Introdução
A síndrome da unha verde, também designada por síndrome Goldman-Fox, é uma patologia que se caracteriza por descoloração verde da placa ungueal (cloroníquia), paroníquia proximal e onicólise distal.1-4) O agente etiológico mais comummente implicado é a Pseudomonas aeruginosa (P. aeruginosa), um cocobacilo aeróbio Gram-negativo,2,4 que secreta pioverdina e piocianina, dois pigmentos que conferem a coloração azul-esverdeada à unha.2,4,5 Uma vez que este patógeno não faz parte da flora normal da pele humana, infeções em unhas íntegras provocadas por este agente são raras.6 Assim, estão descritos alguns fatores predisponentes para o desenvolvimento desta condição, nomeadamente: onicopatias prévias, traumatismo mecânico e exposição prolongada a ambientes húmidos, como água, solo, sabonetes ou detergentes.6) Nos tempos atuais, esta síndrome assume uma maior relevância, dado o contexto pandémico e a inerente necessidade da lavagem e desinfeção frequentes das mãos.7
O diagnóstico é geralmente clínico, através do exame físico da unha. Eventualmente, pode ser realizada coloração de Gram ou cultura bacteriológica do raspado da unha para identificação etiológica. As lesões podem surgir em uma ou duas unhas, com atingimento total ou parcial da placa ungueal, nas unhas das mãos ou dos pés. É geralmente indolor, contudo a região periungueal pode apresentar-se eritematosa, edemaciada e sensível ao toque.8
O tratamento consiste no corte da lâmina ungueal destacada, desinfeção do leito com solução de hipoclorito de sódio a 2% e manutenção da unha em ambiente seco, com recurso a luvas de algodão e latex.9 Devem ainda ser considerados antibióticos tópicos, como sulfadiazina de prata, gentamicina, ciprofloxacina, bacitracina e polimixina B.6) Mais recentemente, o uso de colírios de tobramicina tem-se revelado uma opção eficaz.10 Quando os tratamentos locais falham, a antibioterapia oral com ciprofloxacina tem-se mostrado efetiva em muitas situações.11) Em casos graves, a remoção cirúrgica da unha infetada pode ser necessária.6
Caso Clínico
As autoras descrevem o caso de uma mulher de 36 anos, professora do ensino básico, sem antecedentes pessoais ou familiares de relevo, sem hábitos medicamentosos, sem consumo alcoólico ou tabágico, que foi encaminhada para a consulta de Dermatologia por discromia verde da unha com cerca de dois anos de evolução.
O surgimento da lesão ocorreu após trauma mecânico na quarta unha da mão esquerda, tendo daí resultado um hematoma ungueal com sinais inflamatórios do tecido circundante. Por este motivo, recorreu ao seu médico de família que medicou com ciclo de antibiótico oral (amoxicilina + ácido clavulânico) por aparente quadro de paroníquia.
Após cinco meses, persistia a alteração da coloração ungueal, assumindo agora uma tonalidade amarelo-esverdeada, motivo pelo qual recorreu novamente à consulta. Foi assumido o diagnóstico de onicomicose e medicada com antifúngico oral e tópico (terbinafina e econazol, respetivamente).
Por manutenção das alterações ungueais, apesar do tratamento instituído, a utente foi referenciada para consulta de Dermatologia e Venereologia do hospital da área de residência.
Nesta consulta, após uma cuidada anamnese, percebeu-se que a doente realizava com regularidade, sem uso de luvas de proteção, atividades de limpeza domésticas, assim como de jardinagem. Para além disso, relatava onicofagia e realização de manicure com unhas de gel, mensalmente.
Ao exame objetivo, apresentava verniz de gel em todas as unhas, com exceção da unha afetada. Esta última exibia uma discromia verde-escura da lâmina ungueal com onicólise, sem sinais inflamatórios (Figs. 1 e 2). Foi feita colheita de raspado da unha para cultura. Assumiu-se o diagnóstico clínico de síndrome da unha verde e medicou-se empiricamente com ciprofloxacina oral atendendo ao agente causal mais prevalente (P. aeruginosa). Foram sugeridas recomendações relativamente a medidas de proteção - uso de luvas de algodão e látex durante a realização de atividades domésticas de limpeza ou jardinagem - e medidas de evicção de fatores desencadeantes - diminuição do contacto com ambientes húmidos, interrupção de procedimentos estéticos de manipulação das unhas e da onicofagia.
Na consulta de reavaliação, um mês depois, verificou-se resolução da discromia, ainda que o resultado cultural tivesse sido inconclusivo.
Após um ano, recorreu novamente à consulta de Dermatologia por ressurgimento do quadro. Quando questionada, a utente referiu manter os mesmos hábitos, incluindo a prática de jardinagem e as tarefas de limpeza domésticas sem uma proteção adequada. Este facto levantou a suspeita de manutenção da exposição ao agente causal (P. aeruginosa) levando as autoras a assumir uma recidiva de síndrome da unha verde. Desta vez foi proposto tratamento tópico com associação de prednisolona, neomicina e sulfacetamida na forma de pomada oftálmica e reforçada a importância das medidas de proteção.
Discussão
Na presença de uma discromia verde da unha deve ser sempre colocada a hipótese de infeção por P. aeruginosa. Este agente é o principal responsável por infeções bacterianas das unhas.4 Existem, contudo, outras bactérias que podem estar implicadas como a Klebsiella spp. e o Staphylococcus aureus.9
Perante esta condição, exames complementares de diagnóstico são geralmente desnecessários. A coloração de Gram e o exame cultural do raspado da unha podem confirmar o diagnóstico; no entanto, mesmo na presença da patologia em causa, a cultura pode ser negativa, uma vez que a discromia verde pode não coincidir com o local infetado, comprometendo a identificação definitiva do agente envolvido.8 Por este motivo, o tratamento foi dirigido ao agente etiológico mais prevalente (P. aeruginosa). Todavia, outros agentes poderiam constituir a causa da infeção nesta doente.
Perante situações semelhantes devem ser ainda considerados os seguintes diagnósticos diferenciais: hematoma subungueal, melanoma maligno, exposição química a soluções que contenham piocianina ou pioverdina.6
Sabe-se que a P. aeruginosa está amplamente presente na natureza, particularmente, nos solos, águas, plantas e animais.7,11 No entanto, não faz parte da flora habitual do ser humano, pelo que a infeção por este agente em unhas íntegras é rara.6
Mais recentemente verificou-se inclusive uma forte relação entre a infeção fúngica da unha e a infeção pela P. aeruginosa.6,11) Este facto valida o tratamento inicial nesta doente com antifúngico.
O alicerce do tratamento desta condição passa pela educação do doente relativamente às medidas de proteção e evicção das situações mais suscetíveis de gerar contacto com os possíveis agentes etiológicos. No caso descrito, estas medidas não foram totalmente adotadas pela doente, podendo justificar a recidiva e o curso arrastado do quadro.
Por outro lado, o surgimento da pandemia e as medidas de proteção individual, como a lavagem e a desinfeção frequentes das mãos, perpetuam o contacto com ambientes húmidos.7
Perante uma suspeita de diagnóstico de síndrome da unha verde, e atendendo ao potencial de disseminação da infeção, deve ser prontamente iniciado tratamento empírico dirigido ao agente mais frequente. Não obstante, a falência terapêutica não é rara, tal como se constatou neste caso. Nas situações refratárias a remoção cirúrgica da unha poderá ser equacionada.