Introdução
O citomegalovírus (CMV) é um vírus da família Herpesviridae, também conhecido por herpesvirus 5, endémico, não sazonal, com capacidade de reativação e reinfeção por vírus com genoma distinto. A maioria dos infetados não apresenta sintomas, podendo por vezes ocorrer um quadro pseudogripal com fadiga, febre, adenomegalias e mialgias, ou, mais raramente, hepatite; no entanto, em pessoas imunodeprimidas, os sintomas podem ser mais graves e afetar diferentes sistemas.1,2
A infeção por CMV é a infeção congénita mais frequente no mundo, afetando 0,5%-2% de todos os nados-vivos, com uma prevalência de 1,1% em Portugal Continental.3 Trata-se da principal causa de perda auditiva neurossensorial não hereditária na infância e de lesão neurológica. Fetos, recém-nascidos e crianças infetadas podem ter problemas cerebrais, hepáticos, esplénicos, pulmonares e de desenvolvimento. A morbilidade neurossensorial grave parece ser restrita ao primeiro trimestre, nomeadamente às infeções primárias que ocorram nesta fase. O teste serológico não parece, para já, ter utilidade em grávidas previamente imunes, mas é crítica a sua realização antes das 14 semanas para identificar infeção primária nos três meses periconceção. As mulheres seronegativas na sua primeira gravidez com uma nova gestação nos dois anos seguintes parecem apresentar maior risco de terem um filho com infeção congénita e, consequentemente, sequelas relacionadas com a infeção, tal como foi demonstrado num estudo realizado por Leruez-Ville et al, e publicado em 2020. Isto poderá refletir o período da vida em que os seus primeiros filhos também são infetados por CMV. Após uma infeção por CMV, está recomendado protelar a gravidez por um período mínimo de três a seis meses. Algumas alterações na ecografia pré-natal devem levantar a suspeita de infeção por CMV, como hiperecogenicidade intestinal, derrame pleural e pericárdico, alterações cerebrais ou restrição do crescimento intrauterino. A investigação destas alterações pode ser realizada através de uma ecografia mais dirigida, ressonância magnética (RM) e/ou amniocentese.4,5
A Direção Geral de Saúde, no seu programa nacional de vigilância da gravidez de baixo risco, refere a possibilidade de realização das serologias relativas ao CMV na pré-conceção. No entanto, é omisso no que toca à sua realização durante a gravidez, não contemplando, ainda, o aconselhamento e medidas de prevenção primária relativa à infeção por CMV.6
Prevenção primária da infeção congénita por citomegalovírus
As medidas de prevenção primária da infeção congénita por CMV têm como objetivo diminuir o risco de transmissão para a grávida e, consequentemente, desta para o feto. Estas medidas consistem principalmente em reduzir o contacto com fluidos corporais de lactentes e crianças pequenas como saliva e urina que, quando estes estão infetados, têm grande quantidade de partículas virais. Dentro destas, inclui-se a higienização frequente das mãos, nomeadamente após eventual contacto com urina, lágrimas ou saliva de crianças. É ainda recomendado evitar tocar e partilhar comida, talheres ou outros objetos, devendo-se limpar com frequência superfícies que possam ter estado em contacto com os fluidos de lactentes/crianças.7,8
Infeção por Citomegalovírus
A infeção pode ser adquirida por contacto próximo através de secreções orofaríngeas, lágrimas, leite materno, urina, fezes, secreções vaginais/cervicais ou por transfusão de sangue e transplante de órgãos sólidos. A transmissão vertical acontece maioritariamente por via transplacentária, sendo que o risco de infeção fetal é de 30%-40% após infeção materna primária e de 2%-3% após infeção não primária (reinfeção ou reativação).9
A fisiopatogenia da infeção fetal por CMV é complexa e inclui uma combinação de lesão fetal direta induzida por produtos genéticos patológicos codificados pelo vírus, incapacidade do controlo da infeção devido a uma resposta imunitária materna insuficiente, e alteração da função placentária. O CMV codifica produtos genéticos que alteram a função celular, interferindo com a apoptose, induzindo uma resposta inflamatória exagerada e lesão vascular, promovendo a oncogénese e facilitando a evasão às respostas imunitárias do hospedeiro.10
O período de incubação varia de 20 a 60 dias, após os quais, pode cursar com febre de duas a três semanas, linfadenopatia, linfocitose, alteração da função hepática, apesar de na maioria dos casos ser assintomática. As complicações raras incluem hepatite, síndrome de Guillain-Barré e miocardite.9
A infeção não primária por CMV resulta quer da reativação do vírus endógeno (latente), quer da reinfeção por vírus com genoma distinto. Mesmo em pessoas saudáveis, o CMV pode reativar periodicamente.9
A infeção congénita pode ser diagnosticada pela presença do vírus na urina, sangue ou saliva nos primeiros 21 dias de vida do recém-nascido.9 Pode resultar de uma primoinfeção materna, cujos fatores de risco são a idade jovem e a multiparidade, ou de uma infeção não primária, por reativação de vírus latente ou por reinfeção de vírus com genoma distinto. Já a infeção primária pré-gestacional, até 17 semanas previamente à data da última menstruação, apresenta uma prevalência de 5%-8% dos casos e a infeção recorrente cerca de 0,2%-3,4% dos casos.11
A infeção pós-natal não está associada a morbilidade importante do recém-nascido, à exceção de lactentes de muito baixo peso ao nascimento, que podem apresentar complicações como septicemia, doença pulmonar crónica ou sequelas neurocognitivas. Assim, a amamentação é considerada segura em mães com infeção por CMV durante a gravidez, embora o risco de efeitos a longo prazo permaneça controverso.9
Diagnóstico de infeção materna
A primoinfeção por CMV, na maioria dos casos, é assintomática, podendo ainda apresentar-se com uma sintomatologia inespecífica. Sendo assim, é necessário recorrer a outros meios para se tornar possível o diagnóstico de infeção materna por CMV.12 Assim sendo, este consiste na realização de testes serológicos com o objetivo de detetar a presença de anticorpos anti-CMV (IgM e IgG).12,13 Quando é detetada a presença de IgG anti-CMV, significa que a pessoa foi infetada em algum momento da sua vida, não permitindo, no entanto, aferir o momento exato em que esta infeção ocorreu. A presença de IgM anti-CMV faz suspeitar de uma infeção mais recente, podendo ser encontrada tanto na primoinfeção como na infeção não primária. Contudo, deve-se ter em conta que a IgM pode persistir durante vários meses após a infeção.14
Considerando que o rastreio serológico universal para a pesquisa de CMV durante a gravidez não é consensual, diagnosticar a infeção primária pode ser difícil, uma vez que para tal é necessário que a seroconversão seja confirmada, o que implicaria documentar a seronegatividade na pré-conceção e a presença de IgG durante a gestação.15 No entanto, quando não é possível detetar a seroconversão, procede-se à pesquisa da IgM, que possibilita realizar o diagnóstico de infeção recente. A IgM inicia a sua curva crescente nos primeiros dias após exposição ao vírus e atinge o seu pico durante o primeiro mês, entrando posteriormente em diminuição progressiva até desaparecer. Esta pode ser detetada nos primeiros três meses após o início da infeção, porém pode perdurar durante mais tempo.12 Sendo assim, para ser possível diferenciar se a infeção ocorreu há menos de três meses ou há mais tempo é necessário recorrer ao teste de avidez da IgG, que reflete a força de ligação do anticorpo ao antigénio. Os anticorpos no início da primoinfeção têm baixa avidez, contudo, à medida que o tempo passa, a avidez aumenta.16 Portanto, pode-se afirmar que uma avidez elevada (> 0,65) confirma infeção há mais de três meses; avidez intermédia (0,40-0,65) demonstra infeção de tempo indeterminado, mas há mais de 12 semanas; avidez baixa revela infeção há menos de 12 semanas.5 A alta avidez durante o primeiro trimestre permite descartar com boa fiabilidade uma infeção gestacional ou perigestacional, no entanto, a baixa avidez durante o segundo ou terceiro trimestres é altamente sugestiva de infeção na pós-conceção. As grávidas que apresentam alta avidez nestes dois últimos trimestres devem ser cuidadosamente monitorizadas, uma vez que não se pode concluir com segurança quando ocorreu a infeção.15 O diagnóstico de infeção materna não primária baseia-se na presença de um teste polymerase chain reaction (PCR) positivo para CMV no sangue, urina ou saliva numa mulher seropositiva antes da gravidez. A realização de serologia para a deteção de infeção não primária não é útil e poderá induzir em erro, uma vez que em 90% dos casos a IgM se apresenta negativa e somente em 6% ocorre uma elevação substancial (pelo menos quatro vezes) dos níveis de IgG no primeiro e segundo trimestres. Assim sendo, o diagnóstico de infeção não primária é difícil e realiza-se, maioritariamente, após suspeição clínica perante alterações ecográficas.17,18
Diagnóstico de infeção fetal
O método que melhor permite avaliar o feto e aferir o seu bem-estar é a ecografia, podendo esta ser utilizada para detetar anomalias estruturais no feto resultantes da infeção por CMV. No entanto, a sensibilidade deste método é limitada, uma vez que os fetos infetados podem não apresentar alterações ecográficas, ou então estas poderão ser transitórias e já não estarem presentes no momento do exame.12,15
A placenta é o primeiro órgão a ser infetado pelo CMV. É o local onde o vírus se replica, sendo posteriormente libertado na circulação fetal. Os sinais ecográficos que poderão estar presentes são o aumento da espessura da placenta e um aspeto globalmente heterogéneo, podendo ser detetável também a presença de calcificações. Outros órgãos que poderão ser afetados no feto são: o rim, manifestando-se através de oligoâmnios; o trato digestivo, que mais frequentemente cursa com uma enterocolite viral e se apresenta através de um intestino hiperecogénico, podendo observar-se um ileus meconial ou uma perfuração do cólon com peritonite meconial; o coração, levando a uma cardiomiopatia que se manifesta, na ecografia, por uma cardiomegalia associada a um aumento da espessura do miocárdio e, mais raramente, com calcificações. Apesar de todas estas manifestações decorrentes da infeção, a restrição do crescimento intrauterino, poderá ser a única alteração sugestiva. No entanto, a presença de lesão no cérebro fetal é muito característica e, quando presente, aumenta a suspeita de infeção por CMV. Poderá ser encontrada microcefalia, mega cisterna, hipoplasia cerebelosa, ventriculomegalia, malformação de tipo Dandy-Walker, vasculite dos núcleos talâmicos e dos núcleos cinzentos centrais, anomalias do corpo caloso e da migração neuronal e da giração. Para a pesquisa destas afeções cerebrais, juntamente com a ecografia, pode recorrer-se à utilização de RM cerebral fetal, sendo esta essencial para a deteção de heterotipias e polimicrogíria.12) Tendo em conta que as anormalidades ecográficas ou da RM podem ter um início tardio, é recomendado uma vigilância imagiológica com ecografia a cada 4 semanas e RM cerebral fetal às 30-32 semanas nos fetos com infeção confirmada.5
Perante uma grávida com infeção confirmada, a amniocentese com amplificação do ADN viral no líquido amniótico por PCR é o método de eleição para confirmar o diagnóstico de infeção fetal, tendo em conta que o feto infetado transmite o vírus por via urinária.12 As técnicas de PCR em tempo real (RT-PCR) apresentam uma sensibilidade de 92% e uma especificidade de 98%-100%. Após seroconversão ou reativação, o processo que leva à excreção do vírus na urina fetal dura aproximadamente seis a oito semanas, pelo que a amniocentese só deve ser realizada após este período e depois das 21 semanas de gestação, para que já esteja bem estabelecida a diurese fetal. A existência de falsos negativos poderá corresponder a casos de transmissão tardia do vírus sem risco de sequelas neurológicas e, sendo assim, será sempre necessária a confirmação após o nascimento através de amostras de urina ou saliva do recém-nascido.15
Recentemente, Enders et al observaram que a amniocentese realizada a partir das 17 semanas de gestação apresenta a mesma sensibilidade que a realizada a partir das 21 semanas nos casos de infeção precoce (no período perigestacional ou no primeiro trimestre), desde que seja sempre realizada pelo menos oito semanas após a infeção materna. Assim, não é uma opção propor uma amniocentese precoce às grávidas em que o momento da infeção seja desconhecido.19
Outro método possível para o diagnóstico de infeção fetal é a colheita de sangue fetal por cordocentese. Esta opção apresenta uma sensibilidade de deteção do ADN do CMV de 41%-92%, contudo acarreta uma maior taxa de complicações.5
Sequelas da infeção congénita por citomegalovírus
O CMV é a infeção congénita mais frequente, representando também a principal causa não-genética de perda auditiva neurossensorial, assim como uma causa importante de disfunção neurológica e de malformações congénitas.5 Embora a maior parte dos recém-nascidos com infeção congénita por CMV nasça saudável, aproximadamente um em cada cinco a seis acaba por sofrer de sequelas auditivas (surdez neurossensorial) e/ou neurológicas,9 salientando-se neste último grupo atrasos de desenvolvimento, perturbações do espetro do autismo, disfunção neuromuscular, paralisia cerebral, epilepsia e coriorretinite.5 A infeção congénita por CMV pode ser sintomática ou assintomática, sendo as sequelas neurológicas mais comuns nos indivíduos sintomáticos, com um risco que ronda os 40%-70%5
A morbilidade neurossensorial parece estar confinada às infeções primárias que ocorram durante o primeiro trimestre da gestação, o que sugere que a infeção congénita é potencialmente mais grave se ocorrer durante o período embrionário ou fetal precoce, tal como foi demonstrado num estudo recente realizado por Bardon-Faure V et al, que envolveu 234 crianças infetadas na sequência de infeção primária materna durante a gravidez.20 Estas crianças apresentaram, neste estudo, um risco de sequelas neurológicas ou de perda auditiva neurossensorial de 32,4%, variando em termos fenotípicos de surdez neurossensorial isolada ou unilateral a sequelas motoras e mentais graves.
A surdez neurossensorial relacionada com o CMV resulta de lesão do ouvido interno, do nervo vestibulococlear ou ainda de lesão ao nível do córtex cerebral.15 Caracteriza-se habitualmente por um grau de perda semelhante em todas as frequências.5 No entanto, das crianças afetadas por perda auditiva, apenas uma pequena parte acaba por necessitar de aparelhos auditivos ou implantes cocleares.5
Tratamento da infeção congénita por citomegalovírus
A ciência ainda não conseguiu dar uma resposta inequívoca no que diz respeito a terapêuticas antivirais simultaneamente eficazes e seguras, que sejam capazes de impedir o desenvolvimento de lesões irreversíveis nos fetos infetados. São dois os principais tratamentos propostos e investigados nos últimos anos: a globulina hiperimune anti-CMV e o antivírico valaciclovir.
A administração de globulina hiperimune (GHI) anti-CMV a grávidas com infeção por CMV é controversa, mas a premissa da sua utilização prende-se com a prevenção da transmissão fetal através da imunização passiva. Revello GM et al realizaram um ensaio clínico randomizado, duplamente cego, que envolveu 123 mulheres com infeção primária por CMV entre as cinco e as 26 semanas de gestação. Os autores concluíram que o tratamento com 100 U/kg de GHI administrada por via endovenosa a cada quatro semanas não modificou de forma significativa a evolução da doença comparativamente ao grupo controlo, que recebeu uma solução placebo.21 Neste estudo, verificou-se que 30% das mulheres tratadas com GIH tiveram fetos ou recém-nascidos com infeção congénita, comparativamente a 44% no grupo controlo. Adicionalmente, verificaram-se mais eventos adversos obstétricos no grupo tratado com GHI (13%) do que no grupo placebo (2%).
Um ensaio clínico multicêntrico, randomizado e duplamente cego conduzido por Hughes BL et al, com resultados publicados em 2021, envolveu mulheres com infeção por CMV diagnosticada antes das 24 semanas de gestação.22 A administração de GHI ocorreu nos mesmos moldes que no estudo anterior, nomeadamente em relação à dose e frequência de administração. Mais uma vez, os autores não encontraram diferenças significativas entre o grupo que recebeu a GHI e o grupo controlo em relação à diminuição da incidência de infeção congénita por CMV ou morte perinatal, tendo o estudo sido interrompido precocemente por recomendação do comité de monitorização de segurança.
Recentemente, o antivírico valaciclovir tem sido apontado como uma opção segura durante a gravidez para prevenção e tratamento da infeção congénita por CMV. Em 2016, um grupo de investigadores reportou os resultados de um ensaio clínico cujo comparador foi uma coorte histórica.11 Neste estudo foi administrado valaciclovir per os na dose de 8 g/dia a 40 grávidas com infeção primária por CMV, tendo este tratamento sido iniciado em média às 22 semanas de gestação e continuado em média 89 dias. A proporção de recém-nascidos assintomáticos foi de 82%, em comparação com 43% no grupo usado como controlo, que não foi submetido a tratamento, tendo os autores concluído que o valaciclovir em altas doses foi eficaz e aumentou significativamente a proporção de recém-nascidos assintomáticos. No grupo tratado com valaciclovir, o fármaco foi bem tolerado pelas grávidas e não foram observados efeitos adversos importantes nos recém-nascidos.
Os resultados de um ensaio clínico randomizado e duplamente cego, publicados em 2020, parecem ir de encontro aos do estudo anterior.23 Este estudo envolveu 90 grávidas com infeção primária ocorrida durante o período periconcecional ou no primeiro trimestre de gestação, que foram distribuídas aleatoriamente entre o grupo de tratamento com 8 g/dia de valaciclovir e o grupo placebo na proporção de 1:1. O grupo tratado com valaciclovir apresentou uma redução significativa da transmissão fetal comparado com o grupo controlo (11,1% vs 29,8%, respetivamente).
Tendo em conta estes resultados, o uso de valaciclovir parece eficaz, seguro e, deste modo, promissor na prevenção da transmissão vertical do CMV nos estádios iniciais da gravidez. Contudo, os estudos acerca do uso deste antivírico na gravidez para este fim ainda são poucos, pelo que é necessária mais investigação nesse sentido antes de se utilizar esta terapêutica de forma rotineira.
Conclusão
A infeção por CMV é a infeção congénita mais frequente, sendo o seu risco para o feto quase exclusivo do primeiro trimestre. As graves alterações provocadas pela infeção nesta fase da gestação tornam as medidas de prevenção primária especialmente importantes, devendo estas ser instituídas principalmente no período perigestacional. No entanto, apesar de poder ser causa de alterações neurológicas importantes, o conhecimento sobre esta infeção e as suas medidas de prevenção é ainda muito escasso entre as grávidas, não sendo muitas vezes adequadamente divulgado pelos profissionais de saúde.
As medidas de prevenção primária são a forma mais eficaz de evitar a infeção materna e, consequentemente, a infeção fetal. Passam principalmente por minimizar o contacto com fluidos corporais de bebés e crianças pequenas, das quais se destacam a lavagem frequente das mãos após o contacto com estes, a evicção da partilha de objetos e a higienização adequada do ambiente.
A infeção materna é, tipicamente, assintomática ou cursa com sintomas ligeiros e inespecíficos. Assim, o seu diagnóstico passa pela deteção de anticorpos anti-CMV. A não existência de um rastreio pré-concecional universal limita o diagnóstico de uma eventual primoinfeção durante a gravidez, tornando o diagnóstico serológico dependente da deteção de anticorpos anti-CMV IgM e da avidez dos anticorpos anti-CMV IgG.
Na presença de infeção materna confirmada, a amniocentese (tradicionalmente realizada a partir das 21 semanas de gestação) constitui o gold standard para confirmar infeção fetal, apresentando altas taxas de sensibilidade e especificidade. De ressalvar que estudos recentes demonstraram uma sensibilidade semelhante em amniocenteses realizadas a partir das 17 semanas, desde que seja respeitado o intervalo de oito semanas após infeção materna.
A infeção congénita pode resultar de uma primoinfeção materna ou de uma infeção não primária, por reativação de vírus latente ou por reinfeção de vírus com genoma distinto, e pode acarretar graves consequências para o desenvolvimento do feto. Além de se tratar da principal causa de perda auditiva neurossensorial não hereditária na infância, pode ainda cursar com disfunção neurológica e malformações congénitas de múltiplos sistemas orgânicos.
Apesar de o tratamento com GHI não parecer eficaz, estudos recentes revelam dados promissores no que diz respeito à utilização de valaciclovir nas grávidas infetadas com o objetivo de prevenir a transmissão vertical ou tratar os fetos infetados. O bom perfil de segurança deste fármaco poderá constituir uma arma importante no tratamento de fetos com pesquisa positiva de CMV no líquido amniótico que não apresentem anomalias fetais detetáveis na ecografia. Mais ainda, o reconhecimento de uma terapêutica eficaz e segura contra o CMV poderá abrir portas ao rastreio universal da infeção por CMV durante a gravidez. No entanto, sob o ponto de vista epidemiológico, a implementação de um rastreio universal deve ter lugar quando a doença é clinicamente importante, prevalente e existe um teste de rastreio seguro, confiável e válido. Mais ainda, a intervenção deve ser efetiva e ter uma boa relação custo-benefício. Analisando a infeção por CMV não restam dúvidas do seu caráter clinicamente importante e da prevalência significativa. Esta infeção acarreta custos na saúde e pode levar a sequelas a longo prazo na criança. Apesar dos testes serológicos serem eficazes a detetar primoinfeção, não são úteis para casos em que ocorra infeção não primária, não sendo, por isso, adequados para rastreio de infeção fetal em mulheres com infeção prévia à gravidez. Mais ainda, à luz da evidência atual, sabe-se que o risco de infeção fetal após seroconversão materna ronda os 40% e que muitos dos fetos infetados não sofrem consequências desta infeção. Apesar de existirem dados promissores quanto ao tratamento, não deve também ser minimizado o impacto que o diagnóstico pode causar em termos de ansiedade parental. Como tal, parecem ser necessários mais estudos para avaliar o real custo-benefício da implementação de um rastreio universal.