Introdução
O género é uma construção social, que integra atributos psicológicos e culturais que se vão incorporando na identidade pessoal e coletiva, e estão associados aos conceitos de masculinidade e feminilidade, através de símbolos, significados e expectativas sociais de cada sexo (Pomar et al., 2012). Os papéis de género, definidos como expectativas partilhadas sobre os comportamentos apropriados das pessoas, em função do seu género socialmente definido, induzem quer direta quer indiretamente a diferenças sexuais estereotipadas. Exemplo disso são a divisão sexual do trabalho e as expectativas criadas para cada um/a no mundo laboral, o que constitui a base para as questões de desigualdade de género neste contexto.
Apesar de todos os avanços ao longo das últimas décadas ao nível das políticas, legislação e práticas, a desigualdade de género no trabalho continua sendo uma realidade em todo o mundo (Marques et al., 2021; Pinheiro & Casaca, 2020). As mulheres permanecem em desvantagem em todos os indicadores laborais e os desafios em termos de discriminação, seja ela mais explicita ou subtil, são imensos. Em Portugal, as questões de desigualdade de género passaram por uma rápida transformação nas décadas de 70 e 80 com a institucionalização de políticas públicas em torno dos direitos das mulheres e da igualdade de oportunidades (Ferreira & Monteiro, 2013). No entanto, a verdade é que a desigualdade de género nas empresas e organizações portuguesas é uma realidade, à semelhança do que acontece em vários países, e manifesta-se através de uma série de situações adversas na vida das mulheres, nomeadamente da sub-representação delas em cargos de tomada de decisão e de topo (Pinheiro & Casaca, 2020), bem como da precariedade laboral, das diferenças salariais, e da dificuldade de conciliação da vida profissional, pessoal e familiar (Casaca, 2012).
Intervir ao nível da desigualdade de género no contexto de trabalho continua a ser uma prioridade em Portugal. Fazê-lo em regiões mais periféricas face aos grandes centros urbanos, e onde não há registo de intervenções significativas a esse nível, como é o caso da região do Alto-Minho, torna-se ainda mais pertinente. Assim, é objetivo do presente trabalho refletir sobre as repercussões da desigualdade de género nas empresas portuguesas e apresentar o projeto “bridGEs: Empresas do Alto-Minho pela Igualdade de Género”, que tem como finalidade, através de várias estratégias, promover a igualdade de género, numa área do país onde o tecido empresarial é significativo e este tipo de iniciativas, de forma estruturada e prolongada no tempo, ainda são escassas ou inexistentes.
Género e mercado de trabalho em portugal
No contexto europeu, Portugal tem, desde 1960, uma tradição de emprego de mulheres relativamente alta, sobretudo em tempo integral, o que se deve a uma combinação de fatores, tais como o recrutamento militar obrigatório de homens para a guerra colonial nos países africanos, e o elevado nível dos fluxos de emigração, que levaram a uma escassez de trabalhadores do sexo masculino (Casaca, 2012; Marques et al., 2021). Especificamente, a percentagem de mulheres no mundo do trabalho, em Portugal, passou de 13.1% em 1960 para 36.1% em 1976 (Marques et al., 2021). Este fenómeno impôs desafios à vida das mulheres portuguesas e às políticas públicas do país.
A partir dos anos 70, sobretudo depois da Revolução Democrática de Abril de 1974, observaram-se alterações significativas ao nível das políticas socias em função do género, nomeadamente uma maior integração das mulheres no espaço público e também no mercado de trabalho (Ferreira & Monteiro, 2013). Relativamente às questões de promoção de igualdade de género no trabalho, de entre os avanços observados, destaca-se a própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 59, que definiu que os direitos trabalhistas não se devem distinguir por qualquer razão de sexo, entre outras (Base de Dados Jurídica, 2022); bem como a criação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a partir do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro, conhecido por “Lei da Igualdade” publicada em 1979. Depois da década de 1980, observou-se uma perspetiva de análise que atende à genderização de todos os elementos que compõem o trabalho das organizações. Assim, as organizações passaram a ser vistas como contextos sociais onde as mudanças em termos de assimetrias ocorriam, sendo mulheres e homens agentes ativos desafiadores das relações de poder vigentes (Pinheiro & Casaca, 2020). Não obstante os avanços efetuados, em termos de legislação (e cumprimento da mesma), e de discussão das questões de desigualdade de género no mundo do trabalho, o facto é que as assimetrias e injustiças persistem nas empresas e organizações portuguesas.
Até 2005, a taxa de emprego feminino no mercado de trabalho em Portugal era uma das maiores na União Europeia, de aproximadamente 62%, quando comparada com países como a Itália (45.3%), Grécia (46.1%), Espanha (51.2%), ou Bélgica (56.8). No entanto, ultimamente tem vindo a perder esse estatuto e, até 2017, cresceu apenas 7.3%, o que é considerado baixo para os objetivos previstos pelo Eurostat em 2017. Em 2019, Portugal continuava a ter uma taxa de emprego das mulheres acima da União Europeia (UE28): em Portugal esta foi seis pontos percentuais inferior à dos homens (67.6% e 73.6%, respetivamente), enquanto na UE-28 a diferença foi sempre superior a dez pontos percentuais (64.1% para mulheres e 74.4% para homens), gender pay gap de acordo com o relatório da Eurostat de 2020. No entanto, estes dados não são sinónimo de maior igualdade ou justiça laboral, como veremos seguidamente. São antes uma sobrecarga, uma dupla jornada, onde se verifica a acumulação de emprego integral e de trabalho doméstico e familiar realizado pelas mulheres. Adicionalmente, em Portugal, ao contrário do que acontece em vários países da Europa, a presença de filhos/as não afeta a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho, sendo de 82.1%, a mais elevada da União Europeia em 2018 (exemplificando: Itália - 53.4%; Finlândia - 63.3%; Alemanha - 63.7%; Espanha - 64.4%; França - 65.8%) (Organização Internacional do Trabalho - OIT, 2021). Ou seja, as mulheres portuguesas são as que menos conseguem abdicar voluntariamente de trabalhar para se dedicarem aos filhos numa determinada fase das suas vidas, sem correrem riscos na carreira ou perderem direitos laborais.
A precarização do mundo do trabalho ao qual se vem assistindo nos últimos anos tem um rosto cada vez mais feminino. A flexibilização das empresas/organizações, caracterizada por insegurança, precariedade e a exploração laboral, através de cada vez mais contratos temporários e a tempo parcial, e a diversificação dos estatutos, está a afetar sobretudo as mulheres (Casaca, 2012). No que se refere às questões salariais, as portuguesas ainda ganham menos do que os homens portugueses para realizarem trabalho igual ou de valor igual (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego - CITE, 2020). Esse desfasamento, conhecido como gender pay gap (GPG), foi sempre superior a 20% entre 2001 e 2017, no que se refere ao ganho médio por hora em regime de tempo completo de trabalho. Esta desigualdade faz-se sentir mais, quanto menor é a escolaridade (Organização Internacional do Trabalho - OIT, 2021). Em 2020, os ganhos brutos por hora das mulheres eram, em média, 13 % inferiores aos dos homens na EU, sendo que em Portugal esse valor é de 11.4%, ou seja, inferior à média europeia, mas muito superior a países como Luxemburgo (.7%), Roménia (2.4%), Eslovénia (3.1%), Itália (4.2%), Polónia (5.5%), Bélgica (5.3%), entre outros (Eurostat, 2022).
O trabalho parcial também é maioritariamente realizado pelas mulheres. Se por um lado, esta faceta da flexibilização permitiu uma maior entrada das mulheres no mercado de trabalho, por outro, foi uma das principais responsáveis pelos salários baixos, a falta de oportunidades de desenvolvimento profissional, a falta de acesso a benefícios sociais, a fraca proteção social, e o maior risco de exclusão económica e social (Casaca, 2012). Ou seja, claramente, é uma situação que acabou por ser usada para aprofundar as práticas discriminatórias. Relativamente aos tipos de contrato, em 2017, os a termo correspondiam a mais de 18% do universo português e, neles, as mulheres estavam mais representadas do que os homens (9.3% vs 9.2%), o que se deve, em grande parte, na perspetiva de Casaca (2012), a questões relacionadas com a conciliação do trabalho com a vida doméstica e familiar.
A desigualdade de género no mundo do trabalho não se limita às assimetrias vividas dentro do contexto das empresas, ela impõe vários desafios na vida das mulheres no que se refere à conciliação das esferas profissional, pessoal e familiar. A relação entre trabalho e família, frequentemente, é conflituante na vida das mulheres, já que as práticas laborais são marcadas pela dupla jornada de trabalho (Araújo, 2005). Em Portugal, os homens despendem mais tempo em trabalho remunerado; enquanto as mulheres despendem mais horas de trabalho semanal tendo em conta o trabalho remunerado e não remunerado, de acordo com a divulgação da Eurofound em 2010. No que se refere ao trabalho não remunerado, de acordo com dados de 2016 do International Social Survey Programme (ISSP) Research Group a desigualdade em Portugal é muito acentuada com as mulheres a despenderem uma média de horas semanal muito mais elevada do que os homens em trabalho doméstico (19.8h vs 10.9h, respetivamente). Estes dados tornam-se ainda mais gritantes quando comparamos os níveis de assimetria de Portugal (8.9h) com outros países como a França (4.7h), Dinamarca (4.2h), ou Bélgica (4.0h). Assim, apesar da elevada taxa de mulheres ativas em Portugal, este aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não é acompanhado por um proporcional aumento da participação dos homens na esfera privada (Casaca, 2012). Desta forma, o trabalho doméstico continua a ser assegurado maioritariamente por mulheres, constituindo aquilo a que se designa de dupla jornada de trabalho (Casaca, 2012).
No que se refere às licenças parentais, Portugal continua a caracterizar-se pela curta duração das mesmas, e pelo elevado desfasamento de dias estabelecido para mães e pais (European Parlment, 2022), o que penaliza as mulheres com doses desproporcionais de tarefas familiares, e constrangimentos nas carreiras; mas também os homens, privando-os de um contacto igualitário com os/as filhos/as, só possível com a partilha das tarefas domésticas e familiares (Santos, 2012).
Há um longo caminho a percorrer no mundo, na Europa e em Portugal, o que significativamente se faz através do desenvolvimento de políticas públicas. Neste âmbito, é essencial que, entre outros progressos, as mulheres estejam representadas no cenário político. Durante muito tempo, após o 25 de Abril de 1974, a presença das mulheres na Assembleia da República foi quase inexistente e, em 2005, essa representação ainda era apenas de aproximadamente um quinto do total de lugares. Só a partir de 2006, com a aprovação da Lei da Paridade, é que se assiste a um aumento mais significativo desta representação, que passou de 21.3% em 2005 para 33% em 2015 (CIG, 2017). É de ressaltar que, apesar da evolução, em 2022, estes números continuam abaixo do esperado e até postulado: as deputadas eleitas representam 37% do universo global (85 num total de 230), abaixo do limiar mínimo de 40% postulado pela Lei Orgânica nº1/2019, de 29 de março (CIG, 2022).
Em suma, independentemente da escala, mais macro ou micro, a luta das mulheres portuguesas pela igualdade de género no trabalho e combate a injustiças, como veremos seguidamente, mantem-se necessária e merece ser intensificada e diversificada no território português, com intervenções à medida de cada realidade.
Por tudo quanto foi referido anteriormente, permanece assim urgente continuar a intervir no combate à (des)igualdade de género no contexto de trabalho em Portugal, particularmente nas empresas e organizações. Algumas iniciativas ambiciosas e bem-sucedidas têm sido desenvolvidas neste âmbito, nomeadamente os Projetos “Diálogo Social e Igualdade de Género nas Empresas” publicado em 2009, “Igualdade de Género nas Empresas - Break Even” (Casaca et al., 2016), “Working Genderation” e “Women on Boards” (Casaca et al., 2021).
Igualmente orientado para os contextos laborais, o Projeto “bridGEs - Empresas do Alto Minho pela Igualdade de Género” assume-se como um trabalho de promoção da igualdade de género, conciliação e inclusão da diversidade no extremo Norte de Portugal. Tem como particularidade intervir numa zona do país onde este tipo de iniciativa é pioneira e tem como objetivo a construção de instrumentos para analisar desigualdades nos locais de trabalho e realizar diagnósticos de suporte à implementação de medidas para a igualdade, conciliação trabalho-família e inclusão da diversidade. O projeto está ancorado na participação ativa das empresas e organizações em todas as fases de execução, desde a construção dos produtos que lhe são dirigidos, à análise da sua viabilidade e aplicação nos próprios contextos. O bridGEs é ainda um projeto do Programa “Conciliação e Igualdade de Género do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu - EEA Grants”. É promovido pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e operado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG). Passar-se-á a descrevê-lo mais pormenorizadamente no que se refere à sua natureza e implementação no terreno.
O Território
Dada a escassez de iniciativas deste âmbito na zona Norte do País, o bridGEs adota uma abordagem territorializada e exploratória deste espaço geográfico e da realidade concreta das organizações do Alto Minho.
O Alto Minho, no Norte de Portugal (figura 1), corresponde ao distrito de Viana do Castelo e inclui os concelhos de Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira. É uma região marcada pela interdependência entre o rural, o natural e o urbano. A zona rural, indissociável do património natural, tem assistido à desertificação e envelhecimento. O espaço urbano, cidades e centros das vilas, é uma área de fronteira entre o Norte de Portugal e a Galiza, funcionando como zona de transição entre as áreas metropolitanas do Porto e de Vigo (CIM Alto Minho, 2017).
O Projeto privilegia a proximidade com a população e reforça e potencia o trabalho de agentes locais, que, nos últimos anos, têm conjugado esforços para a dinamização de uma rede institucional de apoio à competitividade e desenvolvimento integrado do território (CIM Alto Minho, 2017). Portanto, integrando e tirando partido da mobilização desta rede de atuação, através do estabelecimento de acordos de cooperação com a Confederação Empresarial do Alto Minho (CEVAL), com o Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), com autarquias locais (Arcos de Valdevez e Monção) e com empresas e instituições da região (BorgWarner Emissions Systems Portugal, OpenSpace - Formação e Soluções Empresariais e Gabinete de Atendimento à Família), o bridGEs acrescenta uma dimensão de extrema e transversal importância para o crescimento saudável e sustentável da região, impactando na competitividade das empresas e com potencial transformador na qualidade de vida das pessoas, uma vez que importa a acabar o argumento relativo à qualidade de vida das pessoas.
A região, com cerca de 245 mil habitantes, debate-se com a perda populacional e com a dificuldade de renovação da população, estando envelhecida. Face ao resto do País, há menores índices de escolaridade, menor qualificação da mão de obra e níveis de remuneração inferiores. As respostas sociais de apoio a crianças e pessoas idosas têm acompanhado a tendência nacional, tendo sido reforçadas a partir do ano de 2000 (CIM Alto Minho, 2017).
Os Pressupostos Metodológicos
Tendo em vista um efetivo compromisso com a igualdade de género e a sua valorização enquanto fator de competitividade, não só para cada organização em particular, mas também para o tecido empresarial da região como um todo, considera-se essencial o envolvimento direto e participado do público-alvo e a incorporação das suas experiências, necessidades e desafios no processo de implementação das mudanças. De facto, as agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento, incluindo as Nações Unidas, defendem que os processos políticos só adquirem sustentabilidade quando são abrangentes e participados, ganhando legitimidade aos olhos da população, sendo as metodologias participativas uma importante ferramenta para o desenvolvimento comunitário (Ferreira & Almeida, 2016). Na mesma lógica, e concetualizando as organizações como micro-contextos que alicerçam e contribuem para o desenvolvimento local, entende-se que as mudanças serão tanto mais efetivas quanto maior for o envolvimento e o compromisso de todas as pessoas a quem se dirigem.
Na implementação do projeto bridGEs são privilegiadas metodologias de diagnóstico e de intervenção participativas, que, segundo Ferreira e Almeida (2016) permitem a análise do potencial, da capacidade e das necessidades das organizações (do Alto Minho) e favorecem a produção de conhecimento relevante acerca das suas prioridades, perceções, políticas e práticas organizacionais. Associadas ao paradigma compreensivo e sócio-crítico da construção do conhecimento, as metodologias participativas fundamentam-se na valorização dos significados que as pessoas atribuem às ações e representações produzidas nos seus contextos de vida. Simultaneamente, fornecem informação pertinente para a tomada de decisão constituindo, em si mesmas, uma oportunidade de capacitação das entidades e das pessoas envolvidas. Por outro lado, a participação ativa que possibilita o diálogo com os responsáveis, a definição conjunta de programas e medidas, a coresponsabilidade na tomada de decisão e na implementação, oferece maior garantia de transparência e equidade às políticas (Ferreira & Almeida, 2016).
Em síntese, estas metodologias consubstanciam-se em ações de formação de caráter eminentemente prático e participado, dirigidas às empresas e organizações do território de intervenção, É urgente desenvolver projetos que visem criar instrumentos para analisar desigualdades nos contextos de trabalho. Esses projecto devem assentar, na capacitação pela formação para a igualdade de género e na capitalização da experiência profissional pré-existente, criando ferramentas de fácil aplicabilidade e interpretação. A elaboração conjunta e supervisionada dos instrumentos permitirá potenciar a sua diversidade e, desta forma, olhar para as múltiplas dimensões e manifestações das desigualdades de género nos locais de trabalho. Esta é uma tarefa complexa que requer intervenções multifacetadas.
Parcerias Estratégicas
Com o propósito de promover as igualdades, importa desenvolver esforços de forma conjugada. Assim, com a proposta do projeto bridGEs preconiza-se o estabelecimento de colaborações entre entidades parceiras tanto a nível local como internacional, com o objectivo de potenciar o que cada uma das organizações participantes pode oferecer. Os contributos de cada particpante são materializados em articulação com múltiplos parceiros e respetivas perspectivas de forma que se torne possível traduzir os conhecimentos e a produção científica em recursos úteis e à medida das empresas, concomitantemente acomodando os interesses dos trabalhadores. Adicionalmente, partilhar e discutir práticas de intervenção de organizações congéneres, tendo em vista a sua replicação ou adaptação a outros contextos, bem como aprofundar o conhecimento da realidade das empresas-alvo, a fim de encontrar soluções cada vez mais adequadas às suas especificidades, são visões do deste projeto.
Para se alcançar maior eficácia, quer nos estudos quer nas intervenções sobre as questões de género nos contextos de trabalho, importa estabelecer, por um lado, parcerias com entidades que detenham a experiência e o know-how em matéria de igualdade de género e conciliação e, por outro, com entidades com acesso privilegiado ao público-alvo, conhecedoras das dinâmicas e realidade do tecido empresarial local. Desta forma, procura-se garantir a qualidade dos produtos a desenvolver, a sua adequação às especificidades do contexto e a possibilidade de aplicação e replicação por organizações similares.
O KUN (Centre for Gender Equality), da Noruega, foi o parceiro internacional escolhido para a partilha e disseminação de boas práticas empresariais a nível da igualdade, conciliação e inclusão da diversidade, evidenciando os resultados que têm vindo a atingir, os caminhos percorridos e os obstáculos e desafios ultrapassados (KUN, 2001). O modelo de mercado de trabalho nórdico, onde os investimentos na conciliação abriram caminho para as responsabilidades e cuidados familiares compartilhados, é pioneiro, único no cenário atual, e tem sido uma fonte de inspiração para outros países desenvolverem as suas políticas e práticas de igualdade em contextos de trabalho. Este centro trabalha no sentido de disseminar conhecimento na área da igualdade e de realçar a importância da diversidade no desenvolvimento das sociedades atuais. O seu compromisso com as questões de igualdade inclui perspetivas sobre sexo, idade, identidade de género, orientação sexual, origem étnica, e (in)capacidade. Tem vasta experiência na condução de investigações, dinamização de workshops, preparação de formações, conferências e viagens de estudo nos mais variados tópicos. A essência do seu trabalho é proporcionar perspetivas para a mudança, bem como diminuir o desfasamento entre a investigação e a prática (KUN, 2001).
Em Portugal, quer a nível nacional e local, estabeleceu-se uma parceria com a CEVAL - Confederação Empresarial do Alto Minho, que, constituída pelas várias associações empresariais locais, representa 5000 empresas no Alto Minho (CEVAL, 2021). A missão desta Confederação é a partilha de objetivos e recursos e o funcionamento em rede de instituições ligadas ao desenvolvimento económico. Os produtos que desenvolve incluem a consultoria, apoio à internacionalização, informação económica e business intelligence, apoio à criação de empresas, coordenação institucional, conceção e implementação de ações de marketing empresarial, formação, identificação de oportunidades de negócio e captação de investimento estrangeiro. A sua vasta experiência na implementação de projetos nacionais e internacionais junto das empresas locais e o profundo conhecimento da realidade empresarial do Alto Minho, assim como o envolvimento das suas associações constituintes em iniciativas que visam o combate às desigualdades de género. Estes, são elementos centrais para o sucesso dos projectos de intervenção.
Importa, ainda, destacar a importância das parcerias com as empresas e organizações empregadoras que, mostram interesse em participar nos projetos, aceitando o desafio de contribuir ativamente no desenrolar das diversas fases de implementação destes, sendo ativos, desde a criação e/ou adaptação dos instrumentos à sua aplicação e análise, até à elaboração de diagnósticos e planos de igualdade, conciliação e inclusão da diversidade.
Princípios orientadores para a implementação de projectos: O caso do bridGEs
Através da integração da perspetiva de género, a finalidade do projeto bridGEs é visa contribuir para a construção de locais de trabalho mais inclusivos e familiarmente responsáveis, e, consequentemente, mais competitivos e produtivos. A implementação sequencial das atividades previstas, deverão atingir os seguintes resultados:
Desenvolver instrumentos práticos para medir as desigualdades entre mulheres e homens nos contextos de trabalho;
Aplicar instrumentos promotores da igualdade entre mulheres e homens em organizações e empresas, como base para a realização de diagnósticos de igualdade;
Acompanhar e monitorizar a implementação de planos e medidas para a igualdade em organizações.
Certificar profissionais, tornando-as/os sensíveis às questões de igualdade de género e capazes de aplicar, nos seus contextos de trabalho, instrumentos de medição dos níveis e consequências da desigualdade entre homens e mulheres, e elaborar diagnósticos e planos de igualdade, conciliação e inclusão da diversidade.
Assim, por um lado, é expectável que exista um impacto direto nas entidades intervencionadas, consubstanciando-se na certificação de profissionais, na produção de ferramentas e no desenvolvimento de diagnósticos para cada empresa e numa estrutura ou plano que aponte linhas de promoção da igualdade; por outro lado, que se assegure proximidade às situações concretas que cada empresa enfrenta, também se alargando o âmbito de impacto e garantindo-se a transferibilidade dos instrumentos a outras entidades, conferindo um caráter de auto-aplicação e interpretação.
Adicionalmente a toda a componente interventiva prática de terreno, o objetivo das intervenções tem ter por preocupação central do projecto desenvolver toda uma componente científica, cujos produtos, teóricos e empíricos, qualitativos e quantitativos, resultem em comunicações técnicas nas redes sociais e sites institucionais, artigos científicos, comunicações em eventos científicos nacionais e internacionais, relatório das experiências práticas e científicas e respetivos resultados, e relatórios técnicos.
Neste contexto, o bridGEs é uma oportunidade onde as empresas envolvidas do Alto-Minho podem, em conjunto, criar e aplicar ferramentas que lhes permite analisar desigualdades nos contextos de trabalho e realizar diagnósticos de suporte à implementação de planos para a igualdade, conciliação e inclusão da diversidade.
Os instrumentos criados podem ser aplicados e interpretados pelas empresas nos seus próprios contextos, permitindo o diagnóstico da situação de cada organização em termos de valores e de práticas de igualdade, inclusão e conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar. No desenho do projeto incluíram-se três experiências, duas mais formativas e uma mais prática, que pretendem enriquecer as organizações, contribuindo para que se tornem mais capazes de criar ambientes de trabalho de excelência, mais atentas a assimetrias e mais ágeis a agir e reagir, e, consequentemente, mais produtivas e competitivas (Quadro 1). As duas primeiras atividades correspondem a ações de formação especificamente concebidas para o contexto empresarial, e a terceira consiste num processo de intervenção organizacional à medida (tailor-made).
As ações de formação, embora assentes no referencial de conteúdos proposto pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, têm uma estrutura suficientemente flexível para se adaptar às características e necessidades das empresas e pessoas participantes. De facto, vem sendo sugerido que atividades feitas à medida das áreas de atuação de quem nelas participa facilitem o compromisso individual e contribuam mais eficazmente para as transformações comportamentais, organizacionais, políticas e programáticas que constituem o âmago da formação em igualdade de género, al como definido em 2012 pela European Institute for Gender Equality.
Sequenciais e interligadas, as duas ações de formação prevêem a apresentação e discussão de conteúdos introdutórios e de enquadramento concetual das questões de igualdade de género e sua interseção com outras dimensões, a apresentação de instrumentos, ferramentas e legislação relevante, bem como conteúdos específicos da área empresarial como, por exemplo, índices de segregação de género do trabalho em diversos setores de atividade, medidas nacionais de proteção na parentalidade, e ferramentas de promoção da conciliação, entre outras. Cada ação de formação é complementada com uma componente prática muito específica, a qual contribui para atingir os objetivos do projeto, como se descreve de seguida.
No primeiro percurso formativo, intitulado Instrumentos de Análise de Desigualdades de Género em Organizações, as empresas são levadas a construir os instrumentos de análise de desigualdades que lhes são dirigidos, possibilitando a testagem e a sua aplicabilidade nos próprios contextos laborais. Os instrumentos a criar podem medir assimetrias e desigualdades de género numa multiplicidade de dimensões como sejam o nível de segregação de género em determinadas profissões e/ou tarefas, a disparidade salarial, perceções e práticas do apoio em matéria de conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar e o seu impacto nos níveis de stress e/ou burnout; estereótipos e representações de género, entre outras. A segunda ação, designada Diagnósticos e Planos de Igualdade para Organizações, é dedicada à disseminação dos instrumentos criados e à sua aplicação como suporte à metodologia de diagnóstico organizacional ao nível da igualdade de género, inclusão e conciliação.
A intervenção permite, assim, a cada empresa compreender o seu nível de maturidade em termos de valores, políticas e práticas de igualdade e em traçar objetivos de intervenção a este nível. A terceira fase de intervenção consiste no acompanhamento da implementação de planos e medidas de promoção da igualdade nas organizações. Proporciona-se uma experiência personalizada, que consiste num acompanhamento técnico individualizado da execução das medidas contempladas nos planos de igualdade de cada organização. Trata-se de uma intervenção direcionada, local e específica, que incentiva à adesão efetiva às mudanças, promovendo um mindset empresarial capaz de manter avaliações periódicas, potenciando melhorias de produtividade e bem-estar na região.
A par das atividades de intervenção em contexto organizacional, o projeto prevê uma importante componente de disseminação quer dos resultados e produtos construídos, quer do conhecimento científico que se vai produzindo neste âmbito. Por conseguinte, inclui atividades de comunicação dirigidas à comunidade em geral e às organizações em particular, através do website do projeto e da dinamização regular das redes sociais digitais, abordando não só conteúdos que refletem a concretização dos objetivos do projeto, mas também disseminando, de forma acessível a públicos não académicos, dados de investigação sobre as desigualdades no mercado de trabalho. Paralelamente, procura-se produzir e enriquecer o conhecimento científico nesta matéria, com publicação de artigos em revistas nacionais e internacionais, bem como comunicações em eventos científicos e/ou profissionais. Cabe realçar, ainda, a realização do seminário final do projeto, que contribuirá para a partilha de boas práticas de igualdade de género, conciliação e inclusão da diversidade nas organizações.
Considerações finais
Apesar da crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, em Portugal e no mundo, a realidade das organizações, traduzida em relatórios estatísticos nacionais e internacionais, bem como em inúmeros estudos sobre as várias faces do tema, revela que as limitações em termos de oportunidades para mulheres ainda diferem das dos homens, a todos os níveis. Os vieses de género são fomentados pela persistência de preconceitos que, além de moral, humana e socialmente reprováveis, também representam um risco para as organizações a médio e a longo prazo, em função dos custos que acarretam, sobretudo ao nível da perspetiva dos/as funcionários/as e maiores intenções de rotatividade e custos de litígio (Jones et al., 2018). Assim, muitas empresas e organizações têm vindo a perceber os benefícios das iniciativas que visam reduzir a experiência de discriminação e da desigualdade de género nos seus espaços e ambientes.
Em Portugal, embora pese várias intervenções a este nível, todas se concentram, maioritariamente no sul do país e, quando não o é, dirigem a sua atenção para grandes e médios centros urbanos. Diferentemente, o bridGEs, sediado no Alto-Minho, o extremo noroeste do país, apresenta-se como uma intervenção que privilegia o contacto local e alicerça-se na participação ativa das empresas e organizações em todas as suas fases de execução. Neste sentido, propõem-se, juntamente com outras iniciativas prévias, contribuir para o conhecimento da realidade portuguesa ao nível da desigualdade de género, mostrando a sua face mais local e distante dos centros de poder político nacionais. Consequentemente, pretende, assim, encorajar a replicação das suas atividades e procedimentos em realidades similares e, sobretudo, contribuir para a construção de políticas públicas mais igualitárias e equitativas em matéria de igualdade de género nas empresas e organizações portuguesas.