Introdução
O envelhecimento populacional é um processo complexo, que envolve alterações na vida em sociedade e na vida dos indivíduos, na estrutura familiar, nos papéis sociais e tem estimulado ações globais de enfrentamento na busca por envelhecimento saudável (Thiyagarajan et al., 2022). Particularmente para o Brasil, o aumento da proporção de idosos e perfil de morbidade desse grupo representa um grande desafio aos gestores de saúde, considerando a dificuldade de implementação de políticas que assegurem atenção integral e qualidade de vida (Neumann & Albert, 2018).
O processo de envelhecimento tem características próprias em cada parte do mundo, porém o fenômeno da feminização da velhice parece ser uma experiência comum. Registra-se uma maior proporção de mulheres idosas em relação aos homens, aspecto que pode implicar um impacto significativo sobre as demandas de saúde para essas mulheres. A participação das mulheres em processos de envelhecimento ativo, que possam promover seu bem-estar global ainda é uma questão de carece de mais estudos.
As características inerentes ao envelhecimento trazem consigo novas demandas de cuidado e novas necessidades para os sistemas de saúde, uma vez que se associa a maior prevalência de doenças, limitações e incapacidades, que também podem se distribuir desigualmente entre homens e mulheres (Zasadzka et al., 2020). Os aspectos fisiológicos e patológicos associados ao envelhecimento do corpo biológico, quando negligenciados, podem levar ao aparecimento das grandes síndromes geriátricas. Estas decorrem, entre outros fatores, da perda de domínios que compõem a funcionalidade global do indivíduo, o que implica perda de autonomia e independência (Lee et al., 2009).
As principais síndromes geriátricas, também denominadas de gigantes da geriatria são: incapacidade cognitiva, instabilidade postural, imobilidade, incontinência esfincteriana, incapacidade comunicativa, iatrogenia e a insuficiência familiar (Weber et al., 2015). Cada uma dessas síndromes apresenta distribuição variável, mas de importância crucial não apenas para os idosos e suas famílias, mas também para as demandas de utilização dos serviços de saúde.
Apesar de heterogêneas e abrangerem diversos sistemas, as síndromes geriátricas apresentam características comuns. Além da alta prevalência na população idosa, associação com condições crônicas de saúde e relação com maior uso dos serviços de saúde, elas se associam com maior mortalidade e significativo impacto sobre a qualidade de vida dessa população e sobre o sistema de saúde (Wang et al., 2013).
As síndromes geriátricas estão significativamente associadas ao aparecimento de incapacidades em mulheres mais velhas (Rosso et al., 2013). Mas poucos estudos nacionais se dedicam a avaliar detalhadamente a relação entre sexo feminino e síndromes geriátricas, embora já exista uma destacada associação entre mulheres idosas e multimorbidades (Melo & Lima, 2020). É necessária e desejável, portanto, uma melhor compreensão da situação e, nesse contexto, explorar essa questão no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) é bastante oportuno. A literatura nacional ainda é bastante escassa em abordar essas questões.
A APS é um serviço estratégico na prestação do cuidado ao idoso e, no Brasil, a APS por meio das equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) é reconhecidamente capaz de prestar melhor gerenciamento das condições crônicas, reduzir internações desnecessárias, identificar risco para o desenvolvimento dessas síndromes e estimular a autonomia e independência da pessoa idosa. A partir dessas considerações, este estudo teve como objetivo analisar a prevalência das principais síndromes geriátricas entre idosos assistidos por equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), explorando a associação com o sexo feminino.
Método
Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal e analítico, realizado em Montes Claros, norte do estado de Minas Gerais, Brasil. O município é o principal polo regional, contava, no momento da coleta de dados, com uma população de aproximadamente 390 mil habitantes e cobertura assistencial pelas equipes da ESF superior a 80%.
Amostra
O tamanho da amostra baseou-se na estimativa populacional e foi utilizada a fórmula para a população infinita. Para a definição do tamanho da amostra, considerou-se uma população estimada de 8.7% de idosos conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), correspondendo a 33.930 pessoas de 60 anos ou mais. Estimou-se a prevalência do evento estudado igual a 50%, por ser um valor que fornece o maior número amostral, um erro de 3% e nível de confiança de 95%.
O tamanho amostral calculado mínimo foi 1.035 indivíduos. Considerando-se o processo de amostragem, esse número foi multiplicado por um fator de correção para o efeito do desenho igual a 1.5 e acrescido de 10% para eventuais perdas. Dessa forma, o número mínimo de participantes do estudo foi calculado em 1.708 indivíduos. A amostragem foi realizada em dois estágios e por conglomerados. Inicialmente, foram sorteados seis entre os doze polos regionais de saúde do município e, em cada polo realizou-se o sorteio das equipes da ESF e respectivas áreas de abrangência.
Foram incluídas pessoas de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 60 anos, cadastradas e acompanhadas pelas equipes da ESF. Foram excluídos os idosos incapacitados para responder aos questionários se não pudessem contar com um cuidador/responsável disponível durante as visitas de coleta de dados e idosos que estavam hospitalizadas ou institucionalizadas no momento das entrevistas. Idosos ausentes em seus domicílios em pelo menos três visitas, em dias e horários diferentes, mesmo após o agendamento prévio, foram considerados como perdas.
Participaram do estudo 1.750 idosos, sendo que 1.111 (63.4%) eram do sexo feminino. A maior parte das idosas do grupo possuía idade entre 60 e 69 anos de idade (49.6%), referia estado civil como separada ou viúva (47.0%), cor da pele parda ou preta (61.0%) e quatro ou menos anos de estudos (66.2%). Em relação à convivência em domicílio, a maioria delas residia com filhos/netos ou tinha outros arranjos familiares (60.8%). Mais de três quartos referiram remuneração própria por aposentadoria ou pensão (78.9%) e mais da metade referiu uma renda familiar menor ou igual a dois salários-mínimos (60.8%). Quanto aos idosos do sexo masculino, quase metade possuía idade entre 60 e 69 anos de idade (47.1%). A maioria era casada ou vivia em união estável (76.1%), referiu cor da pele parda ou preta (65.9%) e possuía quatro ou menos anos de estudos (72.0%). Mais de um terço dos homens idososresidiamsem familiares ou apenas com um cuidador ou cônjuge (42.0%). A maioria tinha remuneração própria por aposentadoria ou pensão (82.3%) (Quadro 1).
Procedimentos
A coleta dos dados aconteceu nos domicílios em horários definidos pelos próprios idosos ou familiares, sempre com o apoio de um representante das equipes da ESF. Os entrevistadores, estudantes de medicina ou enfermeiros formados, foram devidamente treinados e participaram de um estudo piloto em área distinta daquelas selecionadas para a pesquisa.
Dois instrumentos foram utilizados para a coleta de dados: o Brazilian Older Americans Resources and Services Multi Dimensional Function Assesment Questionnaire (BOMFAQ), que é a versão brasileira do OlderAmericans Resources and Services (OARS) (Blay et al., 1988) e o Índice de Vulnerabilidade Clínico-funcional (IVCF-20) (Moraes et al., 2016). O primeiro possui 60 questões que analisam dados sociodemográficos, capacidade funcional (avaliando todas as atividades básicas e instrumentais de vida diária), saúde física, saúde mental (aferida por meio do Mini Mental State Examination (MMSE) e do Questionário de Rastreamento Psicogeriátrico (QRP), utilização de serviços de saúde além da integração social. Na aferição de morbidades autorreferidas, o BOMFAQ permite que o respondente registre se a morbidade interfere ou não em sua vida cotidiana. Esse aspecto foi registrado nos resultados deste estudo.
O IVCF-20 é um questionário para triagem de fragilidade, que tem caráter multidimensional. Foi desenvolvido e validado no Brasil e avalia oito dimensões que são consideradas preditoras de perda funcional e óbito em pessoas idosas: a idade, a autopercepção da saúde, as atividades de vida diária (AVDs - sendo três atividades instrumentais de vida diária e uma atividade básica), a cognição, o humor/comportamento, a mobilidade (alcance, preensão e pinça; capacidade aeróbica/muscular; marcha e continência esfincteriana), a comunicação (visão e audição) e a presença de comorbidades múltiplas, representada por polipatologia (cinco ou mais doenças), polifarmácia (cinco ou mais medicamentos) e/ou internação recente.
Análise estatística
Para a análise do material coletado, utilizou-se o software IBM Statisticspackage for Social Science for Windows (SPSS), versão 22.0. Procedeu-se análise descritiva das variáveis, com distribuição de frequências simples, segundo sexo. Para a comparação da prevalência entre homens e mulheres utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson, admitindo-se um nível de significância de 5% (p < .05). A magnitude das associações entre sexo feminino e síndromes geriátricas foi estimada a partir das Odds Ratios (OR) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Em relação à caracterização das principais síndromes geriátricas, a incapacidade cognitiva foi definida a partir do escore do MMSE, considerando o grau de escolaridade do respondente, definindo-se como ponto de corte 13 pontos, para os analfabetos, 18 pontos para quem tinha escolaridade de até oito anos e 26 pontos para quem tinha escolaridade acima de oito anos, seguindo a maioria dos estudos sobre o tema. Para instabilidade postural considerou-se o registro de quedas no último ano (ou tempo acima de 20 segundos para o teste “get up and go”). A imobilidade foi registrada quando o idoso apresentava comprometimento de sete ou mais AVDs e/ou dificuldade de alcance preensão e pinça (a partir do registro de incapacidade de elevar os braços acima dos ombros e/ou incapacidade e manusear pequenos objetos). A incontinência esfincteriana foi definida a partir do relato de perda involuntária de urina ou fezes. Quanto à incapacidade comunicativa, definiu-se quando havia comprometimento grave da visão, audição ou linguagem. A iatrogenia representa a síndrome geriátrica com maior dificuldade de registro, e foi, neste estudo, definida pelo relato de polifarmácia, ou seja, uso regular de cinco ou mais medicamentos por dia, pelo risco implícito de iatrogenia a partir do uso de várias medicações (Cho et al., 2023). A insuficiência familiar foi definida a partir do arranjo familiar. Embora seja um conceito complexo, definido a partir da interação psicossocial e no baixo apoio social da pessoa idosa e no vínculo familiar prejudicado, foi considerado no presente para os idosos que moravam sozinhos ou apenas com o cuidador (Souza et al., 2015).
Aspectos Éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) sob o número 2.425.756, CAAE: 80729817.0.0000.5146. Cumpriu o que determina a resolução 466 de 12 de dezembro de 2012, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos participantes.
Resultados
Previamente à análise dos dados, procedeu-se avaliação de confiabilidade para as escalas aplicadas, a partir da análise da consistência interna dos dados, registrando-se valores para o alfa de Cronbach superiores a .85, o que representa alta confiabilidade. A validade das escalas foi assumida a partir de estudos prévios com os mesmos instrumento (Blay et al., 1988; Moraes et al., 2016).
Dentre as morbidades autorreferidas pelos idosos, a hipertensão apresentou maiores frequências de acometimento. No entanto, cerca de metade dos idosos relatou que a doença não interferia em sua vida. A má circulação ou varizes (51.3%) e problemas de coluna (51.7%) foram registradas por mais da metade das mulheres, e a maioria referia interferência dessas condições na vida cotidiana. Outras morbidades como reumatismo, asma e bronquite, diabetes, obesidade, incontinência urinária, prisão de ventre e dificuldades para dormir ou insônia não acometeram grande parte dos idosos (Quadro 2).
s prevalências das síndromes geriátricas avaliadas foi a seguinte: imobilidade: 18.1% (n = 317/1750); incapacidade cognitiva: 11.5% (n = 201/1746); instabilidade postural: 30.5% (n = 534/1750); incontinência esfincteriana: 14.6% (n = 256/1750); incapacidade comunicativa: 17.9% (n = 313/1750); iatrogenia: 32.4% (n = 567/1750) e insuficiência familiar: 11.0% (n = 192/1750). A distribuição das síndromes geriátricas nos idosos cadastrados, segundo sexo, é apresentada no Gráfico 1, destacando a iatrogenia como a mais comum em idosos de ambos os sexos.
Na comparação entre os sexos, as mulheres idosas apresentaram chances significativamente maiores de imobilidade (OR = 1.63; IC95%= 1.24-2.13), incapacidade cognitiva (OR = 1.44; IC95%= 1.05-1.99), instabilidade postural (OR = 1.56; IC95%= 1.25-1.94), incontinência esfincteriana (OR = 1.40; IC95%= 1.05-1.87), e iatrogenia (OR = 1.69; IC95%= 1.36-2.10) (Quadro 3).
Discussão
Entre os idosos assistidos pelas equipes da ESF, registrou-se uma considerável ocorrência das principais síndromes geriátricas, com destaque para a instabilidade postural e iatrogenia. Entre as sete principais síndromes geriátricas, cinco apresentaram maior prevalência entre as mulheres idosas. As mulheres cadastradas e acompanhadas pela APS do município apresentaram, em relação aos homens, maior prevalência de imobilidade, incapacidade cognitiva, instabilidade postural, incontinência esfincteriana e iatrogenia.
A literatura brasileira carece de estudos que comparam a ocorrência de síndromes geriátricas e sua relação ou associação com o sexo feminino. Diante do impacto negativo dessas condições sobre a qualidade de vida dos idosos, identificar causas associadas à ocorrência de síndromes geriátricas nas idosas pode contribuir para o estabelecimento de medidas preventivas e de reabilitação mais assertivas. As síndromes geriátricas são preditores de perda de funcionalidade e estão associadas a condições crônicas de saúde e maior mortalidade (Lee et al., 2009; Rausch et al., 2022; Hoogendijk et al., 2019). Em um estudo de coorte de base populacional, Rausch et al. (2022) registraram a presença de síndromes geriátricas, a partir do relato de quedas, incontinência, deficiência visual, deficiência auditiva, sintomas depressivos e fragilidade. Ao longo do acompanhamento de 43 meses, os autores identificaram que idosos residentes na comunidade com pelo menos uma síndrome geriátrica (44.7o%, n = 4.038) tiveram um risco aumentado de desenvolver qualquer nova condição crônica de saúde, ressaltando a necessidade de maior conscientização sobre o tema, tanto entre os idosos, como entre os médicos.
Os resultados deste estudo evidenciam a feminização da velhice e uma carga de morbidade maior para as mulheres idosas. Conforme registram outros autores, apesar de apresentarem maior expressividade na população e maior expectativa de vida, as mulheres passam mais tempo com problemas de saúde (Hoogendijk et al., 2019). A consequência é o aumento da ocorrência de multimorbidade e, consequentemente, a maior expectativa de vida não se reflete em melhores condições de saúde (Guimarães & Andrade, 2020). Avaliando especificamente as diferenças entre os sexos na vida total, com ou sem morbidades, um estudo holandês registra o acompanhamento de 884 idosos com 90 anos ou mais. Os resultados mostram que as mulheres tinham uma esperança de vida total mais elevada do que os homens (cerca de 8 meses), mas também uma esperança de vida pouco saudável. Os homens tinham uma esperança de vida sem incapacidades mais elevada entre os 90 e os 95 anos de idade em comparação com as mulheres. Os autores enfatizam que o paradoxo saúde-sobrevivência do homem-mulher permanece em idades muito avançadas (Hoogendijk et al., 2019).
O presente estudo também avaliou as principais morbidades entre os idosos e registrou uma frequência alta para hipertensão arterial, má circulação e problemas de coluna. Essas são condições crônicas e estão diretamente associadas com a presença de síndromes geriátricas (Melo & Lima, 2020). Um estudo brasileiro avaliou a associação das multimorbidades mais frequentes em idosos brasileiros com as variáveis socioeconômicas e de estilo de vida. Dentre os idosos multimórbidos, a maioria era do sexo feminino, sedentária e com baixa escolaridade. Esses dados que são similares aos resultados do presente estudo que revelou uma maior prevalência de idosas com multimorbidades, além das síndromes geriátricas. Ainda em relação às morbidades autorreferidas, idosos de ambos os sexos registraram alta frequência de hipertensão arterial, em consonância com inquéritos nacionais quanto à doença crônica não transmissível mais comum na população idosa (Rausch et al., 2022; Hoogendijk et al., 2019).
Vários são os fatores sociodemográficos e econômicos que estão associados à ocorrência das síndromes geriátricas, e dentre eles se destacam o estado conjugal, escolaridade e renda familiar (Melo & Lima, 2020; Rausch et al., 2022). Neste estudo, foi possível observar que a maioria das idosas era separada ou viúva, tinha baixa escolaridade e baixa renda. Em contrapartida, os homens, em sua maioria, eram casados, mas também possuíam baixa escolaridade e baixa renda. Os homens viúvos são mais propensos a se casarem novamente, reconstruindo a sua condição familiar, enquanto as mulheres, quando viúvas, preferem viver sozinhas. Assim, o estado conjugal das mulheres avaliadas, vivendo sem companheiro, pode ser um fator que contribui para maior ocorrência de quadros mórbidos entre as idosas.
Em relação à iatrogenia, aferida pela polifarmácia, os resultados observados são similares a outro estudo nacional (Carvalho et al., 2012). Embora não seja um indicador absoluto de iatrogenia, é a variável mensurada que mais se aproxima do evento. O consumo de mais de cinco medicamentos está associado a erros que incluem dose errada, frequência inadequada, período insuficiente ou demasiado de consumo, além de combinação inadequada com outros fármacos (Cho et al., 2023). O estudo de Carvalho et al. (2012), realizado no município do interior de São Paulo, demonstrou que 62.8% dos idosos entrevistados consumiam cinco ou mais medicamentos. A média de medicamentos utilizados por idoso foi de 5.9, sendo que os homens consumiram, em média, 5.4 medicamentos e as mulheres, 6.1 Para os autores, a maior prevalência de polifarmácia entre as mulheres pode estar relacionada à alta frequência de morbidades e implica em uso de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI). São considerados inapropriados aqueles que têm o risco de provocar efeitos adversos superior aos benefícios.Como consequência a polifarmácia pode ser um fator desencadeador do uso de MPI e de ocorrência de iatrogenias.
A imobilidade, registrada quando o idoso apresentava comprometimento de sete ou mais atividades de vida diária e/ou restrições de movimentos com braços e manipulação de pequenos objetos, também se mostrou mais associada às mulheres idosas neste estudo. Esse fato, possivelmente se relaciona a uma maior prevalência de afecções osteomusculares nas mulheres como osteoporose, problemas da coluna ou reumatismo. Essas condições também estão associadas com a sarcopenia, que favorece a restrição de atividades. O estudo de Ishibashi (2018) destaca que uma significativa proporção de idosos com necessidade de cuidados de longo prazo está associada a distúrbios ou deterioração dos órgãos locomotores. O autor chama a atenção para o comprometimento fisiológico do aparelho locomotor com o avançar da idade, agravado por fatores externos como falta de atividade física, estilos de vida e nutrição inadequados.
Em relação à instabilidade postural, a prevalência também foi maior nas mulheres. Os achados deste estudo foram similares aos encontrados na literatura (Vieira et al., 2018). A maior prevalência de quedas no sexo feminino pode ser explicada pelas diferenças na estrutura muscular e óssea das mulheres devido às alterações hormonais (Vieira et al., 2018).
Quanto à presença de incontinência esfincteriana no grupo estudado, os resultados estão também em consonância com a literatura e apontam para maior prevalência no sexo feminino. Alguns fatores estão particularmente associados à ocorrência de incontinência urinária em mulheres, como as doenças crônicas, menopausa e doenças ginecológicas, segundo uma revisão da literatura (Xue et al., 2020). Neste estudo, não se avaliou distintamente a incontinência fecal. É provável que alguns mecanismos ou fatores associados sejam comuns para ambos os tipos de incontinência esfincteriana, com destaque para as doenças crônicas, mas esse aspecto deverá ser abordado em pesquisas futuras.
Alguns fatores sociodemográficos e econômicos que se associam à insuficiência familiar, destacando-se o estado conjugal (Melo & Lima, 2020; Rausch et al., 2022). Comparando com os resultados apresentados por este estudo, é possível observar que a maioria das idosas era separada ou viúva. Em contrapartida, os homens, em sua maioria, eram casados. Esses dados apontam um aspecto já registrado pela literatura, de maior tendência dos homens viúvos de buscarem novos casamentos (Guimarães & Andrade, 2020). O estado conjugal das mulheres avaliadas, vivendo sem companheiro, pode ser um fator que contribui para maior ocorrência da insuficiência familiar que deve ser um sinal de alerta para os profissionais de saúde, pois se trata de uma condição fortemente associada a quadros de depressão e solidão entre as idosas. Em um estudo de revisão sobre os problemas de isolamento social, solidão e vulnerabilidade social nos idosos e os riscos associados, em uma pesquisa que abrangeu artigos relevantes dos 10 anos anteriores a junho de 2019, os autores observaram que a condição de viver só e a vulnerabilidade social são muito comuns nos idosos e estão associados a uma morbilidade e mortalidade consideráveis, comparáveis a fatores de risco clássicos, o tabagismo, o consumo de álcool e a obesidade (Freedman & Nicolle, 2020).
Os resultados observados devem ser considerados à luz de algumas limitações. Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, no qual não é possível a determinação de causalidade. Os dados foram relatados pelos idosos, devendo-se levar em conta o viés da memória e a própria limitação da memória humana. A definição das síndromes geriátricas não é algo preciso e classicamente definido pela literatura e os indicadores utilizados neste artigo podem ser contestados. Apesar das limitações, esse manuscrito aborda aspectos importantes sobre o processo de adoecer das pessoas idosas do sexo feminino no contexto da ESF e destaca a necessidade de intervenções no sentido de se alcançar uma velhice mais saudável e de maior qualidade de vida para as mulheres. A literatura brasileira carece de estudos que comparam a ocorrência de síndromes geriátricas e a relação com processo de envelhecimento feminino. Nesse sentido, identificar fatores determinantes e associados à ocorrência de síndromes geriátricas nas idosas é uma medida que pode contribuir para o estabelecimento de ações mais assertivas de promoção da saúde.
Conclusão
Registra-se uma maior frequência das síndromes geriátricas no sexo feminino. Esse achado reitera que existe um impacto negativo da maior sobrevida das mulheres, que passam a conviver com condições mórbidas críticas. Algumas das síndromes geriátricas mais prevalentes nas mulheres idosas podem ser decorrentes das morbidades associadas, que foram também mais frequentes nesse grupo.
É imprescindível a ampliação do tema, com mais pesquisas e disseminação dos resultados entre gestores e profissionais da área da saúde. É importante que as equipes de saúde possam reconhecer os impactos precoces dos fatores ambientais de risco para os idosos e auxiliar na implementação de rotinas de vida saudável durante o envelhecimento.