Introdução
Os tumores do ovário são comuns, sendo maioritariamente benignos (80%). Enquanto que, os tumores benignos ocorrem predominantemente em mulheres jovens entre os 20 e 45 anos, os tumores malignos são mais comuns entre os 40 e 65 anos. Histologicamente classificam-se em: benignos, limítrofes e malignos.
São distinguidos e agrupados consoante o tipo de célula que os origina, podendo ser de natureza epitelial ou não epitelial. Os tumores epiteliais dividem-se em mucinosos e não mucinosos - os não mucinosos subdividem-se em serosos, endometrioides, tumores de células claras e inespecíficos. Dentro dos tumores não epiteliais, existem os tumores do estroma gonadal (tumores da granulosa ou tumores de células Sertoli) e os de células germinativas (gonadoblastoma).1-3
Os tumores germinativos do ovário (TGO) derivam de células germinativas que originam espermatozoides e óvulos. Habitualmente crescem dentro das gónadas (ovários ou testículos) durante a embriogénese, mas podem surgir noutros locais (ectópicos).
Os TGO incluem teratomas, tumores monodermais, disgerminomas, tumores de saco vitelino e tumores de células germinativos mistos.3
Os tumores que exibem diferenciação celular (tecidos somáticos) das linhagens endodérmicas, ectodérmicas e/ou mesodérmicas são conhecidos como teratomas.4
Os tumores de células germinativas representam 3% do total de casos de cancro do ovário, mas são os mais frequentes em mulheres entre os 15 e 30 anos. Os teratomas imaturos representam 15%-20% dos casos de tumores de células germinativas.2,5
Os TGO constituem um grupo heterogéneo de tumores no que diz respeito à natureza e comportamento. Devem ser avaliados individualmente, tendo em consideração a idade da paciente no momento do diagnóstico, a localização do tumor, a histologia e os níveis séricos dos marcadores biológicos (alfafetoproteína - AFP, fração beta da gonadotrofina coriónica - BHCG e desidrogenase láctica - LDH). Os marcadores tumorais são sensíveis e úteis para controlar a atividade tumoral - deteção de doença residual ou de progressão da mesma.
Os teratomas maduros não secretam a AFP e a BHCG.4
Os teratomas são as neoplasias germinativas mais comuns das neoplasias do ovário, dividindo-se em maduro e imaturo, consoante o grau de diferenciação celular.4,6 São constituídos por tecidos que se assemelham a cada uma das três camadas de um embrião em desenvolvimento: endoderme, mesoderme e ectoderme. Os componentes celulares destas lesões são exuberantes, podendo conter epitélio respiratório, pele, cartilagem, dentes, fios de cabelos, gorduras e epitélio neural.7-9
O teratoma maduro é o tumor mais comum dos TGO. Geralmente é benigno, e afeta mulheres em idade reprodutora, sendo muitas vezes designado cisto dermoide.
Os imaturos são mais raros e ocorrem em mulheres mais jovens, geralmente com menos de 18 anos. Contêm células que se parecem com tecidos embrionários fetais (tecido conjuntivo respiratório e cerebral), podendo estar localizados no ovário (grau 1) ou disseminados (grau 2 e 3 - mais agressivos, além de cirurgia podem exigir quimioterapia).
Os tumores do ovário, geralmente apresentam-se como massas pélvicas e em 10% dos casos são consideradas emergências cirúrgicas. A tomografia computorizada tem sensibilidade e especificidade elevadas no diagnóstico deste tipo de lesões, particularmente para os teratomas. A avaliação imagiológica (nomeadamente a ressonância magnética) e o estudo histológico são determinantes para o tratamento cirúrgico e prognóstico.10-12 O tratamento das formas benignas dos TGO consiste na ressecção cirúrgica do tumor e tecido ovárico adjacente.
Nas formas malignas (2% a 3% de todos os tumores malignos do ovário) impõe-se a salpingo-ooforectomia uni ou bilateral consoante a localização do(s) tumor(es). Se a doente desejar manter a capacidade reprodutiva, o útero pode ser poupado.13,14 A quimioterapia adjuvante não está indicada em teratomas de grau 1, estadio I pelo risco de recidiva muito baixo. Se indicada, deverão ser feitos 3 ciclos com recurso a cisplatina, etoposido e bleomicina.15
Caso clínico
Adolescente com 16 anos de idade que recorreu ao Serviço de Urgência, acompanhada pelos pais, por distensão e dor abdominal intensa generalizada, tolerando mal a marcha. Referiam um aumento do volume abdominal nos últimos 6 meses. Não procuraram avaliação médica por suspeitarem de uma gravidez (embora a paciente negasse essa possibilidade).
Menarca aos 13 anos com ciclos regulares e toma de anticoncecionais.
A doente apresentava-se em estabilidade hemodinâmica com taquipneia. A palpação abdominal identificava-se massa abdómino-pélvica volumosa (desde o apêndice xifoide ao púbis), tensa e dolorosa, com defesa.
O exame ginecológico extremamente doloroso, com membrana himenal rota, hemorragia vaginal discreta, útero de consistência normal com desvio látero-esquerdo; anexos não palpáveis.
Requisitado estudo analítico: leucocitose com neutrofilia. Constatado posteriormente marcadores tumorais (AFP, CA-125), dentro da normalidade.
Requisitada ecografia abdominal: “massa de grandes dimensões multiloculada, com componentes líquidos e sólidos estendendo-se até a região sub-hepática com derrame peritoneal livre; admite-se dependência do ovário direito.”
Perante a suspeita de diagnóstico de torção de massa ovárica a paciente foi submetida a Laparotomia exploradora urgente onde se verificou uma massa na dependência do ovário direito em torção com áreas de necrose que ocupava todos os quadrantes abdominais. Procedeu-se a salpingo-ovariectomia direita, biópsias peritoneais (sub-diafragmáticas, goteiras parietocólicas e ovário contralateral) e colheita de líquido peritoneal para estudo citológico. (Fig.s 1 e 2)
O estudo histológico revelou: teratoma ovárico imaturo (grau 1); lavado peritoneal e biópsias sem evidência de células tumorais.
Não se registaram complicações intra e pós-operatórias e a doente teve alta ao sexto dia.
Foi avaliada (clínica, analítica e imagiologicamente) semestralmente durante 5 anos em consulta externa e não evidenciou sinais de recorrência da doença. A função reprodutora ficou preservada (teve um filho).
Discussão e conclusão
Trata-se de um teratoma imaturo unilateral do ovário de grau 1 numa adolescente de 16 anos com prognóstico favorável (sobrevida aos 5 anos de 95%).
Macroscopicamente semelhante aos teratomas maduros (quístico com tecido adiposo, apesar de muitos elementos sólidos), sem rotura da cápsula, sem implantes peritoneais, sem ascite e sem elevação dos marcadores tumorais.
Tendo em conta as características da lesão e a idade da paciente optou-se por uma cirurgia mais conservadora, poupando o útero e ovário esquerdo para manter a função reprodutora.
O objetivo é promover um tratamento adequado minimizando as sequelas a médio e longo prazo.
O follow-up implica avaliação clínica, analítica (marcadores tumorais) e imagiológica periódicas.