Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a 11 de março de 2020 a COVID-19, como uma pandemia, o que incitou mudanças nas dinâmicas hospitalares. No mesmo comunicado a OMS declarou a necessidade de capacitar os profissionais de saúde para esta nova realidade (ONU, 2020).
Esta pandemia COVID-19 trouxe um conjunto de emoções negativas na população em geral (Brooks et al., 2020), das quais são retratadas a tristeza, a angústia e o medo (Faro et al., 2020).
A vulnerabilidade é um termo derivado do latim (vulnus: ferida) e significa a possibilidade de uma pessoa ser ferida, sendo por esse motivo considerada um princípio ético. Assim todo o ser humano, em todas as suas dimensões, é um ser vulnerável. Contudo, esta vulnerabilidade vê-se acrescida quando a pessoa por uma situação de doença fica internada e com perda da própria autonomia (Rato, 2018). De facto, a vulnerabilidade do paciente depende ainda de características próprias e que são independentes da sua situação clínica, como a idade, educação, cultura e situação social (Direção Geral da Saúde, 2015).
No processo de internamento de indivíduos com défice cognitivo, como por exemplo pacientes com demência, deve-se ter em consideração a sua vulnerabilidade acrescida e por isso a necessidade de uma presença familiar (DGS,2015). O que também foi afetado de forma notória durante a pandemia, uma vez que foram restritas as visitas nos Hospitais (DGS,2020).
A motivação para a realização deste trabalho prende-se com a necessidade de refletir sobre como os pacientes, seres vulneráveis, vivenciam o seu internamento durante a pandemia COVID-19, ou seja, que impacto a pandemia tem na transição saúde-doença. Estes vão apresentar emoções diversas, relacionadas com a doença aguda que motiva o internamento, com o medo de partilharem enfermarias com outros pacientes e com a ausência de visitas dos seus familiares ou cuidadores.
Quando é diagnosticada uma doença a um indivíduo saudável, ocorre uma mudança na vida deste relacionada com a sua saúde. Esta passagem de uma condição a outra é definida por transição (Meleis, 2010). A Enfermagem relaciona-se com as experiências humanas de transição, onde a saúde e o bem-estar podem ser consequência da intervenção dos enfermeiros. Assim, percebe-se a transição como um dos conceitos centrais da Enfermagem (Ribeiro et al., 2018).
Sendo o público-alvo do estudo os pacientes internados durante a pandemia COVID-19, é espectável que os mesmos se encontrem no processo de transição saúde-doença. Este processo exige dos profissionais uma comunicação clara e eficaz, para auxiliar os pacientes nas suas diferentes vivências (Apolónia et al., 2018).
É o enfermeiro que durante o internamento tem influência neste processo de introdução de estratégias de coping ao paciente. Segundo Meleis (2010) o enfermeiro é o agente facilitador desta transição.
O coping pode ser definido como um conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais implementadas pelos indivíduos para lidar com as exigências internas e externas da sua relação entre a pessoa e o ambiente. Estas estratégias têm como objetivo reduzir o impacto das adversidades que surgem ao longo da vida, aumentando níveis de bem-estar psicológico e diminuindo os de sofrimento (Lazarus, 1966).
Segundo o ICN (2019), o coping define-se como a gestão do stress, a presença de sensação de controlo e de aumento do bem-estar psicológico.
O bem-estar psicológico define-se com base nos recursos psicológicos que a pessoa apresenta, e inclui processos cognitivos, afetivos e emocionais, tendo como premissa a aceitação de si, crescimento pessoal, objetivos na vida, relações positivas com os outros, domínio do meio e autonomia (Pereira et al., 2018).
O enfermeiro no exercício da sua atividade profissional centraliza-se na promoção da saúde, na prevenção da doença, no tratamento, na reabilitação e na reinserção social (decreto-lei nº 161/96).
Os conceitos que formam o metaparadigma da Enfermagem são pessoa, ambiente, saúde e Enfermagem (Ribeiro et al., 2018). Com a apresentação do tema deste estudo percebe-se a implicância que a pandemia COVID-19 trouxe à Enfermagem.
Assim, o papel do enfermeiro durante a pandemia tem sido alvo de diversos estudos, uma vez que sofreu alterações, é agora exigida competência técnica e humana para um cuidado efetivo e seguro perante um vírus recente (David et al., 2021). Desta forma têm sido criadas estratégias e planos para a gestão de stress, evitando assim o Burnout (Faro et al., 2020), mas o paciente também experiência um conjunto de emoções que devem ser alvo da nossa atenção e investigadas para uma prática baseada em evidência mais significativa para o paciente, readaptando o papel do enfermeiro às novas necessidades trazidas pela pandemia COVID-19.
Assim, o objetivo desta revisão integrativa foi identificar as emoções vivenciadas pelos pacientes no internamento, durante a pandemia COVID-19. No estudo foram incluídos pacientes com e sem diagnóstico de COVID-19 com o objetivo de avaliar se há diferentes vivências experienciadas pelos dois grupos.
Procedimentos metodológicos de revisão
Realizou-se um estudo de revisão integrativa da literatura, iniciando-se pela identificação da pergunta de investigação, através da estratégia PICO: Quais as emoções vivenciadas pelos pacientes no internamento hospitalar, com a pandemia COVID-19? Neste estudo os participantes (P) são os pacientes internados com ou sem diagnóstico COVID-19, a intervenção (I) que diz respeito ao internamento durante a pandemia COVID-19; a comparação (C), não é aplicável no estudo, e os resultados (Outcomes) relativos às emoções vivenciadas.
A colheita de dados ocorreu durante o mês de fevereiro de 2021 na plataforma EBSCOhost WEB onde se englobaram a Academic Search Complete, CINAHL® Complete, CINAHL® Plus with Full Text, MedicLatina, MEDLINE® e MEDLINE®, com recurso aos descritores MeSH Patients, Emotion e COVID-19 no resumo de artigos. A frase booleana do estudo foi “patients” AND “emotion” AND “COVID-19”. Os critérios de inclusão definidos na pesquisa foram publicações nos idiomas de português, inglês e espanhol, no período de 2020 a 2021. Como critérios exclusivos foram definidos estudos fora do âmbito de internamento e com público-alvo crianças, adolescentes, grávidas e profissionais de saúde.
Da pesquisa elaborada extraíram-se 117 artigos, aos quais se juntou 1 artigo encontrado durante uma pesquisa primária, pela pertinência do conteúdo apresentado para o presente estudo (Nielsen et al., 2021). Neste é realizado um estudo qualitativo em pacientes internados sem diagnóstico de COVID-19.
Na fase inicial, procedeu-se a uma leitura crítico-reflexiva dos títulos por três investigadores, seguindo-se a leitura dos resumos e estudos, pelos cinco investigadores de forma independente. Excluiu-se 80 artigos após leitura do título, 17 artigos após leitura do resumo, 10 artigos por se encontrarem repetidos e 2 artigos após leitura integral por não apresentarem os critérios de inclusão definidos para o presente estudo. Foram assim, excluídos estudos fora do âmbito de internamento e com públicos-alvo distintos.
Atendendo aos critérios de inclusão e exclusão, alcançou-se uma amostra de 9 artigos para análise e obtenção de informação final. A figura 1 apresenta o procedimento de seleção dos artigos a analisar, segundo a metodologia PRISMA (Moher et al., 2015).
Resultados
Após a aplicação dos critérios, a amostra final integrou 9 artigos (Lee-Baggley & Thakrar, 2020; Hao et al., 2020; Rathore et al., 2020; Gil & Arroyo-Anlló, 2021; Sun et al., 2021; Dovbysh & Kiseleva, 2020; Nielsen et al., 2021; Ye et al., 2021; Zhong, Liu, Lee, Zhao, & Ji, 2021). Da análise dos estudos obtidos, apresentam-se os resultados à luz da questão de investigação inicial e dos objetivos da presente revisão integrativa.
De modo a facilitar a análise de cada artigo, optou-se pela identificação de todos os aspetos relacionados com as vivências experienciadas pelos pacientes no internamento, com a pandemia COVID-19. A tabela 1 apresenta os estudos selecionados para análise.
Neste contexto, foram destacados de cada um dos artigos selecionados os diferentes tipos de vivências e enquadrados de acordo com os focos de Enfermagem presentes na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) e respetivas subdivisões estabelecidas pela mesma (ICN, 2019).
Assim, as vivências foram agrupadas em emoções, comportamento, sentimento, processo de coping e crença.
No que diz respeito às emoções a presente revisão identificou as seguintes vivências: humor depressivo (A1, A2, A3, A4, A6 e A8), medo (A1, A2, A3, A7, A8 e A9), ansiedade (A1, A3, A7, A8 e A9), tristeza (A1 e A6), raiva (A1 e A7), solidão (A2 e A7), alegria (A1), confiança (A2), desespero (A7), fadiga (A8), falta de esperança (A2), insegurança (A2) e sofrimento (A4).
O humor depressivo, o medo e a ansiedade são as vivências relacionadas com as emoções mais referidas nos artigos analisados.
O humor depressivo foi tanto retratado por pacientes internados com COVID-19 ou com outros diagnósticos médicos (Lee-Baggley & Thakrar, 2020; Hao et al., 2020; Rathore et al., 2020; Gil & Arroyo-Anlló, 2021; Dovbysh & Kiseleva, 2020; Ye et al., 2021).
A pandemia e as restrições advindas trouxeram consequências negativas na saúde do idoso como o sofrimento (Gil & Arroyo-Anlló, 2021). Mas há ainda possibilidade de experienciar emoções adversas durante esta pandemia como tristeza, raiva, medo, ansiedade ou, pelo oposto, alegria (Lee-Baggley & Thakrar, 2020).
Hao et al. (2020) acrescenta emoções como a falta de esperança, insegurança ou contrariamente, confiança relativamente ao seu estado clínico, evolução da doença e reabilitação. Aborda ainda a solidão vivenciada por parte dos pacientes durante o internamento que é corroborado por Nielsen et al. (2021).
A fadiga pode ser diminuída se os pacientes apresentarem conhecimento sobre a sua situação clínica e doença (Ye et al., 2021).
Durante o internamento os pacientes geriátricos, sem doença COVID-19, retratam a emoção, desespero pela perda de autonomia e identidade pelo contexto das necessidades de isolamento e distanciamento, o que lhes faz sentir saudades e medo de esquecer os seus familiares. Estas vivências foram extremamente dolorosas para alguns pacientes, enquanto outros experienciaram a sensação de conflito entre estes e sua família, devido à perda de memória e dificuldades em lembrar e compreender a situação da COVID-19 (Nielsen et al., 2021).
Em relação ao comportamento a vivência identificada foi o abandono (A2 e A7). O abandono foi relatado em pacientes com COVID-19, que em situações de isolamento devido à doença sentiram-se abandonados pela família (Hao et al., 2020) ou que pelas restrições das visitas apresentaram a mesma vivência (Nielsen et al., 2021).
O foco sentimento salientado foi o stress (A1, A2, A3, A5, A6 e A8). O stress prejudica alguns aspetos cognitivos, como a concentração, memória, atenção, resolução de problemas e tomada de decisão (Lee-Baggley & Thakrar, 2020). Para além disso, tem consequências na recuperação da condição clínica, qualidade de vida e saúde mental (Ye et al., 2021).
No processo de coping foi retratado ao longo da análise a negação (A2 e A5) e a gratidão (A1).
Os pacientes apresentam negação associada ao diagnóstico de COVID-19, por ser uma doença recente e sem um tratamento definido
(Hao et al., 2020; Sun et al., 2021). A gratidão é uma vivência retratada por pacientes internados que durante a pandemia experienciam uma dualidade entre vivências positivas e negativas (Lee-Baggley & Thakrar, 2020).
Por último, a vivência de crença observada foi o estigma (A2 e A5).
O estigma apenas foi retratado em pacientes com COVID-19. E este verifica-se por parte da família e sociedade pelo risco de contrair este vírus desconhecido (Hao et al., 2020; Sun et al., 2021).
Discussão
A pandemia ocasionou novos desafios para saúde a nível mundial apresentando grande impacto a nível psicossocial. Assim, entende-se a importância do papel do enfermeiro como facilitador no processo de transição saúde-doença.
Com o estudo concluiu-se que os pacientes internados por COVID-19 apresentam as vivências confiança, fadiga, falta de esperança, insegurança e negação.
Comparativamente, os pacientes internados sem diagnóstico de COVID-19 relataram vivências como raiva, alegria, desespero, sofrimento e gratidão.
Foi simultâneo a ambas as amostras humor depressivo, medo, ansiedade, tristeza, solidão, abandono e stress.
Desta forma, verifica-se que em qualquer grupo desta amostra se apresentam vivências positivas e negativas independentemente do diagnóstico COVID-19, o que nos sugere que é indispensável a adoção de novas estratégias durante a prática de Enfermagem.
Com esta revisão foi possível também verificar que as vivências positivas apresentadas pelos pacientes se deviam a modelos de intervenção, como o Modelo CARE, assente numa abordagem holística (Rathore et al., 2020) ou estratégias previamente usadas para minimizar o impacto do uso de máscara, por exemplo através de máscaras com transparência (Gil & Arroyo-Anlló, 2021).
E assim, com base nos artigos selecionados pode-se reunir orientações para os cuidados de Enfermagem no sentido de facilitar a vivência do paciente hospitalizado, durante a pandemia COVID-19.
O enfermeiro tem a possibilidade de facilitar a transição saúde-doença, durante o período de internamento na pandemia, com recurso a estratégias de coping (A1, A2, A5, A6, A7, A8), educação para a saúde (A8, A9), empatia (A2, A3, A4, A7), cuidado holístico (A2, A3), suporte social (A4) e suporte familiar (A4, A5).
Em contexto de saúde, deve primar-se pelo cuidado holístico ao paciente para atender às necessidades físicas e mentais individuais (Hao et al., 2020). A presença do profissional de saúde e a empatia que este estabelece transmite tranquilidade e consequentemente confiança no plano de tratamento, o que promove a redução do stress (Rathore et al, 2020).
São igualmente apontadas estratégias de coping centradas na resolução do problema, focadas na emoção e suporte social que os profissionais de saúde podem utilizar para apoiar o paciente na gestão emocional e mudança de comportamento (Lee-Baggley & Thakrar, 2020).
Neste sentido Ye et al. (2021) propõe a educação para a saúde, através da melhoria do conhecimento e, consequentemente, a perceção sobre a doença, afetando as emoções do paciente e estratégias de coping podendo assim reduzir a ansiedade, trazer benefícios para a saúde mental e melhorar a adesão ao tratamento.
Segundo Zhong et al. (2021) os profissionais de saúde foram qualificados como a fonte mais confiável de transmissão de informação e conhecimento. O estudo reafirma que é importante que as intervenções de saúde pública incorporem educação relacionada à COVID-19, adaptada à população vulnerável como a geriátrica.
Por último, são referidos o suporte social e familiar como fatores facilitadores na vivência do paciente durante o seu internamento (Sun et al., 2020).
Com os resultados observados percebe-se a importância do papel do enfermeiro no cuidado aos pacientes hospitalizados. Este deve recorrer a estratégias, relacionadas com a essência do cuidar, de modo que o paciente faça uma melhor gestão das suas vivências.
Conclusão
Os resultados fornecem informação sobre as diversas emoções vivenciadas pelos pacientes hospitalizados durante a pandemia COVID-19 que podem influenciar a sua recuperação, ganhos em saúde e consequentemente os custos em saúde.
Com o estudo concluiu-se que os pacientes internados por COVID-19 apresentam vivências como confiança, fadiga, falta de esperança, insegurança, negação, raiva, alegria, desespero, sofrimento, gratidão, humor depressivo, medo, ansiedade, tristeza, solidão, abandono e stress.
O tipo de vivência positiva ou negativa não se relaciona com o diagnóstico de COVID-19.
Os enfermeiros têm um papel importante no cuidado holístico à pessoa e funcionam como facilitadores no processo de transição dos pacientes, devendo promover o seu desenvolvimento e capacitação com estratégias de coping centradas na resolução do problema, focadas na emoção e suporte social para uma melhor gestão das vivências.
No futuro poder-se-á integrar pacientes mais idosos e mais vulneráveis (ter em consideração as suas características e dados sociodemográficos) desenvolvendo estudos na população portuguesa percebendo como se poderá integrar estas estratégias nos cuidados de Enfermagem.
Uma vez que na nossa revisão se verificou o uso de questionários online, em dois estudos, a amostra não incluiu indivíduos mais vulneráveis, assim, devem ser utilizados métodos de colheita de dados mais diversificados e adaptados aos vários contextos.
Outra limitação da presente investigação relaciona-se com as amostras reduzidas dos estudos analisados, que pode conferir alguns vieses aos resultados apresentados.
É fundamental a realização de mais estudos, como ensaios clínicos randomizados, com uma amostra diversificada, e assim auxiliarem os enfermeiros a percecionar melhor as vivências experienciadas pelos pacientes com ou sem diagnóstico de COVID-19 durante o internamento após a pandemia atual.
O contexto cultural em que cada pesquisa foi conduzida, pode afetar a extrapolação dos resultados para outras sociedades culturalmente diferentes. O desenvolvimento do conhecimento e de competências pelos profissionais de saúde para a pandemia COVID-19 auxiliará também a conduta futura perante situações semelhantes.
Sendo uma temática recente não é possível comparar os resultados obtidos à luz de outros estudos realizados.
Consideramos pertinente a realização de estudos futuros que avaliem as vivências, bem como as repercussões das mesmas nos pacientes a longo prazo.
A presente revisão integrativa será um contributo distinto para o desempenho profissional do enfermeiro, que com as contribuições deste estudo pode delinear cuidados de Enfermagem direcionados ao paciente. Assim, prestar-se-ão cuidados com maior segurança e qualidade. Um dos principais objetivos será atenuar as vivências negativas relacionadas com o internamento durante o período da pandemia e, através das estratégias apresentadas, facilitar o processo saúde-doença e auxiliar o paciente a apresentar vivências positivas. Desta forma, verificar-se-ão ganhos em saúde, maior satisfação do paciente e consequentemente ganhos para os enfermeiros e instituições de saúde.
Concluindo, o grupo de trabalho defende a relevância do presente estudo, apesar das limitações apresentadas, o mesmo será uma mais-valia para uma orientação da prática de Enfermagem, uma vez que reflete sobre problemas humanos e éticos relacionados com a transição saúde-doença, particularmente relevante em tempos de pandemia, bem como as possíveis estratégias de Enfermagem para o minorar.