Introdução
A família, de acordo com Relva (2015), é a instituição mais antiga e relevante da sociedade, possuindo um papel importante ao nível da socialização dos elementos que a ela pertencem, fornecendo-lhes ferramentas para a sua inserção no mundo que os rodeia. Desta forma, a família constitui um espaço privilegiado para a consecução e aprendizagem das dimensões significativas de interação, proporcionando a vivência de relações afetivas profundas, que permitem crescer com o sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela e não a outra qualquer família (Alarcão, 2006). É neste contexto que se inicia o desenvolvimento humano, sendo que o lugar que cada elemento ocupa na sua família vai determinar, em parte, as suas experiências e a sua personalidade (Fernandes, 2007; Minuchin, 1982). Durante o seu ciclo de vida a família sofre diversas transformações, adaptando-se e reestruturando-se de forma a funcionar adequadamente nos diferentes contextos familiares e extrafamiliares (Dias, 2011; Relvas, 1996).
Na perspetiva de Tolou-Shams et al. (2018), o funcionamento familiar é um construto multifacetado, ligado à saúde e à patologia geral do ambiente familiar. Vilaça et al. (2014) consideram que o funcionamento familiar assenta em três aspetos basilares: os Recursos Familiares, a Comunicação na Família e as Dificuldades Familiares. Por Recursos Familiares entendem a capacidade que a família possui para se adaptar, assim como os recursos adjacentes a essa adaptação (Vilaça et al., 2014). A Comunicação na Família compreende a comunicação existente no sistema familiar (Vilaça et al., 2014), como sejam as práticas de interação formativa, relacional, educativa e a integração social dos elementos da família, e é um fator fulcral nas relações familiares (Dias, 2011). Finalmente, as Dificuldades Familiares estão associadas à sobrecarga das dificuldades familiares (Vilaça et al., 2014).
De acordo com Mitchell et al. (2015), as relações estabelecidas entre pais e adolescentes possuem um papel crucial durante a adolescência. Neste sentido, o funcionamento familiar, nesta etapa, assume uma particular importância para os seus membros e as interações que se formam entre si (Henneberger et al., 2014), daí o relevo acrescido relativo à promoção de uma alta qualidade do funcionamento familiar em famílias com adolescentes (Li et al., 2018).
Segundo Gross e Thompson (2007), as emoções são tendências de resposta comportamental, experiencial e fisiológica, que exercem influência no modo como os indivíduos respondem às situações significativas. Deste modo, as emoções são produto e processo das relações sociais (Morris et al., 2007), essenciais para o bem-estar psicossocial e físico do indivíduo. Contudo, nem sempre manifestam um caráter funcional e adaptativo, sendo fulcral regular as emoções para responder adequadamente aos desafios sociais (Aldao et al., 2010; McLaughlin et al., 2011).
Os estudos empíricos têm-se debruçado, essencialmente, nas faixas etárias da infância e adultícia, e, de acordo com Morris et al. (2016), são escassos os estudos que abordam a regulação emocional na adolescência. A regulação emocional é definida por Thompson (1994) como sendo o processo pelo qual os indivíduos respondem, gerem e modificam experiências emocionais, com vista a atingir objetivos individuais e satisfazer as exigências ambientais. A aptidão para a regulação emocional aumenta linear e gradualmente durante a adolescência e antes da entrada na vida adulta (Harden & Tucker-Drob, 2011).
A regulação emocional é um aspeto central do funcionamento afetivo dos indivíduos, na medida que influencia o seu bem-estar, positiva ou negativamente, em função da eficácia com que estes gerem as suas respostas emocionais aos eventos diários (Verzeletti et al., 2016), desempenhando um papel essencial na saúde mental, nas relações sociais e no sucesso académico dos adolescentes (Compas et al., 2017), e que emerge, essencialmente, no contexto interativo entre pais e filhos (Gratz & Roemer, 2004).
Ao longo do desenvolvimento, o indivíduo vai adquirindo competências fundamentais e basilares, sendo que a adolescência acarreta novos e diversos desafios sociais e emocionais (Miller-Slough & Dunsmore, 2016), tornando os adolescentes altamente sensíveis e com comportamentos influenciados pelas suas emoções (Guyer et al., 2016). É fulcral que continuem a aprender, com os familiares e no seu ambiente, a forma como usar essas competências de maneira flexível e diferenciada (Miller-Slough & Dunsmore, 2016).
Indivíduos com fortes competências de regulação emocional demonstram capacidade para responder adequadamente às situações com uma gama de emoções que possibilitam tanto reações inoportunas, quanto o atraso das mesmas, consoante a situação (DeSteno et al., 2013). Inversamente, segundo Gratz e Roemer (2004), indivíduos que demonstrem incapacidade em estar consciente das emoções, aceitá-las, controlar comportamentos impulsivos de acordo com as metas, revelam dificuldades de regulação emocional ou desregulação emocional. A adolescência é uma etapa propícia para a ocorrência de desregulação emocional, visto que os adolescentes vivenciam emoções negativas intensas e elevados níveis de stresse (Ahmed et al., 2015).
Os pais são os principais agentes de socialização no desenvolvimento da regulação emocional (Bariola et al., 2011), ocupando a função de modulação da expressão emocional dos seus filhos (Woszidlo & Kunkel, 2018). Devem, na medida do possível, fornecer-lhes uma vivência repleta de harmonia, pautada de partilhas e expressão de opiniões, de motivação e de suporte emocional (Silva et al., 2016). Os adolescentes que demonstrem uma relação calorosa, acolhedora e de apoio com os pais tendem a exibir estratégias mais eficazes de regulação emocional (Cris et al., 2016). Os dados empíricos indicam que uma relação entre pais e filhos marcada por atenção, compreensão e apoio em situações de stresse, com trocas afetivas saudáveis, faz com que os adolescentes se sintam emocionalmente mais seguros (Gong & Paulson, 2017). Buehler (2020) verificou que a autorregulação emocional dos pais está intimamente relacionada com os processos familiares, exercendo influência no bem-estar dos adolescentes. O estudo de Farley e Kim-Spoon (2015) salienta que os pais que possuem maior consciência e supervisão proporcionam uma maior orientação e reforço face ao desenvolvimento das competências regulatórias adaptativas. Também Crandall et al. (2015) referem que a capacidade de uma mãe para regular as suas emoções parece influenciar a qualidade, a oportunidade e a frequência das interações com todos os membros da família. Do mesmo modo, Li et al. (2018), num estudo com pais com alta desregulação emocional, encontraram maiores níveis de stresse, comportamentos mais hostis e conflituosos, como também interações de menor qualidade com os filhos.
Determinados estudos (Miller-Slough & Dunsmore, 2016; Morris et al., 2017) mostram que a inexistência de recursos, especificamente a falta de apoio por partes dos pais, pressupõe um pior desempenho socioemocional dos adolescentes, assim como altos níveis de interação negativa entre pais e filhos e encontra-se relacionada com a desregulação emocional dos adolescentes. A comunicação entre pais e filhos é uma ferramenta crucial no desenvolvimento saudável do adolescente, sendo que uma boa comunicação emocional conduz a menos problemas emocionais nos adolescentes (Ackard et al., 2006; Stocker et al., 2007). Johnson e Galambos (2014) referem que os indicadores do relacionamento entre pais e adolescentes, como a comunicação com os pais, relacionam-se, negativamente, com a existência de sintomas internalizantes na adolescência. Os adolescentes tendem a evidenciar menos problemas emocionais quando os pais utilizam a comunicação emocional como uma ferramenta na relação diária com os seus filhos (Stocker et al., 2007). A presença de dificuldades familiares, como por exemplo altos níveis de desregulação emocional por partes dos pais, com baixa consciência emocional e baixo controlo de impulsos, tendem a invalidar, frequentemente, as expressões emocionais dos seus filhos, resultando em níveis mais altos de desregulação emocional dos adolescentes, o que, por sua vez, tende a despoletar problemas de internalização e externalização (Buckholdt et al., 2013).
São escassos os estudos que analisam a regulação emocional na adolescência em função de variáveis sociodemográficas como o sexo e o tipo de curso frequentado (curso regular ou curso profissional), o que justificou o nosso interesse e a pertinência de fazermos este estudo. Relativamente ao sexo e à sua relação com a comunicação na família, os resultados na literatura não são consensuais. Por um lado, Torrente (2005) verificou que o sexo masculino evidencia melhor comunicação com os membros da família do que o sexo feminino. Inversamente, no estudo de Rosnati et al. (2007) é o sexo feminino que revela uma comunicação mais aberta com os seus pais. Em contrapartida, Barnes e Olson (1985) não encontraram diferenças no modo como o sexo perceciona a comunicação na família.
Ao nível da relação do sexo com as dificuldades familiares, do mesmo modo, os resultados não são concordantes: no estudo de Grandi et al. (2007) o sexo feminino apresenta maior probabilidade para o desenvolvimento de competências de preservação do funcionamento emocional e relacional da vida familiar quando comparado com o sexo masculino, mas no estudo de Scavenius et al. (2019) o sexo feminino evidencia uma perceção mais negativa acerca do funcionamento familiar em comparação com o sexo masculino.
Igualmente, quanto à regulação emocional em função do sexo, os dados da literatura não são consistentes: no estudo de Neumann et al. (2009) o sexo feminino apresenta maior pontuação na falta de clareza, não-aceitação, menor consciência emocional, menor acesso a estratégias quando comparado com o sexo masculino, pelo contrário, noutros estudos, o sexo feminino tende a recorrer a estratégias mais adaptativas de regulação emocional do que o sexo masculino (Morris et al., 2007).
Relativamente ao curso frequentado pelos adolescentes pareceu-nos importante analisar se existiam algumas diferenças entre aqueles que frequentavam cursos do ensino regular e cursos do ensino profissional. Os argumentos para a existência de diferenças entre uns e outros é que os adolescentes que frequentam o ensino regular fazem-no na expectativa de carreiras académicas mais longas, e inversamente, os do ensino profissional visam um percurso académico menos demorado e, consequentemente, uma entrada no mundo laboral mais precocemente. Dados recentes sobre o estado da Educação em Portugal (Conselho Nacional de Educação, 2019) dão-nos conta que a conclusão dos cursos profissionais no nosso país tem vindo a aumentar desde o ano letivo 2013/2014. O mesmo relatório refere que os jovens, em 2017, procuravam maioritariamente este tipo de ensino como forma de melhorar as hipóteses de encontrar emprego (56%), e consequentemente a independência financeira (70%), sendo um dos motivos as dificuldades financeiras (17%).
Estes indicadores podem levantar várias questões, entre elas: os adolescentes do ensino profissional provêm de famílias com mais dificuldades e, por isso, desejam mais cedo a sua independência (também económica) da família? A entrada no ensino profissional acarreta maior rapidez na conquista da identidade profissional dos jovens e da sua maturidade psicológica e, obviamente, terão uma maior regulação emocional?
Finalmente, importa referir que existem alguns estudos que focam os dois construtos em análise e a sua relação com as mais diversas problemáticas psicológicas, contudo, verificámos que em Portugal são escassos os estudos que abordam o funcionamento familiar e a sua relação com a regulação emocional na adolescência, embora nos pareça um tema pertinente para a psicologia do desenvolvimento individual e familiar.
Sem podermos investigar exaustivamente qualquer uma destas questões, pareceu-nos importante fazer um estudo exploratório sobre as mesmas, até para analisarmos mais algumas variáveis sociodemográficas que poderão influenciar construtos tão multifacetados como os que nos propusemos investigar.
Assim, o presente estudo procura acrescentar mais conhecimento nesta temática e, por isso, tem como principal questão de investigação a associação entre o funcionamento familiar e a regulação emocional nesta fase específica do ciclo vital - a adolescência. Como objetivo geral pretende apurar a relação entre estes dois construtos numa amostra de adolescentes portugueses. Como objetivos específicos definimos: a) comparar por sexo e por curso (profissional ou regular) as dimensões do funcionamento familiar e as dimensões da regulação emocional em adolescentes; b) verificar a associação entre as dimensões do funcionamento familiar e as dimensões da regulação emocional; e, por último, c) analisar se as dimensões do funcionamento familiar são preditoras das dimensões da regulação emocional.
MÉTODOS
O presente estudo apresenta um caráter quantitativo e exploratório, alicerçado em dados de natureza numérica, obtidos através de instrumentos de autorrelato e tem um caráter transversal, na medida em que os dados foram recolhidos num único momento.
Amostra
A amostra final foi constituída por 625 adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos (M = 16.44; DP = 1.07), sendo que 340 (54.4%) pertenciam ao sexo feminino e 285 (45.6%) ao sexo masculino. A idade foi dividida por intervalos etários: 1: 15-17 (84.6%) e 2: 18 aos 20 (15.4%). O nível de escolaridade dos adolescentes variou entre o 10º e o 12º anos, sendo (23.6%) do 10º ano, (40.0%) do 11º ano e (36.4%) do 12º ano. No que respeita ao curso que frequentavam, verificou-se que (17.2%) pertenciam ao Curso Profissional, e os restantes a Cursos do ensino regular: (53.5%) ao Curso de Ciências e Tecnologias, (22.8%) ao Curso de Línguas e Humanidades e (6.6%) ao Curso de Ciências Socioeconómicas. O número de elementos do agregado familiar variou entre 2 e 7 (M = 3.73; DP = .94). No que concerne o número de irmãos, verificou-se que cerca de (79.5%) dos participantes referiram ter irmãos e os restantes (20.5%) são filhos únicos.
Instrumentos
Foi elaborado um Questionário de Dados Sociodemográficos que visou, por um lado, a recolha de um conjunto de informações relativas às variáveis relacionadas ao sujeito, particularmente a idade, o sexo, o ano de escolaridade e o curso e, por outro lado, a recolha de informações de natureza familiar, designadamente o número de pessoas do agregado familiar e o número de irmãos.
De forma a avaliar o funcionamento familiar, optou-se pela utilização do Systemic Clinical Outcome Routine Evaluation (SCORE-15) (Stratton et al., 2010; adaptado e validado para a população portuguesa por Vilaça et al., 2014). Este instrumento é utilizado na avaliação de vários aspetos do funcionamento familiar. É constituído por 15 itens, apresentados de acordo com um conjunto de afirmações para autopreenchimento, de aplicação rápida, divididos em 3 subescalas/dimensões: Recursos Familiares (5 itens) que se refere aos recursos e à capacidade de adaptação da família, Comunicação na Família (5 itens) que avalia a comunicação no sistema familiar, e Dificuldades Familiares (5 itens) que remete para a sobrecarga das dificuldades familiares. Os itens são respondidos numa escala de Likert de 5 pontos (1 = descreve-nos muito bem; 5 = descreve-nos muito mal”). Relativamente à amostra do presente estudo, a consistência interna da escala revelou-se adequada para a totalidade da escala, com um valor de alpha de Cronbach de .86 e um alpha de Cronbach de .80 para os Recursos Familiares. Para as restantes dimensões, obteve-se um alpha de Cronbach de .62 para a Comunicação na Família e .69. para as Dificuldades Familiares, que de acordo com a perspetiva de Hair et al. (1998), os valores iguais ou superiores a .60 são indicativos de consistência interna aceitável.
Para avaliar a regulação emocional foi utilizada a Escala de Dificuldades na Regulação Emocional (DERS) (Gratz & Roemer, 2004; traduzida e adaptada para a população portuguesa por Coutinho et al. 2010). A DERS visa avaliar as dificuldades de regulação emocional, em 6 níveis típicos de desregulação emocional. Esta é constituída por 36 itens, apresentados através de um conjunto de afirmações para um autopreenchimento, divididas em seis subescalas/dimensões: Estratégias (7 itens) que procura avaliar o acesso limitado a estratégias de regulação emocional, Não-Aceitação (6 itens) que procura avaliar a não-aceitação das respostas emocionais, Consciência (6 itens) que exprime a falta de consciência emocional, Impulsos (6 itens) que avalia as dificuldades no controlo de impulsos, Objetivos (5 itens) que pretende avaliar as dificuldades em agir de acordo com os objetivos, e Clareza (5 itens) que expressa a falta de clareza emocional. Os itens são respondidos numa escala de Likert de 5 pontos (1 = quase nunca; 5 = quase sempre). Este estudo evidenciou uma consistência interna adequada em geral, sendo que para a totalidade da escala obteve-se um valor de alpha de Cronbach de .94 e para as dimensões os subsequentes valores de alpha de Cronbach: .89 para Estratégias, .88 para Não-Aceitação, .72 para Consciência, .82 para Impulsos e Objetivos e .75 para Clareza.
Procedimentos
Inicialmente, foi necessária a obtenção de um conjunto de autorizações relativas ao protocolo de investigação. Primeiramente, à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CE-UTAD). Seguiu-se o pedido de autorização à Direção Geral da Educação (DGE), através da plataforma da Monotorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME). Dada a aprovação pela DGE estabelecemos um contacto presencial com as Direções das Escolas Secundárias e Profissionais, e, seguidamente, com os Diretores de Turma, entregando o Consentimento Informado Livre e Esclarecido para, subsequentemente, serem entregues pelos alunos aos respetivos Encarregados de Educação, ou, caso fossem maiores de idade, serem eles mesmos a preencher o dito Consentimento.
Obtida a totalidade das autorizações, procedeu-se à aplicação do protocolo em sala de aula, com a duração média de 25 minutos, respeitando os princípios éticos e deontológicos como a confidencialidade, a voluntariedade de participação e o anonimato dos dados.
Análise estatística
IO tratamento dos dados foi feito com o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences-IBM SPSS, versão 25.
Numa fase inicial, realizou-se a limpeza da amostra, através da identificação de missings e outliers (calculando os Zcores e a da distância de Mahalanobis). Fizemos depois o processo de inferência estatística da distribuição normal ou de Gauss para analisar a normalidade da amostra, através da análise dos valores de achatamento (Skeweness) e de curtose (Kuortosis), e como, de acordo com Gravetter e Wallnau (2000), quando a amostra de um estudo é superior a 30, aceita-se a normalidade desta e, consequentemente, podemos utilizar os testes paramétricos.
No que respeita a análise de dados, foram realizadas análises de variância multivariada (MANOVAS), com o objetivo de verificar, por um lado, a influência do curso e do sexo nas dimensões do funcionamento familiar e, por outro lado, a influência do sexo nas dimensões da regulação emocional, utilizando os valores preconizados por Cohen (1988), sendo que os valores de eta parcial ao quadrado de .01 refletem um efeito pequeno, valores de .06 um efeito moderado e valores de .14 um efeito grande. Efetuaram-se correlações de Pearson intraescalares, de forma a perceber a associação existente entre as dimensões do funcionamento familiar e as dimensões da regulação emocional, sendo que, com base em Cohen (1988), as correlações com valores entre .10 e .29 são pequenas, entre .30 e .49 são médias e entre .50 e 1.0 são elevadas. Para finalizar, realizou-se uma regressão linear múltipla, com vista a analisar se as dimensões do funcionamento familiar são possíveis preditoras das dimensões da regulação emocional. Os resultados foram analisados e interpretados ao nível de significância de 5% (p < .05).
RESULTADOS
Análise diferencial das dimensões do funcionamento familiar em função do curso
Para analisar as diferenças entre as dimensões do funcionamento familiar em função do curso, procedeu-se à criação de dois grupos: ensino profissional (Grupo 1) e ensino regular (Grupo 2), e realizou-se uma análise de variância multivariada (MANOVA). Os resultados podem ser verificados na Quadro1. Os resultados obtidos, permitem-nos verificar a existência de diferenças estatisticamente significativas [F(3.000) = 6.88; p = < .05; ƞp 2 = .032], nas dimensões Comunicação na Família [F(3.000) = 14.69; p = < .05; ƞp 2 = .023] com IC 95% [8.66, 9.72] para o ensino profissional e um IC 95% [7.82, 8.30] para o ensino regular e Dificuldades Familiares [F(3.000) = 17.16; p = < .05; ƞp 2 = .027] com IC 95% [8.77, 9.33] para o ensino profissional e um IC 95% [7.55, 8.27] para o ensino regular. A partir dos resultados observados, constata-se que os adolescentes que frequentam o ensino profissional percecionam mais negativamente a comunicação na família (M = 9.19; DP = 3.09 e M = 8.06; DP = 2.71) e percecionam maiores dificuldades familiares (M = 9.35; DP = 3.24; M = 8.01; DP = 3.02) quando comparados com os adolescentes que frequentam o ensino regular.
Análise diferencial das dimensões do funcionamento familiar em função do sexo
Com vista à exploração das diferenças nas dimensões do funcionamento familiar face ao sexo, efetuou-se a realização de uma análise de variância multivariada (MANOVA). Pode constatar-se, através dos resultados obtidos (Quadro2), a existência de diferenças estatisticamente significativas [F(3.000) = 5.26; p = < .05; ƞp 2 = .025], na dimensão Comunicação na Família [F(3.000) = 7.38; p = < .05; ƞp 2 = .012] com IC 95% [7.68, 8.27] para o sexo feminino e um IC 95% [8.26, 8.91] para o sexo masculino e na dimensão Dificuldades Familiares [F(3.000) = 8.44; p = < .05; ƞp 2 = .013] com IC 95% [7.58, 8.24] para o sexo feminino e um IC 95% [8.27, 8.99] para o sexo masculino.
A partir dos resultados observados, ressalva-se que o sexo masculino apresenta uma perceção mais negativa relativamente à comunicação na família (M = 8.59; DP = 2.93 e M = 7.98; DP = 2.68) e às dificuldades familiares (M = 8.63; DP = 3.20 e M = 7.91; DP = 2.97) quando comparado com o sexo feminino.
Análise diferencial das dimensões da regulação emocional em função do sexo
Para compreender as diferenças entre os dois sexos nas dimensões da regulação emocional, realizou-se uma análise de variância multivariada (MANOVA). Os resultados obtidos, transcritos na Quadro3, permitiram verificar diferenças estatisticamente significativas [F(6.000) = 6.12; p = < .05; ƞp 2 = .056] nas dimensões: Estratégias [F(6.000) = 15.13; p = < .05; ƞp 2 = .024] com um IC 95% [16.88, 18.30] para o sexo feminino e um IC 95% [14.73, 16.02] para o sexo masculino, Não-Aceitação [F(6.000) = 9.85; p = < .05; ƞp 2 = .016] com um IC 95% [12.03, 13.13] para o sexo feminino e um IC 95% [18.35, 19.32] para o sexo masculino, Objetivos [F(6.000) = 23.48; p = < .05; ƞp 2= .036] com um IC 95% [12.64, 13.50] para o sexo feminino e um IC 95% [11.03, 11.97] para o sexo masculino e Clareza [F(6.000) = 15.06; p = < .05; ƞp 2 = .024] com um IC 95% [9.75, 10.50] para o sexo feminino e um IC 95% [8.62, 9.44] para o sexo masculino.
Verifica-se, assim, que o sexo feminino apresenta acesso limitado a estratégias emocionais reguladas (M = 17.59 e DP = 6.84; M = 15.51 e DP = 6.48), não aceitação das respostas emocionais (M = 12.58 e DP = 5.39; M = 11.29 e DP = 4.84), dificuldade em agir de acordo com objetivos (M = 13.07 e DP = 4.05; M = 11.50 e DP = 4.03) e falta de clareza (M = 10.12 e DP = 3.63; M = 9.03; DP = 3.37) quando comparado com o sexo masculino.
Associação entre as dimensões do funcionamento familiar e as dimensões da regulação emocional
Para analisar a associação entre as dimensões do funcionamento familiar e as dimensões da regulação emocional foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson (Quadro 4). Verificaram-se associações, estatisticamente significativas, positivas baixas entre os Recursos Familiares e as Estratégias (r = .259; p < .05); a Não-Aceitação (r = .090; p < .05); os Impulsos (r = .176; p < .05) e, ainda, os Objetivos (r = .205; p < .05).Verificou-se o mesmo tipo de associação entre a Comunicação na Família e as Estratégias (r = .279; p < .05); a Não-Aceitação (r = .200; p < .05); e os Impulsos (r = .292; p < .05), os Objetivos (r = .211; p < .05) e ,ainda, entre a Clareza (r = .251; p < .05). Em contraste, obtiveram-se associações, estatisticamente significativas, negativas baixas entre a Comunicação na Família e a Consciência (r = -.218; p < .05) e entre as Dificuldades Familiares e a Consciência (r = -.156; p < .05).
Evidenciaram-se, ainda, associações, estatisticamente significativas, positivas médias entre os Recursos Familiares e a Clareza (r = .321; p < .05) e entre as Dificuldades Familiares e as Estratégias (r = .300; p < .05). Em contrapartida, também se verificaram associações, estatisticamente significativas, negativas médias entre os Recursos Familiares e a Consciência (r = -.321; p < .05).
Análises preditivas: papel preditor das dimensões do funcionamento familiar nas dimensões da regulação emocional
Visando a exploração da capacidade preditiva das dimensões do funcionamento familiar nas dimensões da regulação emocional, procedeu-se à realização de uma regressão linear múltipla (Quadro 5). Relativamente aos resultados obtidos, pode-se realçar a existência de 2 variáveis preditoras (positivas), estatisticamente significativas, das Estratégias, especificamente os Recursos Familiares (β = .113; p = .016) e as Dificuldades Familiares (β = .176; p = .001). A dimensão Dificuldades Familiares foi a variável que demonstrou contribuir mais fortemente para a variabilidade da dimensão Estratégias. Por outro lado, a Comunicação na Família (β = .101; p = .057) não apresentou uma contribuição estatisticamente significativa. O modelo final é significativo e explica uma pequena proporção (11.1%) da variabilidade das Estratégias [F(3.621) = 25.738; p = .000; R 2 = .111; R 2 a = .106].
Os resultados revelam, ainda, a existência de 2 variáveis preditoras (positivas), estatisticamente significativas, da Não-Aceitação, nomeadamente a Comunicação na Família (β = .126; p = .022) e as Dificuldades Familiares (β = .171; p = .001). A dimensão Dificuldades Familiares foi a variável que demonstrou contribuir mais fortemente para a variabilidade da Não-Aceitação. Em contraste, os Recursos Familiares (β = -.067; p = .165) não apresentaram uma contribuição estatisticamente significativa. O modelo final é significativo e explica uma pequena proporção (5.7%) da variabilidade Não-Aceitação [F(3.621) = 12.439; p = .000; R 2 = .057; R 2 a = .052].
Os resultados indicam também a presença de apenas 1 variável preditora (negativa), estatisticamente significativa, da Consciência, especificamente os Recursos Familiares (β = -.287; p = .000). Portanto, os Recursos Familiares foram a variável que exerceu uma contribuição estatisticamente significativa para a variabilidade da Consciência. Em contrapartida, a Comunicação na Família (β = -.091; p = .089) e as Dificuldades Familiares (β = -.049; p = .340) não apresentaram uma contribuição estatisticamente significativa. O modelo final é significativo e explica uma pequena proporção (10.2%) da variabilidade da Consciência [F(3.621) = 23.449; p = .000; R 2 = .102; R 2 a = .097].
Os resultados mostram-nos também a existência de uma variável preditora (positiva), significativa dos Impulsos, nomeadamente à Comunicação na Família (β = .219; p = .000). Assim, a Comunicação na Família foi a variável que exerceu uma contribuição estatisticamente significativa para a variabilidade dos Impulsos. Por sua vez, os Recursos Familiares (β = -.004; p = .926) e as Dificuldades Familiares (β = .116; p = .026) não demonstraram um contributo estatisticamente significativo. O modelo final é significativo e explica uma pequena proporção (9.3%) da variabilidade dos Impulsos [F(3.621) = 21.111; p = .000; R 2 = .093; R 2 a = .088].
Os resultados indicam a presença de uma variável preditora (positiva), estatisticamente significativa, da dimensão Objetivos, designadamente os Recursos Familiares (β = .112; p = .020). Os Recursos Familiares foram a variável que exerceu uma contribuição significativa para a variabilidade dos Objetivos. Por outro lado, a Comunicação na Família (β = .103; p = .060) e as Dificuldades Familiares (β = .071; p = .179) não demonstraram um contributo significativo. O modelo final explica uma pequena proporção (5.9%) da variabilidade da dimensão Objetivos [F(3.621) = 12.895; p = .000; R 2 = .059; R 2 a = .054].
Finalmente, a regressão linear revelou a presença de uma variável preditora (positiva) da dimensão Clareza, nomeadamente os Recursos Familiares (β = .242; p = .001). Neste sentido, os Recursos Familiares é a variável que exerce uma contribuição estatisticamente significativa para a variabilidade da Clareza. Em contrapartida, a Comunicação na Família (β = .055; p = .302) e as Dificuldades Familiares (β = .095; p = .064) não demonstraram um contributo estatisticamente significativo. O modelo final é significativo e explica uma proporção pequena (11.5%) relativamente à variável Clareza [F(3.621) = 27.013; p = .001; R 2 = .115; R 2 a = .111].
DISCUSSÃO
O estudo e compreensão do funcionamento familiar durante a adolescência é essencial, pois este é um período do ciclo vital familiar de inúmeras alterações que afetam não só o adolescente como toda a família. Por outro lado, a regulação emocional constitui uma das competências essenciais a adquirir pelos adolescentes, que vivem um período marcado pelo contato constante com diferentes agentes de socialização e com novas exigências sociais e novas experiências emocionais.
Neste estudo procurámos aumentar o conhecimento sobre o modo como o funcionamento familiar influência a regulação emocional numa amostra de adolescentes portugueses, dado serem escassos os estudos que analisam estes construtos em simultâneo. Relativamente à diferença entre as dimensões do funcionamento familiar e o curso verificou-se que os adolescentes que frequentavam o ensino profissional possuíam uma perceção mais negativa acerca da comunicação da família e percecionavam a existência de maiores dificuldades familiares quando comparados com os adolescentes que frequentavam o ensino regular. Este resultado poderá ser interpretado à luz do que nos indica a literatura, quando realça que a adolescência é um período de exploração da identidade, com vista a prossecução de objetivos autónomos (Tsai et al., 2012). Por outro lado, nos cursos profissionais, como sabemos e expusemos acima, a formação é mais especializada e dota os adolescentes de ferramentas para uma mais rápida integração no mercado de trabalho, o que poderá conduzir a uma maior autonomia e independência dos adolescentes relativamente à família (ver Conselho Nacional da Educação, 2019).
No que respeita às diferenças entre as dimensões do funcionamento familiar em função do sexo, verificou-se que o sexo masculino perceciona mais negativamente a comunicação na família e perceciona maiores dificuldades familiares quando comparado com o sexo feminino. A evidência empírica apresenta resultados pouco consensuais relativamente às diferenças inter-sexos ao nível da comunicação na família. Por exemplo, Torrente (2005) verificou que o sexo masculino parece ter melhor comunicação com os membros familiares do que o sexo feminino. Em contrapartida, Rosnati et al. (2007) verificaram que o sexo feminino tem uma comunicação mais aberta com os pais. E Barnes e Olson (1985) não encontraram diferenças no modo como o sexo feminino e masculino percecionam a comunicação com os seus pais.
Quanto ao dado dos adolescentes do sexo masculino percecionarem maiores dificuldades familiares vai de encontro aos resultados obtidos por Grandi et al. (2007), que verificaram que o sexo feminino, comparativamente ao sexo masculino, apresenta maior probabilidade para o desenvolvimento de competências ao nível da preservação do funcionamento emocional e relacional da vida familiar, e mais disponíveis para atender às necessidades familiares. Pelo contrário, no estudo de Scavenius et al. (2019) os participantes do sexo feminino revelaram ter uma perceção significativamente mais negativa acerca do funcionamento familiar do que os do sexo masculino.
Relativamente à diferença entre as dimensões da regulação emocional em função do sexo verificou-se que existe um acesso mais limitado a estratégias emocionais reguladas, não aceitação das respostas emocionais, dificuldade em agir de acordo com objetivos e falta de clareza pelo sexo feminino quando comparado com o sexo masculino. Os dados da literatura não são coerentes nem conclusivos. Todavia, o nosso resultado está de acordo com o encontrado por Neumann et al. (2009), que verificaram que o sexo feminino apresenta maior pontuação na falta de clareza, na não-aceitação, na menor consciência emocional e menor acesso a estratégias quando comparado com o sexo masculino. Contudo, estes dados são inversos dos obtidos em determinados estudos empíricos (Morris et al., 2007), que encontraram que o sexo feminino tende a recorrer a estratégias mais adaptativas de regulação emocional do que o sexo masculino.
Vimos também as associações e o papel preditor das dimensões do funcionamento familiar e das dimensões da regulação emocional. Verificámos uma associação positiva entre os Recursos Familiares e as Estratégias, a Não-Aceitação, os Impulsos, os Objetivos e a Clareza, indicando que os adolescentes que percecionam mais negativamente os Recursos Familiares tendem a apresentar um acesso limitado a estratégias emocionais reguladas, não aceitação das respostas emocionais, dificuldade em controlar os impulsos e falta de clareza emocional. Os resultados obtidos ressalvam que adolescentes que têm uma perceção mais positiva, relativamente ao modo como a sua família funciona, tendem a apresentar índices mais baixos de desregulação emocional, adotando estratégias mais funcionais, internas e externas, de regulação emocional. Com base na literatura (e.g. Brenning & Braet, 2012; Morris et al., 2009), os pais desempenham um papel preponderante ao nível do desenvolvimento da regulação emocional durante a infância e a adolescência. Além disso, os resultados presentes vão ao encontro do estudo de Gong e Paulson (2017), enfatizando que uma relação entre pais e filhos caracterizada por atenção, compreensão e apoio em situações de stresse, com trocas afetivas saudáveis, faz com que os adolescentes se sintam emocionalmente mais seguros. Esta associação poderá ser explicada pelo facto de os pais constituírem uma base segura, ao nível da expressão e regulação das emoções positivas e negativas, contribuindo para uma perceção emocionalmente mais segura de si.
Verificámos ainda uma associação positiva entre a Comunicação na Família e as Estratégias, a Não-Aceitação, os Impulsos, os Objetivos e a Clareza. Este resultado indica que é possível que uma perceção mais negativa, por parte dos adolescentes, acerca da comunicação na família conduza ao acesso limitado das estratégias emocionais reguladas, a não aceitação das respostas emocionais, a dificuldade no controlo dos impulsos, a dificuldades em agir de acordo com objetivos e a falta de clareza emocional. O resultado obtido coaduna-se com o referido por Meschke e Juang (2013), que referiram que a comunicação entre pais e filhos é uma ferramenta crucial no que respeita ao desenvolvimento saudável do adolescente, sendo que uma boa comunicação emocional conduz a menos problemas emocionais nos adolescentes (e.g. Ackard et al., 2006; Stocker et al., 2007).
Verificou-se também uma associação positiva entre a dimensão Dificuldades Familiares e a dimensão Estratégias, apontando que a perceção de maiores dificuldades familiares possa, possivelmente, conduzir ao acesso limitado das estratégias emocionais reguladas. O resultado obtido vai ao encontro do estudo de Buckholdt et al. (2013), que apuraram que a presença de dificuldades familiares, como por exemplo altos níveis de desregulação emocional por partes dos pais, com baixa consciência emocional e baixo controlo de impulsos, tendem a invalidar, frequentemente, as expressões emocionais dos seus filhos, resultando em níveis mais altos de desregulação emocional dos adolescentes, o que, por sua vez, tende a desencadear problemas de internalização e externalização. Este facto, pode ser compreendido, sob a perspetiva de Buehler (2020), realçando que a autorregulação emocional dos pais está intimamente relacionada com os processos familiares, e tem influência no bem-estar dos adolescentes.
Para finalizar, verificou-se que todas as dimensões do funcionamento familiar, se associam negativamente com a dimensão Consciência, indicando que uma perceção mais negativa acerca de todo o funcionamento familiar pode conduzir a uma maior consciência emocional. Este resultado corrobora os obtidos pelo no estudo de Farley e Kim-Spoon (2015), que constataram que os pais que possuem maior consciência e supervisão proporcionam os seus filhos uma maior orientação e reforço para o desenvolvimento das competências regulatórias adaptativas. Relativamente à comunicação na família, os nossos resultados indicam que a perceção mais negativa acerca da comunicação na família pode conduzir a uma maior consciência emocional. Estes resultados vão ao encontro da perspetiva de Meschke e Juang (2013), que verificaram que a qualidade da comunicação entre pais e filhos é fulcral para o desenvolvimento saudável do adolescente. Além disso, Stocker et al. (2007), constataram que o facto dos pais terem boa comunicação emocional conduz a menos problemas emocionais por parte dos filhos adolescentes. Em consonância com os autores anteriores, Johnson e Galambos (2014) referiram que os indicadores da qualidade do relacionamento entre pais e adolescentes, como uma boa comunicação pais-filhos, relaciona-se negativamente com a existência de sintomas internalizantes na adolescência. Em relação às dificuldades familiares, o resultado apurado indica que a perceção de maiores dificuldades na família pode, possivelmente, conduzir a uma maior consciência emocional, o que vai ao encontro da evidência empírica já relatada na literatura sobre a perceção do funcionamento familiar pautada pela conflitualidade se encontra positivamente associada ao desajustamento.
Os Recursos Familiares predizem de forma positiva as Estratégias, os Objetivos e a Clareza, bem como prediz negativamente a Consciência. A perceção disfuncional relativa aos recursos familiares pode conduzir ao acesso limitado a estratégias de regulação emocional, dificuldade em agir de acordo com objetivos e à falta de clareza emocional. Este resultado pode ser entendido através do papel que a família exerce ao nível da prossecução e implementação de recursos, que permitem a cada membro lidar com situações de stresse, pois quando a família é vivenciada sem a existência de recursos, menor é a capacidade para lidar com determinados domínios, particularmente o emocional, interferindo na capacidade de regulação das emoções. O resultado apurado na primeira análise preditora era expetável, e vai ao encontro de estudos anteriores (e.g. Miller-Slough & Dunsmore, 2016; Morris et al., 2017), que realçaram que a inexistência de recursos, especificamente a falta de apoio por partes dos pais, pressupõe um pior desempenho socioemocional dos adolescentes, assim como altos níveis de interação negativa entre pais e filhos, e que se encontra relacionada com a desregulação emocional dos adolescentes.
Em contrapartida, a segunda análise preditora teve um resultado pouco expetável, na medida em que indicou que a perceção mais negativa ao nível dos recursos familiares conduz, possivelmente, a uma maior consciência emocional. Este resultado pode ser devido ao facto de os adolescentes possuírem uma visão cada vez mais realista relativamente à incapacidade que a família tem para aceder aos recursos necessários para se adaptar às situações e prosseguir os seus objetivos, o que contribui, provavelmente, para a criação de maiores laços com o grupo de pares, pois este constitui um suporte na contenção de angústias e proporciona a vivência de novos afetos e diferentes papéis sociais, contribuindo para uma melhor regulação das emoções, tornando-as por isso mais conscientes (Alarcão, 2006).
A Comunicação na Família prediz positivamente a Não-Aceitação e os Impulsos. Estes resultados eram expetáveis, pois a comunicação é fulcral entre os membros de um sistema familiar (Dias, 2011) sendo que a inexistência ou falta de comunicação pode acarretar implicações na dinâmica familiar e/ou no relacionamento emocional, o que vai ao encontro da literatura (e.g. Stocker et al., 2007), que refere que os adolescentes tendem a evidenciar menos problemas emocionais sempre que os pais utilizam uma comunicação emocional na relação diária com os seus filhos.
Finalizando, as Dificuldades Familiares predizem positivamente as Estratégias e a Não-Aceitação. Este resultado também era expetável, na medida em que as dificuldades existentes ao nível do sistema familiar exercem uma forte influência no modo como uma família atua e funciona (Francisco et al., 2015), afetando todos os membros dessa unidade, em específico ao nível do acesso limitado a estratégias emocionais reguladas e não-aceitação das respostas emocionais. Este resultado encontra-se em consonância com a perspetiva de Criss et al. (2016), enfatizando a ideia de que pais e adolescentes que mantém um relacionamento caloroso, acolhedor e de apoio tendem a possuir estratégias mais adequadas e eficazes relativamente à regulação das suas emoções. Vai também ao encontro de certos estudos como o de Crandall et al. (2015), em que foi verificado que a capacidade de uma mãe para regular as suas emoções parece influenciar a qualidade, a oportunidade e a frequência das interações com todos os membros da família e o estudo de Li et al. (2018), com pais com alta desregulação emocional, que evidenciaram maiores níveis de stresse, comportamentos mais hostis e conflituosos, como também interações de menor qualidade com os filhos.
Em suma: com esta investigação pretendemos fornecer um contributo acerca do papel que o funcionamento familiar assume no desenvolvimento da regulação emocional. Os resultados obtidos alertam para a necessidade de criação de programas de intervenção, tanto para os pais como para os adolescentes, no sentido de sensibilizar para a importância da qualidade das relações familiares e da promoção de ferramentas úteis para uma melhor gestão e regulação das emoções nesse núcleo fulcral do desenvolvimento individual que é a família.
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
De uma perspetiva mais prática os resultados encontrados apontam para a necessidade de maior atenção, por parte dos profissionais, quanto à forma como as famílias funcionam, na medida em que poderão afetar o modo como os adolescentes regulam as suas emoções. Neste sentido, realça-se a necessidade de criação de programas de intervenção, quer para as figuras parentais quer para os adolescentes, fulcrais ao nível da sensibilização da importância da qualidade de relação com os filhos, que deverão ser propiciadoras de um desenvolvimento emocional adequado.
Em relação às limitações do estudo aponta-se: o caráter transversal, impossibilitando o estabelecimento de relações de causa-efeito e a comparação dos resultados ao longo do tempo; o facto de a recolha de dados ter sido feita através da utilização de instrumentos de autorrelato, aumentando a probabilidade dos resultados serem enviesados, por respostas de desejabilidade social ou respostas ao acaso, e ter sido efetuada apenas num distrito do norte do país, impossibilitando, assim, a generalização dos resultados à população portuguesa; e, finalmente, a escassez de estudos que abordam a relação entre os construtos em análise, o que impediu uma compreensão mais aprofundada.
Estudos futuros deverão expandir este estudo a outras áreas geográficas do país, estabelecendo comparações e verificando eventuais diferenças socioculturais, e, ainda, conceber a inclusão de uma análise multi-informante com adolescentes e respetivos pais ou encarregados de educação.