1. Introdução
Ao longo dos anos, a televisão sempre provocou efeitos inadvertidos no telespectador (Ferrés, 1998), em especial as telenovelas, entendidas como um típico produto cultural brasileiro (Lopes, 2011). Desde a chegada da televisão ao Brasil, em meados da década de 50, as telenovelas são vistas como um grande trunfo da televisão brasileira. Diariamente, milhões de telespectadores são impactados por essas produções.
Contudo, para além da função pautada pela lógica do entretenimento televisivo, Wolton (1990/1996) defende que a televisão não exerce apenas uma função recreativa. Graças ao laço social televisivo, a televisão permite estreitar os laços afetivos entre os seus telespectadores, constituir lembranças, criar pontos de contacto entre todos os extremos da sociedade, despertar estímulos e sensações que geram não apenas uma experiência de consumo, mas também um papel social e cultural no contexto das relações.
No entanto, nos últimos anos, numerosas discussões colocam em pauta a reconfiguração das dinâmicas mediáticas e perspetivas teóricas a respeito desse atual momento televisivo. Parte desses estudos sugerem que a televisão chegou ao fim (ou caminha nesse sentido), principalmente quando se discute o avanço das plataformas de streaming.
Fechine (2014) afirma que o ambiente digital tem contribuído significativamente para a compreensão dessa "nova era da televisão". Dentro dessas circunstâncias, discutimos as possibilidades de partilha do arquivo televisivo para além do fluxo unidirecional televisivo. Se antes esses conteúdos audiovisuais permaneciam exclusivos aos acervos analógicos das emissoras televisivas, hoje eles estão disponíveis na internet, tudo isso possível em virtude do novo e massivo status dos média digitais.
O arquivo audiovisual começa agora a circular para além do fluxo unidirecional televisivo. Graças a essa descentralização da televisão, diversas produções audiovisuais ocupam os ecrãs dos smartphones, tablets, desktops e outras possibilidades de consumo, graças às culturas convergentes (Lipovetsky & Serroy, 2007/2009).
Neste cenário, nota-se que a Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, atua no mercado brasileiro de streaming desde 2015, e está a competir com as principais plataformas de streaming como a Netflix e a Amazon Prime (Santos Neto & Strassburger, 2019). Além de oferecer produções originais com o selo “originais Globoplay”, a plataforma atua como repositório das produções da TV Globo. Toda a programação da emissora transmitida ao vivo fica disponível para o usuário imediatamente após a exibição na televisão. Vieira e Murta (2017) destacam que a Globoplay está a tentar reconquistar a audiência do fluxo televisivo devido às mudanças nos canais de distribuição de conteúdo audiovisual. Para tanto, os autores concordam que a plataforma deveria utilizar diversas estratégias de marketing e ofertar novos conteúdos para atrair o público. Nesse sentido, levantamos a hipótese de que, dentre as ações empreendidas pelo Grupo Globo, o projeto de retorno das telenovelas antigas da TV Globo reforça a força da televisão e a sua função socializadora diante dessa era da convergência mediática.
Ao longo dos anos, as novelas trataram de temas relacionados ao cotidiano, questões sociais, políticas e culturais. Segundo Lopes (2011), tais produções possuem uma ligação afetiva com o público e, por isso, são entendidas como uma instituição cultural, simbólica e uma representação de nossa identidade.
Assim, esse projeto destaca-se pelo empenho e esforço da plataforma em compreender o resgate das telenovelas antigas da TV Globo e como esse movimento torna esses títulos mais acessíveis ao telespectador em detrimento dos projetos anteriores mobilizados pela organização. Sabe-se que o retorno dessas produções nas plataformas digitais atende a um desejo antigo do telespectador brasileiro (Vaquer, 2019).
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo discutir aspetos relacionados com o contexto do declínio da televisão numa aproximação dos estudos televisivos latinoamericanos com outras teorias a respeito da televisão. Além disso, o estudo tem como objetivo dar visibilidade ao apelo à memória dos telespectadores enquanto estratégia mediática, no contexto da plataformização televisiva, como um movimento responsável pelo crescimento da plataforma.
Este artigo foi realizado a partir do método de estudo de caso desenvolvido por Yin (1984/2015) através da abordagem qualitativa. Com base em dados teóricos, buscou-se articular teorias com dados empíricos para fundamentar a proposição apresentada.
2. Televisão em Declínio: Perspetiva Latino Americana
Discutir o futuro ou o declínio da televisão requer critérios norteadores e balizas específicas para alçarmos uma compreensão. Primeiramente, deve-se entender qual critério deve ser utilizado para determinar este possível declínio da televisão brasileira. Nesse sentido, qual parâmetro podemos usar para reconhecer ou invalidar a hipótese apresentada nesta investigação?
Nessa perspetiva, apoiamos nosso argumento com base nas definições de Wolton (1990/1996) sobre o conceito de laço social televisivo. As proposições teóricas do autor permitiram compreender a televisão sob novas perspetivas. Wolton (1990/1996) defende a ideia de que "a televisão desempenha um papel nessa reafirmação cotidiana dos laços que juntam os cidadãos numa mesma comunidade" (p. 135).
Para ele, a televisão oferece diariamente ao público os mais diversos tipos de conteúdo. Seja no jornalismo ou no entretenimento, a televisão possui um contrato (não verbalizado) com o público (Wolton, 1990/1996). O autor destaca que a televisão desempenha um papel importante nas nossas relações cotidianas. Através desses conteúdos televisivos, interligamo-nos uns aos outros via um laço social, invisível e intocável.
Nesse sentido, assistir televisão pode ser entendido como uma experiência social porque, segundo Wolton (1990/1996), a audiência passa a fazer parte da constituição de um laço social, juntamente com outros sujeitos em determinada programação. Portanto, esse seria um critério importante para garantir a existência da televisão - a função socializadora da televisão.
Como Wolton (1990/1996) menciona:
ao assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente imenso anônimo que assiste simultaneamente, estabelecendo assim, como ele, uma espécie de laço invisível. É uma espécie de conhecimento comum, um duplo laço e uma antecipação cruzada. “Assisto a um programa e sei que outra pessoa o assiste também, e também sabe que eu estou assistindo a ele”. Trata-se, portanto, de uma espécie de laço espetacular e silencioso. (p. 124)
No entanto, com o advento dos média digitais, intermináveis discussões sobre o fim da televisão emergem no meio académico. Diante do contexto da plataformização, dado o conceito proposto por Wolton (1990/1996), questionamos neste estudo: estaria a televisão a perder a sua função socializadora em detrimento das novas culturas mediáticas?
Vários argumentos procuraram invalidar a teoria de Wolton (1990/1996) ao proclamar que os novos média enfraqueceriam essa função socializadora da televisão. O mais evidente nessas discussões são as transmutações que, de certa forma, reconfiguraram algumas das principais características da televisão: a transmissão em tempo real, característica intrínseca da produção televisiva, a qual foi superada pela transmissão sob demanda (on-demand); a transição do fluxo unidirecional para um modelo de comunicação assíncrono; e o declínio do broadcasting que cedeu ao narrowcasting (Scolari, 2014).
No esforço de compreender o momento atual da televisão no contexto latinoamericano, autores como Scolari (2014), Carlón (2014) e Fechine (2014), entre outros, focalizam as suas pesquisas nesse momento atual que a televisão atravessa, numa perspetiva positiva.
Carlón (2014) concede-nos uma proposição inicial ao defender que "a crise da televisão deve-se às mudanças nos dispositivos mediáticos, discursivos e nas práticas sociais de produção e recepção discursiva" (p. 17). A crítica feita por Scolari (2014) incide sobre essa capacidade de incompreensão do atual momento dos média observada por Carlón (2014). O seu argumento reforça que as perspetivas teóricas deveriam acompanhar essas transformações. O facto é que muitas dessas abordagens desconsideram esse atual estágio da televisão na contemporaneidade. Além disso, parte desses estudos nega a convergência dos novos suportes tecnológicos em oposição à função de uma televisão generalista.
Segundo Scolari (2014), essas discussões têm como fundamento uma oposição dicotómica entre paleotelevisão e neotelevisão, discutida anteriormente por Umberto Eco (1984). Tais discussões parecem ser reduzidas a uma definição lacónica de uma televisão definhada e, principalmente, com prazo de validade em contagem regressiva. Assim, objetivamos compreender o atual modelo televisivo a partir de aportes teóricos consagrados.
Carlón (2014) indica que, para os teóricos mais céticos, a televisão deixaria de ser televisão quando as transmissões ao vivo se tornassem obsoletas em detrimento do gravado. O gravado não seria resultado da televisão, mas sim do cinema. Por outro lado, programas de televisão transmitidos ao vivo seriam entendidos como uma característica universal da televisão - uma função socializadora e unificadora. No entanto, para Scolari (2008, 2014), Fechine (2014) e outros autores, o fim da televisão, com base nesse argumento, não se legitima suficiente. Além disso, seria necessário considerar todo o ecossistema mediático para chegar à conceção em que a televisão não se esgotou.
No esforço de evitar alguns prefixos como o termo “pós” (pós-modernidade, póstelevisão), Scolari (2008) entende que é preciso se desenvencilhar do conceito de “televisão defasada”. Aliás, o autor entende que a televisão não está ultrapassada, de modo a renegar assim o rótulo de “pós-televisão”. O prefixo "pós" indica um momento posterior e, segundo Scolari (2008), não vivemos um momento posterior à televisão.
Para lidar com esse novo movimento, Scolari (2009) atribui o termo "hipertelevisão" para classificar o atual momento da televisão, quando há uma priorização das experiências hipertextuais disponibilizadas pela cultura da digitalização, que gera experiências hipermediáticas. Lipovetsky e Serroy (2007/2009) também discutem o contexto hipermediático para dar conta dessas interrelações dos suportes que se intercambiam e passam a dar novas significações à cultura dos média.
Para Scolari (2009), a hipertelevisão representa “um novo tipo de consumo televisivo caracterizado por uma recepção fragmentada, ubíqua e assíncrona: um programa diferente em cada aparelho na mesma hora" (p. 13). Nesse cenário, o telespectador contemporâneo torna-se interdependente das relações bilaterais entre as emissoras de televisão. Os novos suportes digitais garantem autonomia ao público dessa cultura hipermediática descrita por Scolari (2009). Nessa perspetiva, começa-se a pensar em uma televisão multiplataforma, multidirecional.
Carlón (2014) argumenta que,
em nossa sociedade as pessoas têm gostos diferentes e realizam (por causa do seu pertencimento identitário a diferentes grupos sociais), sempre que podem, escolhas diferentes (esse fenômeno está explodindo nas moradias na medida em que o s mídias se multiplicam e cada um pode escolher o que ver). (p . 17)
Evidentemente, tratam-se de alterações complexas na conjuntura das mediações culturais. Sgorla (2015) assinala essas "mudanças nos dispositivos mediáticos, discursivos e nas práticas sociais de produção e recepção, bem como às novas ofertas possibilitadas pelo ambiente digital, que extendem as oportunidades de escolhas individualizadas" (p. 15).
Como discutido por Scolari (2014), Jenkins (2006/2009) também percebe a hipertelevisão como uma promessa transmediática cujo espectador se torna sujeito primordial na construção de narrativas e processos de comunicação veiculados pelos média. Enquanto na paleotelevisão a televisão não falava de si, hoje em dia a televisão convida o público a fazer parte da sua programação e dos seus produtos; ou seja, devemos concordar que a televisão, hoje em dia, transcende as fronteiras das teorias tradicionais sobre o que entendemos por televisão.
A título de explicação, vemos que o engajamento nas redes sociais exerce um papel importante nessa nova dinâmica comunicacional discutida por Scolari (2014). Através dos novos dispositivos de suporte, o público partilha as suas perceções em tempo real com outras pessoas, tornando-se interdependente do fluxo de comunicação televisivo. Agora, a televisão organiza-se por meio da cultura participativa (Jenkins, 2006/2009). Nesta nova fase da comunicação de massa,
essas novas produções constroem um espectador modelo que exige do espectador real as competências cognitivas e interpretativas que caracterizam os nativos digitais. A hipertelevisão está falando para eles, uma geração criada em ambientes digitais interativos que desenvolveu novas habilidades perceptivas e cognitivas. (Scolari, 2014, p. 49)
Com base nesse argumento, nota-se que a televisão nos dias atuais incorpora o dinamismo das relações constituídas na esfera digital para o seu interior, o que nos direciona assim ao conceito de TV social (Fechine, 2014). Para Fechine (2014), a TV social amplifica a voz do espectador por meio das plataformas sociais e promove uma aproximação entre as indústrias e a audiência (Jenkins, 2006/2009). Nesse contexto, as práticas de produção televisiva no Brasil têm mudado constantemente e as plataformas de streaming devem lidar com essa nova realidade de consumo televisivo, como veremos adiante.
3. Cultura da Convergência e Hipermediática: Para Onde a Televisão Está a Caminhar?
Na direção dos estudos da cultura da convergência, devemos ter em mente que esse conceito não deve ser entendido como uma forma de lidar com a mera transposição das práticas mediáticas analógicas para o universo digital. Na verdade, a convergência resulta de uma mentalidade; um estado de consciência coletiva. Para Jenkins (2006/2009), a convergência mediática refere-se ao modo como lidamos com os suportes mediáticos do nosso tempo, e não como eles nos institucionalizam.
Devemos, portanto, compreender a memória sob a égide desses novos fenómenos, processos e práticas mediáticas capazes de reconfigurar a forma como lidamos com esses suportes tecnológicos. Lipovetsky e Serroy (2007/2009) abordam esse novo momento da nossa cultura como sociedade sustentada por uma profusão de ecrãs e produtos mediáticos. Estamos a viver na era do hiper-excesso, do hiper-consumo e, sobretudo, na era dos hiper-ecrãs. A exaustão dos aparelhos e meios tecnológicos elevou o consumo televisivo a outro patamar, no entanto, esse movimento não significa que os média tradicionais estejam ultrapassados.
Nesse ponto, observamos que o argumento de Scolari (2009) se aproxima aos pressupostos teóricos de Lipovetsky e Serroy (2007/2009), particularmente quando consideramos as transformações socio-tecnológicas que reconfiguram a televisão contemporânea. O termo "hipertelevisão", designado para classificar esse momento atual da televisão, refere-se ao momento em que a televisão prioriza as experiências hipermediáticas possibilitadas pela cultura da digitalização (Scolari, 2009).
Conforme observado por Scolari (2009), a televisão ou a hipertelevisão ressignifica a forma como os consumidores dessa cultura convergente se relacionam com os produtos televisivos. A principal característica dessa nova gramática comunicacional centra-se no caráter transmediático por meio de uma estética hipertextual da televisão e da linguagem das redes.
Nessa configuração, a televisão rompe as barreiras teóricas tradicionais previamente estabelecidas para ocupar novos espaços mediáticos em ambientes digitais e tecnológicos. Assim, Scolari (2009) baseia o seu argumento na ideia de uma estética hipertextual para contextualizar esse momento atual da televisão, chamando a atenção para as diferentes camadas fragmentadas pelos ecrãs de modo a cativar o público. As máquinas digitais podem absorver estéticas e linguagens; tais processos devem ser entendidos como hipermediações (Scolari, 2008).
Nessa perspetiva, observamos que a hipertelevisão modifica o ritmo da relação entre produtores de conteúdo e as audiências nos espaços digitais. A própria televisão agora cria e estimula a participação do telespectador com vistas a fazer parte da construção de suas narrativas e das estratégias de comunicação que adotam (Finger & de Souza, 2012). Assim, nesses espaços, ocorrem mutações nas cadeias produtivas, que ressignificam os espaços mediáticos e, sobretudo, novas formas de comunicar (Fechine, 2017).
Para sustentar esse pensamento acima, acreditamos que as contribuições de Lipovetsky e Serroy (2007/2009) convergem de forma promissora com as de Scolari (2009) e outros teóricos na corrente dos estudos latino-americanos a respeito da televisão. Numa perspetiva divergente das discussões mais extremistas sobre o futuro dos média, Lipovetsky e Serroy (2007/2009) fornecem-nos leituras mais densas para endossar a ideia de hipertelevisão neste contexto de convergência.
Uma ideia de televisão que (ainda) não pode ser datada e invalidada1.
Ao aproximarmos das postulações de Scolari (2009), Lipovetsky e Serroy (2007/2009) reforçam o magnetismo dos dispositivos tecnológicos em ambientes mediatizados. Nessa perspetiva, podemos observar um olhar crítico feito por esses autores como um esforço para mostrar que não vivenciamos um declínio e morte dos meios de comunicação. Ambos autores, no entanto, defendem que para procurar esse entendimento é fundamental adequar as lentes teóricas de modo que possamos compreender como determinadas ressignificações são intrínsecas à condição humana.
Pode-se concordar que essa relação do consumidor com a televisão encontra-se descentralizada, fragmentada, ubíqua. No entanto, essas reconfigurações no consumo televisivo incitadas por esses suportes não podem ser entendidas como um declínio da função socializadora da televisão, como defende Wolton (1990/1996).
O ponto central da crítica de Lipovetsky e Serroy (2007/2009) incide justamente na questão da morte dos meios de comunicação em massa, principalmente no cinema. Parte das considerações levantadas pelos autores procura dissolver um pensamento mais abstrato a respeito do que seria considerado o “fim do cinema”- e que pode ser estendido a outros meios televisuais. Com a chegada de novos aparatos tecnológicos, os autores argumentam que as práticas comuns foram ressignificadas graças à convergência mediática, o que corrobora a ideia defendida por Scolari (2009) e Jenkins (2006/2009).
A grande crítica de autores como Scolari (2009), Fechine (2014, 2017) e outros autores inseridos nessa linha de pesquisa reside nos discursos contrários à convergência na medida em que correntes de pensamento extremistas colocam o cinema e a televisão à beira do extermínio. Acontece que, segundo os autores, essas mutações causadas pela convergência mediática devem ser reinterpretadas pelas indústrias culturais e principalmente pela perspetiva académica. Acima de tudo, precisamos entender que existe uma nova gramática da comunicação mediática (Lipovetsky & Serroy, 2007/2009).
Sobre a convergência mediática, Jenkins (2006/2009) observa que a conceção desse conceito remete às transformações que ocorrem na forma de socialização entre o público e os média, resultante de um novo modus operandi dos média, os quais entendemos como tradicionais. No entanto, tal posicionamento não se limita às tendências de adaptação de linguagens e estéticas dos meios de comunicação à internet.
Segundo Jenkins (2006/2009), a convergência mediática compreende mudanças macroestruturais nos níveis cultural, social, mercadológico, industrial e tecnológico. Para Jenkins (2006/2009), é preciso estar atento a esse pensamento, pois a convergência mediática não deve ser reduzida às transformações tecnológicas e à chegada dos novos dispositivos, por exemplo, como os computadores e smartphones. A convergência mediática necessita ser entendida, antes de tudo, como uma transformação cultural.
Jenkins (2006/2009) parte da definição de Castells (1996), ao apontar que a “tecnologia não é apenas ciência e máquinas: é também tecnologia social e organizacional” (p. 5). Nesta nova gramática das comunicações mediáticas são os usuários que se apropriam e reapropriam dos dispositivos eletrónicos e mediáticos para criar conexões, partilhar experiências, consumir produtos mediáticos.
Nesse contexto, observamos que os autores apresentam uma visão clara a respeito do que se pensa sobre o futuro dos média. Os usuários passaram a se organizar e regular as suas experiências e hábitos de consumo em prol das suas próprias demandas a partir do que os média lhes propiciam. Diante dessa situação, Cajazeira e Souza (2020) postulam que a televisão contemporânea também passou a organizar-se de diversas formas em decorrência dessas reconfigurações.
Para os autores,
a televisão deixa de ser vista por seu suporte e passa a ser ressignificada a partir dessa quebra do produto em pequenas células audiovisuais de acordo com o uso de cada usuário, pela sua interação com conteúdos nesses ambientes e condicionando uma nova forma de percepção de experiência audiovisual e audiência. (Cajazeira & Souza , 2020, p. 218)
Assim, a relação entre as audiências e as instâncias mediáticas torna-se mais difusa e descentralizada. Os participantes dessa cultura de convergência modificam e reestruturam as relações entre consumidores e produtores de conteúdo (Scolari, 2014). Dessa forma, com esses novos fluxos televisivos, ocorrem mudanças em níveis mais abrangentes que perpassam desde a construção da grade televisiva até à escolha dos produtos a serem ofertados pelas emissoras.
Diante das infindáveis discussões sobre o fim da televisão, o “surgimento de novas lógicas de produção e consumo abre uma brecha no reino do broadcasting” (Scolari, 2014, p. 44). Nota-se que, a partir desse panorama, a hipertelevisão passou a ser regulada por um dinamismo cada vez mais fragmentado, na medida em que o broadcasting (televisão geralista, televisão segmentada) é substituído gradativamente pelo narrowcasting (televisão-arquivo, televisão-descentralizada). Pela facilidade de acesso a estes conteúdos nos espaços digitais, a televisão generalista testemunha grandes transformações no ecossistema comunicacional e na forma como os telespectadores consomem televisão. Essas alterações afetam profundamente a forma como as instâncias mediáticas se relacionam com seus consumidores.
Cannito (2010) argumenta que
a evolução tecnológica torna a televisão mais televisão. Em vez de tornar essa mídia obsoleta, contribuíram para o seu amadurecimento como linguagem fundada no jogo o aparecimento do vídeo cassete, do controle remoto e da televisão a cabo, a incorporação do telefone, a transmissão ao vivo, o diálogo com a internet, etc. (p. 42)
Se a televisão pensada por Wolton (1990/1996) desempenha um papel central no fortalecimento dos laços sociais que constituem a audiência, parece oportuno questionar como esse papel socializador e unificador da televisão resiste atualmente diante dessas reconfigurações no ecossistema mediático.
4. O Caso Globoplay e o Fenómeno das Telenovelas Antigas
Desde o início da década, os estudos televisivos discutem cuidadosamente o crescimento das plataformas de streaming no Brasil. Desde então, diversas plataformas estrearam nesse cenário, o que amplia cada vez mais a oferta e a demanda por produtos audiovisuais. Grandes e consolidadas empresas do segmento de streaming no exterior, como a Netflix e a Amazon, estimularam nos últimos anos outras empresas brasileiras a investir no segmento.
Neste artigo, focamos nossa discussão na Globoplay - plataforma de streaming do Grupo Globo. Lançada em 2015, a plataforma inicia as suas operações para atender a quatro demandas iniciais: (a) ampliação da oferta televisual da grade linear da TV Globo por meio da transmissão simultânea (simulcasting); (b) produção de conteúdos originais com a chancela Globoplay; (c) atuação como repositório das produções exibidas junto à programação linear (catch-up); e (d) disponibilização do acesso integral ao acervo das produções audiovisuais das atrações que fizeram sucesso na emissora. Estes dois últimos têm notadamente um viés para a preservação e partilha do conteúdo audiovisual oferecido pela emissora (Santos Neto & Bressan Júnior, 2022).
Além das transmissões em tempo real (simulcasting) da programação da Rede Globo, o serviço contava com cerca de 80 títulos antigos, entre novelas antigas e outros conteúdos televisivos, que faziam muito sucesso na programação da emissora. Na secção "Replay", o assinante tem à disposição diversos conteúdos (novelas, séries de televisão) que podem ser acessados através dos mais diversos dispositivos: smartphones, smart TVs, entre outros (Globo Play É Lançado; Conheça Nova Plataforma Digital de Vídeos da Globo, 2015).
Recentemente, a plataforma passou a investir em produção de novelas inéditas com o selo “originais Globoplay” para fazer com que os telespectadores consumam produções exclusivas na plataforma. Entretanto, dentre as várias estratégias mobilizadas pela Globoplay para ampliar sua base de assinantes, destacamos o projeto de recuperação das telenovelas antigas que compõem o acervo do Grupo Globo.
Nota-se que a Globoplay chega ao mercado brasileiro de streaming como um forte suporte de média com vistas a recuperar e viabilizar as produções da TV Globo e suas subsidiárias, especialmente as telenovelas antigas brasileiras, entendidas como um produto cultural e tipicamente brasileiro (Lopes, 2011). Face aos altos índices de audiência com as repetições das telenovelas antigas na televisão aberta, o projeto de retomada dos títulos antigos iniciou-se oficialmente em abril de 2020 (Santos Neto & Bressan Júnior, 2022). Ainda em atividade, o projeto consiste em recuperar e divulgar na plataforma duas novelas antigas a cada 15 dias.
É interessante destacar que, segundo Erick Bretas 2 (2020), o processo de recuperação e digitalização do acervo da emissora data desde o início da década passada. Nessas condições, observamos como o passado televisivo tem se desprendido dos grandes rolos cinematográficos, repositórios físicos em proporções astronómicas para um suporte tecnológico digital cada vez mais fluído. As técnicas de arquivamento em nuvem tornaram-se uma realidade e, assim, a televisão contemporânea assiste à “musealização” do seu próprio passado (Cajazeira & Souza, 2020).
Entretanto, sabe-se que o interesse da plataforma nesses arquivos advém, propriamente, de uma intencionalidade mercadológica. Neste estudo chamamos para o nosso objeto de análise: o projeto de retorno dos clássicos da teledramaturgia da TV Globo. Este projeto materializa-se num cenário de grandes transformações tecnológicas que acometem à televisão.
Os esforços na partilha e publicização dos seus títulos antigos visam reter a atenção do consumidor contemporâneo, nativo das linguagens e práticas tecnológicas (Scolari, 2008). Sabe-se que este mercado da nostalgia operacionalizado pela plataforma visa, consequentemente, reter o telespectador por meio do apelo à memória afetiva. Numerosos autores, como Goulart Ribeiro (2018) e Holdsworth (2011), discutem essa correlação entre nostalgia e o seu impacto no mercado do audiovisual.
As telenovelas antigas mobilizam o consumo em múltiplas direções. Ao longo dos anos, o Grupo Globo de Comunicação explora esses títulos antigos com espaços dedicados à partilha de seus produtos, como se destaca o Viva3 - um canal de televisão por assinatura.
Um projeto desenvolvido por Bressan Júnior (2019) identificou que as novelas antigas foram responsáveis por aumentar o engajamento da emissora nas redes sociais. Ao analisar a perceção dos telespectadores sobre o retorno das antigas novelas da Rede Globo no Viva, o estudo desenvolvido pelo autor demonstrou que esses títulos antigos da televisão desempenham um papel importante nas estratégias mercadológicas da organização. Nas redes sociais, ao rever essas produções, as pessoas comentavam os episódios dessas novelas com outros usuários no Twitter, por exemplo. Nesses espaços ocorre, como diz Fechine (2017), o que podemos chamar de “laço social televisivo”.
Lembranças, curiosidades e tantos outros aspetos ligados à memória do telespectador são acionados pela televisão. Do ponto de vista sociológico, Bressan Júnior (2019) também sugere que a memória afetiva desses usuários evidencia questões para além do campo mercadológico. O autor também observou que mesmo os usuários que não assistiram às edições anteriores se sentiram membros integrantes desses grupos, que se reconstituíam por meio do laço social nas redes sociais.
Como resultado da tese desenvolvida por Bressan Júnior (2019), os dados demonstram que os telespectadores externalizaram sentimentos afetivos de nostalgia coletiva ao rever um produto televisivo. Verificou-se também comentários com menções a certas narrativas que estruturaram o enredo da reexibição. Os usuários relembraram os personagens, o período em que as novelas foram exibidas, além de outras formas de rememoração.
Assim, do ponto de vista teórico, destacamos a existência de um novo olhar sobre o arquivo televisivo como estratégia mediática capaz de prender a atenção do telespectador. O projeto de retorno dos antigos títulos da TV Globo parece não comportar apenas valor arquivístico para fins de catalogação e preservação dessas produções. Existe um potencial afetivo no retorno desses produtos e que se coloca de maneira atrativa à plataforma.
Nessa perspetiva, Bressan Júnior (2019) destaca que a memória teleafetiva apresenta um valor imensurável para o Grupo Globo, como também para os seus telespectadores. O desejo afetivo do telespectador de retorno ao passado, e as experiências e sentimentos evocados por essa revisitação, demonstram o interesse da plataforma por esse projeto de retomada de títulos antigos. Mesmo aqueles que não vivenciaram determinados períodos, neste período de convergência mediática, possuem a oportunidade de retornar ao passado.
Segundo a Globoplay, do ponto de vista mercadológico, a plataforma está comprometida em dialogar com o público jovem com vistas a direcionar as suas estratégias com base nos títulos antigos e, sobretudo, de modo a concentrar os seus esforços comunicacionais na publicização desses produtos de forma a repercutir nas redes sociais e mobilizar o consumo (Bretas, 2020). Conforme defendido por Jenkins (2006/2009), os usuários dessa cultura participativa são conhecidos por estarem mais propensos ao consumo nos espaços digitais.
Diante dessa perspetiva, Vieira e Murta (2017) apontam que a plataforma "busca atrair um público cada vez mais afastado dos média tradicionais e que procura autonomia para se relacionar com o conteúdo audiovisual de uma maneira personalizada, própria dos meios convergentes" (p. 36). O esforço mercadológico da plataforma na mercantilização desses títulos antigos também ocupa lugar de destaque nas estratégias mediáticas da emissora.
5. Globoplay no Cenário de Transformação na Televisão Brasileira
Jacks et al. (2020) acreditam que a pandemia da COVID-19 reconfigurou parte da programação televisiva da TV Globo, ao recuperar e estimular o consumo de novelas antigas no horário nobre. Durante esse período, as telenovelas antigas compensaram o desfalque na grade de programação da TV Globo, dada a falta de tramas inéditas disponíveis para exibição.
Quando olhamos para a televisão brasileira, principalmente nos primeiros meses da COVID-19, nota-se que as repetições desses títulos foram responsáveis por alavancar a audiência da emissora de modo a superar os índices de audiência de quando essas obras foram exibidas pela primeira vez na televisão. Esse fator também parece estar relacionado a outros aspetos, como o aumento de pessoas confinadas durante a quarentena. Entretanto, o que nos chama a atenção é, sobretudo, o fascínio do telespectador brasileiro pelos folhetins novelescos, como discutido em tantos trabalhos (Bressan Júnior & Moraes, 2019).
Lemos e Rocha (2022) argumentam que o projeto de retorno das novelas antigas durante o período de isolamento também impulsionou o crescimento de assinantes na plataforma da emissora. As autoras reforçam que "elementos ligados à afetividade e conforto emocional proporcionados pela ficção podem ser decisivos para escolhas de consumo de entretenimento em tempos de severas instabilidades como o período atual" (Lemos & Rocha, 2022, p. 54).
De acordo com um estudo da NZN Intelligence (Pandemia Influenciou Aumento nas Assinaturas de Streaming, 2022), o boom do streaming no Brasil durante o período da pandemia está diretamente relacionado ao isolamento social. Nessa perspetiva, segundo dados divulgados pela Nielsen Research Institute (Ingizza, 2020), verifica-se que o consumo de conteúdo sob demanda após o início da pandemia tornou-se um hábito para cerca de 42,8% dos brasileiros e 43,9% consumiam pelo menos uma vez por semana.
De acordo com a Globoplay (Guimarães, 2020), somente em 2020, houve um aumento em sua base de assinantes estimado em 145% em relação ao ano anterior. Relativamente ao consumo de novelas, a plataforma registou um aumento substancial no consumo dessas produções em cerca dos 140% em relação ao ano anterior (Capuano, 2020). Parte desse crescimento decorre do cenário otimista em relação ao segmento de streaming audiovisual.
A título de comparação, em relação ao consumo de streaming no país, apenas em 2020, aproximadamente 42,8% dos brasileiros assistiam conteúdos em plataformas de streaming diariamente (Ingizza, 2020). Em 2022, uma pesquisa encomendada pela Roku revelou que 75% dos brasileiros usam plataformas de streaming diariamente (Doliveira, 2022).
Com a fuga do telespectador dos média tradicionais para os dispositivos digitais, as indústrias televisivas procuram cada vez mais ampliar a oferta d suas produções na esfera digital. Por essa perspetiva, o streaming alcançou um patamar elevado na indústria televisiva, o que justifica a interdependência do usuário com o conteúdo oferecido pela televisão. As telenovelas antigas, por exemplo, passaram a estar disponíveis para consumo a qualquer momento. O usuário necessita apenas de um dispositivo eletrónico com conexão à internet e, em alguns casos, de um plano de assinatura válido. Movimentos como esses corroboram o conceito de hipertelevisão defendido por Scolari (2009) e reforçam a importância do segmento no país.
As práticas de arquivamento e partilha de material audiovisual televisivo propiciam ao telespectador novas formas de aceder ao passado, uma nova forma de resgatar e evocar as suas memórias afetivas - e esse fator mostra-se estratégico diante dessas reconfigurações do cenário televisivo brasileiro. De facto, estamos a experimentar novas formas de consumo televisivo.
Diante dos inúmeros produtos audiovisuais que compõem o acervo das plataformas de streaming, nota-se que o público assume uma autonomia ativa para escolher e reivindicar qual(is) passado(s) deseja relembrar.
No ranking4 das produções mais assistidas pelos usuários nos anos mencionados recentemente, destacam-se duas produções antigas, respetivamente: Tieta (Neblina, 2020) e Mulheres de Areia (Kogut, 2021). Esse facto chama a atenção tendo em vista que essas produções ocupam o primeiro lugar respetivamente no ranking das obras mais assistidas da plataforma dentre todas as telenovelas disponíveis no catálogo da Globoplay. Dentro desse panorama, observamos que, apesar do grande catálogo de produções originais e demais produtos que compõem o acervo audiovisual das produções do Grupo Globo, as telenovelas antigas figuram entre as mais consumidas pelos usuários da plataforma.
Nessas especificidades, vemos que essas ações passam a ser organizadas pelo fluxo do telespectador (Cajazeira & Souza, 2020). Se antes o consumo desses conteúdos cabia a uma decisão exclusiva da TV Globo, ao regular sua programação no fluxo do broadcasting, hoje o público reconhece os avanços dos suportes mediáticos e como eles tornam-se úteis nas suas tomadas de decisões - o que, quando e como querem assistir.
Para Jenkins et al. (2014), a cultura participativa exerce um papel essencial na consolidação dessas instâncias mediáticas. Ao reivindicar quais passados desejam reviver, esses telespectadores tornam-se responsáveis pela manutenção da subsistência da televisão. Por isso, acreditamos que a hipertelevisão ocupa uma posição primordial neste atual estágio da televisão.
A volta ao passado proporcionada pela plataforma televisiva permite que os usuários comentem com outros telespectadores, questionem as atitudes de determinados personagens, revivam momentos e lembranças do passado, tudo isso possibilitado pela TV social (Bressan Júnior, 2019; Fechine, 2017). O arquivo televisivo tem-se mostrado potencialmente sedutor às indústrias culturais. Assim, fidelizar o público dessa nova cultura convergente demanda escolhas precisas de estratégias mediáticas e discursivas quanto à oferta dos seus produtos capazes de promover um estreitamento entre os média e o público.
Efetivamente, sabe-se que a reexibição de produtos televisuais no contexto televisivo gera um custo muito menor a essas indústrias se considerarmos os custos mais elevados necessários para se produzir um produto televisivo de alta qualidade, argumenta Holdsworth (2011).
Como observamos, o interesse por títulos antigos corresponde a uma demanda antiga dos telespectadores (Vaquer, 2019). É de conhecimento que, nos últimos anos, o público buscou subterfúgios na procura pelos clássicos da teledramaturgia do Grupo Globo, seja por meio da legalidade ou da partilha desses produtos de forma ilegal (fóruns, os média portáteis e, até mesmo, via streaming). O que destacamos desse movimento é que, dentro das condições impostas nessa atual formatação da hipertelevisão, parece seguro acreditar que a Globoplay se justapõe às expectativas dessa cultura convergente.
6. Considerações Finais
Neste artigo, propomos discutir aspetos relacionados ao contexto do declínio da televisão numa aproximação dos estudos televisivos latino-americanos com outras teorias consagradas a respeito da televisão. Além disso, neste estudo, procuramos demonstrar como o arquivo televisivo no contexto da plataformização da televisão impulsionou o crescimento da Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo - o maior conglomerado brasileiro de média.
Como discutimos, a transição da televisão para os ambientes digitais tem gerado discussões extremamente necessárias para entender como a televisão hoje resiste (ou se adapta) às transformações ocasionadas pela convergência mediática. Desde o início do milénio, com o advento das práticas de partilha de conteúdos audiovisuais por meio de dispositivos portáteis, existe uma certa previsibilidade a respeito do futuro dos meios de comunicação de massa num contexto marcado por revoluções tecnológicas num ritmo frenético.
Dados os aportes teóricos mobilizados neste estudo, acreditamos ser prematuro, ou até mesmo muito arriscado, afirmar que a televisão se encontra em vias de extinção. Em resposta a Wolton (1990/1996), a respeito do laço social, este estudo entende que a televisão não perdeu sua principal característica - a função socializadora. A televisão tornou-se, apenas, uma extensão de si mesma.
Ao analisar o avanço da Globoplay em território brasileiro, especialmente durante o período de pandemia, impulsionado pelo retorno dos antigos títulos do Grupo Globo, nota-se como essa televisão descentralizada e ubíqua mantém as características de uma televisão socializadora. A TV social e a cultura participativa são elementos que agora somam e reconfiguram essa atual fase da televisão.
Portanto, talvez não estejamos assistindo ao declínio da televisão, mas sim à sua nova essência.
O projeto de retorno das novelas antigas, no contexto da plataformização, concretiza um desejo antigo do público em reviver os clássicos da teledramaturgia da emissora. A plataforma proporciona uma experiência de consumo mais individualizada guiada pela lógica do narrowcasting. A audiência desprende-se do fluxo televisivo, da lógica do broadcasting, para o usuário compor a sua própria grade de programação. Isso não significa que a televisão perdeu algumas funções. No entanto, a televisão ainda opera esse laço social e invisível descrito por Wolton (1990/1996). Como consumidores de televisão, ainda partilhamos as nossas opiniões com os outros e, dessa forma, devemos concordar que a televisão define continuamente o nosso cotidiano.
Nesse contexto, o artigo reforça a força da Globoplay no segmento de streaming audiovisual brasileiro e, sobretudo, aponta a força da televisão e a magnitude dos produtos televisivos no contexto da plataformização. Nesse recorte específico, os arquivos televisivos ancorados na efervescência da nostalgia contemporânea parecem legitimar-se enquanto uma estratégia eficaz de fidelização do telespectador brasileiro. Ainda assim, ressaltamos a necessidade de lançar novos olhares para esse movimento de maneira a perceber outras interfaces que permitam compreender esse atual estágio da televisão brasileira.