linhas diretas de apoio ao fumador e reforço de campanhas nacionais de sensibilização para a cessação tabágica. Aproveitando esta janela de oportunidade relacionada com a COVID-19, urge o esforço dos profissionais de saúde garantirem uma intervenção breve para a cessação tabágica nos doentes fumadores ou a referenciação destes utentes para as consultas intensivas de cessação tabágica. Atualmente, o recurso à telemedicina ou outros recursos digitais pode ser privilegiado, de forma a poder ser dada uma resposta a curto prazo e onde seja possível um aconselhamento dirigido a todos os fumadores com entrevista motivacional e para que sejam estabelecidas estratégias quer farmacológicas quer não farmacológicas para a cessação tabágica.
A situação pandémica atual pode influenciar crenças e comportamentos nos fumadores. Se por um lado há fumadores que podem ter aumentado os seus hábitos tabágicos por situações de maior ansiedade e stress relacionados com a pandemia atual, há outros fumadores que ao perceberem a maior suscetibilidade e gravidade
da doença COVID-19, terão uma maior motivação para deixar de fumar.4
Nos últimos meses vários estudos foram feitos na tentativa de perceber se a pandemia COVID-19 teve alguma influência nas taxas de cessação tabágica. Um estudo com 357 doentes comparou a taxa de sucesso de cessação tabágica antes e após a pandemia COVID-19, tendo encontrado taxas de cessação após a pandemia COVID-19 estatisticamente significativas (23,7% pré-pandemia versus uma taxa de cessação tabágica de 31,1% após a pandemia - p < 0,001). Conclui-se desta forma que a pandemia COVID-19 teve um impacto po sitivo nas taxas de cessação tabágica.3
Os fumadores podem ser influenciados por toda a informação divulgada sobre a COVID-19 e pelos estudos que mostram a associação negativa entre tabaco e COVID-19. Um estudo holandês avaliou as perceções dos fumadores em relação à suscetibilidade e gravidade da COVID-19 e qual o efeito no comportamento do fumador, nomeadamente no número de cigarros fumados e dificuldade para deixar de fumar. Foram encontradas associações entre as crenças e a motivação para deixar de fumar devido ao novo coronavírus.4 Este estudo mostrou que a motivação para deixar de fumar foi associada às crenças dos fumadores sobre o facto do coronavírus ser uma doença grave, haver um risco acrescido do contágio, e pelo facto dos fumadores com COVID-19 poderem desenvolver uma doença mais grave do que os não fumadores. Foi ainda concluído que um terço dos fumadores estavam mais motivados para deixar de fumar devido ao novo coronavírus.4 Estes resultados parecem reforçar a importância de investir em intervenções no âmbito da cessação tabágica em tempos de COVID-19. O reconhecimento de que o novo coronavírus poderá ter consequências mais graves nos fumadores e que deixar de fumar diminui esse risco parece estar relacionado com uma maior motivação para deixar de fumar.4
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia emitiu recomendações que reforçam a importância de investir rapidamente nos fumadores de maneira a aproveitar a janela de oportunidade que surgiu com a COVID-19. É assim importante: incentivar a cessação tabágica nos doentes e profissionais de saúde; oferecer a utilização de nicotina sob a forma transdérmica ou oral nos profissionais de saúde fumadores durante os turnos de trabalho; recolher a história tabágica de todos os doentes COVID-19; desencorajar a partilha de tabaco ou produtos de tabaco; dar prioridade aos fumadores como grupo de risco; promover a cessação tabágica na comunidade, incluindo cigarros, produtos de tabaco aquecido e cigarros eletrónicos.2