INTRODUÇÃO
As atuais dimensões sociocultural e, acima de tudo, económico-financeira do futebol, com uma crescente transformação de clubes em empresas, cuja sobrevivência e interesses acoplados dependem do sucesso desportivo das suas equipas, exigem mais que nunca, à imagem dos mundos empresarial e industrial, excelência na produtividade. As pressões resultantes dos diversos interesses envolvidos neste desporto e as especificidades e evoluções do próprio jogo requerem atletas psicologicamente fortes, resistentes, robustos e determinados, capazes de decidir bem e rápido e em situações diversas tal como estas se sucedem em espaços de tempo relativamente curtos ao longo do jogo. O futebol, enquanto fenómeno, apresenta-se extremamente dinâmico, exigente, nivelado e seletivo, profundamente marcado pela competitividade e pela procura do resultado, o que requer um estudo constante dos processos que influenciam os desempenhos coletivo e individual, procurando não só a identificação dos fatores que influenciam a performance desportiva, mas também dos elementos que distinguem os futebolistas de sucesso dos restantes.
Da análise das declarações de futebolistas, treinadores, dirigentes, ou mesmo de simples adeptos, resulta a perceção de que poucas vezes os resultados ou níveis de rendimento são determinados por aspetos físicos, técnicos e táticos: ansiedade, motivação, descontrolo emocional, falta de concentração, de atitude, que jogaram sem objetivos, são algumas das expressões mais recorrentes (Fonseca, 2004). Na verdade, tal como observado, não existe uma única jornada, ou mesmo um único jogo dos campeonatos, em que não sejam referenciadas razões ou fatores de natureza psicológica para procurar explicar, descrever ou interpretar um qualquer resultado ou desempenho, Estas ocorrências vão ao encontro do crescente reconhecimento da importância e do papel exercido pelos fatores psicológicos no rendimento desportivo quer individual quer coletivo (Hill, 2007; Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007; Matos, Cruz, & Almeida, 2011; Thelwell, Greenlees, & Weston, 2006).
A investigação no âmbito das ciências do desporto sugere que o rendimento desportivo é um fenómeno multidimensional (Garganta, Marques, & Maia, 2002). Contudo, áreas como a fisiologia, biologia, biomecânica, medicina, entre outras, estão de tal forma desenvolvidas e exploradas que o seu contributo para a melhoria das prestações desportivas não se tem revelado tão diferenciador como o já foi no passado. As próprias dimensões da preparação física, técnica e tática estão tão niveladas que é de facto o “psicológico” que faz a diferença (Hill, 2007; Vasconcelos-Raposo, 1993). A psicologia é a área onde se podem obter ganhos mais significativos, já que permite o desenvolvimento das capacidades humanas até níveis ainda desconhecidos. Ainda de acordo com vários autores (Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007; Thelwell et, al, 2006; Vasconcelos-Raposo, 1994) quanto mais elevado for o nível competitivo maior será a importância dos fatores psicológicos, uma vez que a preparação mental influencia de forma determinante o rendimento desportivo no futebol. Esta realidade é por demais evidente no contexto competitivo das equipas de futebol de alto rendimento, cuja filosofia de vitória (jogar sempre para ganhar) está presente em todos os jogos e competições. A avaliação regular do perfil psicológico de prestação permite identificar os atletas de diferentes níveis competitivos.
Nos jogos desportivos coletivos, os indicadores obtidos na investigação são preciosos para a melhoria do processo de treino e potenciação do desempenho individual e coletivo em competição (Tavares, 1999). O caso do futebol de alta competição, nomeadamente o de alto rendimento, pela especificidade dos seus processos físicos, técnicos, táticos, e psicológicos, por um lado, e envolvências socioculturais e económico-financeiras, por outro, requerem da psicologia do desporto uma intervenção devidamente contextualizada e de carácter aplicado. O estudo dos processos psicológicos influenciadores do rendimento desportivo, em especial o das variáveis que caracterizam o perfil de excelência, assume grande importância tendo em vista uma intervenção mais eficaz nos processos de treino e competição. Do conhecimento do perfil psicológico de prestação poderá depender a eficácia da ação de outros agentes desportivos, nomeadamente os treinadores, a equipa médica, os dirigentes, e a família, entre outros.
O objetivo do presente estudo é comparar por nível competitivo, posição de jogo e experiência competitiva em função da autoconfiança, negativismo, atenção, imagética, motivação, positivismo e atitude competitiva de jogadores de futebol.
MÉTODOS
O presente estudo teve como base o paradigma quasi-experimental, uma vez que não foi exercida qualquer influência sobre as variáveis independentes. Acrescente-se ainda que apesar de se ter recorrido a grupos de comparação, estes foram constituídos de forma não aleatória. Quanto ao tipo, esta investigação classifica-se como do tipo quantitativo e comparativo, por contemplar as diferenças entre grupos ou condições.
Amostra
A amostra consistiu de 424 futebolistas portugueses do sexo masculino, com idades entre os 18 e os 36 anos (24.16±4.55). Quanto ao nível competitivo, os participantes foram distribuídos por três grupos: Nacional (n = 85; 20.0%), Regional (n = 198; 46.7%) e Distrital (n = 141; 33.3%). No que concerne à posição, 43 (10.1%) dos jogadores são guarda-redes, 128 (30.2%) defesas, 118 (27.8%) médios e 82 (19.3%) avançados. Os 53 futebolistas que restam, por terem referido jogar em várias posições, não foram contemplados nas comparações inter-grupos relativamente a esta variável. Relativamente à experiência competitiva (anos acumulados de prática competitiva desde a idade da iniciação), que variou entre 1 e 29 anos (14.77±4.58), dada a heterogeneidade dos dados encontrados, os participantes foram distribuídos, a partir dos quartis, pelos seguintes grupos: 11 ou menos anos (n = 90; 21.2%), entre 12 e 13 anos (n = 91; 21.5%), entre 14 e 17 anos (n = 132; 31.1%) e com mais de 17 anos (n = 111; 26.2%).
Instrumentos
Na realização do presente estudo foi utilizado o Perfil Psicológico de Prestação (PPP), originalmente desenvolvido por Loehr (1986), traduzido e validado para português por Vasconcelos-Raposo (1993). É um instrumento de autorrelato que ajuda a avaliar os sentimentos dos atletas acerca de fatores críticos da performance, permitindo conhecer o seu estado de preparação psicológica (forças e fraquezas) no que diz respeito às variáveis autoconfiança, controlo do negativismo, atenção, imagética, motivação, pensamentos positivos e atitude competitiva. Este questionário consiste em 42 itens respondidos de forma fechada numa escala tipo Likert de 5 pontos, que varia entre 1 (quase nunca) e 5 (quase sempre). As propriedades psicométricas do PPP evidenciam boa consistência interna e os índices de ajustamento da estrutura fatorial permitem reconhecer o PPP como um instrumento válido para a investigação científica (Coelho, 2007; Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007).
Procedimentos
Para o estudo do efeito das variáveis independentes no conjunto das dimensões que constituem o instrumento utilizado foi utilizada a análise de variância multivariada (MANOVA a um fator). Os efeitos significativos obtidos foram discriminados através de uma ANOVAs one-way posteriores com o respetivo teste de comparações múltiplas (testes Post-Hoc de Tukey para igualdade de variâncias assumida e de Tamhane’s para os restantes casos). A homogeneidade das variâncias foi analisada através do Teste de Levene. O nível de significância previamente estabelecido foi o de 5% (p ≤ .05).
RESULTADOS
Para concretizar os propósitos do presente estudo procedemos à comparação de jogadores de futebol em função do nível competitivo, posição de jogo e anos de experiência competitiva ao nível das sete competências que caracterizam o perfil psicológico de prestação.
Relativamente à comparação das competências psicológicas em função do nível competitivo dos futebolistas das amostras (Quadro 1), o estudo da homogeneidade das variâncias concretizado com o Teste de Levene demonstrou que a igualdade entre grupos pode ser assumida em todas as variáveis, exceção feita aos pensamentos positivos [F (2.421) = 3.371 e p = .035] e à atitude competitiva [F (2.421) = 4.182 e p = .016]. A análise de variância multivariada (MANOVA a um fator) indiciou não existir um efeito diferenciador significativo por parte da variável nível competitivo [Wilks’ Lambda = .961. F (14. 830) = 1.199. p = .270 e η P 2 = .020]. Quando analisado separadamente o seu poder diferenciador (ANOVA univariada a um fator), os resultados revelaram diferenças significativas nas dimensões controlo de negativismo e atenção.
Variáveis | Nacional M±DP | Regional M±DP | Distrital M±DP | F | ≠ |
---|---|---|---|---|---|
Autoconfiança | 25.60±2.83 | 25.21±3.45 | 25.06±3.14 | .764 | -- |
C. Negativismo | 21.33±2.57 | 21.41±3.14 | 20.45±3.21 | 4.423 | Regional > Distrital |
Atenção | 23.93±2.96 | 23.45±3.13 | 22.74±3.04 | 4.403 | Nacional > Distrital |
Imagética | 21.67±3.85 | 21.81±3.79 | 21.47±3.99 | .327 | -- |
Motivação | 26.67±2.61 | 26.16±3.29 | 26.06±2.96 | 1.168 | -- |
P. Positivos | 24.24±2.41 | 23.81±3.01 | 23.62±3.19 | 1.139 | -- |
At. Competitiva | 24.66±2.23 | 24.35±2.91 | 24.04±3.05 | 1.295 | -- |
Nota: ≠ - diferenças significativas (p < .05)
No que concerne às comparações das competências psicológicas entre posições. apresentadas na Quadro 2. o estudo da homogeneidade das variâncias permitiu verificar igualdade entre grupos em todas as escalas. A análise de variância multivariada sugeriu não existir um efeito diferenciador significativo por parte da variável posição [Wilks’ Lambda = .939. F (21. 1037.147) = 1.087. p = .355 e η p ²= .021]. Os resultados das análises univariadas (ANOVAs a um fator) apenas evidenciaram diferenças significativas na competência controlo do negativismo.
Variáveis | Guarda-redes M±DP | Defesas M±DP | Médios M±DP | Avançados M±DP | F | ≠ |
---|---|---|---|---|---|---|
Autoconfiança | 25.93±3.38 | 25.25±3.52 | 24.98±3.05 | 24.95±3.14 | 1.047 | -- |
C. Negativismo | 22.21±2.61 | 21.20±3.23 | 20.75±3.14 | 20.60±2.89 | 3.128 | Gr > M.A |
Atenção | 24.09±2.79 | 23.30±3.07 | 23.05±2.98 | 23.24±3.33 | 1.222 | -- |
Imagética | 22.67±3.96 | 21.32±4.32 | 21.15±3.41 | 22.17±3.81 | 2.418 | -- |
Motivação | 26.60±2.80 | 26.25±3.45 | 26.03±2.88 | 26.17±3.13 | .362 | -- |
P. Positivos | 24.44±2.95 | 23.57±3.41 | 23.86±2.69 | 23.84±2.88 | .901 | -- |
At. Competitiva | 24.91±2.99 | 24.18±3.18 | 24.23±2.56 | 24.35±2.76 | .742 | -- |
Nota: Gr - guarda-redes; M - médios; A - avançados; ≠ - Nota: ≠ - diferenças significativas (p < .05)
Relativamente à comparação dos diferentes grupos no que concerne à experiência competitiva (Quadro 3). o estudo da homogeneidade das variâncias permitiu assumir a igualdade entre grupos em todas as variáveis. exceção feita à imagética [F (3.420) = 3.891 e p = .009]. Os índices da análise de variância multivariada (Manova a um fator) sugerem que existe um efeito diferenciador significativo [Wilks’ Lambda = .840. F (21.1189.335) = 3.553. p = .000 e η p ² = .057]. As diferenças significativas entre grupos foram identificadas. através de análises univariadas (ANOVAs a um fator). em todas as escalas do PPP. exceção feita à motivação.
Variáveis | ≤11 (E1) M±DP | 12-13 (E 2 ) M±DP | 14-17 (E 3 ) M±DP | ≥18 (E 4 ) M±DP | F | ≠ |
---|---|---|---|---|---|---|
Autoconfiança | 24.06±3.18 | 24.91±2.94 | 25.28±3.32 | 26.41±3.02 | 9.745 | E4>E1.E2.E3; E3>E1; |
C. Negativismo | 20.23±3.41 | 20.51±2.44 | 20.90±3.11 | 22.44±2.83 | 11.484 | E4>E1.E2.E3 |
Atenção | 22.46±3.32 | 22.79±2.94 | 23.64±3.16 | 24.05±2.73 | 5.919 | E4>E1.E2; E3>E1 |
Imagética | 20.70±3.09 | 21.68±3.69 | 21.91±3.76 | 22.16±4.55 | 2.691 | E4>E1 |
Motivação | 25.84±3.18 | 25.96±3.06 | 26.36±3.03 | 26.60±2.96 | 1.353 | -- |
P. Positivos | 23.10±2.79 | 23.62±2.67 | 23.83±3.02 | 24.62±3.11 | 4.743 | E4>E1 |
At. Competitiva | 23.61±2.87 | 23.63±2.76 | 24.25±2.71 | 25.51±2.67 | 10.993 | E4>E1.E2.E3 |
Nota: ≠ - diferenças significativas (p < .05)
DISCUSSÃO
Para a comparação dos dados obtidos foram privilegiados estudos realizados no contexto dos desportos coletivos, com especial ênfase no futebol. Tal prioridade deve-se ao facto de existirem diversos autores que referenciam a existência de diferenças, ao nível das exigências psicológicas, entre modalidades individuais e coletivas (Coelho, 2007; Nave 2008), Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007) defendem que as especificidades dos desportos, no seu processo de treino desportivo, privilegiam a aprendizagem de algumas competências psicológicas em detrimento de outras.
A atribuição de significado aos valores encontrados tem por base as sugestões de Loehr (1986) e Vasconcelos-Raposo (1993, 1994). Estes autores sugerem que valores médios entre 20 e 25 para as competências psicológicas expressam uma preparação mental não sistemática, e por essa razão evidenciam a necessidade de integração de treino mental na rotina diária dos atletas. Assim, as médias desta investigação, exceção feita à variável motivação, indiciam, segundo os critérios de Loehr (1986), que os futebolistas portugueses não beneficiam de qualquer tipo de intervenção sistemática. Por auto reconhecimento da importância da componente mental, aqueles atletas tenderão de alguma forma a desenvolver estratégias para se preparem mentalmente para a competição. Estes dados vão, na sua generalidade, ao encontro dos trabalhos de Vasconcelos-Raposo (1994), Carvalho (1998) e Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007).
Fonseca (2004) observou serem muito poucas as equipas portuguesas que contemplam a preparação psicológica de forma sistemática nas suas rotinas de treino e de preparação para a competição. O facto deste tipo de resultado se repetir após duas décadas de diferença, tomando aqui como referências Vasconcelos-Raposo (1994) e Carvalho (1998), sugere que a resistência à integração dos psicólogos nas equipas técnicas não pode continuar a ser explicada com a falta de conhecimento dos treinadores sobre a relevância dos contributos da preparação mental para a prestação desportiva. Parte dessa ausência deve-se aos próprios e estamos inclinados a pensar que de uma forma particular deverá ser prestada atenção à formação técnica e científica que atualmente se faz nesta área de especialização em Psicologia. Importa também ultrapassar o desconhecimento sobre os papéis da psicologia do desporto e seus profissionais, alterar a perceção negativa e a desconfiança por parte dos “atores” desportivos (jogadores, treinadores, dirigentes, etc,) relativamente a esta área disciplinar.
Nesta investigação destaca-se a motivação que, pelas médias apresentadas e segundo as referências de Loehr (1986), é a única competência psicológica com um nível de desenvolvimento adequado a níveis de elite. Idênticos resultados foram encontrados noutras pesquisas realizadas no futebol (Carvalho, 1998; Luzio, 1995; Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007). A motivação é um dos fatores mais referenciados entre as razões justificativas do sucesso ou insucesso das equipas ou jogadores de futebol (Corrêa, Alchieri, Duarte, & Strey, 2002).
A motivação contempla a intensidade e a direção dos comportamentos dos indivíduos tendo em vista a obtenção, com sucesso, de determinados objetivos (Roberts, 1993, 2001). Pela sua natureza competitiva e económico-financeira, o futebol é um meio orientado para os resultados pois dele dependem as progressões profissionais e as respetivas compensações, tanto ao nível individual como da equipa. Por outro lado, a realidade económico-financeira do futebol impõe aos jogadores, mais que nunca, níveis elevados de esforço, concentração e persistência, com o objetivo de atingirem um melhor desempenho, tanto individual como do ponto de vista do seu contributo para o da equipa. Reconhece-se, igualmente, a indiscutível influência da motivação no comportamento dos futebolistas, pois os processos motivacionais, tal como propõe Roberts (1992, 1993), estão ligados aos relacionamentos interpessoais, aspeto este inerente à existência funcional de qualquer equipa.
As competências dos futebolistas estudados revelaram atletas débeis ao nível do controlo do negativismo, tal como noutros estudos realizados no futebol (Luzio, 1995; Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007; Vasconcelos-Raposo, 1994). Esta fraqueza (Quadro 1), tendo em conta os critérios de Loehr (1986), sustenta o argumento de que os futebolistas portugueses não realizam uma preparação mental adequada para os níveis competitivos em que participam, Pacheco (2003) refere que o treino das competências psicológicas proporciona aos desportistas em geral e aos de alto rendimento em particular, excelentes possibilidades de encontrarem soluções individualizadas e adequadas para responder às exigências e dificuldades que a competição lhes coloca. Segundo aquele autor, o paradigma de base desta prática tem amplas analogias com o do treino físico, pois tal como as competências físicas, técnicas e motoras, também as psicológicas podem ser aprendidas, modificadas e melhoradas, Vasconcelos-Raposo (1993) afirma que o treino mental visa maximizar o uso pleno das capacidades humanas dos atletas, fazendo com que sejam minimizados, e de preferência neutralizados, os elementos prejudiciais ao seu rendimento. Este investigador aponta a Psicologia do Desporto como a área onde se pode obter ganhos mais significativos.
A imprevisibilidade do jogo, agravada pelas crescentes intensidade e densidade, assim como um maior equilíbrio de forças entre opositores, não esquecendo a envolvência socioeconómica do futebol, constituem-se como um desafio permanente à capacidade de autocontrolo emocional dos atletas, nomeadamente nas situações de grande pressão competitiva, Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007) sustentam que competições de elevado nível são causadoras de elevado negativismo, levando o atleta a procurar formas de lidar com este estado negativo e controlar melhor essas emoções, antes das competições. Como tal, face à adversidade e envolvência, o controlo emocional, a capacidade dos futebolistas se manterem calmos, relaxados e concentrados pode ser determinante para o seu desempenho e, consequentemente, das respetivas equipas. Por este facto a aparente falta de preparação mental destes atletas evidência lacunas ao nível de um planeamento de treino adequadamente orientado para as exigências que tipificam a competição de alto nível.
Relativamente ao nível competitivo, verifica-se que, de uma forma geral, as médias das competências psicológicas diminuem à medida que se desce no patamar competitivo. Estes resultados, em termos gerais, vão ao encontro dos de Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007) e do que Vasconcelos-Raposo (1993) argumentou: que à medida que se sobe no nível competitivo aumentam as exigências, ao nível da competição e do treino, da preparação física, técnica e psicológica, a que se acrescenta a tática. Atletas com maior controlo sobre as variáveis do PPP obtêm melhores resultados nas suas prestações (Loehr, 1986). Martens, Burton, Vealey, Bump e Smith (1990b) sugeriram que os atletas mais habilidosos têm uma capacidade superior para lidar com pensamentos negativos comparativamente aos menos hábeis e possuem, antes da competição, níveis de negativismo e ativação inferiores e uma autoconfiança superior. Em termos gerais, os dados sugerem que futebolistas de diferentes níveis competitivos recorrem de forma diferenciada às suas competências psicológicas, revelando-se mais competentes os que militam em campeonatos mais exigentes.
Foram encontradas diferenças significativas inter-níveis competitivos no controlo do negativismo, entre os grupos Regional e Distrital, e na atenção, entre os grupos Nacional e Distrital, apresentando os níveis competitivos superiores as médias mais elevadas. Estes resultados, além de similares aos de Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007), vão ao encontro dos argumentos de Loehr (1986), quando preconizou que um dos fatores mais importantes do sucesso desportivo é a capacidade para se desenvolver e manter um clima interno estável durante a competição, constituindo o autocontrolo de emoções um fator importante não só para a melhoria do rendimento desportivo, mas também para a diferenciação de atletas de diferentes níveis de rendimento. Sublinha ainda a capacidade de sustentação, de forma consistente, de um estado ideal de performance durante a competição. Ora, a duração do período competitivo no futebol, de quase 11 meses, e a consequente necessidade de um rendimento regular e consistente, de preferência sem grandes oscilações e sem picos de forma, exigem jogadores mentalmente robustos e com forte autocontrolo emocional, uma vez que todos os jogos contam para a classificação final.
No que concerne às superiores competências dos futebolistas do grupo Nacional comparativamente aos do Distrital nos processos atencionais, estas poderão estar associadas às médias superiores verificadas no controlo do negativismo, Loehr (1986) afirmou que a manutenção e controlo do fluxo de energia positiva permite aos atletas a obtenção de níveis elevados de ativação e, concomitantemente, estes evidenciam calma, baixa tensão muscular e elevado controlo atencional. Por seu lado, o estudo de Vasconcelos-Raposo (1993) demonstrou que os atletas de elite apresentam índices mais elevados de concentração/atenção do que os outros desportistas de nível competitivo inferior. Na mesma linha, Weinberg e Gould (2001) defenderam que no contexto desportivo os processos atencionais são indissociáveis dos bons desempenhos. Para estes autores quando o ambiente muda rapidamente, o foco de atenção também deve mudar rapidamente, pois o pensamento centrado em eventos passados ou no futuro pode originar sinais irrelevantes que podem induzir erros no desempenho. Por outro lado, como referem Viana e Cruz (1996), o grande número de estímulos em constante transformação como a localização da bola, movimentação dos colegas e adversários, as instruções do treinador, o planeamento e execução de determinadas estratégias, entre outras, constituem pistas importantes a atender. Se o indivíduo não dirigir a atenção para os estímulos relevantes para o jogo, tal como ele acontece momento a momento, não perceberá nem vivenciará esses momentos e, consequentemente, tenderá a fracassar nas suas tarefas específicas.
Para Júlio e Araújo (2005), o jogo de futebol é caracterizado pela existência simultânea de cooperação e oposição e pela necessidade permanente de coordenar ações entre jogadores num contexto de grande complexidade. Como tal, segundo aqueles investigadores, é necessário considerar o jogo de futebol como um sistema dinâmico onde decorrem distintos padrões de ação, os quais são diferentes de cada jogador considerado. O futebol, tal como outras modalidades coletivas, é um jogo de julgamentos e de tomadas de decisão dentro de uma dinâmica relacional coletiva. Como tal, as decisões e ações são funcionais, uma vez que estão inerentes à resolução de tarefas, e significativas pois informam quer os adversários e colegas de equipa relativamente ao cumprimento dos objetivos da própria equipa, quer o próprio jogador, pois é pela sua ação que é explorado e conhecido o contexto envolvente. Garganta (2005) argumenta que a grande vantagem das melhores equipas e dos melhores treinadores passa pela capacidade de realizar uma gestão do detalhe sem perder de vista o jogo como sistema dinâmico, pelo que é da maior importância desenvolver as capacidades atencionais dos atletas. Contudo, o seu desenvolvimento requer uma preparação devidamente orientada por psicólogos.
No futebol, à medida que se sobe no nível competitivo aumentam as exigências físicas, técnicas, táticas e psicológicas. Estamos a tratar de uma modalidade cujo contexto e envolvências socioculturais e económico-financeiras provocam situações de grande pressão, de grande stress, para os quais é determinante o controlo do negativismo ou das emoções. O jogo tem também evoluído no sentido de uma maior intensidade e densidade, no que tende a estar associado a uma redução do tempo para os processos de tomada de decisão (Castelo, 2003), para os quais são determinantes não só os processos atencionais, mas também o controlo das emoções. Sublinhe-se ainda que o jogo tem uma natureza permanentemente mutável em que é necessário ter em atenção, em simultâneo, por um lado, a fatores como a posição da bola, dos adversários, dos colegas de equipa, a flutuação destes processos coletivos, a posição de ambas as balizas e a maior ou menor proximidade às mesmas, e as indicações do treinador (Viana & Cruz, 1996). Por outro lado, a envolvência do público, a pressão da massa associativa, dos patrocinadores, da imprensa, entre outros aspetos, devem merecer atenção cuidada na preparação mental para que os atletas não percam a sua concentração. Todo este contexto reforça a importância de um bom controlo das emoções no sentido de uma maior eficácia dos processos atencionais, concretamente no que toca às tomadas de decisão, tendo em vista a ação mais eficaz e adequada a cada momento e situação do jogo.
Em termos gerais, os dados (Quadro 1) sugerem que os fatores psicológicos influenciam o rendimento desportivo, que o controlo do negativismo e a atenção permitem diferenciar jogadores de distintos níveis competitivos, que existe uma relação entre o controlo do negativismo e a atenção e que futebolistas de diferentes níveis competitivos recorrem de forma diferenciada às suas competências psicológicas. Atletas que participam em campeonatos mais exigentes apresentam níveis superiores de competências psicológicas (Loehr, 1996; Mahl; & Vasconcelos-Raposo, 2007; Vasconcelos-Raposo, 1993).
No que se refere à variável posição, constatou-se que a média do controlo do negativismo aumenta à medida que o posicionamento se aproxima da própria baliza. Estes resultados estarão muito provavelmente associados ao aumento das preocupações defensivas, concretamente no que toca à proteção da própria baliza, para a qual é determinante a eficácia dos processos atencionais. Há que relembrar que os dados desta investigação (ver Quadro 1) sugerem que existe uma relação entre o controlo do negativismo e a atenção. O posicionamento recuado no terreno, além da responsabilidade na proteção da própria baliza, poderão ser os fatores indutores da maior solicitação dos processos atencionais.
Na presente investigação, a motivação foi a variável psicológica com o valor médio mais alto em todas as posições, resultado substancialmente diferente dos trabalhos de Vasconcelos-Raposo (1994) e de Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007), em que foi a autoconfiança a competência com média mais alta em todos os grupos. Por outro lado, a variável controlo do negativismo foi a que obteve médias mais baixas em todas as posições, tal como se verificou nos trabalhos realizados nesta modalidade por Vasconcelos-Raposo (1994), Luzio (1995), Carvalho (1998) e Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007). O facto dos jogos, nas modalidades coletivas, serem habitualmente caracterizados pela incerteza de resultados, agudizada, no caso concreto do futebol, pelo número reduzido de golos habitualmente conseguidos, faz com que se estabeleça um contexto exigente do ponto de vista emocional. Estas situações manifestam-se de forma nefasta no rendimento desportivo, facto que é agravado pela inexistência de uma preparação mental sistemática. As múltiplas envolvências vivenciais a que os atletas estão sujeitos criam dificuldades ao nível do autocontrolo emocional.
Foram encontradas diferenças significativas nas competências controlo do negativismo entre os guarda-redes e as posições de médios e avançados, sendo os guarda-redes os que apresentaram melhores indicadores. Estes resultados vão ao encontro dos obtidos por Vasconcelos-Raposo (1994) e Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007), que também verificaram que os guarda-redes apresentavam níveis significativamente mais elevados que outras posições de campo nos pensamentos positivos e na atenção, respetivamente. De salientar que na presente investigação, tal como na de Vasconcelos-Raposo (1994), os guarda-redes se evidenciaram como os mais fortes em todas competências psicológicas. Esta distinção estará muito provavelmente relacionada com a especificidade não só da sua localização mais recuada, mas também das próprias funções dentro dos sistemas e modelos de jogo das equipas, nomeadamente no que concerne às preocupações defensivas relacionadas com a proteção da baliza. Os guarda-redes constituem o último obstáculo à obtenção do golo, pelo que, face a este constrangimento, deverão revelar, tanto nos treinos como nas competições, um forte autocontrolo emocional, uma forte capacidade de auto-motivação e de motivar os restantes colegas de equipa perante as adversidades. Poderá ainda ser argumentado que as circunstâncias em que estes treinam contribuem para o desenvolvimento de uma maior robustez mental, nomeadamente o facto de treinarem frequentemente de forma isolada.
Os resultados do presente estudo, além de outros referenciados (Mahl & Vasconcelos-Raposo, 2007; Vasconcelos-Raposo, 1994), sugerem que distintos setores solicitam a aplicação de diferentes competências psicológicas e, consequentemente, promovem o desenvolvimento de determinados perfis. Foram encontradas diferenças significativas apenas no controlo do negativismo, concretamente entre os guarda-redes e outras posições (médios e avançados). Elas não surgiram, de forma significativa, entre jogadores de campo. Esta realidade dever-se-á, muito possivelmente, à desatualização da tradicional abordagem por setores (defesas, médios e avançados), sendo como tal necessária uma evolução no sentido de uma maior especificidade no estudo da variável posição no futebol.
No que concerne à experiência competitiva, os resultados encontrados vão ao encontro dos de Mahl e Vasconcelos-Raposo (2007). Verificou-se que, para além dos futebolistas mais experientes se revelarem os mais fortes em todas as competências, estas desenvolvem-se positivamente com os anos de prática competitiva. Foram encontradas diferenças significativas em todas as variáveis, exceção feita à motivação. Assim, os dados sugerem que a experiência competitiva influencia o desenvolvimento das competências psicológicas, fortalecendo-os.
A acumulação de experiências, tanto positivas como negativas, inerente ao processo de aprendizagem, poderá proporcionar o aprimoramento das competências psicológicas e, consequentemente, da eficácia dos futebolistas na resolução dos problemas impostos tanto pelo treino como pela competição. No entanto, há que referir que o processo de maturação, por si só, é insuficiente para a obtenção de um nível excelente de desenvolvimento das competências psicológicas. Ou seja, embora os resultados obtidos sugiram que a experiência competitiva contribui significativamente para o desenvolvimento das competências psicológicas, contudo, por si só, parece não garantir uma preparação psicológica de elevado nível, dado os valores obtidos (Quadro 1) serem indiciadores de uma preparação mental média segundo os critérios de Loehr (1986) Roberts . Vasconcelos-Raposo (1993) sustenta que, apesar de uma maior experiência competitiva conduzir a uma maior capacidade de esforço, resistência e empenhamento por parte dos atletas e que a maturação aumenta o empenhamento no desenvolvimento e aperfeiçoamento das competências, por outro lado, como qualquer outra competência humana, também a qualidade de prestação desportiva é aprendida. Como tal, preconiza-se que a componente psicológica deve ser incorporada, em conjunto com a física e a técnica, na componente globalizante que é a tática, tendo em vista o fortalecimento não só dos aspetos tático-técnicos, estes consubstanciados no terreno através do modelo de jogo, mas também dos sócio-afetivos, ambos sustentação da entidade coletiva que é a equipa.
No geral os resultados do presente estudo sugerem, de maneira clara, que as competências psicológicas são aprendidas e por essa razão, com a implementação de programas de treino mental, os atletas poderão beneficiar dos ganhos proporcionados pela preparação mental bem mais cedo nas suas carreiras desportivas, assim como as equipas poderão assegurar melhores e mais consistentes níveis competitivos dos seus jogadores e por períodos mais longos da carreira destes.
CONCLUSÃO
Em conclusão, os dados sugerem que os futebolistas portugueses se preparam mentalmente para a competição, embora de forma não sistemática e por esse motivo de forma ineficaz ou insuficiente. Reforça-se a teoria de que as competências psicológicas se constituem como fator influenciador do rendimento desportivo individual e coletivo, mas também diferenciador de jogadores de distintos níveis competitivos, posições e experiências competitivas.
Os resultados demonstram, no geral, que é necessária uma mudança de atitude por parte dos responsáveis técnicos e dirigentes, no sentido de se assegurarem de que os atletas que militam nas equipas sob sua responsabilidade sejam preparados em todas as vertentes que lhes possibilitem um retorno potenciado do investimento profissional e financeiro feito nos jogadores.