Introdução
As alterações sociodemográficas verificadas nos últimos anos têm associadas profundas alterações na sociedade, com o agravamento dos índices de dependência e de necessidade dos cuidados mais elementares por parte das pessoas (INE, 2012; PORDATA, 2021). Perante esta situação, os cuidadores familiares desempenham um papel importante na rede de apoio informal, garantindo a continuidade de cuidados e o apoio/substituição nos autocuidados à pessoa dependente. Estes são na sua grande maioria, familiares que assumem este papel, desempenhando-o por períodos habitualmente longos, que se revelam extremamente desgastantes (Martins, Araújo, Peixoto, & Machado, 2016).
Esta prestação de cuidados é um processo árduo e repleto de obstáculos e desafios, com sérias consequências para o cuidador, pessoa dependente, família, comunidade e sociedade.
O cuidador vivencia frequentemente situações de stress, perante as quais tem de se munir de estratégias que lhe facilitem a transição, adaptação e o reencontro do seu desejado equilíbrio. A perceção e conhecimento destas estratégias, designadas estratégias de coping, pode facilitar todo o processo de transição e no modo como são vivenciadas as experiências associadas ao desempenho deste papel (Sequeira, Lange, Sousa, & Llano, 2018; Sequeira, & Sampaio, 2020).
Os enfermeiros, enquanto profissionais de saúde próximos da família e prestando cuidados diretos nas situações de transição, possuem conhecimentos que lhe permitem, capacitar os cuidadores familiares de estratégias de coping eficazes, para fazerem face às dificuldades inerentes à prestação de cuidados e, deste modo, manifestarem menores índices de sobrecarga e impacto negativo na sua saúde.
Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo geral caraterizar as estratégias de coping mais utilizadas pelos cuidadores familiares, antes e após a implementação de um Programa de Intervenção de Enfermagem. Os objetivos específicos definidos foram: 1) Analisar as estratégias de coping utilizadas pelos cuidadores familiares; 2) Determinar os estilos de coping predominante dos cuidadores familiares; 3) Analisar o impacte da implementação do Programa de Intervenção nas estratégias de coping utilizadas pelos cuidadores familiares.
Enquadramento/fundamentação teórica
A melhoria dos cuidados de saúde e o aumento da esperança média de vida são fatores preponderantes para o envelhecimento populacional que se tem verificado nos últimos anos. Esta é uma problemática transversal em sociedades tidas como desenvolvidas, com sérias consequências demográficas, económicas e sociais. Nos últimos censos realizados em 2011 em Portugal, constatou-se um aumento do índice de envelhecimento, sendo que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, 19,03% da população tem 65 anos ou mais (INE, 2012), este valor tem associado um aumento do índice de dependência total, 55,3% em 2019 (PORDATA, 2021). Ainda no contexto Nacional cerca de 65% das pessoas pertencentes ao grupo etário dos 65 aos 74 anos refere ter alguma doença crónica ou problema de saúde prolongado. “A proporção é mais elevada nas mulheres (66%) do que nos homens (62%)” (Ministério da Saúde, 2015, p. 84). Estes valores aumentam para 75% no grupo etário dos 75 ou mais anos.
Face à idade e nível de dependência emerge nesta população a necessidade de algum tipo de apoio, frequentemente assumido pelos seus familiares, designados de cuidadores informais. Este cuidador é a pessoa que, sendo familiar ou não, proporciona a maior parte dos cuidados, de forma parcial ou integral, responsável pela organização ou assistência, que presta cuidados e apoio à pessoa dependente nas suas Atividades de Vida Diária, sem receber qualquer remuneração por isso (Sequeira & Sampaio, 2020; Sequeira et al., 2018; Martins et al., 2016).
A família é, desde os tempos mais remotos, a unidade essencial no desenvolvimento da pessoa enquanto ser. De acordo com International Council of Nursing (ICN) (2019) é um grupo, ou unidade social composto por pessoas ligadas por laços de consanguinidade, ou por relações emocionais ou legais, promotoras de afinidade entre os seus membros, sendo a unidade ou o todo considerado como um sistema que é maior do que a soma das partes. Deve ser considerada numa perspetiva sistémica, integrando variáveis relacionadas com a sua autodeterminação, evidenciando principalmente os vínculos afetivos. “As famílias são compostas por vários subsistemas interdependentes, que formam uma unidade que é diferente e mais do que a soma dos subsistemas familiares ... a família como um sistema aberto em constante interação com o meio em que a família está inserida.” (Arestedt, Persson, & Benzein, 2013, p. 30).
Sendo neste núcleo que a pessoa nasce, cresce e se desenvolve e, neste sentido, finaliza o seu ciclo vital, é aí que, numa primeira fase, face a situações de dependência e necessidades específicas, inicia a sua busca por apoio, pelo que 96,3% das pessoas dependentes tem como cuidador, um familiar próximo que integra o papel de cuidador familiar (Branco & Paixão, 2008).
A necessidade de apoio/ prestação de cuidados está diretamente dependente de vários fatores, uns referentes à pessoa (como a idade, a doença, o tipo e grau de dependência), outros referentes ao próprio cuidador (como por exemplo a idade ou a disponibilidade) e outros ainda resultantes do relacionamento entre ambos. A escolha do cuidador por ser um processo complexo é determinada por vários fatores e influenciada pelos papéis, características e experiências dos membros da família, assim como a sua situação socioprofissional. Está ainda dependente das relações entre a pessoa dependente e o cuidador, tais como graus de parentesco, afinidade e proximidade geográfica (Martins, et al., 2016). O ajuste do papel de cuidador passa por um processo de transição centrado numa relação particular entre dois mundos distintos, cuidador e pessoa cuidada e pelo espaço de intersecção de ambos, sendo a aprendizagem e desenvolvimento do papel repleto de experiências únicas que tem em consideração o reconhecimento e integração de prestação de cuidados, mas também a compreensão de si exercendo esse papel de cuidador. A transição para o papel de cuidador familiar é um processo gerador de intensa ansiedade e stress, que implica uma adaptação a novas funções (Meleis, 2010). Desta transição podem advir problemas de saúde mental e física, sentimentos de frustração, ansiedade, inquietação e uma preocupação constante em quem cuida e em toda a sua família. A evidência científica tem demonstrado que, sentimentos de stress ou sobrecarga no cuidador familiar são influenciados, mas não unicamente determinados, pelo tipo de doença ou grau de incapacidade da pessoa idosa (Sequeira & Sampaio, 2020).
A definição de stress realça a relação entre a pessoa e o ambiente, que tem em consideração as características da pessoa por um lado e a natureza do evento que ocorreu por outro (Lazarus & Folkman, 1984). O ICN (2019) define Stress como “Status comprometido: sentimento de estar sob pressão e ansiedade ao ponto de ser incapaz de funcionar de forma adequada física e mentalmente; sentimento de desconforto; associado a experiências desagradáveis; associado à dor; sentimento de estar física e mentalmente cansado, distúrbio do estado mental e físico do indivíduo.”
Para fazer face aos novos desafios, os cuidadores familiares recorrem por vezes às designadas estratégias de coping, que Lazarus e Folkman (1984, p. 141) definem como “…coping como esforços cognitivos e comportamentais em constante mudança para gerir exigências externas e / ou internas específicas que são avaliadas como sobrecarga ou excedendo os recursos da pessoa”. Estas estratégias podem assim ser entendidos como um conjunto de esforços desenvolvidos pela pessoa para lidar com as situações de dano, ameaça ou desafio, quando não está disponível uma rotina ou uma resposta automática para confrontar a situação. A adaptação faz parte do processo de coping e é definida pelo (ICN, 2019). “Coping: gerir novas situações.” Se a capacidade de adaptação do cuidador é reduzida, provavelmente a sua resposta aos novos desafios será igualmente reduzida. Mas se o cuidador possui recursos para fazer face aos desafios levantados pela situação de crise, a probabilidade de resolução será maior e mais adequada à situação. Desta forma, estratégias de coping podem ser entendidas como o modo como as pessoas lidam com os problemas, ou seja, que tipo de estratégias utilizar em função da forma como percecionam as exigências e, principalmente, do grau de controlo que pensam deter sobre elas e dos recursos de que pensam dispor. A maior preferência ou disposição para determinada estratégia de coping por parte do indivíduo remete-nos para diferentes estilos. Lazarus e Folkman (1984) distinguiram duas formas de estratégias de coping, as focadas nas emoções e as focadas nos problemas. As focadas nas emoções consistem num processo cognitivo direcionado para a diminuição do distress emocional e inclui estratégias como o evitamento, a minimização, distanciamento, atenção seletiva, comparações positivas e tentar retirar valores positivos de eventos negativos. As focadas no problema são semelhantes às estratégias utilizadas na resolução de problemas, tais como os esforços direcionados para a definição do problema, ao tentar encontrar soluções alternativas, ponderar essas mesmas alternativas nos seus custos e benefícios, escolher uma mediante esse aspeto e colocá-la em prática. As estratégias de coping adotadas pelos cuidadores estão relacionadas com o seu nível educacional, capacidade cognitiva, conhecimentos, experiência de vida, habilidades sociais, apoio social, motivação, saúde, fatores de personalidade, autoconceito e autoestima (Sequeira, et al., 2018).
Os trabalhos de investigação de Meleis (2010) confirmam que nas experiências de transição vividas pelos familiares dependentes e respetivos cuidadores familiares, o apoio e a intervenção dos cuidados de enfermagem domiciliários produzem um efeito muito significativo na sua qualidade de vida, assim como manifestas implicações para as práticas nesta área. Cuidar de um familiar com dependência que pode ter origem em diversas causas surge, em muitas situações, de forma inesperada e o familiar que assume o papel de cuidador habitualmente não tem formação prévia nem se encontra preparado para o seu desempenho, pelo que, o apoio e contributo de várias instituições e de profissionais de saúde é essencial (Sequeira et al., 2018), designadamente, os enfermeiros (Sequeira et al., 2018). O trabalho desenvolvido por estes profissionais, no âmbito da capacitação do cuidador para estratégias de coping eficazes para a resolução de problemas associados ao cuidar do seu familiar dependente é destacado por diversos autores (Azman, et al., 2017; Salehi-tali, Ahmadi, Zarea, & Fereidooni-Moghadam, 2018), em contextos diversos, realçando o papel desempenhado por estes profissionais de saúde no apoio aos cuidadores familiares.
Entende-se assim que os enfermeiros são os profissionais que, perante uma pessoa em transição para o papel de cuidador familiar, poderão implementar intervenções eficazes, considerando a relação de proximidade com estes cuidadores familiares, devendo trabalhar com ele no sentido de manter e melhorar a sua saúde, assim como do familiar recetor de cuidados. O conhecimento das estratégias de coping que são preferencialmente utilizadas pelos cuidadores familiares, assim como os estilos de coping predominantes, são importantes para implementar intervenções estruturadas e contextualizadas às exigências e necessidades demonstradas em cada situação.
Metodologia
Foi realizado um estudo quase-experimental (não teve um grupo de controlo), em aproximação à investigação ação, numa abordagem quantitativa, longitudinal, tendo a colheita de dados decorrido entre abril de 2013 e março de 2014, com uma amostra de conveniência de 70 cuidadores familiares. Os critérios de inclusão foram: ser cuidador familiar (preferencialmente pela primeira vez); prestar cuidados a uma pessoa dependente, em pelo menos uma atividade de vida diária; assumir o papel de responsabilidade pela organização da prestação de cuidados; ser o cuidador principal, apesar de poder existir mais do que um cuidador informal; aceitar participar no estudo ao longo de um período de três meses; pertencer a uma das unidades de saúde selecionadas. Os critérios de exclusão foram: ser cuidador formal; ser cuidador de pessoa referenciada por necessidade de cuidados paliativos; ausência de cuidador principal ou de referência; não aceitar participar no estudo. Os participantes do estudo foram integrados, após alta hospitalar, através da referenciação das pessoas com dependência e necessidade de cuidados, para uma das três ECCI (Equipas de Cuidados Continuados Integrados) de um Agrupamento de Centros de Saúde da Região Norte de Portugal.
Após uma primeira visita domiciliária realizada pelo investigador, em que era explicado o estudo e obtido o respetivo consentimento do cuidador familiar. Foram colhidos dados sociodemográficos, através de questionário, para a obtenção de informações pertinentes sobre o cuidador, recetor de cuidados e agregado familiar e do o Questionário Brief COPE (Ribeiro & Rodrigues, 2004) para avaliação de estratégias de coping utilizadas pelo cuidador familiar. Neste instrumento o cuidador familiar indicou a frequência com que recorre a determinada estratégia, optando por assinalar a sua opção, a que corresponde uma pontuação respetiva, num crescendo conforme a utilização da estratégia assinalada, (1) “Não/Nunca”, (2) “Faço isto por vezes”, (3) “Em média é isto que faço” e (4) “Faço quase sempre isto”. A análise deste instrumento foi realizada com o somatório dos dois itens que correspondem a cada uma das estratégias de coping, sendo que esta varia entre 2 para as que são menos utilizadas e 8 para as mais implementadas pelos cuidadores. O Brief COPE tem como objetivo determinar quais as estratégias de coping que a pessoa utiliza face às situações stressantes da vida, sendo composto por 14 subescalas (Ribeiro & Rodrigues, 2004). Após esta primeira visita, foram realizadas em média mais 5 visitas a cada cuidador familiar (total de 6 visitas domiciliárias), por um período médio de 3 meses, nas quais foi implementado um Programa de Intervenção de Enfermagem, estruturado com intervenções no domínio do apoio instrumental (assistir nos diferentes autocuidados), e psicoemocional (promover papel de cuidador, promover apoio social, promover processo familiar efetivo, stress do cuidador). Este foi igual para todos os cuidadores, incidindo sobre estes dois domínios, contudo, a sua implementação seguiu um plano individual de cuidados específico para cada cuidador familiar, no sentido de dar resposta às necessidades evidenciadas por cada um em cada momento e o cumprimento aos objetivos previamente estabelecidos. Na última visita domiciliária, foi preenchido novamente do questionário de Brief COPE, o que permitiu perceber o impacto do Programa de Intervenção de enfermagem implementado, as estratégias e estilos de coping predominantes.
Todos os pressupostos éticos foram salvaguardados. Assim, previamente ao início do estudo foi solicitado parecer à Comissão e Ética da Administração Regional de Saúde do Norte (Parecer nº 62/2012, de 11 de dezembro de 2012) e pedido de autorização para realização do estudo integrado nas respetivas unidades de saúde. Os pedidos tiveram todos parecer favorável. Cada participante foi esclarecido dos objetivos do estudo, bem como dos procedimentos a utilizar durante a investigação, tendo assinado o consentimento informado. Foi assegurada anonimização e a confidencialidade dos dados. Os autores dos instrumentos utilizados foram também contactados no sentido de autorizarem a sua aplicação. Os dados foram processados com recurso ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 23.0. Considerando que os dados obtiveram uma distribuição normal, optámos pela utilização de testes paramétricos, recorrendo-se ao Teste t de student para amostras emparelhadas para perceber as diferenças encontradas entre o início e o final da implementação do Programa, nas diferentes variáveis em estudo.
Resultados
Analisando os dados obtidos através do preenchimento do questionário sociodemográfico, constatou-se que a amostra de conveniência foi constituída por 70 cuidadores familiares, com idades compreendidas entre os 25 e os 85 anos (média de idades de 60 anos). A grande maioria, 42 (60%) era residente em concelho de misto (rural/urbano), seguindo-se os do concelho predominantemente rural (n=20; 28,6%) e apena 8 (11,4%) residiam em concelho urbano. Destes familiares, 67,1% (n=47) estava a integrar este papel pela primeira vez, sendo que apenas 32,9% (n=23) já tinha tido experiências anteriores no âmbito da prestação de cuidados a alguém com dependência. Na Tabela 1 estão sintetizadas as principais características sociodemográficas dos cuidadores que incluíram a amostra. A maior parte destes (78,6%) coabitavam com a pessoa dependente e 1,4% vivia em casas diferentes, mas no mesmo edifício, 10% viviam a uma distância passível de ir a pé, 10% dos cuidadores viviam a uma distância até 10 minutos de carro, de autocarro ou de comboio do seu familiar. A acrescer à assistência prestada ao familiar com dependência, dez cuidadores (14,4%) realçaram também ter outra pessoa dependente a quem tinham de prestar cuidados, destes, 2,9% era o marido, 2,9% era o pai, 2,9% era o filho/a, 2,9% era o tio/a e 1,4% era o sogro.
No que se refere à pessoa dependente, recetora de cuidados, estas apresentaram graus de dependência variável. Deste modo, 24,3% dos familiares dependentes eram parcialmente dependentes, 27,1% eram moderadamente dependentes e 48,6% eram gravemente dependentes. Em apenas 20% dos casos, esta situação surgiu de forma progressiva, sendo que a maioria das dependências (52,9%) ocorreu na sequência do agravamento de uma patologia e 27,1% resultante de um acontecimento abrupto. No que concerne às situações patológicas predominantes, 24,2% ocorreram devido a um Acidente Vascular Cerebral, 10% devido a doenças neurológicas (Alzheimer e Parkinson), 10% devido a doenças cancerígenas (predominantemente do aparelho digestivo), 2,8% devido a doenças vasculares e 1,4% devido a encefalite. Quanto aos acontecimentos abruptos, a grande maioria decorreu de quedas com fraturas ósseas dos membros inferiores (25,2%) e apenas 2,8% ocorreram devido a acidentes com veículos motorizados. Relativamente ao Questionário Brief COPE, foram determinadas as características psicométricas na amostra em estudo. Na primeira avaliação (N=70), os valores de alfa de Cronbach variam entre 0,23 para a subescala “Auto culpabilização” e 1,00 para “Uso de Substâncias”. Na segunda avaliação (N=62) foram alcançados valores de alfa de Cronbach entre 0,14 para a subescala “Aceitação” e 0,96 para “Humor” (Tabela 2).
Os níveis de consistência interna obtidos variam entre o inadmissível, pois são inferiores a 0,60 e o muito bom, com valores de alfa de Cronbach superiores a 0,90. Considerando os valores de alfa de Cronbach inferiores a 0,30 obtidos nas estratégias Auto Culpabilização e Aceitação nos dois momentos de avaliação, representativos de uma fidelidade demasiado baixa, optámos por não realizar a análise destas duas estratégias de coping. Além deste aspeto, considerando o valor de alfa de Cronbach igual a 1 alcançado na estratégia Uso de Substâncias na avaliação inicial, demonstrativo de uma fidelidade também questionável, optámos por desconsiderar também os resultados alcançados na avaliação inicial.
Quanto às estratégias de coping mais utilizadas pelos cuidadores familiares, na Tabela 3 apresentamos os resultados obtidos em cada dimensão do Brief COPE, salientando-se o Coping Ativo (média 6,90; sd 1,35), o Planear (média,6,40; sd 1,17), o que lhes permitia abordar calma e racionalmente formas para ultrapassarem os seus obstáculos. Para além destas duas estratégias focadas, os cuidadores recorriam igualmente bastante a estratégias de focadas nas emoções, como por exemplo a Religião (média 6,64; sd 2,05), o que demonstrou que obtinham importante conforto nas suas crenças religiosas.
Na avaliação final do Brief COPE, realizada após os 3 meses de visitas domiciliárias e intervenções, na Tabela 4 apresentamos os resultados obtidos para cada dimensão do Brief COPE, pelo que destacamos o facto de que os cuidadores implementavam mais estratégias do tipo Coping Ativo (média 7.65; sd 0.91), Planear (média 7.18; sd 0.93), o que demonstrou uma maior proatividade dos cuidadores em procurar soluções para a resolução dos seus problemas e ultrapassar os obstáculos com que se depararam. Além destas, foram igualmente utilizadas estratégias de coping focalizadas nas emoções e crenças, pelo que se destaca igualmente o recurso frequente à Religião (média 7.13; sd 1.73).
Relativamente às diferenças entre as estratégias de coping utilizadas antes e após a implementação do Programa de Intervenção, na Tabela 5 apresentamos os dados resultantes do tratamento estatístico realizado. Deste modo, as mudanças ocorridas não foram tão expressivas, tendo-se registado diferenças estatisticamente significativas em apenas algumas subescalas. As diferenças mais significativas, em termos estatísticos (p<0,01) denotaram-se ao nível da Auto Distração, do Coping Ativo, da Utilização de Suporte Social e Emocional, e a nível do Planear. Também ocorreram diferenças importantes (p<0,05) ao nível das estratégias Utilização de Suporte Instrumental e Reinterpretação Positiva, sendo que os resultados demonstraram que os cuidadores recorriam mais a estas estratégias aquando do momento de avaliação final.
Discussão
A análise dos dados obtidos no final do estudo permitiu afirmar que, relativamente às estratégias de coping, ocorreu um aumento mais significativo do recurso a estratégias que preconizam a resolução de problemas, como os esforços e medidas para enfrentar melhor a situação vivenciada, pedir conselhos e ajuda a outras pessoas que passaram pelo mesmo, mas também encontrar estratégias para melhor prestarem cuidados.
No mesmo sentido, Azman et al (2017) destacaram as atividades de suporte social, nomeadamente religião, apoio emocional, aceitação, entre outras. Além disso, os cuidadores que participaram nesta investigação passaram a recorrer menos à rejeição e negação da situação vivenciada, menor uso de medicamentos e/ou outras substâncias, desistir menos de se esforçar e de atingir os seus objetivos, exprimir menos os seus sentimentos de aborrecimento, responsabilizar-se menos pela situação que está a vivenciar e recorrer menos a estratégias de brincadeira e humor.
Apesar do aumento verificado relativamente à mobilização de estratégias que permitiram aos cuidadores familiares fazerem face aos desafios e obstáculos vivenciados, as diferenças constatadas não são estaticamente significativas face à avaliação inicial, assim como o observado a nível de tentar aceitar o que está a vivenciar e aprender a viver com a situação e tentar encontrar conforto na religião, estratégias às quais passaram a recorrer mais. Estes dados são congruentes com os de Machado, Dahdah, & Kebbe (2018), os quais destacaram as estratégias de coping centradas na resolução do problema e religião, sendo que estas tipologias passaram a serem utilizadas em maior número de ocasiões. Estas permitiram diminuir a pressão e ansiedade associada à perceção de problemas e obstáculos durante a prestação de cuidados.
Apesar de não serem as mais utilizadas, as estratégias focadas nas emoções passaram também a ser utilizadas num maior número de ocasiões. Estas foram destacadas por Cruz, Loureiro, Silva, & Fernandes (2010) que, numa revisão sistemática da literatura sobre as vivências do cuidador do familiar dependente, constataram que as estratégias de coping são essencialmente centradas nas emoções, no estabelecimento de prioridades, nas crenças religiosas, na procura constante do lado positivo da situação e na resposta de apoios formais.
Em síntese, neste aspeto, podemos afirmar que, no final deste estudo, os cuidadores familiares estavam a utilizar mais estratégias de coping ativas face aos seus problemas, para assim conseguirem transpor os obstáculos com que se depararam, deixando de ser tão passivos face ao contexto em que estavam inseridos, também graças às intervenções implementadas no âmbito do Programa de Intervenção e aos ensinos realizados e apoios disponibilizados.
Congruentes com estes resultados, Tabeleão, Tomasi, & Quevedo (2017) destacam a importância de intervenções no domínio psicoeducativo, no sentido de informar como lidar com a doença, disponibilizar apoio emocional e implementar estratégias de coping e de gestão de stress eficazes. Num outro estudo realizado no sentido de perceber a eficácia das estratégias centradas na resolução de problemas e ajudar a diminuir a ansiedade e depressão, Ferré-Grau et al (2013) demonstraram que ocorreu uma melhoria significativa a nível da ansiedade e depressão dos cuidadores, destacando como aspetos positivos a satisfação deste.
O papel desempenhado pelos enfermeiros foi também um aspeto realçado na presente investigação, no trabalho desenvolvido junto dos cuidadores familiares para a sua capacitação para a melhor gestão dos problemas e obstáculos. A implementação de intervenções estruturadas e contextualizadas, permitiram aos cuidadores uma melhor adaptação e um coping mais eficaz.
São vários estudos que destacam o trabalho desenvolvido por estes profissionais de saúde, realçando a necessidade de que o enfermeiro participe ativamente nos grupos de apoio aos cuidadores familiares, no sentido de os capacitar para a gestão de conflitos e proporcionar cuidados de qualidade. Mingote, Corte, Marques, & Mendes (2020) destacaram a importância da necessidade de implementar intervenções que potenciem as estratégias de coping que permitam otimizar o papel de cuidador. Também Azman, Singh, & Sulaiman (2017), analisando as estratégias de coping utilizadas por cuidadores de familiares com dependência psiquiátrica, destacaram a necessidade de treino específico dos profissionais, no sentido de capacitar os cuidadores com estratégias de coping ajustadas ás suas situações.
Num estudo em que foram analisadas as estratégias utilizadas por cuidadores familiares de pessoas a realizar hemodiálise, Salehi-tali et al (2018) destacaram a importância dos enfermeiros nos cuidados prestados aos seus clientes. Apesar de verificarmos que os cuidadores recorreram a um maior número de estratégias de coping, o que indica uma maior capacidade na utilização dos recursos que tinham ao seu dispor para lidar com os desafios inerentes aos cuidados, não foi possível identificar claramente o estilo de coping predominante, ativo ou passivo, conforme indicado por Carver (1989).
Conclusão
A implementação de estratégias eficazes para melhor de gestão do stress e ansiedade gerados pela transição para o papel de cuidador familiar revelam-se de elevada importância, com impacto direto na saúde da pessoa que cuida, na pessoa recetora de cuidados e, por consequência, na comunidade e na sociedade. Neste domínio, a saúde da pessoa é afetada por inúmeros fatores, sendo a prestação de cuidados ao familiar dependente um processo exaustivo, com inúmeros desafios e/ou problemas, sobrecarga de vários domínios associada, pelo que as consequências negativas para o cuidador familiar são diversas.
O papel do enfermeiro é realçado, pois este é o profissional de saúde que desempenha um papel privilegiado e de proximidade e, estando dotado das competências especificas, poderá implementar intervenções estruturadas e contextualizadas para que, possa facilitar às pessoas intervenientes neste processo experiências mais favoráveis e positivas.
No final desta investigação, apesar de não ser possível definir um estilo de coping predominante, destacou-se o fato de que os cuidadores familiares recorreram num maior número de ocasiões às estratégias que consideraram serem as melhores para fazer face aos obstáculos. De destacar que as estratégias focadas na resolução de problemas tiveram um aumento significativo, sendo esta tipologia a mais destacada como a mais favorável para um coping eficaz.
Como implicação para a prática, espera-se que este trabalho seja um elemento facilitador na estruturação de intervenções de enfermagem junto de cuidadores familiares. Seria positivo que estudo semelhante fosse replicado em outros contextos no domínio dos cuidadores, no sentido de se melhorar a evidência científica, destacar e otimizar o trabalho desenvolvido.
Como limitações do estudo salienta-se o tamanho da amostra, que a ser maior poderia alcançar resultados mais significativos e expressivos. Além disso, estudo pode ser reproduzido considerando os diferentes tipos de dependência e cuidados prestados, para assim percecionar a tipologia de estratégias de coping utilizadas nestes domínios.