A doença por coronavírus 2019 (COVID-19) é uma patologia respiratória causada pelo vírus síndrome respiratória aguda grave - coronavírus 2 (SARS-CoV-2), tendo sido classificada como pandemia a 11 de março de 2020.1 Até ao final de agosto de 2021, contabilizaram-se mais de 214 milhões de casos e mais de 4 milhões de mortes a nível mundial, sendo, atualmente, um dos maiores desafios de Saúde Pública.1 O SARS-CoV-2 transmite-se pessoa-a-pessoa através do contacto direto ou indireto com secreções, expelidas quando uma pessoa infetada tosse, espirra, fala ou canta, ou durante a execução de procedimentos médicos.2) Neste sentido, para além das medidas instituídas no que respeita à identificação de casos e ao rastreio e isolamento de contactos, foram implementadas medidas preventivas para o controlo da propagação do vírus, como o uso de máscara, o distanciamento social, a higienização das mãos e a etiqueta respiratória.2,3
O uso de máscara é recomendado universalmente para a prevenção da transmissão de SARS-CoV-2 por ser uma importante medida de proteção quer de profissionais de saúde, quer da população em geral.3-7) Apesar dos constrangimentos iniciais quanto à disponibilidade e acessibilidade das máscaras, hoje são vários os tipos adquiridos e usados pela população geral. Seja qual for o tipo de máscara, são essenciais o seu correto uso, armazenamento, higienização e eliminação, de forma a assegurar a sua eficácia. Sendo o uso de máscara uma medida pouco habitual no nosso país, ao contrário de outros países como o Japão, em que o seu uso é “culturalmente habitual”,8) e uma vez que são vários os tipos de máscara e os cuidados a ter em função de cada um, as orientações para o público em geral sobre este tema revestem-se de particular importância. O incorreto uso da máscara pode efetivamente aumentar o risco de transmissão do SARS-CoV-2.3,9
Estudos internacionais realizados quer na população geral quer em profissionais de saúde demonstraram que os conhecimentos, atitudes ou práticas de uso de máscara são inadequados, recomendando o incentivo de campanhas de forma a aumentar a consciencialização da população acerca desta temática.8-10) Na prática clínica, é também frequente a observação de erros no uso de máscaras por parte dos utentes.
Neste sentido, e porque não são conhecidos estudos na população portuguesa, este trabalho tem como objetivo principal avaliar os conhecimentos e as práticas de uso de máscaras numa amostra de utentes do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) de Matosinhos, de forma a determinar a eventual necessidade de medidas de sensibilização e educação para a saúde no âmbito desta temática. A nível mais específico, pretendeu-se caracterizar, a nível sociodemográfico, os utentes usuários de máscara e caracterizar os procedimentos de utilização, reutilização e descarte das máscaras, bem como determinar diferenças nesses procedimentos consoante o perfil sociodemográfico, a infeção prévia por SARS-CoV-2 e a vacinação prévia contra o SARS-CoV-2, de forma a adquirir um melhor conhecimento da população, que permita posteriormente uma adequação das medidas de educação para a saúde às características da população-alvo.
Material e Métodos
Contexto e população do estudo
Foi realizado um estudo analítico observacional transversal em três unidades de Cuidados de Saúde Primários do ACeS de Matosinhos, com recurso a um questionário original aplicado a uma amostra por conveniência. A população do estudo foi definida como todos os utentes inscritos no Centro de Saúde de Matosinhos (Unidade de Saúde Familiar Oceanos, Unidade de Saúde Familiar Horizonte e Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Matosinhos), com idade igual ou superior a 18 anos, correspondendo a 38 811 utentes. A amostra foi obtida através da entrega do questionário aos utentes com idade igual ou superior a 18 anos que se dirigiram presencialmente às três unidades no período de 24 de maio de 2021 a 25 de junho de 2021. O analfabetismo, a deficiência cognitiva ou do desenvolvimento e perturbações psíquicas que dificultem ou impeçam o uso da máscara foram considerados como critérios de exclusão.
Desenho do estudo
O questionário (Anexo 1) foi elaborado pelos investigadores e obteve o parecer favorável de médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar das unidades incluídas, com o intuito de cumprir os objetivos descritos previamente. As questões foram redigidas em linguagem corrente de forma a serem compreensíveis por todos os utentes.
O questionário, de autorresposta e anónimo, era composto por duas partes. Na parte inicial, eram solicitados os dados demográficos do utente: sexo, idade, grau de escolaridade e situação profissional. A segunda parte, dirigida à avaliação dos conhecimentos e práticas de uso de máscaras, era composta por 13 perguntas, que avaliavam a infeção prévia por COVID-19, a vacinação prévia contra o SARS-CoV-2, a perceção de risco de ser infetado pelo SARS-CoV-2, a frequência e duração de uso da máscara, o tipo de máscara mais utilizado e o principal motivo dessa escolha, os procedimentos de partilha de máscara, o local de armazenamento da máscara quando não está a ser usada, os procedimentos de desinfeção das mãos antes e depois da manipulação da máscara, a identificação da forma mais correta de usar a máscara e a necessidade e eficácia percecionadas da máscara. Consideraram-se práticas de utilização correta das máscaras: frequência referida de utilização da máscara “Sempre” e “A maioria das vezes”; partilha da máscara “Não”; tempo de utilização da máscara “Até 6 horas”; forma correta de utilização da máscara “A tapar o nariz, a boca e o queixo, bem ajustada”; desinfeção das mãos aquando da manipulação da máscara “Sim”. Para garantir a aplicabilidade deste questionário, os investigadores realizaram um pré-teste numa pequena amostra das três unidades, tendo sido avaliada a capacidade de resposta e as eventuais dificuldades verificadas pelos utentes. Definiram-se como válidos os questionários com, pelo menos, 80% das questões respondidas.
Aplicação dos questionários
Os utentes foram convidados a participar no estudo através da entrega dos questionários em papel pelos assistentes operacionais ou secretários clínicos. Após o autopreenchimento, os utentes colocaram os questionários em caixa fechada, disponível em local visível em cada uma das unidades.
Pareceres
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM). Foram obtidos pareceres favoráveis do Conselho Clínico e de Saúde do ACeS Matosinhos e do Conselho de Administração da ULSM.
Análise estatística
Os dados obtidos foram estruturados informaticamente no Microsoft Office Excel® 365 e submetidos a estudo analítico no IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 26.0®. Foi feita uma análise descritiva para avaliar as frequências das variáveis na população amostrada, seguida de uma análise inferencial para procurar relações significativas entre as mesmas. As variáveis nominais foram avaliadas em termos de frequências absolutas e relativas de cada categoria, enquanto as variáveis contínuas foram avaliadas em termos de valores mínimos e máximos, média e desvio padrão. Na análise inferencial, foram estudadas as relações entre as variáveis consideradas, usando-se testes paramétricos (teste qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher) e não paramétricos (teste de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis), ajustados ao tipo de variáveis a analisar. Os testes estatísticos foram efetuados bilateralmente, considerando um nível de significância de 0,05.
Resultados
Obteve-se um total de 330 questionários preenchidos e 299 questionários considerados válidos (Fig. 1).
Conforme apresentado na Tabela 1, a amostra foi predominantemente constituída por elementos do sexo feminino (n=214; 71,6%). Os inquiridos apresentaram uma média de idades de 45,0±15,1 anos (mínimo: 18; máximo: 90) e 71,4% tinham, pelo menos, o 9º ano de escolaridade completo. Apenas 4,1% apresentavam menos de quatro anos de escolaridade. Relativamente à situação profissional, 63,1% estavam no ativo.
Características Sociodemográficas | |
---|---|
Sexo, n(%) | n=299 |
Feminino | 214 (71,6%) |
Masculino | 85 (28,4%) |
Idade, em anos (Média ± DP)) | n=295 |
45,0 ± 15,1 | |
Escolaridade, n(%) | n=293 |
Menos de 4 anos | 12 (4,1%) |
4 a 6 anos | 42 (14,3%) |
6 a 9 anos | 30 (10,2%) |
9 a 12 anos | 89 (30,4%) |
Mais de 12 anos | 120 (41,0%) |
Situação Profissional, n(%) | n=295 |
Ativo | 186 (63,1%) |
Desempregado | 57 (19,3%) |
Reformado | 42 (14,2%) |
Estudante | 10 (3,4%) |
DP - desvio padrão
Dos inquiridos, 30 (10,1%) referiram já ter tido infeção por SARS-CoV-2 e 97 (32,6%) referiram já estar vacinados contra a COVID-19, sendo que 127 pessoas (44,9%) consideraram estar em risco de ser infetadas.
Procedimentos de Uso e Reuso de Máscaras | |
---|---|
Usa máscara quando sai de casa? n(%) | n=297 |
Sempre | 259 (87,2%) |
A maioria das vezes | 31 (10,4%) |
Às vezes | 5 (1,7%) |
Poucas vezes | 2 (0,7%) |
Nunca | 0 (0,0%) |
Que tipo de máscara usa mais frequentemente? n(%) | N=255 |
Máscara de tecido não certificada | 6 (2,4%) |
Máscara de tecido certificada | 19 (7,5%) |
Máscara cirúrgica | 210 (82,4%) |
Máscaras respiradores | 20 (7,8%) |
Viseira facial | 0 (0,0%) |
Nenhuma | 0 (0,0%) |
Não sei | 0 (0,0%) |
Qual o principal motivo de escolha do tipo de máscara? n(%) | n=276 |
Preço | 25 (9,1%) |
Eficácia de proteção | 148 (53,6%) |
Motivos estéticos | 6 (2,2%) |
A que está mais facilmente disponível | 75 (27,2%) |
Não sei | 22 (8,0%) |
Alguma vez partilhou a mesma máscara com outra pessoa? n(%) | N=298 |
Sim | 5 (1,7%) |
Não | 293 (98,3%) |
Quanto tempo, no total, usa a mesma máscara antes de a trocar/lavar? n(%) | n=290 |
Até 6 horas | 175 (60,3%) |
6 a 12 horas | 64 (22,1%) |
12 horas a 1 dia | 34 (11,7%) |
1 dia a 1 semana | 12 (4,1%) |
Mais de uma semana | 2 (0,7%) |
Não costumo trocar/lavar | 3 (1,0%) |
Quando não está a usar a máscara, onde a costuma colocar? n(%) | n=272 |
No punho/braço | 38 (14,0%) |
Num saco/bolsa específico | 88 (32,4%) |
Dobro-a e coloco no bolso | 56 (20,6%) |
Deito-a sempre fora | 46 (16,9%) |
No queixo/pendurada na orelha | 22 (8,1%) |
Pouso-a numa superfície próxima | 12 (4,4%) |
Outro local | 10 (3,7%) |
Qual a forma mais correta de usar a máscara? n(%) | n=285 |
A tapar o nariz e a boca | 36 (12,6%) |
A tapar o nariz, a boca e o queixo, larga | 25 (8,8%) |
A tapar o nariz, a boca e o queixo, bem ajustada | 217 (76,1%) |
Na ponta do nariz, a tapar o nariz, boca e queixo | 7 (2,5%) |
A tapar a boca e o queixo | 0 (0,0%) |
Desinfeta ou lava as mãos antes e depois de mexer na sua máscara? n(%) | n=294 |
Sim | 232 (78,9%) |
Não | 62 (21,1%) |
Relativamente aos procedimentos de utilização das máscaras (Tabela 2), a grande maioria (97,6%, n=290) afirmou usar máscara sempre ou a maioria das vezes aquando da saída de casa. O tipo de máscara identificado como o mais utilizado foi a máscara cirúrgica (82,4%) e o principal motivo para a escolha da máscara foi a eficácia de proteção (53,6%), sendo que 1,7% referiu já ter partilhado a sua máscara. Relativamente ao tempo de utilização, 60,3% dos utentes referiram utilizar a mesma máscara até 6 horas, sendo que apenas 1,0% referiu não ter o hábito de trocar ou lavar a máscara. Uma percentagem de 32,4% referiu armazenar a máscara num saco/bolsa específico quando não está a ser utilizada. Em relação a desinfetar ou lavar as mãos antes e depois de manusear a máscara, 78,9% referiu ter esse hábito. Quando pedido para selecionar a forma mais correta de utilizar a máscara, 76,1% selecionou a resposta mais correta.
Foi avaliada a existência de relações entre as variáveis sociodemográficas, a infeção ou vacinação prévias e as crenças da população inquirida em relação a esta temática (Tabela 3). Observou-se uma idade média superior no grupo dos vacinados e maior taxa de vacinação nos utentes com menor escolaridade e nos utentes reformados (p<0,001).
Os inquiridos em situação ativa e os não vacinados consideraram ter um maior risco de serem infetados por SARS-CoV-2 (respetivamente, p=0,002 e p=0,004). A população que percecionou maior risco tinha uma idade média inferior à população que percecionou menor risco (p=0,010). Contrariamente, a infeção prévia por SARS-CoV-2 não se correlacionou com este risco.
Variável | Infeção COVID-19 | Vacinação COVID-19 | Perceção de Risco de COVID- 19 | Perceção de Eficácia da Máscara | Perceção de Necessidade da Máscara |
---|---|---|---|---|---|
Sexo (%) | |||||
Feminino | 10,7|| | 31,9|| | 46,5|| | 95,3|| | 97,2||,‡ |
Masculino | 8,3|| | 34,1|| | 41,0|| | 94,0|| | 85,7||,‡ |
Idade, em anos (Média ± DP) | 41,0±12,0¶ | 59,0±12,4¶,‡ | 42,5±14,9¶,* | 45,2±15,1¶ | 45,1±15,3¶ |
Escolaridade (%) | |||||
Menos de 4 anos | 0,0§ | 100,0||,‡ | 27,3|| | 90,9§ | 100,0§ |
4 a 6 anos | 9,8§ | 63,4||,‡ | 35,0|| | 100,0§ | 97,6§ |
6 a 9 anos | 6,7§ | 40,0||,‡ | 50,0|| | 96,7§ | 86,7§ |
9 a 12 anos | 12,4§ | 21,3||,‡ | 47,0|| | 89,8§ | 94,4§ |
Mais de 12 anos | 10,8§ | 19,2||,‡ | 48,3|| | 96,7§ | 94,2§ |
Situação Profissional, n(%) | |||||
Ativo | 12,4§ | 23,1||,‡ | 51,6§,† | 97,3§,* | 94,1§ |
Desempregado | 7,0§ | 22,8||,‡ | 28,8§,† | 85,5§,* | 93,0§ |
Reformado | 2,4§ | 90,5||,‡ | 28,9§,† | 95,0§,* | 92,7§ |
Estudante | 20,0§ | 0,0||,‡ | 66,7§,† | 100,0§,* | 100,0§ |
Infeção por COVID-19 (%) | |||||
Sim | 16,7|| | 51,7|| | 93,3|| | 96,7|| | |
Não | 34,1|| | 44,3|| | 95,1|| | 94,0|| | |
Vacinação COVID-19 (%) | |||||
Sim | 5,2|| | 32,6||,‡ | 98,9||,* | 95,8|| | |
Não | 12,4|| | 50,8||,‡ | 93,0||,* | 93,0|| |
* p < 0,05; † p < 0,01; ‡ p < 0,001; § teste exato de Fisher; || qui-quadrado de Pearson; teste de Mann- Whitney; DP - desvio padrão; sombreado - relações com significância estatística
A população desempregada e a não vacinada percecionou as máscaras como menos eficazes na prevenção de infeção (p=0,011 e p=0,031, respetivamente). A perceção de necessidade de uso de máscara foi inferior no sexo masculino (85,7% vs 97,2%; p<0,001).
Quem percecionou maior risco de infeção por SARS-CoV-2 optou por máscaras que conferiam maior eficácia de proteção, comparativamente com a opção mais disponível (54,6% vs 26,5%; p=0,046). Do mesmo modo, quem afirmou considerar haver uma maior necessidade da utilização de máscaras, optou também por máscaras mais eficazes, em detrimento das mais disponíveis (56,0% vs 25,3%; p=0,025). Pelo contrário, os inquiridos que afirmaram não sentirem necessidade de usar máscara escolheram a máscara em função da disponibilidade, ao invés da eficácia de proteção (50,0% vs 22,2%; p=0,025).
Foi avaliada a existência de relações entre as práticas corretas de uso e reuso de máscaras e as variáveis sociodemográficas, a infeção ou vacinação prévias e as crenças da amostra inquirida em relação a esta temática (Tabela 4).
Variável | Frequência adequada de utilização de máscara | Não partilha da máscara | Tempo adequado de utilização da máscara | Conhecimento da forma correta de utilização da máscara | Desinfeção das mãos aquando da manipulação da máscara |
---|---|---|---|---|---|
Sexo (%) | |||||
Feminino | 98,6|| | 98,6|| | 66,3||,† | 76,8|| | 82,9||,† |
Masculino | 95,3|| | 97,6| | 45,1||,† | 74,4| | 69,0||,† |
Idade, em anos (Média± DP) | 44,9±15,1¶ | 45,2±15,0¶ | 45,4±14,9¶ | 43,2±14,6¶,* | 45,8±14,5¶,† |
Escolaridade (%) | |||||
Menos de 4 anos | 100,0§ | 100,0§ | 81,8|| | 62,5|| | 80,0|| |
4 a 6 anos | 97,5§ | 100,0§ | 59,5|| | 68,3|| | 90,2|| |
6 a 9 anos | 93,3§ | 100,0§ | 69,0|| | 71,4|| | 83,3|| |
9 a 12 anos | 98,9§ | 100,0§ | 60,0|| | 72,1|| | 79,8|| |
Mais de 12 anos | 97,5§ | 95,8§ | 58,5|| | 85,5|| | 72,5|| |
Situação Profissional, n (%) | |||||
Ativo | 97,8§ | 97,8§ | 58,6|| | 75,8|| | 77,3|| |
Desempregado | 98,2§ | 100,0§ | 68,5|| | 85,5|| | 83,9|| |
Reformado | 95,2§ | 100,0§ | 58,5|| | 64,7|| | 80,0|| |
Estudante | 100,0§ | 90,0§ | 60,0|| | 90,0|| | 80,0|| |
Infeção por COVID-19 (%) | |||||
Sim | 96,7|| | 100,0|| | 44,8|| | 83,3|| | 83,3|| |
Não | 97,7|| | 98,1|| | 62,3|| | 75,2|| | 78,3|| |
Vacinação COVID-19 (%) | |||||
Sim | 97,9|| | 97,9|| | 64,5|| | 69,7|| | 84,8|| |
Não | 97,5|| | 98,5|| | 58,2|| | 79,0|| | 76,1|| |
Perceção de Risco de COVID-19 (%) | |||||
Sim | 98,4|| | 97,6|| | 53,7|| | 75,8|| | 74,0|| |
Não | 97,4|| | 98,7|| | 65,1|| | 77,7|| | 82,1|| |
Perceção de Eficácia das Máscaras (%) | |||||
Sim | 98,6||,† | 98,2|| | 61,5||,* | 75,4|| | 79,8|| |
Não | 80,0||,† | 100,0|| | 28,6||,* | 85,7|| | 60,0|| |
Perceção de Necessidade das Máscaras(%) | |||||
Sim | 98,6||,† | 98,2|| | 60,9|| | 76,5|| | 82,3||,† |
Não | 83,3||,† | 100,0|| | 50,0|| | 70,6|| | 23,5||,† |
* p< 0,05; † p < 0,01;† p<0,001; § teste exato de Fisher; || qui-quadrado de Pearson; ¶ teste de Mann- Whitney; DP - desvio padrão; sombreado significância estatística
Não se observou nenhum caso de utilização da máscara sem erros. Foram observados mais erros de utilização da máscara no sexo masculino (2,16 ± 1,02 vs 1,76 ± 0,82; p=0,002) e nos que não consideravam a máscara necessária (2,88 ± 0,96 vs 1,82 ± 0,86; p<0,001). A utilização com mais erros era ainda mais frequente naqueles que não percecionavam a máscara como eficaz (2,46 ± 1,33 vs 1,85 ± 0,86; p=0,018) (Tabela 5).
Variável | Número de erros | Número médio de erros | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
1 erro | 2 erros | 3 erros | 4 erros | 5 erros | ||
Sexo(%) | ||||||
Feminino | 45,5§,‡ | 35,6§,‡ | 16,2§,‡ | 2,6§,‡ | 0,0§,‡ | 1,76±0,82¶,† |
Masculino | 31,6§,‡ | 31,6§,‡ | 26,6§,‡ | 8,9§,‡ | 1,3§,‡ | 2,16±1,02¶,† |
Idade, em anos (Média±DP) | 42,89±13,639 | 45,51±16,599 | 42,15±14,029 | 47,25±19,429 | 48,00±0,009 | |
Escolaridade (%) | ||||||
Menos de 4 anos | 42,9§ | 28,6§ | 28,6§ | 0,0§ | 0,0§ | 1,86±0,909 |
4 a 6 anos | 37,8§ | 45,9§ | 5,4§ | 10,8§ | 0,0§ | 1,89±0,949 |
6 a 9 anos | 40,7§ | 37,0§ | 18,5§ | 3,7§ | 0,0§ | 1,85±0,869 |
9 a 12 anos | 43,9§ | 30,5§ | 17,1§ | 7,3§ | 1,2§ | 1,91±1,019 |
Mais de 12 anos | 41,7§ | 33,9§ | 23,5§ | 0,9§ | 0,0§ | 1,83±0,829 |
Situação Profissional, n(%) | ||||||
Ativo | 40,9§ | 34,1§ | 20,5§ | 4,0§ | 0,6§ | 1,89±0,909 |
Desempregado | 53,1§ | 26,5§ | 20,4§ | 0,0§ | 0,0§ | 1,67±0,809 |
Reformado | 30,3§ | 42,4§ | 15,2§ | 12,1§ | 0,0§ | 2,09±0,989 |
Estudante | 40,0§ | 60,0§ | 0,0§ | 0,0§ | 0,0§ | 1,60±0,529 |
Infeção por COVID-19 (%) | ||||||
Sim | 34,5§ | 41,4§ | 20,7§ | 3,4§ | 0,0§ | 1,93±0,84¶ |
Não | 42,5§ | 33,3§ | 19,2§ | 4,6§ | 0,4§ | 1,87±0,91¶ |
Vacinação COVID-19 (%) | ||||||
Sim | 42,5§ | 36,3§ | 15,0§ | 6,3§ | 0,0§ | 1,85±0,90¶ |
Não | 41,1§ | 33,7§ | 21,1§ | 3,7§ | 0,5§ | 1,89±0,90¶ |
Perceção de Risco de COVID-19 (%) | ||||||
Sim | 37,2|| | 38,8|| | 17,4|| | 5,8|| | 0,8|| | 1,94±0,92¶ |
Não | 46,6|| | 31,2|| | 18,8|| | 3,6|| | 0,0|| | 1,80±0,87¶ |
Perceção de Eficácia das Máscaras (%) | ||||||
Sim | 41,8§,* | 35,2§,* | 19,1§,* | 3,9§,* | 0,0§,* | 1,85±0,86¶ |
Não | 30,8§,* | 23,1§,* | 23,1§,* | 15,4§,* | 7,7§,* | 2,46±1,33¶ |
Perceção de Necessidade das Máscaras (%) | ||||||
Sim | 44,1§,‡ | 33,9§,‡ | 18,5§,‡ | 3,5§,‡ | 0,0§,‡ | 1,82±0,86¶,‡ |
Não | 0,0§,‡ | 43,8§,‡ | 31,3§,‡ | 18,8§,‡ | 6,3§,‡ | 2,88±0,96¶,‡ |
* p < 0,05; † p < 0,01; ‡ p < 0,001; § teste exato de Fisher; || qui-quadrado de Pearson; ¶ teste de Mann- Whitney; DP - desvio padrão; sombreado - relações com significância estatística
Verificou-se que 97,6% dos inquiridos referiam fazer uma utilização da máscara numa frequência adequada. Os inquiridos que percecionaram a máscara como menos eficaz (80,0% vs 98,6%) e os inquiridos que não sentiam necessidade de usar máscara demonstraram uma percentagem inferior de frequência de uso adequado da máscara (83,3% vs 98,6%; p<0,001). Dos inquiridos, 98,3% referiram nunca ter partilhado a sua máscara.
A maioria dos inquiridos afirmou utilizar a máscara com duração adequada (60,3%), verificando-se uma duração de utilização mais correta no sexo feminino (p<0,001). Os inquiridos que percecionaram a máscara como mais eficaz, também revelaram uma duração de uso mais adequada (61,5% vs 28,6%; p=0,014).
Dos inquiridos, 23,9% identificou erradamente a forma correta de utilizar a máscara, tendo-se verificado uma idade média superior no grupo dos que usavam a máscara incorretamente (48,1 ± 15,6 vs 43,2 ± 14,6; p=0,024).
Dos inquiridos, 78,9% referiram desinfetar as mãos aquando da manipulação da máscara, sendo esta prática mais comum no sexo feminino (p=0,009) e em quem considerava a máscara necessária (p<0,001). A idade média foi superior no grupo dos que referiram fazer uma correta desinfeção das mãos (45,8 ± 14,5 vs 41,0 ± 16,5; p=0,007).
Discussão
No presente estudo, 10,1% (n=30) dos inquiridos referiram já ter tido COVID-19, percentagem semelhante à taxa total de infetados em Portugal, à data (cerca de 8,4% da população, num total de 871 483 infeções). Foi ainda relatada uma taxa de vacinação de 32,6% (n=97), também esta concordante com a situação nacional na altura, em que 30,5% da população (3 132 318 de pessoas) tinha a vacinação completa. Foram observadas relações estatisticamente significativas (p<0,001) entre a vacinação e a idade, a escolaridade e a situação profissional. Estas relações estão de acordo com a fase do plano estratégico de vacinação em vigor na altura da recolha de questionários.
Dos inquiridos, 44,9% considerava estar em risco de ser infetado, valor que pode ser explicado pela situação epidemiológica da altura, em que se vivia um período de confinamento, com maior restrição das atividades sociais em grupo e uma maior permanência no domicílio.
Este estudo mostra que o uso de máscara se tornou uma prática corrente da população, sendo que 97,6% das pessoas afirmaram usar máscara sempre ou a maioria das vezes aquando da saída de casa, demonstrando cumprimento das recomendações das autoridades.
A máscara cirúrgica foi amplamente estudada, tendo sido demonstrada a sua eficácia na prevenção da transmissão, diminuindo a deteção viral em gotículas e aerossóis, mostrando ainda alguma eficácia na proteção contra partículas respiratórias, ainda que em grau inferior às máscaras de tipo respirador.11,12 A máscara cirúrgica é, atualmente, também de fácil acessibilidade ao nível da comunidade, sendo reportada como a opção preferencial por 82,4% dos inquiridos.
A perceção de risco de ser infetado pelo SARS-CoV-2 foi superior nas pessoas mais jovens e em situação ativa ou estudantes, facto que pode ser explicado pela maior exposição social a que a atividade profissional obriga, contrariamente aos desempregados e reformados. As pessoas não vacinadas sentem-se também em maior risco de contrair a infeção, mostrando confiança por parte da população na eficácia da vacina. Pelo contrário, a infeção prévia por SARS-CoV-2 não se correlacionou com maior ou menor perceção de risco de nova infeção, mostrando uma potencial descrença na imunidade adquirida após infeção como proteção para uma nova infeção.
Os elementos do sexo masculino percecionaram uma menor necessidade da utilização de máscara. Neste sentido, verificou-se grande discrepância na utilização de máscaras de tecido certificadas (16,0% nos homens vs 3,9% nas mulheres) que, embora aprovadas no âmbito da pandemia COVID-19, não são classificadas como equipamento de proteção individual, podendo, no entanto, ser tidas como mais confortáveis, pelo público em geral.
A perceção de risco de infeção e de eficácia da máscara como medida protetora pode levar a que as pessoas tenham mais atenção ao tipo de máscara escolhido, dando preferência à eficácia de proteção, ao invés da disponibilidade. Estes dados realçam a importância da explicação do objetivo do uso de máscara e da evidência de proteção associada. Como seria expectável, as pessoas que percecionam a máscara como menos eficaz e as pessoas que não sentem necessidade de usar máscara demonstraram uma percentagem inferior de uso adequado da máscara. As pessoas que consideram a máscara necessária e que a percecionam como eficaz apresentam menos erros de utilização da máscara, usando-a numa duração adequada e com uma maior taxa de desinfeção das mãos a cada manipulação.
Uma das principais limitações deste estudo é ter como principal instrumento de medida um questionário não validado. No sentido de minimizar este viés, foi realizado um pré-teste e consultados diferentes especialistas de Medicina Geral e Familiar das diferentes unidades funcionais em estudo, de forma a verificar a dificuldade inerente a cada questão bem como a garantir a adequabilidade das mesmas.
Outra limitação do estudo prende-se com a exclusão de utentes analfabetos que pode ter conduzido a uma seleção de pessoas com maior grau de escolaridade, mais diferenciadas e com mais conhecimento em relação a esta temática. Os conhecimentos e práticas de uso podem estar ainda sobrestimados pela resposta poder ter sido selecionada, nalguns casos, de acordo com o esperado e não de acordo com a realidade diária. Sendo uma amostra por conveniência, pode não refletir, na realidade, a população, sendo a extrapolação de resultados para a população geral, limitada.
Os resultados encontrados, particularmente em relação ao tipo de máscara mais utilizada e às diferenças na perceção de risco e eficácia entre géneros e idades, vão ao encontro dos estudos já publicados, em que também se verificou o uso de máscara pela maioria dos inquiridos e nenhum caso de uso de máscara sem erros.8-10 Este estudo acresce a associação com diferentes características sociodemográficas, a relação com a vacinação e a perceção de risco de infeção e necessidade e eficácia de uso de máscara.
Conclusão
Numa fase em que a percentagem de utentes vacinados é cada vez maior e o número de casos de infeção por SARS-CoV-2 diminuiu, alguns países retiraram a obrigatoriedade do uso de máscara de proteção. No entanto, o Centers for Disease Control and Prevention mantém a obrigatoriedade em escolas e unidades de saúde e a recomendação do seu uso em ambiente fechado em pessoas não vacinadas, em ambiente aberto e fechado em países com um número elevado de casos e em todas as situações em caso de pessoas doentes ou imunodeprimidas.13 Neste estudo, em relação às práticas de correto uso e reuso de máscaras, não se observou nenhum caso de utilização da máscara sem erros. Neste sentido, não devem ser descuradas as campanhas de educação para a saúde em relação a esta temática. Este estudo demonstra como o conhecimento e a perceção por parte da população geral em relação às máscaras e ao seu objetivo potenciam a sua utilidade, eficácia e correta utilização em todas as circunstâncias em que o seu uso for desejado ou mesmo obrigatório.