Compreender, epistemologicamente, o produto (fisio)terapêutico é fundir, necessariamente, os objetos clínico e filosófico numa unidade substancialmente neural que deveria ser mais frequentemente recrutada. De facto, toda a fisioterapia é neurológica, no equilíbrio que ela consigna e no desenlace que proporciona.
Avocando o paralelismo entre espírito e corpo, mente e "physis", dialética e positividade, raciocínio e experimentalidade, a polaridade entre os evocados cria a dor, enquanto principal expressão clínica. Se o objetivo "função indolor" é supremo, subsistir um hiato entre movimento e estrutura insofrida demonstra, mais uma vez, o défice de equilíbrio, de obrigatório monismo identitário.
No corpo, a zona posterior, "anti-gravítica", repleta de músculos de ativação fortemente inconsciente, representa o quadrante hipertónico, cujo bom funcionamento indolor depende da reposição da flexibilidade (neuro)miofascial. A sua defesa é, isomorficamente, hipertónica, na medida em que sistemas grandemente teoréticos e abstratos, como os baseados na reeducação postural1-3 ou no Conceito Bobath,4 são de expressão mormente dogmática, muito apoiados na observação de carácter subjetivo, tão demonizada pelo modelo baconiano.5 Segundo os paradigmas em questão, a função articular "normal" só poderá ser obviada pelo alongamento adequado das cadeias miofasciais, pela inibição da tensão excessiva. Jaz o alicerce teorético segundo o qual o estado da articulação depende fortemente das condições de postura e alinhamento. Assim, a par da demonização do trabalho de força, sobretudo da zona posterior já demasiado "forte" (porque constituída, principalmente, por músculos com função postural e de fácil encurtamento, e que nunca relaxam por inteiro6, o alongamento insuficiente, bem como o excessivo, faz por perpetuar o jogo de "deformações". O segundo referido poderá originar defesas ou compensações, expressadas empiricamente pela "dor". Esta pode ser, também, suscitada pela identicamente demonizável "higiene postural",7 que faz por reforçar conscientemente estruturas essencialmente inconscientes e tónicas.
O alongamento exagerado, o descomedimento na prescrição do paradigma, exprime, assim, a manifestação sintomática, que o mesmo seria dizer que o paciente reage ao excesso do seu terapeuta. Este é um exceder moral, com que o paciente pode reagir compensatoriamente com renovada moral empírica, novel postura, capaz de renovar o objeto da função indolor. A resultante implica muito mais do que um certo comprimento muscular, é, a bem ver, um carácter da postura, essencialmente neurológico, que exprime a adequação da (i)razão descendente à sensitização ascendente, da vontade "agente" à pretérita paciência empírica. Este é, portanto, o equilíbrio monístico em que a sensação produz a razão, o movimento delineia a posição e a função arquiteta o alinhamento, a verticalização do intrínseco ráquis, que "ascende" espiritualmente em confronto e síntese com a realidade, produzindo o "Ser", que é normativizar, totalizar, a dimensão clínica, que não deixa de exprimir uma dicotomia, bem como a visão fragmentária do próprio corpo. Esta vertente dual é reguladora, o estado de "Ser" é a nova normalidade, se bem que reificada pela realidade. Porque o equilíbrio não pode deixar de compatibilizar o objeto do "insofrimento" agente com o princípio da realidade percipiente, que o mesmo é dizer que se equilibram terapeuta e paciente num trajeto "vitalista" que destrona consecutivamente a visão clínica fragmentária, tendencialmente dogmática, em nome de uma holisticidade sana.
O potencial holístico integra a realidade clínica na novidade contínua duma patonormatividade neural, postural, heurística, que se obtém crescentemente pela ação espontânea, individuadora, sintetizadora, de um "Eu" aberto à relação e eticamente desvelado. Tal objeto dispensa a prescrição dogmática, potenciando o movimento, a força, que, agora, pode ser livremente trabalhado pelo paciente-agente. A potência manifesta liberta-se naturalmente duma estrutura flexível.
Obviamente, uma postura funcionante poderá implicar uma descompensação para outrem, do mesmo modo que um terapeuta se pode placebetizar à custa do desequilíbrio do paciente, ou que uma psique adequada pode desadequar uma "physis", mas isto é assumir, mais uma vez, a necessidade de uma harmonia neural funcional e criadora que permita urdir inúmeras possibilidades de "Ser".