Introdução
A Psicologia é atualmente reconhecida como um domínio vasto do conhecimento técnico-científico, com autonomia de intervenção, formação e investigação, sustentado em práticas baseadas na evidência. Nos contextos de saúde, esta especialidade está particularmente implicada na promoção da saúde global, prevenção e tratamento da perturbação psicológica, visando globalmente o incremento de ganhos em saúde para as populações. A sua integração nos diferentes níveis de cuidados dos sistemas de saúde tem sido exponencial, seja no setor público, privado ou social, a nível nacional e internacional, através da adoção de modelos de governação baseados em premissas basilares como a melhoria contínua, qualidade, eficácia, equidade, a garantia da segurança dos cidadãos e o respeito pelos direitos humanos.
Os hospitais constituem um dos mais importantes contextos de saúde onde a psicologia clínica se expandiu enquanto entidade profissional específica e progressivamente autónoma. Nos Estados Unidos, por exemplo, a primeira Clínica Americana de Psicologia foi estabelecida ainda no final do século XIX e as primeiras reuniões da prática psicológica em meio hospitalar ocorridas pouco depois, com a chegada de Shepherd Ivory Franz ao Hospital Saint Elizabeths, em Washington, onde criou um laboratório de Psicologia em meio hospitalar.1,2
Com o crescimento das instituições psiquiátricas, o suporte da psicologia clínica tornou-se muito reconhecido, designadamente no campo da avaliação e da investigação.3 Com a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, as intervenções psicológicas foram incrementadas sobretudo no âmbito do rastreio e tratamento do sofrimento psíquico dos veteranos de guerra e, gradualmente, um número significativo de psicólogos integrou hospitais, em muito estimulados por James Miller e seus sucessores. A partir dos anos 50 do século XX, a criação da American Psychological Association (APA) e do National Institute of Mental Health (NIMH) veio reforçar a expansão da psicologia clínica e da psicoterapia, contribuindo para uma progressiva diferenciação (mas complementar) deste campo epistemológico e técnico-científico relativamente a outras áreas de intervenção, nomeadamente da psiquiatria clínica.
No continente europeu assistiu-se a um movimento similar de integração dos psicólogos nos contextos psiquiátricos. Nos anos 70, a relação entre psicólogos clínicos e médicos que trabalhavam fora dos hospitais psiquiátricos era praticamente nula.4 Foi justamente nessa década que se observou uma mudança mais profunda na conceptualização dos sistemas de saúde e dos cuidados neles prestados, em que as críticas ao modelo estritamente biomédico5 tiveram uma expressão significativa. Reconhecia-se, gradualmente, que uma parte relevante dos problemas com que o médico não-psiquiatra lidava envolvia múltiplas variáveis psicológicas e comportamentais, questionando-se as terapêuticas farmacológicas existentes como a melhor abordagem para vários domínios semiológicos.
A evolução do conhecimento nos domínios da psicologia, da psicossomática e globalmente das neurociências, a que se assistiu particularmente nas últimas décadas do século passado, ofereceram também um terreno mais amplo de compreensibilidade da saúde e da doença mental, abrangente e monista, renunciando ao dualismo cartesiano que, previamente, envolveu de modo extenso a psiquiatria e a psicologia. Em simultâneo, o incremento da multidisciplinaridade e a priorização dos paradigmas de cuidados mais comunitários e menos ‘psiquiátrico-asilares’ dos cuidados de saúde mental, foram encetando um processo de mudança significativa na forma de pensar a Saúde, onde a Psicologia Clínica aplicada à saúde global foi encontrando o seu lugar. A própria definição de Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1946 influenciou indelevelmente tal processo ulterior de mudança, ainda hoje em permanente desenvolvimento, ao mencionar a Saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidades.”6
É na penúltima década do século XX que se verifica, pois, uma viragem importante no âmbito específico da Psicologia Clínica, sobretudo influenciada pela falência de paradigmas muito sustentados nos fenómenos psicopatológicos e na ortodoxia dos modelos de avaliação e intervenção em saúde mental prevalecentes até então. A necessidade do enfoque na promoção e manutenção da saúde física e mental - junto de diferentes grupos com e sem patologias - impulsiona a Psicologia Clínica a propor-se, gradualmente, como área crucial de desenvolvimento nos diferentes níveis de cuidados de saúde. Tal vem a suceder com o crescimento do vasto e diferenciado domínio da Psicologia Clínica e da Saúde, no qual as várias práticas da Psicologia, sustentadas em diferentes conhecimentos e metodologias, são convocadas para a construção de modelos mais abrangentes e dirigidos à promoção da saúde global dos indivíduos, à prevenção da doença e à abordagem terapêutica de situações clínicas diversas em que as variáveis psicológicas interferem significativamente, promovendo maiores níveis de distress e a redução da funcionalidade.
Presentemente, a investigação reconhece o impacto que as intervenções psicológicas oferecem na melhoria do funcionamento psicossocial e da saúde física e mental dos cidadãos,7-9 como também na sustentabilidade das organizações e do tecido económico-social, em virtude da sua contribuição para a redução de custos associados aos sistemas da segurança social e de perda de produtividade, sistemas socioeducativo e judicial, entre outros.10-15
A identidade do Psicólogo em contexto hospitalar
A identidade profissional do psicólogo nutre-se atualmente de diversas premissas basilares à sua intervenção, devidamente plasmadas nos princípios éticos e deontológicos definidos por entidades nacionaisa e internacionaisb que regulam a sua prática. O respeito pela dignidade e os direitos da pessoa, a integridade, a competência, a responsabilidade e a beneficência são dimensões fundamentais no exercício de uma profissão em que o principal instrumento de intervenção é a relação interpessoal.
Revisitando o percurso dos psicólogos em ambiente hospitalar, é de salientar alguns documentos emitidos pela APA (ex: “A Hospital Practice Primer for Psychologists”) que legitimaram o exercício profissional da Psicologia neste contexto,16 com a formulação de propostas para a ação dos psicólogos nos hospitais gerais e não apenas nos meios mais tradicionalmente psiquiátricos. O objetivo seria a integração de modelos decorrentes da Psicologia da Saúde no apoio a doentes com várias patologias médicas e no reforço da sua adaptação e bem-estar, promovendo-se a pesquisa e a publicação de artigos, designadamente do então criado Journal of Health Psychology, em 1982, com reconhecimento internacional até à atualidade.
A prática dos psicólogos, enquanto intervenção especializada e diferenciada nos hospitais, é hoje objeto de inclusão nas mais diversas equipas pelo seu inequívoco contributo em âmbitos específicos e na parceria colaborativa com outros profissionais de saúde. Tal é também aplicável aos Cuidados de Saúde Primários,17,18 embora nos Cuidados de Saúde Especializados a vastidão de intervenções seja mais significativa, o que em muito se deve à multiplicidade e complexidade de áreas de cuidados e das faixas etárias a que se dirigem.
Uma revisão sistemática recente em torno da identidade do psicólogo nesse contexto salienta como funções fundamentais destes profissionais a avaliação clínica com recurso a métodos observacionais, psicométricos e de diagnóstico, o suporte psicológico e a intervenção psicoterapêutica, a investigação e a formação - pré e pós-graduada e de outros profissionais.3 Este conjunto de práticas estandardizadas e baseadas na evidência científica requer-se em constante articulação multi e interdisciplinar, visando a prestação de cuidados de saúde mais integrados e de elevado custo-benefício para os indivíduos. Tais intervenções sustentam-se necessariamente de múltiplos contributos, áreas disciplinares e escolas psicoterapêuticas que, nas suas diferenças, podem e devem empenhar-se num esforço integrativo com vista a uma posição compreensiva e alargada da problemática da pessoa. Entre outros, destacam-se desde os modelos cognitivo-comportamentais, sistémicos e interpessoais aos modelos psicodinâmicos, humanistas e existenciais, passando pela inclusão dos dados das neurociências cognitivas e afetivas, dos modelos de stress e do entendimento dos mecanismos psicofisiológicos inerentes ao adoecer e à construção de recursos de resiliência. Estas áreas epistemológicas emprestam aos profissionais de psicologia um amplo terreno de compreensibilidade dos indivíduos e das suas experiências, nas suas dificuldades e recursos, com o fim de incrementar a adaptação a stressors e a reduzir processos potencialmente alostáticos (de burden emocional, ocupacional, entre outros). É, deste modo, que o psicólogo pode auxiliar os indivíduos a minimizar e a melhor compreender os seus sintomas que, naturalmente, se enquadram numa história pessoal e clínica, decorrida em determinados contextos ambientais e de desenvolvimento, influenciada por acontecimentos de vida e modulada por características mais ou menos adaptativas da personalidade e de coping.20
Designadamente na sua componente psicoterapêutica, a intervenção psicológica no contexto hospitalar obedece a uma comunhão de dimensões absolutamente determinantes do sucesso dessa intervenção, fomentando modificações ao nível de processos psicológicos e comportamentais e, concomitantemente, ganhos em saúde. A experiência clínica do psicólogo, aliada ao conhecimento da melhor evidência disponível e das características pessoais e culturais do paciente21 constituem a tríada que subsidia um processo de intervenção verdadeiramente colaborativa, permitindo à pessoa a tomada de decisões dirigidas a objetivos, promotoras da sua saúde global e preventivas de morbilidade (Fig. 1). Este processo constrói-se no seio de uma relação empática, securizante e de confidencialidade entre psicólogo e paciente e em que, numa aliança de trabalho, o profissional procura compreender e contextualizar as dificuldades do paciente, devolvendo-lhe conteúdos que possam aumentar o seu potencial adaptativo e apoiá-lo num conjunto de mudanças e/ou resoluções percebidas como positivas.22
Importa ainda salientar o contributo da abordagem psicológica para a humanização dos cuidados de saúde nos vários contextos hospitalares e, em particular, a redução do estigma associado às doenças mentais e à vulnerabilidade psicológica, sempre no sentido da melhoria da adesão aos planos terapêuticos e do enfoque na funcionalidade do indivíduo.
a. Em Portugal, o Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, publicado na 2ª Série do Diário da República a 13 de julho de 2021 (Regulamento n.º637/2021), que estabelece os princípios éticos e deontológicos que orientam a prática profissional dos psicólogos.
b. A título de exemplo, consultar Code of Ethics and Conduct (The British Psychological Society, 2021) ou ainda Professional Practice Guidelines for Evidence-Based Psychological Practice in Health Care (American Psychological Association, 2021).19
A Psicologia no Hospital CUF Tejo
O Serviço de Psicologia Clínica e da Saúde no Hospital CUF Tejo (doravante denominado de SPCS), organicamente integrada no Centro de Neurociências, assume uma matriz horizontal, de suporte e intervenção específica no contexto de diferentes equipas de cuidados hospitalares.
Ainda que a sua intervenção esteja bastante associada a domínios clínicos que classicamente requisitam o seu apoio (psiquiátrico, pediátrico e de neurociências), encontra-se atualmente alargada e potenciada na interface com as várias especialidades médicas e não médicas, visando promover a avaliação e intervenção junto de pessoas com morbilidades diversas, designadamente no apoio a doentes com patologia física e em que o sofrimento psicológico associado interfere de forma significativa na melhoria da condição clínica, no prognóstico e na adaptação psicossocial. Múltiplas áreas de cuidados, seja em ambulatório (ex.: Endocrinologia e Nutrição, Ginecologia, Otorrinolaringologia, entre outras) ou em contexto de internamento e hospital de dia (ex: Oncologia, Medicina Paliativa, Medicina Interna) requisitam atualmente os cuidados psicológicos para a melhoria da evolução mórbida de situações complexas e, não raras vezes, associadas a estilos de vida menos saudáveis.
Os objetivos gerais da intervenção do SPCS neste contexto hospitalar são:
Identificar variáveis e processos psicológicos envolvidos na génese e manutenção de comportamentos de saúde, com vista à promoção e manutenção da saúde, e da saúde mental em particular, ao longo das várias fases do ciclo de vida;
Identificar variáveis e processos psicológicos envolvidos nos comportamentos de risco para a saúde e na doença, visando a intervenção precoce, a prevenção de morbilidade e a implementação de processos de mudança comportamental;
Avaliar e intervir com utentes em sofrimento psicológico ou psicopatológico associados a diferentes quadros clínicos, bem como as suas famílias;
Facilitar os processos de ajustamento cognitivo-afetivo, designadamente de confronto com (e adaptação à) a doença, a procedimentos médicos de diagnóstico/tratamento e a disfuncionalidade;
Promover a adesão aos projetos terapêuticos, designadamente na doença crónica;
Promover a qualidade de vida;
Contribuir para o incremento da literacia em saúde e da capacitação individual e comunitária.
Face a uma gama muito diversificada de cuidados especializados, os atos psicológicos neste contexto hospitalar são múltiplos e requisitam várias competências (Tabela 1).
As intervenções dos profissionais do SPCS, ainda que em algumas situações possam ser mais pontuais (ex.: avaliação, contenção na crise, entre outras), tendem com frequência a ser continuadas no tempo, permitindo desse modo desenvolver e consolidar mudanças e garantir a médio-longo prazo uma maior estabilidade dos ganhos em saúde obtidos. Tal desiderato só é possível com recurso a uma regularidade efetiva de sessões, promotora de confiança e previsibilidade, e em que o tempo de cada sessão (por norma 45 a 50 minutos, 60 minutos na primeira consulta) e a constância relacional são aspetos standard para a eficácia terapêutica.23
O SPCS contempla 5 áreas de intervenção, a que correspondem 5 subequipas, que abarcam a ação de todos os psicólogos a exercer funções neste hospital.
São elas:
Psicologia e Saúde Mental do Adulto: Trata-se de uma atividade exercida frequentemente numa articulação próxima com as especialidades de Psiquiatria e Neurologia (Centro de Neurociências), como também com outras que, no âmbito da atividade de ambulatório de diferentes Centros Clínicos, identifiquem a pertinência da consulta de Psicologia. A intervenção neste domínio toma como objetivo central a intervenção terapêutica sobre as perturbações mentais comuns (perturbações ansiosas e depressivas), o suporte reabilitativo a pessoas com doença mental grave e a prevenção da emergência/ agravamento de morbilidade psicopatológica. As áreas dos problemas do sono, da psicogerontologia e dos comportamentos aditivos e dependências (com e sem substância) são exemplos em que o trabalho articulado com áreas médicas é especialmente significativo.
Psicologia e Saúde Mental da Infância e da Adolescência: Trata-se de uma atividade predominantemente desenvolvida no contexto do Centro da Criança e do Adolescente, centrada na avaliação e seguimento terapêutico de várias condições clínicas (e concomitantes problemáticas de ajustamento familiar), designadamente: 1) situações com vulnerabilidades particulares do desenvolvimento global e do neurodesenvolvimento, dificuldades regulatórias e da vinculação precoce e na adaptação a doença crónica com impacto físico importante (em articulação próxima a especialidades médicas como a Neuropediatria e a Pediatria do Desenvolvimento); e 2) situações de risco acrescido de perturbação e desadaptação escolar/ psicossocial por doença mental (em articulação próxima a especialidades como a Pedopsiquiatria).
Neuropsicologia Clínica: Atividade focada nos domínios da avaliação e intervenção neuropsicológica com pessoas que apresentam queixas cognitivas continuadas, alterações da funcionalidade (designadamente nas atividades de vida diária), bem como no domínio da reabilitação neurocognitiva. Tais queixas cursam frequentemente com condições médicas (ex.: doenças psiquiátricas e neurológicas, cardiovasculares, outras), pelo que a articulação multidisciplinar é muito frequente, designadamente na melhor aferição diagnóstica. A avaliação no âmbito de processos judiciais (inerentes a acidentes de trabalho, medidas de Maior Acompanhado, por exemplo) é também requerida a esta área de intervenção.
Psicologia da Ligação: Esta área, muito associada à esfera epistémica da Psicologia Médica,24 contempla a intervenção específica da Psicologia no âmbito do apoio a pacientes com condições médicas (comummente crónicas) e sintomas psicológicos concomitantes,25 que requisitam um suporte especializado e, com frequência, simultâneo a intervenções da psiquiatria de ligação. Procura-se mitigar o sofrimento emocional que cursa com a evolução clínica de quadros complexos que requisitam terapêuticas invasivas, com sintomas medicamente inexplicados ou ainda situações com prognóstico reservado, culminando na antecipação do fim de vida.26 A sua ação, por meio de técnicas ajustadas às particularidades mencionadas, ocorre em múltiplos campos:
No contexto de internamento e hospital de dia de vários serviços de Medicina, conferindo a avaliação e o suporte a pessoas com situações clínicas complexas e suas famílias, designadamente no pré e/ou pós cirurgia. Requisita um trabalho estreito e integrado com as equipas médicas e de enfermagem, destacando-se as seguintes áreas:
Oncologia (os cuidados em Psicooncologia decorrem maioritariamente em Hospital de Dia, no contexto do Centro Clínico de Oncologia, Unidade de Hemato-oncologia e Unidade da Mama);
Cuidados Paliativos (atividade desenvolvida no contexto da Unidade de Medicina Paliativa);
Dor Crónica (atividade maioritariamente exercida no contexto da Unidade de Medicina da Dor);
Medicina Interna e especialidades cirúrgicas (atividade exercida no contexto de vários centros clínicos).
No contexto do ambulatório, visando o incremento de fatores protetores da saúde mental e o desenvolvimento de estratégias adaptativas para o ajustamento psicológico continuado, sequencialmente ou não a períodos de internamento. Neste âmbito destaca-se a avaliação e intervenção terapêutica com pessoas com problemáticas metabólicas (diabetes, obesidade, entre outras), problemas cardiovasculares, como também associadas à especialidade de Otorrinolaringologia. As questões associadas à Saúde da Mulher são igualmente uma área crescente de procura de suporte, não apenas no ajustamento a situações particulares de gravidez e maternidade como também na melhoria da vivência plena da sexualidade.
Psicologia ID - Inovação e Desenvolvimento: Este domínio pretende constituir-se como sede de empreendedorismo e de inovação na intervenção psicológica, com uma componente de investigação aplicada. Trata-se de impulsionar a participação e contribuição ativa da ciência psicológica, em interface com outras (ex.: biomedicina, educação, outras), na construção de projetos multidisciplinares que possam apoiar o delineamento de estratégias complementares de avaliação e seguimento clínicos. Além de robustecer o conhecimento em Psicologia, pretende-se a emergência de projetos inovadores de promoção da saúde mental e do incremento da literacia. As parcerias colaborativas com setores académicos e tecnológicos são naturalmente priorizadas, com o apoio da CUF Academic Center. O desenvolvimento deste domínio suporta-se também de: 1) acolhimento de estágios académicos e profissionais, iniciados em 2021, promovendo o investimento formativo pré e pós-graduado e o reforço de sinergias com instituições universitárias; e 2) de reuniões regulares dos profissionais do Serviço e o empreendimento futuro de práticas de intervisão.
Inovação e continuidade, oportunidades e desafios
Os tempos que vivemos exigem que as intervenções psicológicas no âmbito hospitalar se reinventem e se adaptem aos desafios emergentes das sociedades e famílias, decorrentes de doenças transmissíveis e não transmissíveis, da própria ciência e das suas limitações.
Em virtude da sua total imprevisibilidade, a pandemia por COVID-19 promoveu um ambiente fértil para emergência e reatualização de vulnerabilidades psicológicas em muitos indivíduos. Este facto, constituindo uma oportunidade para a progressiva normalização da procura de apoio especializado face a perturbação emocional, também se revelou um desafio constante no sentido de garantir a melhor acessibilidade aos cuidados neste domínio da saúde mental, num tempo em que o contacto presencial se revestia de perceções e sentimentos de ameaça face ao potencial contágio. Neste contexto, o provimento da teleconsulta psicológica e os necessários ajustamentos às técnicas mais ortodoxas de intervenção foram absolutamente decisivos na continuidade do seguimento terapêutico, do suporte relacional, na minimização do isolamento social, na mitigação dos fatores de risco para o adoecer.
A manutenção desta modalidade de intervenção digital é hoje comummente aceite, sobretudo como alternativa ou complemento, embora a evidência científica relativamente à sua efetividade, comparativamente ao setting presencial, seja por ora bastante reduzida.27 Se alguns autores têm salientado a intervenção psicoterapêutica por teleconsulta como uma oportunidade para certos pacientes, parecendo não interferir na qualidade do apoio,28 outros têm pontuado variáveis que dificultam a sintonia paciente-terapeuta no registo de videoconferência29 (ex.: interferências da rede e distrações, mobilização da atenção, maior cansaço) conduzindo a uma preferência pelo seguimento em presença, mesmo quando geograficamente afastados do local de consulta.30 Estes aspetos não são, portanto, consensuais e reiteram a necessidade de melhor investigar a efetividade das modalidades digitais (perante a vacuidade de quality standards nesse campo), a que pacientes e problemáticas melhor se destinam e em que fase dos seus processos de intervenção. Tal não deve colocar em causa a sua disponibilização enquanto ferramenta de maior acessibilidade, não devendo, por ora, constituir opção de primeira linha ou substitutiva de modalidades tradicionais já notoriamente validadas pela evidência científica.
Um outro desafio que se coloca aos serviços de Psicologia Hospitalar é a intervenção no âmbito da hospitalização domiciliária, que se prevê vir a ser gradualmente mais requisitada em virtude do aumento de situações que beneficiam desta modalidade de cuidados. A avaliação psicológica e neuropsicológica, devidamente ajustadas às particularidades de tal contexto, designadamente face a suspeitas de processos demenciais, ou as intervenções de suporte terapêutico podem constituir intervenções de diferenciação importantes no reforço da capacidade diagnóstica e do bem-estar, nomeadamente em pessoas mais velhas.
Destacaria, finalmente, um outro repto ao SPCS que é o fortalecimento dos necessários pontos de contacto com as comunidades no âmbito da promoção da saúde mental. A consultoria e supervisão de projetos de prevenção ambiental e universal em contexto socioeducativo são práticas promissoras para a disseminação de literacia de qualidade junto dos múltiplos atores dos percursos educativos de crianças e adolescentes, faixa etária em que mais frequentemente surgem os primeiros sinais de alarme ou mesmo de morbilidade, de forma mais ou menos expressiva.31 A integração deste trabalho com stakeholders de vários setores sociais e domínios do conhecimento pode igualmente oferecer caminhos inovadores para uma tarefa que se requer em permanente construção e inovação, a da promoção da saúde mental.
Conclusão
Procurámos com este artigo revisitar tempos e lugares de origem das práticas de intervenção psicológica nos hospitais, a propósito da conceptualização e da organização do SPCS. Apresenta-se um modelo integrador e colaborativo com a diversidade e complexidade da prática médica, dotado de plena autonomia funcional e formativa e centrado nas necessidades da pessoa que requisita cuidados. Uma visão integrativa e holística, que se alimenta de diferentes áreas do conhecimento, de modelos de intervenção baseados na evidência e do enfoque na funcionalidade do indivíduo, por meio do reforço dos fatores protetores da sua saúde mental. O crescimento desta área de cuidados e do conhecimento requisita a continuidade do investimento nas modalidades de intervenção existentes e noutras que se revistam de inovação e ganhos suplementares em saúde, robustecendo dessa forma um domínio já reconhecido como crucial para a mitigação do sofrimento humano, a prevenção da morbilidade futura e a maximização do bem-estar de indivíduos e comunidades.