Introdução
O envelhecimento demográfico é atualmente um dos fenómenos que mais preocupa as sociedades modernas, sendo objeto de estudo de muitos investigadores, face à perspetiva de uma vida mais longa para as pessoas e a necessidade de se assegurar qualidade de vida para estas (Pocinho, Belo, Silva, Pardos, & Muñoz, 2017). A literatura refere-se ao envelhecimento como um processo natural e normal, não o reduzindo a uma visão determinista e fatalista. Este processo é uma fase crítica do desenvolvimento humano que engloba o declínio e as perdas em várias áreas da vida, mas que contempla também aspetos positivos, como a sabedoria (Pocinho, Belo, Silva, Pardos, & Muñoz, 2017).
Não devendo ser encarado como um problema, o envelhecimento deve ser visto como um processo natural do ciclo vital, que deve ser vivido de forma saudável e autónoma o maior tempo possível (Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde, 2004). Nesse sentido, é fundamental que as pessoas mais idosas se envolvam na vida social, económica, cultural, espiritual e civil, para que envelheçam de forma ativa.
A Organização Mundial da Saúde define Envelhecimento Ativo como “o processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem” (WHO, 2002, p. 12). Já desde 2012 que a Comissão Europeia, procura promover o envelhecimento ativo, dado que a União Europeia enfrenta um rápido envelhecimento populacional bem como uma queda nos índices de natalidade. É assim necessário melhorar as possibilidades e as condições laborais dos trabalhadores mais velhos para preservar a solidariedade entre gerações e, ao mesmo tempo, melhorar a sua inclusão na sociedade, incentivando o envelhecimento saudável (Guimarães & Nobre, 2013).
Segundo a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, as tendências entre a população ativa da União Europeia apontam para um crescimento de cerca de 16,2% (9,9 milhões) do grupo etário dos 55-64 anos entre 2010 e 2030. Em numerosos países, os trabalhadores mais velhos (55- 64 anos de idade) representarão 30% ou mais da população ativa. Em Portugal, segundo projeções do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2060 a proporção de pessoas com mais de 65 anos passará de 17,4% para 32,3% da população total. A própria evolução da esperança de vida aos 65 anos tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos em Portugal, tendo apresentado no período de 2016 -2018, 19.49 anos de vida, para homens e mulheres. As projeções para 2080 da esperança de vida à nascença em Portugal apontam para valores a rondar os 88 anos para os homens e os 93 anos para as mulheres (Instituto Nacional de Estatística, 2019). Como se compreende um dos desafios que atualmente se coloca na sociedade é conseguir manter as pessoas mais velhas ativas, independentes e participativas, de forma a garantir a livre escolha do trabalhador aquando da sua reforma ou possível continuidade no mercado de trabalho, bem como, garantir as medidas adequadas para que este possa usufruir de pleno bem-estar no futuro (WHO, 2002). Consequentemente, este desafio torna-se um elemento-chave da política social europeia.
Apesar de ser definido de diferentes formas, no conceito de reforma é consensual, que este seja encarado como um fenómeno que envolve uma dimensão individual e social e constitui um marco importante na trajetória de vida das pessoas. Neste sentido, planear esta transição torna-se fundamental para o desenvolvimento de estratégias que possam permitir maiores níveis de satisfação e menos stress psicológico durante a reforma, proporcionando um aumento da qualidade de vida. As pessoas desejam ter qualidade de vida durante a reforma, aproveitando-a como um tempo para a realização de novos projetos. As organizações, públicas e privadas, cientes do seu papel socialmente responsável devem contribuir para a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores e reconhecer o trabalho desenvolvido pelos mesmos ao longo da sua carreira profissional. A preparação para a reforma, ainda na vida ativa, contribuirá para a construção de uma sociedade mais produtiva e saudável.
Reconhecendo a importância que os danos psicológicos, físicos, culturais e sociais que o processo de reforma não programada pode causar na população, a identificação dos aspetos relevantes na promoção da transição saudável para a reforma é fundamental para minimizar o impacto da rutura da pessoa com o seu local de trabalho e consequentes ganhos na sua qualidade de vida.
O Despacho n.º 6401/2016 de 16 de Maio (2016) determina a criação do Programa de Saúde Prioritário na área Saúde Mental, que integra a Plataforma para a Saúde Mental. Neste sentido é fundamental criar e promover a implementação de programas de promoção do bem-estar e da saúde mental que promova uma transição saudável para a reforma da população portuguesa.
Neste contexto, surgiu o interesse em realizar uma revisão integrativa da literatura que procura identificar os fatores facilitadores do processo de transição saudável para a reforma.
Assim, surge a questão de investigação: “Quais os fatores facilitadores do processo de transição saudável para a reforma?”
Procedimentos metodológicos de revisão
No processo da prática baseada na evidência a organização do problema foi efetuada tendo como base a abordagem PICO, cujo acrónico representa: Patient (utente), Intervention (intervenção), Comparation (comparação) e Outcome (resultados) (Galvão e Pereira, 2014). Para a operacionalização da referida abordagem, foram utilizados os seguintes descritores: “Program”, “Course”, “Health “, “Retirement” e “Transition” (validados através do Medical Subject Headings - MeSH) (Tabela 1).
Para a presente revisão integrativa definiram-se como critérios de inclusão os estudos de tipologia quantitativa, qualitativa e mista, com população constituída por indivíduos a vivenciar a transição para a reforma, sem idades específicas para a mesma; artigos originais; artigos em português, inglês e francês; artigos completos e de acesso livre e data de publicação de 2002 a 2019.
A pesquisa foi realizada entre os meses outubro de 2018 e julho 2019. As bases de dados de pesquisa utilizadas foram: CINAHL Complete; MEDLINE; Nursing & Allied Health Collection; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Library, Information Science & Technology Abstracts e MedicLatina.
A estratégia de pesquisa consistiu na seguinte fórmula em todas as bases de dados selecionadas: (Program OR Course) AND Health AND Retirement AND Transition. O processo de seleção dos estudos representa-se no fluxograma seguinte.
Como se pode verificar da análise do fluxograma o número de estudos potencialmente relevantes após a pesquisa foi de 231. Após limitar a pesquisa para artigos de texto completo, foram considerados 64 artigos. Pela leitura e análise dos resumos, foram excluídos 57 artigos por não estarem relacionados com a temática, não estarem nos idiomas objeto de integração e falta de rigor metodológico, sendo selecionados 7 artigos elegíveis para estudo.
Resultados
Como resultado da metodologia utilizada realizou-se esta revisão com base nos 7 artigos selecionados. A análise desses estudos apresenta-se sintetizada no quadro 1, que se encontra organizada segundo as variáveis: Identificação do estudo, tipo de estudo, amostra, objetivos e resultados major.
Discussão
Da revisão da literatura realizada salienta-se que a transição para a reforma é um momento do ciclo vital onde a vulnerabilidade individual se evidencia. Esta transição está diretamente relacionada com o modo como o envelhecimento é vivido por cada pessoa, influenciando a satisfação com a vida nesta fase. Verifica-se como consensual, que o processo de adaptação à reforma deve ser compreendido numa perspetiva do ciclo de vida, dado que a reforma constitui um aspeto de contínua adaptação, revelando-se num processo dinâmico que vai até à morte.
Da análise dos artigos consultados ressaltar que o fenómeno da reforma está fortemente relacionado com o processo de envelhecimento, e que este deve ser compreendido segundo uma perspetiva desenvolvimental. Assim, a compreensão deste fenómeno só é possível considerando-se alguns fatores determinantes para o sucesso desta transição, tais como: a idade, o género, a escolaridade, a saúde, a rede social, o estilo de vida que antecede a reforma, a satisfação com a vida ativa e a condição financeira (Gaspar, 2016; Loureiro, et al., 2014; Jaimet, 2013; Loureiro, H., 2011). A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses, salienta a importância de manter e desenvolver centros de interesse pessoal para além dos profissionais, durante a vida ativa.
Jaimet (2013) destaca alguns fatores que impulsionam a tomada de decisão para a reforma, nomeadamente, o ambiente stressante do dia-a-dia, a falta de tempo para si e para os seus familiares, o aparecimento de problemas de saúde e a condição económico-financeira.
Loureiro (2011) refere que as expectativas, a perceção e os motivos da “entrada na reforma”, influenciam a forma como os indivíduos experienciam a transição. Aponta, ainda, que as principais alterações e/ou dificuldades percecionadas foram a adaptação à alteração das rotinas diárias, a dificuldade em ocupar o tempo e a diminuição do poder económico, onde as famílias constituíram a principal fonte de apoio, para fazer face às mesmas. Estas, percecionam a mudança simultaneamente com o individuo como ganhos e perdas deste processo. Assim, os resultados corroboram com Loureiro et al. (2015), onde é revelante a intervenção e inclusão das famílias no processo de transição saudável.
De acordo com os estudos analisados, atesta-se que a forma como os indivíduos encaram o trabalho, as suas condições e como planeiam antecipadamente a reforma, influencia a vivência da mesma (Jaimet, 2013). Na mesma linha de pensamento, Pocinho, Belo, Silva, Pardos, & Muñoz (2017) referem que aqueles que se preparam para a reforma com antecedência, são melhor sucedidos nesta fase.
Neste seguimento, os estudos de Pocinho, Belo, Silva, Pardos, & Muñoz (2017), Gaspar (2016) e França (2010), defendem a necessidade de promover programas de preparação para a reforma, no sentido de ajudar os indivíduos a lidar com as perdas e a potenciar ganhos associados a esta fase da vida. Segundo Gaspar (2016), estes programas deverão considerar a inclusão de atividades de formação, lazer e a promoção da integração e interação social. Na perspetiva de França (2010), os conteúdos dos programas podem ser subdivididos em fatores de sobrevivência ou de risco e fatores de bem-estar. Os fatores de sobrevivência ou de risco incluem a preparação financeira, a promoção da saúde, e a melhoria da qualidade de vida coletiva. Os fatores de bem-estar abrangem a diversidade e alocação de tempo para as atividades, a intensificação dos relacionamentos sociais e familiares, e ainda o trabalho e o empreendedorismo.
Pocinho, Belo, Silva, Pardos, & Muñoz (2017), no seu estudo, reforçam a importância de uma boa educação para a reforma traduzindo-se na forma como os seus beneficiários enfrentam os problemas de saúde, económicos e sociais, tornando-se melhor sucedidos nesta fase, experimentando um maior bem-estar e uma perspetiva mais ampla do envelhecimento.
Conclusão
A transição para a reforma é um fenómeno que envolve uma dimensão individual, familiar e social, constituindo um marco importante na trajetória de vida das pessoas. Neste sentido, planear esta transição torna-se fundamental para o desenvolvimento de estratégias que possam permitir maiores níveis de satisfação e menos stress psicológico durante a reforma, proporcionando um aumento da qualidade de vida.
Os artigos consultados são unanimes ao considerarem que os contextos culturais, sociais e económicos influenciam a forma como os indivíduos experienciam e veem a transição para a reforma, tendo a família um papel primordial na sua tomada de decisão.
Os indivíduos que preparam a reforma com antecedência são melhor sucedidos nesta fase, experimentando um maior bem-estar, em todas as dimensões. Esta preparação deve passar por programas com conteúdos de carácter informativo, lúdico e formativo, com conteúdos que evidenciem fatores de risco e de bem-estar, permitindo o desenvolvimento de grupos de reflexão, cuja prioridade é o projeto pessoal do futuro reformado. Através da análise dos estudos encontrados, verificou-se que este tem sido um tema pouco debatido e explorado. Facto que explica a dificuldade sentida em reunir estudos de investigação credíveis e devidamente contextualizados sobre a temática em estudo.
Reconhece-se como limitações, as opções metodológicas pela inclusão de artigos em acesso livre. De acordo com a análise realizada, a preparação para reforma é uma área que precisa de investimento científico e económico, que engloba a responsabilidade individual e coletiva. Neste sentido, é prioritária a criação de instrumentos de extrema utilidade para que as empresas cresçam e se desenvolvam economicamente, mas, acima de tudo, potenciar uma transição saudável e tranquila a todos os níveis.