Introdução
A Europa apresenta a segunda maior prevalência de consumo de tabaco a nível mundial - 27,4% da população com mais de 15 anos - só ultrapassada pelo sudoeste asiático, sendo mais elevada em homens (35,3%) que em mulheres. 1 No que se refere a Portugal, em 2019, 17% da população com mais de 15 anos era fumadora. (2 Dos 1,3 milhões de portugueses fumadores regulares, cerca de metade consumiam até 10 cigarros por dia. (2
Um fumador é considerado ligeiro quando tem um consumo de 10 ou menos cigarros por dia. (3 Em contraste com um fumador pesado, um fumador ligeiro habitualmente apresenta menos ou nenhuns sinais de dependência, mais autocontrolo e menos impulsividade. (4 Apenas uma minoria dos fumadores ligeiros progride para fumador pesado ao longo do tempo. (3
Contudo, tal como o tabagismo pesado, o tabagismo ligeiro associa-se a aumento do risco de patologias relacionadas com o tabaco, tais como doença cardíaca isquémica 5-8 ou outras doenças cardiovasculares, (5,9 neoplasias, (5,6,10 patologia respiratória, (5,11 ou outras, (5 e ainda a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas. (5,6,8,9 Uma meta-análise demonstrou que fumar um cigarro por dia se associa a um risco de doença cardíaca coronária de cerca de metade nos homens e um terço nas mulheres, face ao risco associado a fumar um maço (20 cigarros) por dia. (12 Ainda assim, os fumadores ligeiros tendem a acreditar que têm um risco de patologias associadas ao tabaco bastante inferior ao dos fumadores pesados. (13,14,15
Ainda que os fumadores não diários aparentem ter maior intenção de cessação, mais tentativas de cessação e maior taxa de sucesso nas tentativas de cessação realizadas, os fumadores ligeiros não apresentam diferenças face aos fumadores pesados, (16 apresentando níveis de motivação e de tentativas de cessação semelhantes ou apenas ligeiramente superiores. (17 Os estudos demonstram que, tal como os fumadores pesados, os fumadores ligeiros apresentam dificuldades na cessação tabágica, (17-19 sendo maior a probabilidade de falhar do que a de ter sucesso na tentativa de cessação tabágica, (17 com 58% a 82% dos fumadores ligeiros a reportar tentativas falhadas. (17,18,20 O tabagismo ligeiro associa-se a dependência de nicotina 4,21,22 e a sintomas de abstinência equivalentes aos dos fumadores pesados. (21 Dos fumadores ligeiros, 31% utilizou terapêutica de substituição nicotínica sem prescrição médica nas tentativas prévias de cessação tabágica. (17 Contudo, o uso de medicação por prescrição médica é muito inferior nos fumadores ligeiros em comparação com os fumadores moderados a pesados. (17 Múltiplos motivos parecem justificar esta observação, incluindo uma menor tendência para os fumadores ligeiros procurarem apoio na cessação tabágica, uma menor propensão para os médicos prestarem apoio na cessação tabágica quando se trata de um fumador ligeiro e uma menor propensão para ser prescrita medicação a estes fumadores. (17
O aconselhamento dos fumadores com recurso a uma intervenção breve, por parte de um profissional de saúde, em particular dos médicos de família, pode aumentar a proporção de fumadores que anualmente faz uma tentativa para parar de fumar com sucesso. (23 Os fumadores que queiram deixar de fumar, em particular os que têm consumos médios acima de dez cigarros por dia, devem ser encorajados a usar terapêutica farmacológica. (24 Contudo, a maioria dos ensaios clínicos na área da cessação tabágica exclui os fumadores ligeiros, o que leva a que existam poucos dados publicados relativamente à eficácia das intervenções farmacológicas neste grupo de fumadores. (25 Havendo pouca evidência sobre quais as melhores intervenções para a cessação tabágica nos fumadores ligeiros, alguns estudos têm sido realizados com base na aplicação das intervenções que são utilizadas nos fumadores pesados, ou seja, aconselhamento breve e farmacoterapia. (25 A maioria das normas de orientação clínica existentes não fornece recomendações específicas para fumadores ligeiros, principalmente no que concerne à farmacoterapia. (26
Pela ausência de linhas de orientação claras neste âmbito em Portugal, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão da evidência existente a nível internacional relativa à utilização do tratamento farmacológico ou intervenção breve em fumadores ligeiros, na obtenção de cessação tabágica.
Metodologia
Foi realizada, em agosto de 2023, uma pesquisa sistemática de normas de orientação clínica, meta-análises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos aleatorizados, publicados entre 2011 e agosto de 2023, escritos em português e inglês, nas bases de dados de medicina baseada na evidência MEDLINE, The Cochrane Library, Canadian Medical Association Practice Guidelines e BMJ Evidence Based Medicine, utilizando os termos MeSH “((Smoking Cessation) OR (Tobacco Use Cessation) OR (Smoking Reduction)) AND (Light Smoker)”.
Incluíram-se os estudos que analisassem o tratamento farmacológico e/ou intervenção breve em fumadores ligeiros, na obtenção de cessação tabágica após a intervenção. Foram excluídos os estudos que abordassem fumadores pesados, estudos que não diferenciassem o grau de intensidade do tabagismo, estudos que incluíssem outros tipos de tratamento que não farmacológico e intervenção breve, e revisões clássicas. Foram ainda excluídos todos os artigos que não cumprissem os critérios de inclusão definidos, nomeadamente aqueles que faziam apenas a avaliação sociodemográfica dos fumadores ligeiros ou estudavam fatores de recaída ou falência terapêutica nesta população.
Foi definida a seguinte pergunta PICO (P: população; I: intervenção; C: comparador; O: outcome): Para a população adulta fumadora ligeira (P), o uso de terapêutica farmacológica e/ou intervenção breve (I), em comparação com outras terapêuticas farmacológicas e/ou intervenção breve isolada (C), produz resultados idênticos a nível de cessação tabágica (O)?
Para avaliar a qualidade dos estudos (nível de evidência) e a força de recomendação, foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician. (27
Revisão
A pesquisa combinada das bases de dados de medicina baseada na evidência identificou 73 artigos. Um total de dois artigos duplicados foi encontrado na combinação das bases de dados. Por pesquisa direta foram encontrados mais oito artigos, obtendo-se um total de 77 artigos. Depois da leitura do título, resumo e texto integral, seis artigos relevantes foram identificados e incluídos na análise (Fig. 1).
Na pesquisa, não foram encontradas normas de orientação clínica, meta-análises ou revisões sistemáticas referentes ao tema em estudo. Todos os artigos incluídos na análise eram ensaios clínicos aleatorizados (Tabela 1).
Referência | Tipo de estudo | População | Intervenção | Resultados | Limitações | NE |
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Cabriales et al. (2012) 28 | ECA | Adultos americanos de etnia hispânica, fumadores ligeiros e intermitentes (n= 214) | Intervenção breve | A realização de intervenção breve não foi estatisticamente superior à sua realização tardia (após a avaliação) na obtenção de abstinência tabágica; a intervenção breve aumentou a motivação para a cessação tabágica | Dificuldade na generalização dos resultados dado ter sido realizado apenas em população hispânica; autorreporte | 2 |
Cox et al. (2012) (29 | ECA | Adultos americanos de etnia afroamericana, fumadores ligeiros (n=540) | Bupropiona vs Placebo (ambos associados a intervenção comportamental) | Não se observaram diferenças estatisticamente significativas na obtenção de cessação tabágica a longo prazo | Dificuldade na generalização dos resultados dado ter sido realizado apenas em população afroamericana | 1 |
Nollen et al. (2013) (30 | ECA | Adultos americanos de etnia afroamericana, fumadores ligeiros (n=540) | Descontinuação precoce vs Manutenção da terapêutica com bupropiona e da intervenção comportamental | O cumprimento da terapêutica com bupropiona e com intervenção comportamental associou-se a uma probabilidade significativamente superior de obter e manter a cessação tabágica, em comparação com a descontinuação precoce do tratamento | Dificuldade na generalização dos resultados dado ter sido realizado apenas em população afroamericana | 1 |
Tuisku et al. (2016) (31 | ECA | Adultos finlandeses, entre 18 e 26 anos, fumadores ligeiros (n=180) | TSN transdérmica vs Placebo (ambos associados a intervenção comportamental) | Não se observaram diferenças estatisticamente significativas na abstinência autorreportada entre os dois grupos | O estudo não foi realizado de forma cega, pois os adesivos placebo e de TSN não eram idênticos | 2 |
Dios et al. (2012) (32 | ECA | Adultos americanos de etnia hispânica, fumadores ligeiros (n=32) | TSN transdérmica vs Vareniclina vs Placebo (todos associados a intervenção comportamental) | Não se observaram casos de abstinência tabágica mantida nos grupos placebo e TSN; houve um aumento significativo da abstinência tabágica a 3 e 6 meses, no grupo da vareniclina | Baixa adesão terapêutica nos três grupos, amostra pequena, dificuldade na generalização dos resultados dado ter sido realizado apenas em população hispânica; o ramo de adesivo não foi avaliado de forma cega | 2 |
Ebbert et al. (2016) (33 | ECA | Adultos americanos, fumadores ligeiros (n=98) | Vareniclina vs Placebo (ambos associados a intervenção comportamental) | A vareniclina demonstrou uma maior prevalência pontual e uma maior duração de abstinência tabágica às 12 e 26 semanas | Amostra pequena, elevada perda de seguimento | 2 |
Legenda: ECA - ensaio clínico aleatorizado, NE - nível de evidência; TSN - terapêutica de substituição nicotínica
Cabriales et al avaliaram a eficácia da intervenção breve na cessação tabágica em americanos de etnia hispânica, fumadores ligeiros ou intermitentes. (28 O estudo decorreu entre 2008 e 2009 e os participantes foram recrutados maioritariamente numa clínica de medicina familiar. (28 Os 214 participantes, de idade igual ou superior a 18 anos e que fumavam entre um cigarro por mês e dez cigarros por dia, em diferentes estadios de motivação para a mudança, foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos: 1) intervenção imediata - recebiam a intervenção no primeiro contacto, três meses antes da reavaliação; e 2) intervenção tardia - apenas recebiam a intervenção após a consulta de reavaliação aos três meses. (28 As intervenções abordavam a motivação, autoeficácia e controlo de estímulos, numa sessão presencial única, de 30 a 35 minutos. (28 Três meses após a intervenção, foi avaliado o estatuto de fumador e o estadio de mudança comportamental. ( 28) Estas variáveis eram avaliadas através de autorreporte. (28 Os resultados revelaram que o momento de realização da intervenção não se associou a diferenças estatisticamente significativas na taxa de cessação tabágica além dos 30 dias (5,6% vs 4,7%). Ainda assim, os participantes do grupo de intervenção imediata mostraram um aumento da prontidão para a mudança comportamental na reavaliação, enquanto os indivíduos do grupo de intervenção tardia tinham menor probabilidade de ter aumentado a motivação para a cessação tabágica no período do estudo. (28 As principais limitações deste estudo são o foco numa população exclusivamente hispânica, o que pode levar a limitações de generalização dos resultados a outros grupos etnoculturais, e a fonte dos dados ser o autorreporte, o que pode condicionar vários viés nos dados recolhidos. ( 28)
Cox et al avaliaram a eficácia da bupropiona de libertação modificada, em combinação com uma intervenção de educação para a saúde, na cessação tabágica em afroamericanos fumadores ligeiros. (29 O estudo decorreu entre 2007 e 2010 e os participantes foram recrutados numa clínica comunitária urbana, que servia principalmente afroamericanos de classe social baixa. (29 Os 540 participantes, de idade igual ou superior a 18 anos, que fumavam um a dez cigarros por dia e que estavam interessados em deixar de fumar, foram aleatoriamente distribuídos por dois grupos: 1) terapêutica farmacológica com 300 mg de bupropiona de libertação modificada (150 mg por dia durante três dias e posteriormente 150 mg duas vezes por dia) durante sete semanas; e 2) terapêutica farmacológica com placebo, com posologia semelhante. (29 A ambos os grupos foram disponibilizadas seis sessões de aconselhamento e educação para a saúde. (29 Três semanas, sete semanas e seis meses após a intervenção, foi avaliada a abstinência tabágica, pelo doseamento de cotinina salivar. ( 29) Os resultados demonstraram que a taxa de abstinência às três semanas (21,5% vs 9,6%) e às sete semanas (23,7% vs 9,6%) era superior no grupo intervencionado com bupropiona de libertação modificada, com significância estatística. (29 Contudo, as taxas de abstinência a longo prazo (seis meses) não revelaram diferenças estatisticamente significativas (13,3% vs 10,0%).29 Assim, a bupropiona de libertação modificada demonstrou efeitos na cessação tabágica durante a fase ativa de tratamento, com uma probabilidade quase três vezes superior de cessação à sétima semana (OR = 2,92, 95% CI = 1,78 to 4,77), mas esses efeitos não perduraram no tempo após a interrupção da administração, principalmente à custa de recaídas no grupo de intervenção. (29 A principal limitação deste estudo é o foco numa população exclusivamente afroamericana, o que pode levar a limitações de generalização dos resultados a outros grupos etnoculturais. (29
Nollen et al potenciaram os dados obtidos no estudo de Cox et al, (29 ao avaliar a mesma população de 540 adultos afroamericanos, fumadores ligeiros, no sentido de determinar o impacto da descontinuação precoce da intervenção farmacológica e do aconselhamento nas taxas de cessação tabágica. (30 A descontinuação da farmacoterapia com bupropiona de libertação modificada foi definida por valores plasmáticos de bupropiona abaixo do limite detetável (< 1,0 ng/mL), sendo que 28% dos participantes tinham descontinuado a terapêutica às três semanas. (30 Os participantes que cumpriram a medicação durante sete semanas revelaram uma probabilidade 2,13 vezes superior (95% CI = 1,03 - 4,78, p = 0,05) de atingir a cessação tabágica. (30 A descontinuação do aconselhamento foi definida pela participação em menos de cinco das seis sessões de aconselhamento disponibilizadas, o que se verificou em 37% dos participantes (com ou sem farmacoterapia associada). (30 Os participantes que cumpriram o aconselhamento demonstraram uma probabilidade 6,39 vezes superior (95% CI = 2,70 - 15,12, p < 0,0001) de obter a cessação tabágica aos seis meses. (30 Assim, na população estudada, os fumadores que continuaram a intervenção quer farmacológica quer de aconselhamento obtiveram uma probabilidade significativamente superior de atingir a abstinência tabágica. (30 Tal como no estudo inicial de Cox et al, (29 a principal limitação deste estudo é a limitação de generalização dos resultados a outros grupos etnoculturais. (30
Tuisku et al avaliaram a eficácia do adesivo de nicotina na cessação tabágica em jovens adultos finlandeses fumadores ligeiros. (31 O estudo decorreu entre 2012 e 2014, com voluntários recrutados através das redes sociais, universidades e exército. (31 Os 180 participantes, fumadores ligeiros de idades entre 18 e 26 anos, foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos: 1) terapêutica farmacológica com adesivo de nicotina 10 mg/16 horas durante 8 semanas; e 2) terapêutica farmacológica com adesivo placebo durante 8 semanas. (31 Ambos os grupos receberam 30 minutos de aconselhamento individualizado na primeira consulta. (31 Às quatro, 12 e 26 semanas, foi avaliada a abstinência através de autorreporte e doseamento de cotinina salivar. (31 Os resultados demonstraram que a prevalência de abstinência não foi estatisticamente diferente durante o período de seguimento (26,6% vs 19,8% às quatro semanas; 23,4% vs 17,4% às 12 semanas; 20,2% vs 15,1% às 26 semanas). (31) Assim, a terapêutica de substituição nicotínica não demonstrou benefícios na cessação tabágica em adultos jovens fumadores ligeiros. (31 A principal limitação do estudo foi o facto de o adesivo placebo não ser idêntico ao terapêutico, o que não permitiu que o estudo fosse realizado de forma cega, e também o foco numa população nórdica, o que pode levar a limitações de generalização dos resultados a outros grupos etnoculturais. (31
Dios et al avaliaram a eficácia da terapêutica de substituição nicotínica e da vareniclina, em combinação com uma intervenção de educação para a saúde, na cessação tabágica em fumadores ligeiros americanos de etnia hispânica. (32 O estudo decorreu entre abril e julho de 2010 e os participantes foram recrutados através de panfletos, anúncios de rádio e referenciação de clínicas comunitárias. (32 Os 32 participantes, americanos de etnia hispânica, de idade igual ou superior a 18 anos e que fumavam dez ou menos cigarros por dia, motivados para a cessação tabágica, foram aleatoriamente distribuídos em três grupos: 1) terapêutica farmacológica com adesivos de nicotina durante 12 semanas (14 mg durante quatro semanas e depois 7 mg durante oito semanas); 2) terapêutica farmacológica com vareniclina durante 12 semanas (0,5 mg uma vez por dia durante três dias, 0,5 mg duas vezes por dia durante quatro dias e depois 1 mg duas vezes por dia); e 3) terapêutica farmacológica com placebo durante 12 semanas, com comprimidos de aspeto e posologia idênticos à vareniclina. (32 Todos os grupos receberam uma sessão breve de intervenção para a mudança comportamental e visitas de seguimento às duas semanas, um mês e dois meses de tratamento, com reforço da importância da adesão terapêutica e aconselhamento breve. (32 A verificação de abstinência tabágica foi realizada aos um, dois, três, quatro e seis meses de intervenção, através do doseamento de monóxido de carbono expirado e de cotinina salivar. (32 Os resultados demonstraram que no grupo da terapêutica de substituição nicotínica não houve casos de abstinência tabágica, no grupo placebo apenas um participante esteve em abstinência às duas semanas e um mês, e no grupo da vareniclina 33% dos participantes estavam abstinentes ao primeiro mês, 63% ao segundo mês, 38% ao terceiro e quarto meses e 43% ao sexto mês. (32 Assim, a vareniclina associou-se a maiores níveis de abstinência, enquanto a terapêutica de substituição nicotínica não demonstrou qualquer benefício. (32 As principais limitações do estudo são o pequeno tamanho da amostra e o foco numa população exclusivamente hispânica, o que pode levar a limitações de generalização dos resultados a outros grupos etnoculturais. (32 Além disso, o estudo não foi realizado de forma totalmente cega, uma vez que apesar de nos grupos 2 e 3 terem sido utilizados comprimidos semelhantes para a vareniclina e placebo, no grupo 1 foram utilizados adesivos, o que não garantiu o desconhecimento da terapêutica em vigor. (32
Ebbert et al. avaliaram a eficácia da vareniclina na cessação tabágica em americanos fumadores ligeiros ou intermitentes. (33 O estudo decorreu entre 2013 e 2015, sendo que os 98 participantes, de idade igual ou superior a 18 anos, que fumavam cinco a dez cigarros por dia há pelo menos seis meses e que estavam interessados em deixar de fumar, foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos: 1) intervenção farmacológica com vareniclina durante 12 semanas (0,5 mg uma vez por dia durante três dias, 0,5 mg duas vezes por dia durante quatro dias e depois 1 mg duas vezes por dia); e 2) intervenção farmacológica com placebo. (33 Todos os participantes receberam seis sessões de dez minutos de aconselhamento comportamental e tiveram consultas quinzenais durante o tratamento, uma semana após o fim do tratamento e às 26 semanas. (33 A verificação de abstinência tabágica foi realizada às 12 e 26 semanas de intervenção, através do doseamento de monóxido de carbono expirado. (33 Os resultados revelaram que a vareniclina se associou a um aumento estatisticamente significativo da prevalência pontual (53% vs 15% às 12 semanas; 40% vs 21% às 26 semanas) e da abstinência prolongada (40% vs 8% às 12 semanas; 31% vs 8% às 26 semanas). (33 Aos seis meses, a probabilidade de abstinência duplicou com a vareniclina (OR = 2,53; 95% CI = 1,01 - 6,34; p = 0,047) e a abstinência prolongada praticamente quintuplicou (OR = 4,97; 95% CI = 1,49 - 16,53; p = 0,009). Assim, a vareniclina demonstrou ser segura e eficaz nos fumadores ligeiros, um efeito comparável ao observado nos fumadores pesados. (33 A principal limitação do estudo foi o reduzido tamanho da amostra, devido ao elevado número de perdas de seguimento. (33
Conclusão
Neste trabalho, apresenta-se uma revisão da evidência existente a nível internacional relativa à utilização do tratamento farmacológico e/ou não farmacológico em fumadores ligeiros, na obtenção de cessação tabágica. Foi possível realizar uma abordagem abrangente das várias terapêuticas farmacológicas disponíveis. Contudo, uma forte limitação deste estudo prende-se com o facto de que os estudos incluídos não utilizaram uma definição clara e congruente da intervenção não farmacológica. Segundo as orientações americanas, de 2008, (34 os fumadores ligeiros devem receber sessões de aconselhamento, nomeadamente intervenções breves baseadas nos 5 A’s (Abordar, Avaliar, Aconselhar, Ajudar/Apoiar e Acompanhar). (35 Contudo, as intervenções descritas nos vários estudos não são claras quanto ao uso desta ou de outras metodologias, pelo que a qualidade da intervenção não pode ser assegurada.
Tendo em consideração o reduzido número de estudos existentes sobre a temática e uma vez que estes se referem a intervenções terapêuticas variadas, além do facto de alguns estudos apresentarem limitações, a força de recomendação, de acordo com a taxonomia SORT, (27) foram atribuídas conforme demonstrado na Tabela 2.
Recomendação | Força de Recomendação27 |
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A terapêutica com bupropiona não é mais eficaz do que o aconselhamento isolado na obtenção de cessação tabágica a longo prazo em fumadores ligeiros, pelo que a sua utilização por rotina não é recomendada. | B |
A terapêutica de substituição nicotínica não é mais eficaz do que o aconselhamento isolado na obtenção de cessação tabágica em fumadores ligeiros, pelo que a sua utilização por rotina não é recomendada. | B |
A terapêutica com vareniclina é mais eficaz do que o aconselhamento isolado na obtenção de cessação tabágica em fumadores ligeiros e na manutenção da abstinência a pelo menos 6 meses, pelo que a sua utilização pode ser benéfica em fumadores ligeiros sem contraindicação à sua utilização. | B |
Relativamente à terapêutica com bupropiona, esta não demonstrou ser superior ao aconselhamento breve de forma isolada na obtenção de cessação tabágica a mais de seis meses em fumadores ligeiros, pelo que a sua utilização por rotina não é recomendada. Quando utilizada, a sua descontinuação precoce (antes das três semanas) associa-se a uma menor probabilidade de atingir a abstinência tabágica do que se a terapêutica for mantida durante sete semanas, mas o mesmo se verificou relativamente ao aconselhamento breve isolado, que perdia eficácia quando descontinuado precocemente. Assim, caso seja iniciada a terapêutica, esta deve ser mantida durante o tempo previsto para maximizar os benefícios obtidos. Os dois estudos analisados são ensaios clínicos aleatorizados, mas ambos analisaram a mesma amostra populacional de um grupo etnocultural específico, (29,30 o que limita a generalização dos resultados observados, pelo que se atribuiu a ambos os estudos um nível de evidência 1 e à recomendação uma força de recomendação B. (27
No que concerne à terapêutica de substituição nicotínica, esta não demonstrou ser superior ao aconselhamento breve de forma isolada na obtenção de cessação tabágica em fumadores ligeiros, pelo que a sua utilização por rotina não é recomendada. Os estudos analisados são ensaios clínicos aleatorizados, mas um deles não foi realizado de forma cega, por os adesivos com fármaco e com placebo não serem idênticos, (31 e o outro foi realizado numa amostra de pequenas dimensões e apresentou várias perdas no follow-up, (32 por má adesão às terapêuticas instituídas, tendo ambos limitações de generalização dos resultados por terem sido realizados em populações etnoculturalmente restritas, (31,32 pelo que se atribuiu a ambos os estudos um nível de evidência 2 e à recomendação uma força de recomendação B. (27
Em relação à terapêutica com vareniclina, este fármaco demonstrou superioridade na obtenção e manutenção de abstinência tabágica em comparação com o aconselhamento breve de forma isolada, pelo que a sua utilização pode ser benéfica em fumadores ligeiros sem contraindicações à sua utilização. Os dois estudos analisados que servem de base a esta recomendação são ensaios clínicos aleatorizados, mas em ambos a amostra populacional era de pequenas dimensões e ambos apresentaram várias perdas no follow-up, (32,33 além de ambos terem limitações na generalização dos resultados por terem sido realizados em populações etnoculturalmente restritas, (32,33) pelo que se atribuiu a ambos os estudos um nível de evidência 2 e à recomendação uma força de recomendação B. (27
Em Portugal, o elevado custo e a falta de comparticipação na maioria das terapêuticas disponibilizadas para a cessação tabágica, com exceção da vareniclina, são condicionantes da aplicação das melhores práticas na população fumadora. A isto acresce a dificuldade de acesso no Serviço Nacional de Saúde a consultas de Psicologia ou de Cessação Tabágica em tempo útil para a realização de um aconselhamento adequado. Estas dificuldades tornam-se mais evidentes nos fumadores ligeiros, uma vez que estes escassos recursos são muitas vezes restringidos aos fumadores pesados. Desde setembro de 2021, a comercialização da vareniclina foi suspensa a nível mundial, (36-38 e ainda não há data prevista de reposição do medicamento no mercado, o que vem agravar as dificuldades no tratamento quer dos fumadores ligeiros quer dos fumadores pesados.
A intervenção breve pode ser benéfica de forma isolada, mas principalmente como potenciadora da intervenção farmacológica, contudo deve ser realizada com base em princípios devidamente validados que permitam garantir a qualidade da intervenção.
Dado o número limitado de estudos referentes a este tema e a falta de recomendações claras de intervenção na cessação tabágica em fumadores ligeiros, são necessários mais ensaios clínicos para reforçar a evidência de qual a melhor prática.
Ainda assim, a atual evidência sugere que, para a população adulta fumadora ligeira, a terapêutica farmacológica com vareniclina oferece uma opção apropriada para a cessação tabágica, em alternativa ao aconselhamento de forma isolada, sendo eficaz na obtenção e manutenção da abstinência tabágica nesta população.