Introdução
O novo coronavírus, descoberto em dezembro de 2019, inicialmente identificado na cidade de Wuhan, China, recebeu destaque mundial graças ao seu alto poder de contágio e consequente disseminação intercontinental, tendo por consequência impactos econômicos e na saúde pública a nível global. Após estudos, verificou-se que o agente etiológico da doença era um novo Coronavírus, da ordem Nidovirales, família Coronaviridae e do gênero Betacoronavirus, sendo denominado SARS-CoV-2 (Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave coronavírus). A doença provocada por ele foi titulada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de Covid-19 (coronavírus disease 19) (Safadi, 2020).
A principal forma de transmissão do vírus é feita por gotículas respiratórias liberadas através da fala, respiração, tosse e espirros, ou por contato com objetos contaminados pelo agente infeccioso. Essas secreções contaminam outras pessoas com um alcance de até 2 metros de distância e são a principal rota de propagação da doença. Dentro desse contexto, apesar de as crianças apresentarem um quadro mais brando do que se verifica em adultos, estas são, também, possíveis contaminantes e fontes de propagação da doença, por sua natureza de contaminação e por pouco aderirem à etiqueta respiratória (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020).
Mundialmente desde o início da infecção até 31 de dezembro de 2021, foram confirmados 287.107.381 casos de Covid-19 e 5.449.759 óbitos pela doença (World Health Organization, n.d.). No Brasil, as últimas atualizações até a confecção deste estudo indicavam mais de 22 milhões de casos e mais de 600 mil mortes (Boletim Epidemiológico No 93 - Boletim COE Coronavírus, 2021), sendo em 23.277 dos casos crianças de 0 a 11 anos (Instituto Butantan, 2022).
Os principais sintomas da infecção são: febre, tosse, congestão nasal, coriza, dor de garganta, dispneia, perda de paladar ou olfato, dor de cabeça e sintomas gastrointestinais como vômitos e diarreia, sendo que uma pessoa pode manifestar mais do que um sintoma (Lima, 2020). Os critérios para definição de casos suspeitos para Covid-19 na população pediátrica estão evidenciados no protocolo de Covid-infantil, que considera casos suspeitos toda criança que apresente, sem nenhuma causa específica aparente, um ou mais destes sinais ou sintomas: febre, fadiga, mialgia, tosse, congestão nasal, dispneia, dor abdominal, náusea ou vômito (Secretaria Da Saúde Do Ceará, 2021).
Desde fevereiro de 2020 por meio da portaria n° 264, a Covid-19 é uma doença de notificação compulsória obrigatória no país. A notificação deve ser preenchida pelos profissionais de saúde dentro de um prazo de 24 horas que suspeite/confirme a doença (Governo Federal, 2020).
A produção de dados sobre o perfil epidemiológico dos casos suspeitos de Covid-19, em população pediátrica hospitalizada no Norte de Minas Gerais, poderá contribuir para melhor entendimento da doença, no norte do estado e para uma observação eficaz e melhor compreensão por parte dos profissionais de saúde, visando o diagnóstico precoce, tratamento adequado e conhecimento de aspectos importantes da doença.
Frente ao impacto na saúde pública que a doença tem causado em todo o mundo e reforçando a necessidade do desenvolvimento de pesquisas voltadas aos pacientes pediátricos afetados pela Covid-19, torna-se importante a realização deste estudo que teve como objetivo: identificar o perfil epidemiológico dos casos suspeitos de Covid-19 de crianças internadas em um hospital universitário de Minas Gerais.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, transversal, realizado na pediatria de um hospital universitário de Minas Gerais, Brasil. Refere-se a uma instituição exclusivamente pública que se dedica no fornecimento de 100% dos seus leitos ao Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade estudada atende crianças de 0 a 12 anos e 11 meses provenientes de diversas regiões do norte de Minas, sul da Bahia e Vale do Jequitinhonha.
Amostra
O estudo teve caráter censitário, incluindo todos os prontuários no período investigado. Estabeleceram-se como único critério de exclusão do estudo os prontuários de crianças indisponíveis. Durante o período de investigação, foram notificados 288 casos suspeitos de Covid-19 em crianças admitidas na pediatria, sendo que 20 desses prontuários foram descartados, totalizando assim uma amostra de 268 crianças.
Instrumentos
Para a coleta de dados foi utilizada uma planilha de Microsoft Office Excel 2019, contendo dados relativos às variáveis sociodemográficas (sexo, idade, raça), manifestação clínica, condição de saúde preexistente, uso de oxigenoterapia, tempo de internação e coeficiente de mortalidade. Os dados foram coletados através dos prontuários de atendimento de pacientes pediátricos internados com suspeita de Covid-19 no período de julho de 2020 a dezembro de 2021. A secretaria de saúde do município disponibilizou os dados no que diz respeito ao resultado do teste para diagnóstico do Covid-19, em razão de que algumas crianças receberam alta hospitalar sem o resultado do mesmo. Durante o período de investigação foram realizados muitos testes do tipo RT-PCR (do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction), e esse tipo de teste demorava em média 7 dias úteis para serem liberados os resultados. As amostras eram coletadas na unidade hospitalar e o material posteriormente enviado para ser analisado pela FUNED (Fundação Ezequiel Dias), localizada numa outra cidade. Logo quando os resultados eram liberados muitas crianças já haviam recebido alta hospitalar.
Resultados e Discussão
No período de investigação, foram investigados 268 casos suspeitos de Covid-19 em crianças admitidas na pediatria, segundo os dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde, 14 (5.22%). Desses casos foram diagnosticados com presença de antígenos do vírus SARS-CoV-2; 78.73% que não apresentaram antígenos sendo descartados para Covid-19; 8.95% não apresentaram registro no banco de dados da secretaria de saúde; 6.71% apresentaram síndrome gripal inespecífica (resultado não reagente, mas que NÃO devem ser descartados por causa da baixa especificidade desses testes, OU casos de síndrome gripais sem investigação laboratorial específica para Covid-19 (Centro De Operações De Emergência Em Saúde - COES MINAS COVID-19, 2020)). Estes foram seguidos por .39 % das crianças que apresentaram um resultado de teste inconclusivo. Num estudo realizado no Brasil através do sistema SIVEP-Gripe da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde do Brasil, evidenciou uma incidência de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), em pacientes pediátricos no ano de 2020, de 58.819, com 6.898 (13.31%) confirmados para Covid-19 (Rosa et al., 2021).
Devido a algumas fragilidades encontradas para a localização dos dados referentes ao teste para diagnóstico de presença de antígenos do vírus SARS-CoV-2 (como a organização da relação de dados da gestão hospitalar, a unidade não possui sistema integrado para verificação do resultado do teste, bem como das crianças que receberam alta hospitalar para concluir isolamento em domicilio, antes mesmo de ter resultado do exame), diante disso a presente pesquisa fundamentou-se em identificar o perfil epidemiológico dos casos suspeitos.
Neste estudo, foi evidenciada uma maior frequência de casos em crianças do sexo masculino (tabela 1). Este dado corrobora com o estudo que mostra maior prevalência de Covid-19 em crianças do sexo masculino que apresentam níveis altos da Enzima Conversora de Angiotensina (ECA2) nas células alveolares. A enzima é o receptor da SARS-COV- 2, ou seja, é necessário a existência desta para a entrada do vírus na célula hospedeira e realizar a replicação viral no organismo (Santos et al., 2020). Esse maior acometimento do sexo masculino na literatura, também pode está associado à maior demora de maturação pulmonar intrauterina nos meninos (Muniz & Dias, 2019).
Em relação à idade da população estudada, observou-se uma maior prevalência de crianças na faixa etária entre os 0 e os 2 anos (tabela 1). Crianças em idade pré-escolar (menores de 5 anos) apresentam elevada carga viral que acomete principalmente o trato respiratório superior, sugerindo assim uma maior transmissão entre crianças menores de 5 anos (Maciel et al., 2021). Os boletins epidemiológicos publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil apresentam uma distribuição percentual das hospitalizações de SRAG por Covid-19 conforme raça. Segundo um estudo onde se realizou a análise desses boletins, 49.0% das hospitalizações ocorreu entre pessoas de raça/cor branca, seguidas da raça parda (42.0%) e preta (7.1%) (Araújo et al., 2020).
No presente estudo verificou-se que 68.65% dos suspeitos de SRAG por Covid-19 eram de cor parda, seguida por 1.50% branca e .75% de cor preta, sendo que 29.10% dos casos não foram identificados cor/raça devido preenchimento incompleto do cadastro das crianças (tabela 1). Um estudo realizado em todas as unidades federativas do Brasil constata que a raça/cor parda representa metade (49.6%) (Araújo et al., 2020) dos casos que evoluíram ao óbito, juntamente com a raça/cor preta são as que predominam na população brasileiras de baixa renda (Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística, 2019).
No que se refere às manifestações clínicas, encontrou-se resultados semelhantes ao do estudo que evidenciou que 43% das crianças apresentava febre e 42% sintomas respiratórios como sintomas mais comuns da infecção (Picão de Carvalho et al., 2020). Outro estudo realizado no Hospital Infantil de Wuhan mostrou que os sinais e sintomas mais comuns incluíram tosse (presente em 48.5% dos casos), eritema faríngeo (46.2%) e febre (41.5%) (Safadi, 2020). A infecção pelo vírus pode apresentar diversos quadros clínicos, leves e que podem evoluir para casos mais severos. Percebe-se que a infecção acomete mais a população adulta e idosa. Entretanto as crianças apresentam com mais frequência formas assintomáticas leves ou moderadas (Safadi, 2020).
A síndrome inflamatória múlti sistêmica pediátrica é uma complicação grave da infecção do Covid-19 em crianças e adolescentes que em alguns casos será necessário a hospitalização para cuidado intensivo. A síndrome é caracterizada por febre, disfunções gastrointestinais, erupções cutâneas (Kawasaki), entre outros. Nesse estudo foram evidenciados dois casos suspeitos da síndrome, com alterações cutâneas: descamação, exantema micropapular em tronco, face e membros superiores, conjuntivite não purulenta e presença de úlceras oral (Farias et al., 2020).
No que se refere às comorbidades, esse estudo evidenciou que 20.52% tinham alguma condição preexistente e destes casos 58.18% eram respiratórias e 12.72% cardiovasculares. A literatura evidencia que há aumento do risco da infecção ou complicações em crianças com um histórico de doenças pulmonares crônicas (como a asma moderada e grave) e doenças cardiovasculares (Secretaria Da Saúde Do Ceará, 2021).
Em um estudo levado a cabo em todas as unidades federativas do Brasil, constatou-se que as doenças respiratórias foram as condições preexistentes com a maior incidência em crianças e adolescentes que se recuperaram, somando 37.8% dos casos, seguida de neuropatias, imunopatias e cardiopatias; já as que evoluíram para óbito apresentaram cardiopatia e/ou neuropatia como doença de base (Gomes et al., 2021).
A oxigenoterapia é um dos pilares no tratamento da insuficiência respiratória aguda causada pela Covid-19. O suporte de oxigênio deve ser administrado em paciente que apresente sinais e sintomas de insuficiência respiratória, que tem como objetivo atingir níveis de oxigênio na corrente sanguínea maior ou igual a 94% (Dos Santos Filho et al., 2021). Neste estudo foi evidenciado que 58.21% dos casos necessitaram da terapia suplementar com oxigênio.
A literatura, até este momento, apresenta-se com escassez de estudos que discutam essa temática na pediatria, o que evidencia a relevância da variável que se refere ao uso do dispositivo de oxigenoterapia no presente estudo.
No que se refere à média de tempo de internamento, de acordo com um estudo de coorte retrospectivo com crianças e adolescentes hospitalizados, com diagnóstico de Covid-19, a mediana de tempo entre o internamento e a evolução, para os que foram a óbito, foi de seis dias e, para os recuperados, de cinco dias (Gomes et al., 2021). No presente estudo foi constatada uma média de tempo de internamento de 6.5 dias. Quanto ao coeficiente de mortalidade, neste estudo constatou-se que apenas um caso evoluiu para óbito. Segundo o Instituto Butantan, no Brasil, foram registrados até ao momento da recolha de dados 1449 (722 no ano de 2020 e 727 em 2021) óbitos em crianças de 0 a 11 anos de idade, o equivalente a 6.23% dos casos confirmados (Instituto Butantan, 2022).
Os resultados do presente estudo evidenciam que o cuidado com as crianças implica ação ao nível das políticas de proteção e preservação da saúde destas, para controle da doença e evitar a propagação do vírus. Importa educar e conscientizar a população sobre as formas de prevenção da infecção, adotando as medidas sanitárias, tais como o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e o isolamento social em casos suspeitos e confirmados. Até este momento não foi disponibilizado qualquer tratamento específico para a Covid-19 para crianças.
Com os resultados do presente estudo foi possível identificar que a Covid-19 continua a representar um problema de saúde pública. Por esta razão, torna-se necessário a adoção de políticas públicas para rastrear e controlar os agravos na saúde, bem como a sensibilização de toda a comunidade para adotarem as medidas de prevenção e que são as únicas formas para a erradicação da doença de modo a garantir o acesso aos serviços de saúde, com ênfase na população de baixa renda, visto que são os mais acometidos pela Covid-19.
O estudo realizado apresenta algumas limitações importantes quanto à investigação epidemiológica, nomeadamente a utilização de dados secundários, uma vez que estão sujeitos à qualidade dos registros que podem apresentar falhas no preenchimento como, por exemplo, dados incompletos ou que contêm informações inadequadas.
Conclusão
A análise do perfil epidemiológico das crianças estudadas revelou maior prevalência na faixa etária entre os 0 e os 2 anos, em elementos do sexo masculino e da raça/cor parda. As principais manifestações clínicas apresentadas foram os sintomas respiratórios, febre e sintomas gastrointestinais. Os internamentos apresentaram uma média de 6.5 dias. Constatou-se que 20.52% apresentoavam alguma condição preexistente, e 58.12% usaram algum tipo de oxigenoterapia. Quanto ao coeficiente de mortalidade, neste estudo constatou-se que apenas um caso evoluiu para óbito.