Introdução
A formação médica é um tema emergente na comunidade médica e na sociedade civil. O crescente número de médicos que após terminarem o Internato de Formação Geral (IFG) não ingressam em Formação Especializada, permanecendo em prática de medicina geral, eleva a importância desta fase de aprendizagem.
O programa de formação do IFG tem sofrido inúmeras alterações estruturais ao longo do tempo. Atualmente tem duração de 12 meses, dos quais quatro são atribuídos ao estágio de Medicina Interna. O objetivo deste estágio é conhecer os princípios gerais da abordagem do doente agudo e/ou crónico, melhorar a capacidade de gestão e a comunicação com o mesmo, de uma forma que seja útil na sua prática clínica futura, seja como clínicos gerais ou médicos internos em formação específica. O nosso hospital recebe cerca de 24 internos de formação geral por ano. Os autores tinham a perceção que a qualidade do ensino no serviço de Medicina Interna apresentava lacunas. Deste modo, decidiram avaliar a opinião dos internos sobre a formação com objetivo de identificar aspetos a melhorar e otimizar a formação prestada pelo serviço.
Material e métodos
Foram inquiridos os 48 internos de formação geral que completaram o estágio de Medicina Interna entre 2020 e 2021, correspondendo à totalidade dos internos que ingressaram no IFG. Após a conclusão do estágio, foi enviado um inquérito online, de resposta anónima, com 20 questões, utilizando escalas de Likert, e uma questão de resposta aberta. As questões abordaram a introdução e integração ao serviço, momentos pedagógicos, e aquisição de autonomia e conhecimentos. O inquérito realizado encontra-se em anexo (Anexo I).
Resultados
Obtiveram-se 24 respostas (50% dos inquiridos). No que respeita a introdução ao serviço, verificou-se que em 21% dos casos não foi apresentado o espaço físico, os seus funcionários nem foi explicada a organização do mesmo (incluindo o funcionamento do sistema informático e burocracias do trabalho quotidiano). Na introdução ao estágio 63% dos inquiridos referiram que não lhes foi comunicado quais os objetivos do estágio. Avaliando a sua progressão no estágio, 63% dos internos avaliou a aquisição de conhecimento como elevada (Fig. 1). Quando questionados face à sua confiança para observar e gerir doentes de forma autónoma enquanto médicos de clínica geral, 54% sentiam-se muito confiantes (Fig. 2).
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Figura 1: Resultados das respostas à questão: Como avalia a sua aquisição de conhecimentos ao longo do estágio? Respostas numa escala de 1 a 5, sendo que 1 corresponde a “nula” e 5 a “imensa”.
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Figura 2: Resultados das respostas à questão: Qual o seu grau de confiança para observar e gerir doentes de forma autónoma enquanto médico não especialista? Respostas numa escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a “nenhuma” e 5 a “total”.
Foi também avaliada a integração dos jovens internos nas equipas médicas atribuídas, onde se verificou que 80% dos inquiridos sentiu-se totalmente ou muito integrados na equipa médica a que pertenciam. Quando necessitaram de apoio para observação de doentes ou de esclarecer dúvidas, 67% dos inquiridos referiu ter obtido sempre ajuda. Relativamente à frequência dos momentos pedagógicos, do serviço ou dentro da equipa médica, mais de metade dos internos (54%) considerou-os como razoavelmente ou pouco frequentes, enquanto 38% considerou-os como muito frequentes (Fig. 3). Os momentos pedagógicos foram definidos como sessões clínicas, journal club, ou tempo dedicado dos elementos mais graduados para com os internos para revisão de temas sobre Medicina Interna. Dos inquiridos, 79% referiu não ter apresentado qualquer journal club ou revisão temática.
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Figura 3: Resultados da classificação atribuída à frequência dos momentos pedagógicos. Escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a “inexistentes” e 5 a “Diários”.
No que respeita o acompanhamento do estágio, 42% dos jovens médicos referiu que não lhe foi transmitido o seu desempenho ao longo do estágio e em 67% dos casos não foi questionada a opinião do que melhorar no mesmo. A média de avaliação dada pelos internos ao estágio de Medicina Interna foi de 16,2/20. Todos os resultados encontram-se expostos na Tabela 1.
Tabela 1: Resultados em percentagem de todas as questões do questionário realizado. Resultados arredondados às unidades. Consultar anexo I para aceder às questões correspondentes.
Questão | Respostas (em percentagem) |
1 | Sim (79%); Não (21%) |
2 | Sim (92%); Não (8%) |
3 | Sim (79%); Não (21%) |
4 | Sim (37%); Não (63%) |
5 | 1 (0%); 2 (8%); 3 (12%); 4 (63%); 5 (17%) |
6 | 1 (0%); 2 (0%); 3 (17%); 4 (79%); 5 (4%) |
7 | 1 (0%); 2 (13%); 3 (29%); 4 (54%); 5 (4%) |
8 | 1 (4%); 2 (8%); 3 (13%); 4 (17%); 5 (58%) |
9 | 1 (0%); 2 (0%); 3 (13%); 4 (29%); 5 (58%) |
10 | 1 (4%); 2 (4%); 3 (12%); 4 (17%); 5 (63%) |
11 | 1 (0%); 2 (4%); 3 (4%); 4 (25%); 5 (67%) |
12 | 1 (0%); 2 (33%); 3 (21%); 4 (38%); 5 (8%) |
13 | 1 (0%); 2 (4%); 3 (25%); 4 (42%); 5 (29%) |
14 | 1 (25%); 2 (12%); 3 (42%); 4 (21%); 5 (0%) |
15 | 1 (9%); 2 (33%); 3 (33%); 4 (21%); 5 (4%) |
16 | 1 (4%); 2 (21%); 3 (29%); 4 (29%); 5 (17%) |
17 | Sim (58%); Não (42%) |
18 | Sim (33%); Não (67%) |
19 | Sim (21%); Não (79%) |
20 | Média: 16,2/20. |
Discussão
Analisando os resultados, constata-se que pontos fulcrais e objetivos firmados no plano do IFG, como a apresentação do serviço e seu funcionamento ou dos objetivos do estágio, não são sistemáticas. Um aspeto positivo do serviço é a boa integração e de apoio prestado aos internos, o que pode resultar da pequena dimensão hospitalar proporcionando proximidade entre os médicos internos em formação geral com médicos internos em formação específica e com os assistentes hospitalares. Apesar da maioria dos inquiridos classificar a aquisição de conhecimento como boa e adquirir confiança na gestão de doentes, verificou-se que a frequência dos momentos pedagógicos era baixa. Os estágios em análise tiveram uma forte influência pela pandemia o que pode explicar a ausência de reuniões de serviço e de apresentações de trabalhos no serviço, porém, estas poderiam ser colmatadas por momentos pedagógicos no seio da equipa médica atribuída. Uma outra preocupação levantada pelo inquérito foi a falta de comunicação entre interno e mentor, no que respeita o desempenho no estágio e formas de o melhorar.
Conclusão
Os resultados foram apresentados e discutidos em serviço segundo análise SWOT (strenghts, weaknesses, opportunities and threats). Foram apresentadas propostas pelos autores e estabeleceu-se um plano para otimização da qualidade formativa do nosso serviço.
Entre outras ações, sistematizou-se a introdução dos médicos internos ao serviço, foram criadas novas sessões clínicas dirigidas ao IFG e elaborou-se um manual do interno de formação geral onde constam informações úteis para a prática clínica, nomeadamente elaboração de diário clínico, notas de admissão e de alta ou realização de folha terapêutica. Os autores irão avaliar os efeitos das medidas tomadas através de um novo questionário no próximo ano. Deste modo, ambiciona-se uma formação médica de vanguarda adaptada à realidade da prática clínica e com o intuito de capacitar os médicos recém-formados para a mesma.
A Medicina Interna é o pilar da educação médica. Nos últimos anos pela sobrecarga de trabalho associada ao desgaste dos profissionais, verificou-se uma regressão na capacidade de formação dos serviços. Dadas as circunstâncias da prática médica atual, com um número acrescido de médicos sem formação especializada reveste-se de grande importância uma formação adequada, sendo que a Medicina Interna tem um papel fulcral na mesma, que não pode ser descurado.1