1. Introdução
A moda é um fenómeno complexo e multifacetado que, ao longo da história, reflete tanto a identidade individual quanto a coletiva. Mais do que uma simples expressão estética, está profundamente ligada ao espírito de cada época, sendo simultaneamente influenciada por e influente sobre fatores sociais, económicos, tecnológicos e culturais. Esta natureza interdisciplinar permite-lhe dialogar com diversas áreas do conhecimento, fazendo da moda um campo dinâmico de experimentação e inovação. Nesse cenário, o marketing assume um papel fundamental ao transformar coleções em produtos desejáveis, muitas vezes impulsionados mais pelo apelo criativo e emocional do que por necessidades funcionais. A fastfashion exemplifica bem essa lógica, ao captar rapidamente tendências do quotidiano e convertê-las em peças acessíveis, alimentando um ciclo constante de consumo e renovação. Assim, a construção de marcas fortes e a comunicação de uma identidade distintiva tornaram-se estratégias centrais no setor, consolidando a moda como um universo onde consumo, estilo e aspiração se entrelaçam.
Impulsionado por vários fatores, também o comportamento dos consumidores sofre mudanças significativas neste cenário de mercado. De um lado, a crise económica reduz o volume de compras e torna-as mais criteriosas. De outro, os desafios ambientais e sociais que afetam o planeta e os diferentes mercados provocam uma reavaliação dos critérios de consumo. Face às transformações, diversas marcas passaram a incorporar valores como sustentabilidade ambiental, respeito pelos direitos humanos, bem-estar e inclusão social nas propostas. Assim, conceitos como “moda ética”, “sustentável”, “reciclagem” e “reutilização de materiais” ganham cada vez mais espaço, associando-se a processos de fabricação ecológicos e ao uso de materiais orgânicos. Da alta-costura às marcas de prontoa-vestir, o discurso da moda evolui para agregar mais valor, alinhando-se com as novas exigências. O equilíbrio entre vantagens competitivas, preferência dos consumidores, rentabilidade e, sobretudo, sustentabilidade tornou-se um pilar essencial para uma abordagem de marketing do setor.
Face às mudanças no ecossistema da moda, observa-se um contraste cada vez mais evidente entre a oferta rápida e descartável dos grandes retalhistas e a proposta ética e consciente de marcas de menor escala. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar a importância do marketing sustentável na moda. A investigação baseia-se numa revisão bibliográfica de artigos publicados nos últimos cinco anos, indexados nas bases de dados Web of Science e Scopus, com o intuito de identificar as principais tendências científicas, os desafios do setor e as algumas práticas que se têm destacado.
2. Ponto de Partida: Um Olhar Sobre a Moda Sustentável
As práticas recorrentes na produção de certas marcas de moda - como a exploração laboral, a discriminação social em países subdesenvolvidos, o desrespeito pelas condições de trabalho e os impactos ambientais negativos - têm gerado uma crescente sensibilização em torno da sustentabilidade. Este conceito baseiase em três princípios fundamentais: a interdependência entre os seres humanos e o meio ambiente; a relação equilibrada entre desenvolvimento económico, social e proteção ambiental; e a necessidade de uma visão global orientada por valores comuns (Organização das Nações Unidas, 2015). Ao longo do tempo, o movimento pela sustentabilidade ganhou maturidade, demonstrando a sua relevância e sendo cada vez mais aplicado de diferentes formas, como as práticas comerciais orgânicas, ecológicas e de comércio justo. No setor da moda, esta consciencialização tem impulsionado, desde o início do século XXI, uma mudança de paradigma, promovendo alternativas mais éticas e responsáveis na forma como os produtos são produzidos e consumidos.
A moda sustentável pode ser definida como a produção de vestuário que incorpora os princípios do comércio justo, garantindo condições de trabalho dignas, sem exploração laboral. Além disso, não prejudica o meio ambiente, utilizando materiais biodegradáveis e orgânicos, concebidos para uma vida útil mais longa. Este conceito também abrange processos de fabricação éticos, com baixo ou nenhum impacto ambiental, e o uso de produtos com rótulo ecológico ou tecidos reciclados. Deste modo, a moda sustentável não se limita apenas ao produto final, mas também à cadeia produtiva, promovendo valores de respeito às pessoas, à natureza e ao consumo consciente, consolidando-se como um caminho necessário para o desenvolvimento do sector têxtil (Betzler et al., 2022; Kovacs, 2021a, 2021b; Nicolau et al., 2025).
A indústria da moda inicia 2025 num cenário particularmente instável e repleto de incertezas, marcado por sinais de abrandamento cíclico já antecipados no ano anterior. De acordo com o relatório The State of Fashion 2025 (O Estado da Moda 2025; McKinsey & Company, 2025), o setor enfrenta múltiplos desafios, entre os quais se destacam os impactos das alterações climáticas, a reestruturação do comércio global, o agravamento das disparidades geográficas entre Oriente e Ocidente e mudanças significativas no comportamento dos consumidores.
O aumento da inflação tem tornado os consumidores mais sensíveis aos preços, levando as marcas a repensarem as suas estratégias de mercado, ampliando faixas de preços e reposicionando-se para atrair compradores focados em valor. Esse contexto favorece o crescimento dos segmentos de revenda e preços acessíveis, enquanto marcas que não desejam competir nesses nichos precisam justificar seus preços mais elevados por meio da melhoria da experiência de compra, do uso de inteligência artificial para otimizar a jornada do cliente e do fortalecimento de práticas sociais e de sustentabilidade (McKinsey & Company, 2025). No entanto, apesar da crescente relevância dessas iniciativas, muitos consumidores ainda hesitam em pagar mais por produtos sustentáveis. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, o relatório anteriormente referido, revelou que 61% dos consumidores priorizam o preço em relação à sustentabilidade ao comprar moda. Face a esse cenário, as marcas devem de educar e inspirar os consumidores, demonstrando os impactos positivos das práticas sustentáveis. Uma estratégia essencial é investir em parcerias de longo prazo com fornecedores, algo ainda negligenciado por 75% das marcas, que não os incluem em suas iniciativas sustentáveis. Essas colaborações fortalecem as cadeias de valor e aumentam a credibilidade das empresas perante um público cada vez mais exigente (McKinsey & Company, 2025).
Este enquadramento propõe, assim, uma exploração da evolução do marketing da moda sustentável, analisando as suas contribuições por meio de avanços nas práticas, exemplos e estudos que evidenciam linhas de pensamento fundamentais para a consolidação da sustentabilidade no setor.
3. Metodologia
O principal objetivo desta pesquisa é obter o estado da arte da literatura sobre marketing de moda sustentável, ou seja, apurar as principais linhas de investigação e contribuições da academia para este tópico. Decorrente deste, e como segundo objetivo, o artigo pretende identificar práticas atuais do marketing sustentável, que se decalquem da literatura. Assim, a questão de investigação que orienta este estudo é “quais são os principais temas de investigação em marketing de moda sustentável?”, e, para lhe responder, utilizou-se a metodologia PRISMA (Figura 1).
3.1. Critérios de Inclusão
Para esta revisão sistemática, com base na metodologia PRISMA, utilizaram-se como critérios de inclusão o limite temporal dos últimos cinco anos (artigos publicados entre 2020 e 2025), as palavras-chave “sustainab*”, “fashion”, “marketing” e “green”, em revistas nas bases de dados Web of Science e Scopus. Da primeira, foram conseguidos 120 artigos, e da Scopus 294.
3.2. Critérios de Exclusão
Os 414 artigos foram depois triados para identificação automática pelo software EndNote dos duplicados, de onde se retiraram 41. Ficaram, assim, 373 registos para análise, de onde se conseguiram extrair mais dois duplicados. Dos 371 registos analisados, foram excluídos 138, que não estavam publicados em revistas cujo âmbito remetia para “marketing”, “consumer” (consumidor), “sustainability” (sustentabilidade), “fashion” (moda) e “management” (gestão; Razão 1). Também se excluíram 56, depois da leitura do resumo (Razão 2), que permitiu analisar se o âmbito do estudo contribuía para responder à questão de investigação deste estudo. Finalmente, uma leitura aprofundada revelou 97 artigos cujo objeto de estudo, procedimentos e/ou resultados não se coadunavam com esta revisão sistemática (Razão 3). Incluem-se, assim, 80 artigos na revisão final, dos quais se extraem os resultados e insights para o capítulo seguinte.
4. Resultados e Insights
4.1. Moda e Sustentabilidade: A Evolução de um Conceito e a Nova Abordagem de Marketing
A moda, frequentemente associada à aparência e à intemporalidade, influencia diversas esferas da vida contemporânea. Atualmente, impulsionada por preocupações ambientais e sociais, a sociedade desafia a fastfashion sem substituí-la completamente. Segundo Ertekin et al. (2020), atores institucionais desempenham um papel ativo na transformação do mercado, promovendo uma nova cultura, que integra a sustentabilidade sem rejeitar os sistemas existentes. A moda sustentável, concebida para atenuar os problemas da produção acelerada, engloba preocupações ambientais, éticas e sociais, visando a preservação ambiental, o crescimento económico e o bem-estar humano (Jeong & Ko, 2021). A fastfashion, intensiva em mão de obra, é frequentemente associada a condições precárias de trabalho e exigências produtivas rigorosas (Atik at al., 2022; Gupta & Hodges, 2012, como citados em Hesse & Rundau, 2023). O marketing sustentável deve ser abordado de forma ampla, considerando dimensões ambientais, sociais e económicas na análise das práticas empresariais do setor.
Para Daukantiene˙ (2022), a nova oferta de moda exige práticas sustentáveis nos modelos de negócio, a utilização de fibras e tecnologias ecológicas, bem como a transição para a economia circular. O marketing sustentável tornou-se um elemento central, fortalecendo a confiança dos consumidores e influenciando sua fidelização (Jeong & Ko, 2021; Jung et al., 2020; Puspita & Chae, 2021). Conforme referem Bae e Yan (2023) e Belz e Peattie, (2009, como citados em Hesse & Rundau, 2023), essa abordagem combina perspetivas económicas e tecnológicas com valores sociais e ambientais, abrangendo comércio justo, condições laborais e desperdício.
A fastfashion apresenta um paradoxo: apesar da produção acelerada e descartável, adota estratégias de marketing sustentável em resposta à crescente consciencialização dos consumidores (Liu et al., 2021; Sun et al., 2021; Vehmas et al., 2018; Wiederhold & Martinez, 2018, como citados em Hesse & Rundau, 2023). Diversos autores, como Liu et al. (2021), Sun et al. (2021), Vehmas et al. (2018), Wiederhold e Martinez (2018, citados em Hesse & Rundau, 2023), referem que as marcas utilizam esse marketing para suavizar as preocupações éticas e promover a lealdade dos clientes. No entanto, a reação dos consumidores oscila entre ceticismo e aceitação, com maior adesão a iniciativas interativas, como programas de reciclagem, enquanto fatores tradicionais como preço e estilo ainda predominam nas decisões de compra. Além disso, há o risco de perceção de greenwashing quando essas estratégias não estão genuinamente integradas no modelo de negócios. Ainda sobre este assunto, Olson (2022) acrescenta que em relação à fastfashion, o consumidor adquire uma espécie de licenciamento moral, isto é, sente-se autorizado moralmente para consumir mais produtos de marcas sustentáveis, porque estas têm um menor impacto negativo no ambiente; e também se percebe um efeito de recuo, ou seja, há redução da culpa associada ao consumo de produtos "verdes" e isso pode resultar num aumento geral nas compras, contrariando os objetivos de sustentabilidade. Parece inevitável: permanece o conflito entre o desejo incessante dos consumidores por novidades na moda e a necessidade urgente de consumo sustentável (Atik & Ertekin, 2023). A partir de uma abordagem concetual, os autores analisam as motivações psicológicas e sociais por trás desse desejo, bem como o papel da indústria da moda, especialmente da fastfashion, na intensificação dessa procura. O estudo de Atik e Ertekin (2023) destaca as consequências negativas do consumo excessivo, como a degradação ambiental, a exploração de trabalhadores e o desperdício têxtil. Além disso, sugere soluções de marketing social em três níveis: micro (consumidores), meso (empresas e associações de moda) e macro (políticas públicas), propondo ações para redirecionar o desejo por novidades para alternativas mais sustentáveis, como o consumo colaborativo, a reutilização e a personalização de roupas.
4.2. O Consumidor de Moda Sustentável: Antecedentes e Perfis de Consumo
Para adaptar estratégias eficazes ao novo paradigma da moda, Kaner e Baruh (2022) identificam cinco critérios centrais na avaliação da sustentabilidade pelos consumidores: uso de materiais ecológicos e métodos sustentáveis, redução do impacto ambiental, garantia do bem-estar animal, respeito pelos direitos dos trabalhadores e durabilidade dos produtos. Huang et al. (2024) simplificam essa categorização em quatro fatores com base em opiniões online: ecologia dos materiais, estética do vestuário, funcionalidade e razoabilidade do preço.
Com o intuito de otimizar a segmentação do público consumidor, diversos estudos propuseram tipologias que classificam perfis distintos de consumidores (Kaner & Baruh, 2022; Karpova et al., 2024a, 2024b). De acordo com Kaner e Baruh (2022), a comunicação eficaz com cada segmento exige que as marcas adaptem as estratégias conforme as motivações e necessidades informacionais dos consumidores, fortalecendo a confiança e promovendo um senso de orgulho em escolhas sustentáveis, como também argumentado por Guedes et al. (2020). Ademais, D. Lim et al. (2021) e Kolacz e Bhaduri (2024) destacam a importância de alinhar as mensagens de marketing aos valores ambientais do público-alvo, a fim de fomentar uma atitude mais favorável em relação à marca. Karpova et al. (2024b) desenvolveram uma tipologia baseada na análise de comentários de consumidores em um artigo do The New York Times, identificando dois constructos principais para classificar os consumidores de moda sustentável: a importância atribuída à aparência pessoal e a disposição ou capacidade financeira para investir em roupas. A interseção dessas dimensões permitiu aos autores propor uma categorização detalhada dos perfis de consumidores no setor da moda sustentável (Tabela 1).
Tabela 1 Tipologias de consumidor de moda sustentável

Nota. Elaboração própria, com base em Kaner e Baruh (2022) e Karpova et al. (2024a, 2024b).
Fuchs et al. (2024) identificaram quatro segmentos gerais de consumidores - indecisos, sustentáveis, centrados no preço e orientados para a função - que diferem quanto a atributos preferidos, disponibilidade para pagar e características sociodemográficas, comportamentais e psicográficas. Os autores concluíram que, embora a preocupação com a sustentabilidade social e ambiental esteja a crescer, essa tendência não é uniforme entre todos os consumidores.
Os fatores culturais exercem um papel determinante no comportamento do consumidor, podendo, em alguns casos, contrariar expectativas previamente estabelecidas. No estudo de Kautish e Khare (2022) sobre consumidores indianos de vestuário sustentável, destaca-se a influência social - exercida tanto por pares quanto por influenciadores digitais - na construção de um cosmopolitismo que favorece comunidades ecológicas e incentiva práticas de consumo sustentáveis.
Essa perspetiva é corroborada por Oncioiu e Ifrim (2022) e Mayasari et al. (2025) que reforçam a importância do contexto sociocultural na adoção de hábitos de consumo mais responsáveis. Mohr et al. (2022) argumentam que a compreensão das múltiplas variáveis que afetam as decisões de compra é fundamental para que as marcas de moda possam comercializar produtos ecológicos de forma eficaz, uma visão igualmente partilhada por Bakis e Kitapci (2023) e Betzler et al. (2022). Surpreendentemente, preço e qualidade percebida não tiveram impacto significativo. Já Davis e Dabas (2021), ao estudarem consumidores hispânicos nos Estados Unidos, verificaram que normas sociais não afetam diretamente a compra de vestuário orgânico, mas influenciam normas pessoais e conhecimento sobre o tema, fatores que, por sua vez, impactam as decisões de compra (conclusões semelhantes às apresentadas por Kim et al., 2020). Além disso, benefícios percebidos para a saúde desempenham um papel relevante nessas escolhas.
Na Malásia, Ramany et al. (2022) concluíram que empresas de moda devem adotar estratégias de marketing ecológico para impulsionar receitas e alinhar-se aos objetivos de desenvolvimento sustentável. Han et al. (2024) reforçam que o conhecimento do consumidor sobre sustentabilidade influencia a intenção de compra, ideia também defendida por Abreu et al. (2022), Ritch (2022), Aprianingsih et al. (2023) e Gil et al. (2024). No entanto, essa relação não é linear, pois outros fatores, como confiança na marca e perceção de autenticidade das iniciativas sustentáveis, também são determinantes. Consumidores já comprometidos com valores ambientais demonstram maior propensão a comprar produtos sustentáveis, independentemente do seu nível de conhecimento técnico. Esses autores (Abreu et al., 2022; Aprianingsih et al., 2023; Gil et al., 2024; Ritch, 2022) defendem um reforço no marketing educativo para aumentar o conhecimento do consumidor, desde que as informações sejam percebidas como genuínas e não como greenwashing, um risco cada vez mais presente.
Hesse e Rundau (2023) argumentam que consumidores de fastfashion tendem a aderir a iniciativas de marketing sustentável quando estas permitem envolvimento ativo. Segundo a sua pesquisa, marcas desse setor utilizam o marketing sustentável para gerar emoções positivas e diminuir eventuais preocupações éticas, promovendo a lealdade e a retenção de clientes. Contudo, a ética frequentemente fica em segundo plano, sendo superada por fatores como preço, estilo e qualidade. Ainda assim, iniciativas de marketing sustentável podem fortalecer a lealdade dos consumidores ao proporcionar-lhes bem-estar e uma justificação para manter hábitos de consumo. No entanto, se essas estratégias não forem integradas de forma autêntica ao modelo de negócios, correm o risco de serem percebidas como greenwashing (Roozen et al., 2025).
Ao afastar uma imagem tingida pelo verde, as empresas, as marcas de moda podem angariar uma reputação de certificação autêntica dos seus produtos como sendo sustentáveis (E. Lee et al., 2020a). Uma das formas de atingir esse patamar de uma reputação genuinamente ecológica é investir na gestão ecológica da cadeia de fornecimento e, assim, como sugerem Kim et al. (2024), aumentar a própria consciencialização ambiental entre os consumidores de moda. Aliás, como diz Guo (2022), essa literacia ecológica na cadeia de abastecimento, seja a montante ou a jusante do produto, é fundamental para a implementação de uma verdadeira gestão verde na cadeia toda e, por conseguinte, de uma autêntica sustentabilidade de ordem técnica que pode influenciar positivamente o consumo.
4.2.1. No Microcontexto do Luxo
Um nicho de consumo sobre o qual versam alguns dos artigos desta revisão da literatura é o de produtos de moda de luxo. De facto, estudos recentes sobre moda sustentável e consumo de luxo evidenciam a influência da intenção de compra, da perceção da sustentabilidade e da comunicação no comportamento dos consumidores. Farzin et al. (2023) demonstram que a intenção de adquirir moda ecológica afeta diretamente a disposição para pagar um preço premium.
No contexto do luxo sustentável, Dinh et al. (2024) analisam o comportamento dos consumidores vietnamitas e concluem que a atitude em relação à sustentabilidade é o fator mais determinante na intenção de compra de produtos de luxo. A perceção da importância da consciência ecológica e social e o conhecimento sobre o tema são aspetos essenciais, enquanto o desejo de exclusividade não se revela um fator preponderante, pois os consumidores assumem que os produtos de luxo devem permanecer exclusivos (ideia corroborada igualmente por Arora & Manchanda, 2022; Aydin, 2024). Contudo, a moda sustentável é frequentemente mal compreendida, levando a perceções erróneas sobre os seus preços elevados (Aggarwal et al., 2024; Ritch, 2022). H. Lee et al. (2023) demonstram que a autenticidade percebida influencia a intenção de compra, enquanto X. Lim et al. (2023) mostram que anúncios de luxo com mensagens ecológicas geram maior impacto devido à confiança dos consumidores nesse setor do luxo.
Por outro lado, Amatulli et al. (2020) investigam a reação dos consumidores perante a insustentabilidade de produtos de luxo e de mercado de massa. Os resultados indicam que a perceção de insustentabilidade ambiental ou social de um produto de luxo gera maior sentimento de culpa nos consumidores do que no caso de produtos massificados, dado que as expectativas em relação ao luxo sustentável são mais elevadas. Esse sentimento de culpa, por sua vez, impulsiona a disseminação de comentários negativos (negative word-of-mouth), especialmente entre consumidores com uma orientação mais individualista. O estudo contribui, assim, para a compreensão das emoções no consumo de luxo e do impacto das perceções de insustentabilidade na reputação das marcas.
4.3. A Comunicação no Marketing de Moda Sustentável
As pesquisas mais recentes destacam a influência da comunicação e da perceção visual na adoção do consumo sustentável. Kolacz e Bhaduri (2024) indicam que a apresentação das mensagens nas embalagens sustentáveis impacta a atitude dos consumidores, enquanto E. Lee et al. (2020b) demonstram que a associação de produtos sustentáveis a logotipos verdes reforça a coerência cognitiva e a preferência dos consumidores. Chun et al. (2021) sublinham a importância de uma comunicação clara e padronizada para fortalecer a confiança do consumidor. Por outro lado, Huh e Kim (2024) analisam o impacto do status percebido no consumo sustentável, identificando-o como um moderador da relação de compra, ao contrário da marca e da autenticidade, que não demonstraram influência significativa.
O impacto das redes sociais e a autenticidade da comunicação sustentável têm sido amplamente debatidos na literatura académica. Murtarelli et al. (2023) e Mao et al. (2025) enfatizam o seu papel na estratégia dialógica das marcas de moda. No mesmo contexto, Caratù et al. (2023) investigam o marketing sustentável no contexto das redes sociais, analisando o seu efeito sobre os consumidores das gerações millennials e Z, com ênfase na influência do neuromarketing. Os trabalhos de Antunes et al. (2024) e Busalim et al. (2022) versam a relação entre características psicológicas e comportamentais e o seu impacto nos processos de decisão de compra. No que concerne à transparência comunicacional, Cruz et al. (2024) exploram o discurso adotado por pequenas marcas de moda sustentável no Instagram, identificando fragilidades que podem comprometer sua credibilidade. Ainda no âmbito dessa plataforma, Testa et al. (2020) analisam os fatores que impulsionam a popularidade da moda sustentável entre os consumidores digitais, procurando compreender os mecanismos de compromisso e envolvimento com essa tendência. Cairns et al. (2021) e Bocti et al. (2021) discutem o attitude-behavior gap e identificam barreiras ao consumo sustentável, como preços elevados e estética pouco atrativa. Bocti et al. (2021) sugerem incentivos financeiros e maior visibilidade para superar essa dissonância entre o pensar e o fazer, enquanto Kumar et al. (2022) afirmam que os consumidores jovens não dependem mais da pressão social para adotar práticas éticas, exigindo abordagens de comunicação mais eficazes.
Jacobson e Harrison (2022), por sua vez, analisam o papel dos influenciadores digitais e identificam três tipos principais: influenciadores de estilos de vida sustentáveis, influenciadores da sustentabilidade (com parcerias mais restritas) e influenciadores da poupança (com oportunidades limitadas devido ao nicho específico). Kong et al. (2021) indicam que marcas não luxuosas beneficiam mais da comunicação sustentável em contextos de alta sensibilização para o tema.
Cayaban et al. (2023) analisaram a influência das redes sociais e da defesa da sustentabilidade na intenção de compra de consumidores filipinos de fastfashion e concluíram que as redes sociais incentivam a compra, enquanto a defesa da sustentabilidade reduz esse interesse.
Por fim, Puspita e Chae (2021) abordam a divergência entre estratégias de marketing sustentável e a perceção dos consumidores, sugerindo soluções como o marketing emocional. Choi et al. (2024) defendem que o marketing sustentável já transcende a responsabilidade social corporativa, promovendo crescimento económico, ambiental e social. Nilmini Bhagya et al. (2025) destacam a importância das estratégias de nicho, reforçando a relevância da personalização e segmentação na moda sustentável.
4.4. Tendências, Práticas e Desafios no Marketing de Moda Sustentável
As tendências contemporâneas do marketing de moda sustentável refletem a crescente consciencialização ambiental e social dos consumidores, bem como a necessidade das marcas de se adaptarem a um modelo de negócios mais responsável e alinhado com princípios éticos e ecológicos. Numa visão macroestrutural, Mukendi et al. (2020) apresentam, no início desta década, uma relevante revisão sistemática da literatura em gestão, sobre o tema da moda sustentável e identificaram, principalmente, duas abordagens: a mudança pragmática, que se foca na melhoria das práticas existentes; e a mudança radical, com uma visão mais disruptiva do sistema.
No âmbito das tendências globais de consumo consciente no setor do vestuário, Mykhaylivna et al. (2022) propõem um conjunto de práticas emergentes que, em grande medida, convergem com os critérios estabelecidos por Kaner e Baruh (2022). A procura crescente por roupas duráveis e de alta qualidade leva à necessidade de utilizar materiais sustentáveis, como algodão orgânico, linho e tecidos reciclados, visando minimizar o impacto ambiental. Paralelamente, a economia circular assume uma importância crescente ao fomentar modelos de negócios alternativos, como o aluguer, partilha, revenda e reciclagem de vestuário, os quais desempenham um papel fundamental na mitigação do desperdício e na promoção da sustentabilidade (Mishra et al., 2023; Neupane et al., 2021; Sueda & Seo, 2024). Nesse cenário, Wänström et al. (2025) analisam distintas abordagens de aluguer no setor, destacando tanto as oportunidades quanto os desafios inerentes a essa forma de consumo, especialmente no que respeita à aceitação dos consumidores, à viabilidade económica e à gestão eficiente dos recursos ao longo do ciclo de vida dos produtos.
Outro fator determinante é a cocriação da sustentabilidade pelos consumidores, como apontam Palakshappa et al. (2024), ao enfatizar o papel ativo das marcas na indução de mudanças comportamentais. Para Jiménez-Marín et al. (2022) e Reppmann et al. (2024), envolver diretamente os consumidores nas práticas sustentáveis das empresas constitui a estratégia mais eficaz para promover uma adesão genuína e duradoura a esses valores.
Hoque et al. (2023) complementam essa visão, ao destacar que fatores como a pressão dos clientes, a gestão de topo, a concorrência entre empresas e o apoio do Governo têm um impacto significativo e positivo na sustainable technology adoption (adoção de tecnologia sustentável). Surpreendentemente, os autores observaram que a pressão regulamentar não exerce influência significativa na indústria de vestuário do Bangladesh, em contraste com grande parte da literatura. Os resultados revelam que a tecnologia sustentável pode simultaneamente melhorar os resultados ambientais, financeiros e a vantagem competitiva das empresas.
Além destas práticas, cresce a exigência pela transparência e ética nas cadeias de fornecimento, impondo às marcas a necessidade de comunicar de forma clara os seus processos produtivos e impactos ambientais. Nesse sentido, as plataformas digitais desempenham um papel fundamental na disseminação de informações e no estímulo a comportamentos de consumo mais sustentáveis.
Farzin et al. (2023) e Di Giulio et al. (2022) destacam essa perspetiva ao identificarem fatores como preocupações ambientais, influência social e altruísmo como determinantes na intenção de compra de moda sustentável. O estudo conduzido por Farzin et al. (2023) apresenta conclusões estratégicas essenciais para os profissionais de marketing do setor, entre elas: (a) o papel significativo da influência social na disposição dos consumidores em pagar mais por produtos ecológicos; (b) a importância da comunicação digital e do e-word-of-mouth (boca a boca eletrónico) como mecanismos de persuasão; (c) a tendência dos consumidores com maior propensão à compra de moda sustentável em partilhar mensagens positivas sobre essas marcas, o que pode reforçar a sua disposição para pagar preços mais elevados. Além disso, o estudo indica que a exposição a conteúdos gerados por outros consumidores reduz a sensibilidade ao preço, tornando-se num fator estratégico relevante para as marcas que atuam neste segmento.
A presença do termo “sustentável” no setor também se reflete nas discussões públicas. Por exemplo, ao longo da década, Haines et al. (2023) observam um aumento significativo de comentários e conversas relevantes para a moda sustentável. Sumariamente, em 2011, as conversas em torno da moda sustentável estavam ligadas a “resíduos”, evoluíram para “sustentável” em 2020, evidenciando uma transformação gradual nos focos do debate social.
Também a pandemia do COVID-19, referem autores como Demyen (2024), Okur et al. (2023) e Meshram et al. (2021), teve o seu impacto nesta indústria, acelerando a digitalização do setor, e forçando as empresas a adaptarem-se rapidamente ao comércio online. O mesmo estudo sugere que o comércio eletrónico continuará a expandir-se na área da moda, impulsionado pela conveniência e pela personalização da experiência de compra.
Essa digitalização também se reflete na utilização de novos mundos artificiais, como invoca Blazquez (2024). Esta autora explora o conceito de “sustentabilidade digital” no contexto da moda, focando no potencial do metaverso como um canal de comunicação para promover comportamentos sustentáveis e disseminar mensagens sobre sustentabilidade. O estudo analisa três pilares da sustentabilidade digital: comunicação e média digitais, tecnologias voltadas para o consumidor e produtos digitais. Este, pelas suas qualidades imersivas e sociais, oferece novas oportunidades para marcas de moda comunicarem as suas iniciativas sustentáveis de maneira mais eficaz e envolvente. Aliás, a criação de narrativas criativas e educativas pode ser uma estratégia eficaz para engajar diferentes públicos e promover comportamentos mais conscientes na moda.
O trabalho de H. Lee et al. (2023) complementa essa análise ao enfatizar a importância da segmentação dos consumidores, não apenas com base nas suas preocupações ambientais, mas também na sua suscetibilidade à influência social. Para os autores, estratégias como o uso de testemunhos de celebridades, influenciadores digitais e a promoção de valores associados ao consumo sustentável são particularmente eficazes para aumentar a base de consumidores e incentivar comportamentos de compra mais responsáveis.
Estudos recentes, citados no artigo de H. Lee et al. (2023), apontam ainda para a autenticidade como um fator crítico na perceção e avaliação das marcas de moda, inclusive no segmento de luxo. A autenticidade demonstrou exercer um impacto positivo na construção de uma imagem de marca favorável, ao mesmo tempo em que reforça a intenção de compra por parte dos consumidores. Adicionalmente, verificou-se que consumidores com atitudes positivas em relação à marca revelam uma maior propensão para adquirir os seus produtos, o que evidencia a importância da coerência entre discurso e a prática efetiva de marketing sustentável.
Dessa forma, observa-se que, para marcas de moda em todos os segmentos - e, em especial, para aquelas inseridas no setor de luxo -, a adoção de estratégias sustentáveis genuínas e transparentes fortalece significativamente a sua reputação. A combinação entre marketing sustentável, transparência nas ações e comunicação genuína emerge como uma vantagem competitiva essencial no atual panorama da moda. Trata-se, portanto, de uma abordagem estratégica que não apenas responde às expectativas dos consumidores, mas também contribui para a consolidação de relações de confiança e lealdade.
5. Conclusão
Orientado pela pergunta de investigação - “quais são os principais temas de investigação em marketing de moda sustentável?” -, este estudo permitiu identificar e analisar as linhas de pesquisa mais relevantes no campo, destacando a sustentabilidade como um eixo estratégico central para as marcas de moda. A revisão da literatura demonstrou que o marketing de moda sustentável tem evoluído de forma expressiva, acompanhando as mudanças estruturais do setor e respondendo às solicitações de um consumidor cada vez mais consciente, informado e exigente.
Entre os temas mais recorrentes, destacam-se: a adoção de modelos de negócio sustentáveis, com ênfase na economia circular; a importância da comunicação e do marketing sustentável; a segmentação de perfis de consumidores; e o desenvolvimento de estratégias que visem reduzir o attitude-behavior gap, ou seja, a discrepância entre a intenção de compra sustentável e o comportamento efetivo (Jung et al., 2020). A investigação também evidenciou o papel central das estratégias digitais e das redes sociais na construção da autenticidade das marcas e na consolidação da confiança dos consumidores.
Embora haja um interesse crescente por parte do mercado e da academia, persistem desafios importantes, como a priorização do preço e da conveniência nas decisões de compra e o risco de greenwashing quando a sustentabilidade é tratada de forma superficial. Assim, a literatura reforça a necessidade de uma comunicação transparente, do envolvimento ativo dos consumidores nas iniciativas sustentáveis e da adoção de práticas autênticas e inovadoras que garantam a credibilidade e a diferenciação das marcas.
Conclui-se, portanto, que o marketing de moda sustentável é um campo de investigação dinâmico, interdisciplinar e em expansão, que envolve dimensões como inovação, ética, comportamento do consumidor e estratégias de comunicação. Estudos futuros podem aprofundar a compreensão sobre o impacto das ações sustentáveis nas escolhas de compra, bem como avaliar a eficácia das estratégias de marketing na promoção de um consumo mais consciente e responsável. Esse caminho é fundamental para apoiar a transformação da indústria da moda rumo a modelos de negócios mais éticos, transparentes e sustentáveis.









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